No cenário considerado clássico, com Jair Bolsonaro incluído mesmo inelegível, Lula marca 32% contra 27% do ex-presidente. A distância é pequena demais para sugerir tranquilidade e grande o suficiente para expor um trauma não elaborado. Bolsonaro, afastado formalmente do jogo, permanece como presença simbólica central. A política brasileira não conseguiu ainda se libertar de sua sombra. Ele não aparece apenas como candidato. Aparece como lembrança, como ressentimento, como identidade. Sua força não vem do futuro que promete, mas do passado que parte da sociedade se recusa a abandonar. Lula lidera, mas o simples fato de Bolsonaro ainda ser competitivo revela um país que não resolveu o que viveu entre 2018 e 2022.
Ciro Gomes surge com 8%, Ratinho Júnior com 7%, Ronaldo Caiado com 4% e Romeu Zema com 3%. Esses números mostram algo mais profundo do que a fragmentação do campo adversário. Eles revelam a dificuldade estrutural da direita não bolsonarista e do centro em produzir uma narrativa capaz de disputar afetos. Não basta ser gestor, equilibrado ou experiente. O eleitor brasileiro, exausto e emocionalmente marcado, não escolhe apenas competência. Escolhe sentido. E esse sentido ainda está concentrado nos polos que organizaram o conflito nacional na última década.
Quando Bolsonaro sai de cena e Michelle Bolsonaro ocupa seu lugar, Lula aparece com 31%. Michelle marca 18%. Ratinho sobe para 10%. Ciro chega a 9%. Caiado e Zema ficam em 5%. O dado mais eloquente, porém, não está nos nomes. Está nos 16% que declaram voto em nenhum, branco ou nulo, somados aos 5% de indecisos. Mais de um quinto do eleitorado se afasta do jogo. Não por ignorância, mas por cansaço. Sociologicamente, esse número é um grito silencioso. É a recusa em participar de uma disputa percebida como repetitiva, conflitiva e incapaz de oferecer horizonte.
No cenário com Tarcísio de Freitas, Lula alcança 35%. Tarcísio marca 16%. Ciro sobe para 12%. Zema e Caiado aparecem com 5% e 4%. Mas o dado decisivo está nos 22% de nenhum, branco ou nulo, além dos 6% de indecisos. Quase um terço do eleitorado não se reconhece em ninguém. Este não é um dado técnico. É um sintoma social. Ele aponta para uma crise de representação que ultrapassa partidos e ideologias. O Brasil que emerge aqui não está polarizado apenas. Está desiludido.
Quando Eduardo Bolsonaro entra em cena, Lula marca 32%. Eduardo fica com 15%. Ciro e Ratinho empatam em 10%. Caiado e Zema alcançam 5%. Novamente, 16% optam por nenhum, branco ou nulo e 6% se dizem indecisos. Eduardo Bolsonaro representa uma radicalização mais explícita do legado bolsonarista. Sua rejeição elevada, compensada por uma base fiel, indica um fenômeno psicológico clássico em sociedades tensionadas. Quanto maior o conflito, mais intensas se tornam as identidades. O eleitor não escolhe apenas um candidato. Escolhe um lado da história que quer contar sobre si mesmo.
Os cenários com apenas três nomes aprofundam essa leitura. Lula aparece com 38% contra 20% de Tarcísio e 18% de Eduardo Bolsonaro. Em outro desenho, Lula marca 36% contra 22% de Eduardo e 18% de Ratinho. Em outros, Lula chega a 38% ou 39% enquanto Eduardo oscila entre 22% e 27%, acompanhado por Zema, Caiado ou Renan Santos com percentuais bem menores. Em todos eles, o bloco de nenhum, branco ou nulo permanece alto, variando entre 19% e 24%, com indecisos entre 5% e 6%.
O padrão se repete como um refrão melancólico. Lula lidera sempre. A direita se divide. O centro não se impõe. E uma parcela enorme do país se retira emocionalmente da disputa. Isso não é apatia simples. É um mecanismo de defesa. Psicologicamente, o eleitor cansado se protege evitando investir afetivamente em um processo que lhe trouxe mais sofrimento do que recompensa. A política, que deveria ser espaço de construção de sentido coletivo, tornou-se para muitos uma fonte permanente de ansiedade.
Lula ocupa esse espaço ambíguo como ninguém. Ele não é apenas um candidato. É uma memória viva. Para parte significativa da população, ele representa o último momento em que o país parecia fazer algum sentido. Para outra parte, ele encarna o que precisa ser superado. Essa ambivalência explica por que Lula lidera sem entusiasmar plenamente. Ele é visto menos como promessa e mais como contenção. Menos como futuro e mais como barreira contra o retorno de algo percebido como mais perigoso.
O bolsonarismo, por sua vez, sobrevive menos pela capacidade de convencer e mais pela capacidade de ferir. Ele organiza ressentimentos. Dá forma política a frustrações difusas. Em um país marcado por desigualdades históricas, violência cotidiana e insegurança social, discursos de força encontram terreno fértil. Mesmo assim, a pesquisa mostra seus limites. Nenhum nome bolsonarista ultrapassa a casa dos 27%. A rejeição é alta. O teto é visível. O bolsonarismo mobiliza, mas não expande.
Sociologicamente, o Brasil retratado pela Quaest é um país fragmentado em experiências. Há quem veja a democracia como proteção e quem a veja como obstáculo. Há quem deseje estabilidade institucional e quem anseie por ruptura. Essas posições não surgem do acaso. Elas são produzidas por trajetórias sociais profundamente desiguais. A política funciona como espelho dessas desigualdades. Ela amplifica dores, medos e expectativas não atendidas.
O crescimento persistente do voto em nenhum, branco ou nulo é talvez o dado mais perturbador. Ele indica que a crise não é apenas de liderança. É de sentido. Uma democracia não se sustenta apenas com eleições regulares. Ela precisa de confiança, de pertencimento, de expectativa de futuro compartilhado. Quando quase um quarto do eleitorado se afasta, algo essencial se rompe.
A pesquisa Quaest revela, portanto, um Brasil que ainda não conseguiu sair do luto político dos últimos anos. A tentativa de ruptura institucional, a violência simbólica cotidiana, a degradação do debate público deixaram marcas profundas. O eleitor não esquece. Ele carrega essas experiências na forma como responde a um questionário. Cada percentual é atravessado por histórias pessoais, por medos silenciosos, por esperanças contidas.
Às vésperas de 2026, o país não parece à beira de uma escolha épica. Parece à beira de uma escolha defensiva. Vota-se menos para conquistar e mais para evitar. Menos para sonhar e mais para impedir o pesadelo. Lula lidera porque ainda é percebido como o porto possível em meio à tempestade. Mas o mar segue revolto. E o cansaço coletivo é visível.
A pesquisa não encerra o debate. Ela o inaugura. Ela nos obriga a encarar uma pergunta incômoda. O problema do Brasil é apenas quem governa ou é a forma como a política passou a habitar o imaginário social. Enquanto essa pergunta não for enfrentada, os números seguirão oscilando, os nomes se alternando e o país permanecerá suspenso, caminhando sem sair do lugar, tentando reconhecer a si mesmo em meio às ruínas emocionais de sua própria história recente.

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