Folha de S. Paulo
Associação aponta pontos problemáticos e
afirma que norma fere princípio da ordem econômica fundada na defesa do meio
ambiente
Presidente da entidade vê chance de STF
barrar flexibilizações
A Abrampa (Associação Brasileira de Membros
do Ministério
Público de Meio Ambiente)
afirma que a nova
lei do licenciamento ambiental fere 13 artigos da Constituição Federal.
Em nota técnica antecipada à Folha nesta
quarta-feira (10), a instituição classifica como inevitável a judicialização do
tema no STF (Supremo
Tribunal Federal).
Vários pontos considerados inconstitucionais
retornaram ao texto após o Congresso
derrubar os vetos do presidente Lula (PT) à
legislação, de acordo com a entidade. Esses trechos se somam a outros
dispositivos contrários à Carta Magna e que haviam sido sancionados pelo
Executivo, segundo a associação.
"Se o STF seguir na jurisprudência dele,
que vem analisando as inconstitucionalidades de retrocessos ambientais, é muito
provável que haja declaração de inconstitucionalidade de vários
dispositivos", diz Luciano Loubet, presidente da Abrampa e promotor de Justiça
do Ministério Público de Mato
Grosso do Sul.
O licenciamento ambiental permite identificar, reduzir e compensar os impactos de empreendimentos ou atividades. A forma final da lei cria novas licenças ambientais, isenta o agronegócio, restringe a consulta a indígenas e quilombolas e acelera o processo para emitir autorizações de obras consideradas estratégicas por um conselho de governo.
"A norma se baseia em um pressuposto
equivocado e ultrapassado de contraposição entre proteção socioambiental e
crescimento econômico, embora a Constituição Federal de 1988 seja absolutamente
clara em estabelecer que a ordem econômica deve obedecer ao princípio da defesa
do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado, conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços", afirma a associação.
"Acatar esse retrocesso legislativo é
trocar a segurança jurídica e a prevenção por uma falsa celeridade que,
invariavelmente, culminará na repetição de prejuízos irreversíveis ao
país", diz a nota técnica.
A reportagem questionou a Câmara, o Senado e
o MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima). Não houve retorno até o
momento.
A Abrampa afirma que a nova lei viola os
seguintes artigos da Constituição:
1º, que estabelece a democracia
participativa;
5º, dos direitos fundamentais à vida e à
dignidade;
23 e 24, sobre as competências de municípios,
estados e União;
30, incisos I e VIII, da competência dos
municípios em promover ordenamento territorial e legislar sobre assuntos de
interesse local;
170, inciso VI, que estabelece a ordem
econômica fundada na defesa do meio ambiente;
182, sobre a política de desenvolvimento
urbano gerida pelos municípios;
196, do direito à saúde;
216, que cria os direitos das comunidades
quilombolas e ribeirinhas aos seus modos de viver, bem como a proteção do
patrimônio cultural brasileiro;
225, do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e dos princípios da precaução, da prevenção, do
poluidor-pagador e da vedação à proteção insuficiente;
227, do dever da sociedade e do Estado de
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à vida, à saúde e à
dignidade, que implica a necessidade de proteção ambiental para as futuras
gerações, na leitura da associação;
e 231, do direito fundamental dos indígenas a
sua organização social e sobre as terras que ocupam.
A nota técnica também diz que a lei afronta o
princípio da vedação ao retrocesso institucional, previsto nos artigos 1º, 5º e
60, conforme a interpretação da Abrampa.
O documento afirma que a discussão pode se
arrastar por anos e sugere a possibilidade de questionamentos individuais de
projetos e atividades. Segundo a organização, isso levaria a Justiça a ter que
decidir sobre questões que seriam melhor enfrentadas no próprio processo de
licenciamento.
A associação elenca os dispositivos da
legislação que afrontam a Constituição. Entenda a seguir.
Estados e municípios
A lei permite que estados e municípios
definam critérios próprios para o licenciamento, como o porte da atividade e o
potencial poluidor. O governo havia barrado essa flexibilização, mas o
Congresso derrubou o veto.
A Abrampa afirma que a mudança desconsidera a
competência da União para definir regras gerais, violando os artigos 23 e 24 da
Constituição. A entidade enxerga a possibilidade de incentivo a uma
"guerra ambiental de desregulação", com tratamentos opostos para
atividades semelhantes em diferentes estados ou municípios, de modo a atrair
empreendedores interessados em normas permissivas.
Dispensa de licenciamento
A associação afirma que retirada da obrigação
do licenciamento para atividades em imóveis rurais com CAR (Cadastro Ambiental
Rural) pendente de homologação contraria a Constituição e "promove
tratamento discriminatório a um setor econômico de forma totalmente
injustificada e inadequada, que termina por favorecer modalidades predatórias
de agronegócio em
detrimento de práticas sustentáveis".
Obras de sistemas e estações de tratamento de
água e esgoto também são dispensadas de licenciamento até que as metas de
universalização do saneamento sejam atingidas. A nota diz que a isenção de
licenças não pode ser condicionada a objetivos governamentais e que a medida
desconsidera o potencial degradador da atividade, violando os artigos 225 e
170.
Autolicenciamento
A lei cria a LAC (Licença por Adesão e
Compromisso), autorização emitida pelo próprio empreendedor, e estende a
modalidade a empreendimentos de médio ou baixo porte poluidor. A Abrampa afirma
que o dispositivo afronta a Constituição ao contrariar os princípios da
prevenção e da precaução, além de colidir com a decisão do STF de que a LAC
vale apenas para atividades de pequeno porte.
Licença ambiental especial (LAE)
Esse tipo
de licenciamento, introduzido pelo presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP),
determina o prazo de até 12 meses para concluir a análise de projetos
considerados estratégicos por um conselho de governo. A associação diz que a
medida é inconstitucional pois "decorre da submissão de uma análise
eminentemente técnica a uma inaceitável pressão política".
Também indica o risco de estados e municípios
criarem suas próprias legislações prevendo "LAEs" locais, o que
ampliaria a "burla ao licenciamento ambiental regular baseado em
interesses políticos", segundo a Abrampa.
Condicionantes
A nota afirma que a lei enfraquece as
condicionantes ambientais, que são instrumentos de contrapartida aos impactos
de um empreendimento, ao vedar o estabelecimento de medidas compensatórias de
efeitos cumulativos, sinergéticos e indiretos. De acordo com a associação, isso
compromete a efetividade do licenciamento, afronta direitos socioambientais e
aumenta a insegurança jurídica, ferindo a Constituição.
Mata atlântica
A lei exclui
dois artigos da Lei da Mata Atlântica, o que flexibiliza o corte das matas
primárias e secundárias, as florestas mais preservadas do bioma. A Abrampa diz
que o controle cauteloso do desmatamento no bioma é justificável por seu grau
de vulnerabilidade e pela proteção constitucional como patrimônio nacional.
Gestão urbana nos municípios
A legislação retira a exigência de que
empreendedores apresentem a certidão municipal de uso, parcelamento e ocupação
do solo urbano durante o licenciamento. Como a Folha mostrou, isso
pode causar a aprovação de projetos em desacordo com as regras das cidades,
como a instalação
de indústrias em áreas residenciais. Para a associação, a medida fere os
artigos 30, 182 e 225 da Constituição.
Indígenas e quilombolas
Pela forma final da lei, apenas terras
indígenas homologadas (etapa final da demarcação) e quilombos titulados (última
fase do procedimento) poderão ser ouvidos durante o licenciamento.
A nota técnica afirma que o Estado tem sido
historicamente omisso na conclusão dos processos de demarcação, de modo que
todas as terras tradicionais pendentes de homologação ou titulação seriam
desconsideradas para fins de licenciamento ambiental. Assim, a medida contraria
o artigo 231 da Constituição, na visão da Abrampa.

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