terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Congresso 'inimigo' é retrato do povo. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Poder Legislativo não deve ser confundido com a atuação dos eleitos e eleitas para dar expediente por lá

Pessoas podem ser trocadas pelo voto, mas a instituição permanece guardada por cláusula pétrea da Constituição

O mote "Congresso inimigo do povo" pode ser visto de várias formas: como um achado de palanque, um ataque equivocado a um dos pilares da República ou um elogio àquele tipo de populismo que rejeita a política e dá margem ao atraso e a aventuras nefastas.

Numa compreensão mais elaborada, pode também ser recebido como alerta didático, um chamado à responsabilidade do eleitorado como agente formador da composição do colegiado.

Se o atual Parlamento se comporta de maneira antagônica à sociedade, haveria nesse raciocínio um estímulo à eleição de representantes parceiros em 2026. Aí, no entanto, existe uma complicação: a aplicação do conceito de amizade ou inimizade de acordo com pontos de vista ideológicos.

Na perspectiva do governo —autor do slogan para fins de mobilização da militância—, amigos são os que compartilham da visão de mundo do Palácio do Planalto e inimigos os que discordam.

No cotejo com a realidade, contudo, a escala de prioridades dos eleitores oscila. Depende do que prevalecer no ambiente de campanha: a estridência ideológica ou o exame racional do que seriam as demandas populares de fato urgentes.

Se predominar o critério das torcidas radicalizadas incentivadas por seus chefes, a eleição de deputados e senadores estará submetida à cartilha de cada um dos grupos e aí continuará prevalecendo a lógica dos interesses da corporação.

Protestos como os organizados pela esquerda no domingo (14) se prestam a sentimentos do dever cumprido contra o avanço da direita, mas não resolvem o problema. Apenas cria o risco de invertê-lo se amanhã ou depois a maioria for de esquerda.

O ideal seria não se confundir o Parlamento com os eleitos e eleitas para dar expediente por lá. Pessoas podem ser trocadas mediante o voto, prerrogativa dos manifestantes.

A instituição é permanente. Está sob a guarda de cláusula pétrea da Constituição, a salvo de depreciações oportunistas e queixas de ocasião.

 

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