Folha de S. Paulo
Lula preso de 2018 definiu estratégia clara
para o PT
Bolsonaro preso de hoje administra o caos que
engolfa seu movimento político
O conflito crônico
entre Michelle
Bolsonaro e seus enteados eclodiu à luz do dia, destroçando a aliança
do PL com Ciro Gomes no
Ceará. O episódio ilumina um contraste: o Lula
preso de 2018 definiu uma estratégia clara para o PT; o Bolsonaro
preso de hoje administra o caos que engolfa seu movimento político.
Da sua sala na PF de Curitiba, Lula orientou as narrativas da resistência. À sua sombra, o PT insistiu na lenda do golpe parlamentar para esquivar-se das responsabilidades pelo fracasso do governo de Dilma Rousseff. Seguindo a linha traçada pelo líder, vestiu-se de vermelho, firmou alianças restritas ao campo da esquerda e enfrentou a batalha desigual.
Haddad exibiu-se
como o "filho de Lula", alcançando o segundo turno e colecionando 45%
dos votos. O PT ainda elegeu a maior bancada parlamentar, mesmo experimentando
recuo significativo. A operação de ofuscação da história anulou a hipótese de
uma salutar revisão programática no PT, mas cercou o aparato partidário de
trincheiras intransponíveis.
Bolsonaro, pelo contrário, cambaleia em
círculos, sem mapa ou bússola. A aventura de Eduardo
pelos labirintos da Casa Branca produziu um desastre político
insanável. Diante de um cenário eleitoral complexo, o condenado começa a
abandonar a perspectiva utópica de sua própria candidatura, oscilando entre
planos sectários e pragmáticos de alianças. Não é trivial saltar de um projeto
de golpe
de Estado ao terreno da concorrência democrática normal.
Lula falava pelas vozes de Gleisi e
Haddad, ou seja, por meio do PT. Bolsonaro emite grunhidos pela intermediação
de familiares imersos em perenes querelas intestinas. A diferença é que Lula
tem um partido, enquanto o bolsonarismo configura-se como movimento faccional
inorgânico.
Partidos servem para disputar eleições, não
para assestar golpes de Estado. Por isso, lá atrás, Bolsonaro
desistiu de criar um partido. Hoje, enjaulado, só tem como ferramenta um
clã familiar indisciplinado. Um presidente saiu da prisão pronto para subir a
rampa; o outro assiste à desagregação de seu movimento.
A anarquia no campo bolsonarista refrata-se
na forma de crises múltiplas que atingem o conjunto da direita. O PL abriga uma
facção bolsonarista, mas finca seus pilares na ordem parlamentar e, portanto,
não aceita uma subserviência completa à linha sectária do clã, rejeitando as
guerras insanas contra o STF e o
sistema eleitoral. O centrão, heterogêneo por natureza, consagra-se à captura
fragmentária dos aparatos administrativos, o que exige alianças eleitorais
incompatíveis com a intransigência bolsonarista. Os governadores pré-candidatos
aguardam, impotentes, uma palavra definitiva do comandante sem rumo.
No passado, aos olhos da maioria, o lulismo
representou um programa positivo de reformas sociais. Ilusões perdidas. Desde
o impeachment, o lulismo condensa apenas um programa negativo: o
contraponto cinzento à insurreição antidemocrática bolsonarista. Há pouco, aos
80 e no outono de sua popularidade, Lula enfunou as velas de uma sétima
candidatura presidencial. A decisão veio quando Tarcísio cometeu seu erro
fatal, discursando ao lado de Michelle numa Paulista ornada por uma imensa
bandeira de listras e estrelas.
Cálculo correto: o clã dos Bolsonaro é o mais
eficiente cabo eleitoral de Lula.

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