sábado, 6 de dezembro de 2025

Dois presidentes na prisão, por Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Lula preso de 2018 definiu estratégia clara para o PT

Bolsonaro preso de hoje administra o caos que engolfa seu movimento político

conflito crônico entre Michelle Bolsonaro e seus enteados eclodiu à luz do dia, destroçando a aliança do PL com Ciro Gomes no Ceará. O episódio ilumina um contraste: o Lula preso de 2018 definiu uma estratégia clara para o PT; o Bolsonaro preso de hoje administra o caos que engolfa seu movimento político.

Da sua sala na PF de Curitiba, Lula orientou as narrativas da resistência. À sua sombra, o PT insistiu na lenda do golpe parlamentar para esquivar-se das responsabilidades pelo fracasso do governo de Dilma Rousseff. Seguindo a linha traçada pelo líder, vestiu-se de vermelho, firmou alianças restritas ao campo da esquerda e enfrentou a batalha desigual.

Haddad exibiu-se como o "filho de Lula", alcançando o segundo turno e colecionando 45% dos votos. O PT ainda elegeu a maior bancada parlamentar, mesmo experimentando recuo significativo. A operação de ofuscação da história anulou a hipótese de uma salutar revisão programática no PT, mas cercou o aparato partidário de trincheiras intransponíveis.

Bolsonaro, pelo contrário, cambaleia em círculos, sem mapa ou bússola. A aventura de Eduardo pelos labirintos da Casa Branca produziu um desastre político insanável. Diante de um cenário eleitoral complexo, o condenado começa a abandonar a perspectiva utópica de sua própria candidatura, oscilando entre planos sectários e pragmáticos de alianças. Não é trivial saltar de um projeto de golpe de Estado ao terreno da concorrência democrática normal.

Lula falava pelas vozes de Gleisi e Haddad, ou seja, por meio do PT. Bolsonaro emite grunhidos pela intermediação de familiares imersos em perenes querelas intestinas. A diferença é que Lula tem um partido, enquanto o bolsonarismo configura-se como movimento faccional inorgânico.

Partidos servem para disputar eleições, não para assestar golpes de Estado. Por isso, lá atrás, Bolsonaro desistiu de criar um partido. Hoje, enjaulado, só tem como ferramenta um clã familiar indisciplinado. Um presidente saiu da prisão pronto para subir a rampa; o outro assiste à desagregação de seu movimento.

A anarquia no campo bolsonarista refrata-se na forma de crises múltiplas que atingem o conjunto da direita. O PL abriga uma facção bolsonarista, mas finca seus pilares na ordem parlamentar e, portanto, não aceita uma subserviência completa à linha sectária do clã, rejeitando as guerras insanas contra o STF e o sistema eleitoral. O centrão, heterogêneo por natureza, consagra-se à captura fragmentária dos aparatos administrativos, o que exige alianças eleitorais incompatíveis com a intransigência bolsonarista. Os governadores pré-candidatos aguardam, impotentes, uma palavra definitiva do comandante sem rumo.

No passado, aos olhos da maioria, o lulismo representou um programa positivo de reformas sociais. Ilusões perdidas. Desde o impeachment, o lulismo condensa apenas um programa negativo: o contraponto cinzento à insurreição antidemocrática bolsonarista. Há pouco, aos 80 e no outono de sua popularidade, Lula enfunou as velas de uma sétima candidatura presidencial. A decisão veio quando Tarcísio cometeu seu erro fatal, discursando ao lado de Michelle numa Paulista ornada por uma imensa bandeira de listras e estrelas.

Cálculo correto: o clã dos Bolsonaro é o mais eficiente cabo eleitoral de Lula.

 

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