terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Em 2026, a imprensa seguirá sob ataque. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

No auge da revolta, tenhamos a sabedoria de não culpar o mensageiro

A mesma imprensa que no governo Bolsonaro era acusada de petista agora é pintada como aliada do ex-presidente

"Ninguém gosta do mensageiro que traz notícias ruins", diz a famosa citação da "Antígona" de Sófocles. Quem continua a trazer "notícias ruins" para todos os lados da disputa política brasileira é a imprensa. Em 2026, ela continuará necessária como sempre e atacada como nunca.

As reações de parte da esquerda à cobertura da imprensa sobre as possíveis relações entre Banco Master e ministros do Supremo tem seguido o roteiro que já conhecemos bem desde a Lava Jato: especular sobre as intenções da própria imprensa e da jornalista, e não sobre o teor do que tem sido noticiado. A lógica é: se a notícia é ruim para o meu lado, então ela é falsa. O mensageiro é mau.

A mesma imprensa que no governo Bolsonaro era acusada de petista agora é pintada como aliada do ex-presidente. Talvez ela só seja, apesar de todas as críticas, independente? É claro que, como toda profissão, o jornalismo brasileiro tem defeitos. A imprensa se beneficiaria, por exemplo, de mais diversidade ideológica, mais pontos de vista dentro de casa. Muitas empresas, inclusive, já estão trabalhando nisso. O que motiva as críticas cada vez mais agressivas vindas da esquerda e da direita, contudo, não são os defeitos, e sim suas virtudes.

Incomodar os dois lados é um sinal de jornalismo sério. Os diferentes grupos que disputam o poder têm cada um sua narrativa. Diariamente, novos fatos ocorrem que podem ser favoráveis às narrativas de um lado ou de outro. Como nenhum lado tem o monopólio da ética ou do entendimento da realidade, é esperado que surjam fatos ora favoráveis a um, ora a outro. Um jornal que seja —ou tente ser— objetivo, refletirá essa variedade, e assim desagradará a todos em alguma medida.

Isso porque, do lado dos leitores, a maioria de nós reage à notícia não pela qualidade das evidências ou pela confiabilidade da publicação, mas pelo impacto político. Ela favorece meu lado? Então é verdadeira. Ela prejudica o meu lado? Então é falsa. Ou irrelevante; uma cortina de fumaça para encobrir a notícia realmente relevante, aquela que prejudica meu adversário.

No passado, os leitores e espectadores ficavam restritos à grande imprensa como sua fonte de informações. Hoje, o consumidor de informação tem a seu dispor um cardápio infindável de fontes, que vão do jornalismo mais sério até a página abertamente militante, cujo conteúdo é feito sob medida para agradar a seus consumidores. Cabe a ele, e só a ele, escolher.

O objetivo principal de um jornal sério, contudo, não é agradar, e sim informar a população da forma mais objetiva possível, permitindo que o debate público —parte central de uma democracia— tenha alguma aderência com a realidade e não fique exclusivamente dependente de boatos e de propaganda. E isso pressupõe leitores e espectadores que, hoje mais do que nunca, precisam cultivar em si a disposição interna de valorizar mais a busca da verdade do que a confirmação de suas preferências. É o grande desafio que se coloca a todo indivíduo neste mundo em que os limites não virão de fora.

Com eleições, Copa, mudança climática e IA, 2026 promete ser ainda mais quente que o 2025 que agora se encerra. Todos teremos muitos motivos para nos indignar. No auge da revolta, no entanto, tenhamos a sabedoria de não culpar o mensageiro. Feliz ano novo!

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.