O Estado de S. Paulo
Ainda que anestesiado pelo ritmo dos despachos em Brasília, operações a cada lance mais criativas-ousadas, o cronista peleja para não se acomodar ante as notícias recentes que comunicam – como se prática natural – acordos políticos firmados entre ministro do STF e os donos do Senado; de repente admitido que uma ADPF possa ser instrumentalizada, ademais cassando um direito político, para forçar que o Congresso, submetido, reforme a lei nos termos das “orientações” do juiz-parlamentar.
Não faltaria ao rito viciado a corrupção da palavra, de modo que o juiz que legisla, na verdade, orienta. O juiz venceu. Jogou e venceu. Sem surpresas. O Judiciário brasileiro – para prazer do Direito Xandônico – é o mais forte do mundo. (Venceu a Magnitsky!)
O vencedor, incansável, tem o mérito de se
reinventar sempre. Você terá percebido o advento influente deste tipo peculiar
de perversão na República depravada: o ministro do Supremo, instituição
onipresente, que é também consultor de constitucionalidades; que examina
preventivamente, por fora, projetos de parlamentares e lhes dá fé. Ou não,
vetando-os ainda na origem.
Estabelecida assim, e recebida-tratada com
normalidade, a anomalia do ministro de Corte constitucional – aquele que tem a
palavra final, que declara inconstitucionalidades – prestador do serviço
informal de antecipação de juízos. Uma forma gentil de condicionar a
prerrogativa de deputados e senadores. Maneira hábil de legislar. Modo
adicional de esculhambação do controle de constitucionalidade.
Viu-se isso – esse processo consultivo – como
elemento fundamental para que o projeto de lei da redução de penas avançasse.
Não bastaria somente a palavra do fiador-geral da República Davi Alcolumbre, de
que faria o troço andar celeremente no Senado. Tampouco seria suficiente o
pacto entre o candidato-negócio Flávio Bolsonaro e o consórcio centrônico Ciro
Nogueira/Antonio Rueda, de que não seriam apresentados destaques pela anistia
“ampla, geral e irrestrita” e de que haveria os votos para aprovar a matéria.
Esse conjunto, por urdidura complexa que
tivesse, restaria aquém. A blitz só se impôs porque ministros do STF, aqueles
agentes políticos que controlam o tribunal, avalizaram o texto de Paulinho da
Força. A rigor, para desespero (e galho dentro) dos bolsonaristas que acusam a
“ditadura do Supremo”, ministros do STF firmaram um acordo com Jair Bolsonaro –
que aceitou a “solução possível” e mandou a turma engoli-la.
Sejamos ainda mais claros: parte do tribunal
que condenou os golpistas duramente chancelou o movimento parlamentar que ora
pretende tirar o ex-presidente do regime fechado em pouco mais de dois anos. Um
acordão, “com Supremo, com tudo” – de mãos dadas Bolsonaro, o centrão
tarcisista, o censor Hugo Motta, Alcolumbre e os ministros do STF que mandam na
Corte. E talvez ainda Donald Trump. •

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.