sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula quer fazer diplomacia com dinheiro do BNDES

Por O Globo

Era incensada por ele foi período de escândalos de corrupção e calotes cobertos com recursos do contribuinte

Na visita que fez a Moçambique no final de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou “estar trabalhando” para que o BNDES volte a financiar a “internacionalização” de empresas brasileiras. Na prática, Lula deseja a volta dos anos em que empreiteiras brasileiras, estimuladas pelo governo, lançaram-se a executar projetos em Cuba, Moçambique ou Angola, com financiamento do BNDES. Várias dessas operações, realizadas em seus dois primeiros mandatos e na gestão Dilma Rousseff, resultaram em calotes, bancados pelo Tesouro — ou seja, pelo contribuinte.

A era incensada por Lula foi também um período de escândalos de corrupção envolvendo essas empreiteiras, desmascarados pela Operação Lava-Jato. Denúncias de pagamento de propinas no exterior, em torno de projetos financiados pelo Brasil, causaram crises políticas profundas nos países onde as empreiteiras brasileiras atuavam. No Peru, dois ex-presidentes — Alejandro Toledo e Ollanta Humala — foram condenados por receber propina da Odebrecht. Na gestão Toledo, o alvo da empreiteira era o projeto de construção de trechos da rodovia Interoceânica Sul. Com Humala, Odebrecht e OAS eram as fontes do financiamento ilegal de campanhas. Outro presidente peruano, Alan Garcia, foi investigado sob a acusação de receber propinas para favorecer a Odebrecht, mas se matou em 2019, quando sua prisão preventiva foi decretada.

O apoio brasileiro a obras de infraestrutura era resultado, em grande parte dos casos, de afinidades ideológicas e sonhos mirabolantes de influência global, sem maiores preocupações com a capacidade de pagamento do credor. “Nenhum grande país consegue exportar serviços sem oferecer opções de crédito”, disse Lula em Moçambique. Mas isso não significa que o ônus dessas operações tenha de recair sobre quem paga impostos, nem que esses financiamentos tenham necessariamente de ter alto risco.

Não se sabe se Lula aproveitou a viagem a Moçambique para cobrar de seu presidente, Daniel Chapo, os US$ 122 milhões que o país ainda deve ao Brasil. Lá, o BNDES liberou US$ 320 milhões para a Andrade Gutierrez construir a Barragem de Moamba Major, no rio Incomati, destinada ao fornecimento de água. O empréstimo foi suspenso em meio a suspeitas. Outro, de US$ 125 milhões, se destinou ao aeroporto de Nacala, projeto a cargo da Odebrecht. As perdas do BNDES nesses negócios foram ressarcidas pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), bancado quase exclusivamente pelo Tesouro.

O mesmo já ocorreu com US$ 352 milhões que o BNDES liberou para Cuba construir o porto de Mariel e também não pagou. No final de setembro, ainda havia 12 prestações em atraso — somando US$ 323 milhões — para o FGE ressarcir. Reflexo do apoio concedido por Lula a Hugo Chávez, a Venezuela aparece como responsável por transferência de US$ 813 milhões do FGE ao BNDES, também em razão de projetos financiados e não pagos. O calote total resultante da “internacionalização” do BNDES que Lula quer reviver foi de US$ 1,23 bilhão, ou 12% do total emprestado pelo banco.

Foi esse o preço pago, até agora, pela diplomacia feita com dinheiro público. No final do terceiro governo, Lula quer a volta àqueles tempos de dinheiro fácil para governos amigos, com o contribuinte à mão para cobrir os buracos abertos pela corrupção ou pelos calotes.

Leilão de baterias cria oportunidade de atrair novos investimentos ao país

Por O Globo

Iniciativa abre caminho para armazenar energia eólica e solar hoje desperdiçada

A geração de energia no Brasil é conhecida pela base renovável, assentada nas usinas hidrelétricas. Nos últimos anos, porém, ela passou por grande transformação com o crescimento da geração de energia solar e eólica. Com isso, surgiram questões regulatórias e técnicas inéditas. Como sol e vento são fontes intermitentes, tornou-se mais frequente haver excesso de energia em determinados horários do dia. Isso leva o Operador Nacional do Sistema (ONS) a cortar ou limitar a conexão à rede de distribuição, jogando fora energia que poderia ser armazenada (situação conhecida como curtailment). Esse problema pode começar a ser resolvido a partir de abril do ano que vem, quando o país planeja realizar o primeiro leilão para instalação de parques de baterias capazes de estocar energia excedente.

De acordo com o Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional, no ano passado a geração solar aumentou 39,6% ante 2023, e a capacidade instalada cresceu 28,1%, para 48.468 MW. Na eólica, o salto foi de 12,4% e, na potência instalada, de 3%, para 29.550 MW. Somadas, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as duas fontes já respondem por 24% da geração total de energia. A diversificação é necessária para garantir o fornecimento contínuo e evitar apagões, sobretudo num cenário de mudanças climáticas com secas extremas, afetando níveis de reservatórios das hidrelétricas (responsáveis por 56% da geração). A iniciativa de fazer o primeiro leilão de baterias transmite um sinal positivo para atrair mais investimentos nas novas fontes.

Pela legislação que regula o setor elétrico, o custo de armazenamento da energia não será repassado ao consumidor, mas rateado entre geradores, excluindo as modalidades que não dependem das baterias, as termelétricas e hidrelétricas. Mesmo com o custo, a oportunidade que se abre para as geradoras solar e eólica é imensa. Basta lembrar que os gigantescos data centers usados pelos sistemas de inteligência artificial dependerão de imensa capacidade de geração ambientalmente sustentável, algo que o Brasil pode oferecer se dispuser de um parque robusto de baterias.

Alguns críticos afirmam que uma licitação de térmicas e hidrelétricas prevista para antes do leilão das baterias pode prejudicá-lo por ampliar a capacidade de atendimento da demanda, reduzindo a necessidade do sistema de armazenamento. Mas as baterias podem garantir um novo patamar de competitividade à geração solar e eólica. Já existem grandes parques de baterias instalados nos Estados Unidos e na Europa, conectados às redes de transmissão. O Brasil não pode ficar para trás.

Força relativa de Lula, fragilidades da esquerda

Por Folha de S. Paulo

Datafolha mostra que polarização se mantém entre 40% de identificados com petismo e 34% com bolsonarismo

Em eventual disputa entre Lula e Flávio, cada qual pode se amparar na rejeição ao oponente, mas a tarefa de governar fica problemática

A polarização que marca a política nacional nos últimos anos sobrevive aos reveses de seus líderes —ou talvez até se acentue com eles.

Preso em 2018, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manteve capital eleitoral suficiente para mandar o correligionário Fernando Haddad ao segundo turno da disputa pelo Planalto. Com as condenações por corrupção anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, ressurgiu vitorioso em 2022 e hoje, mesmo desgastado, lidera as pesquisas sobre o próximo ano.

Cumprindo pena por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) preserva o protagonismo. Segundo levantamento recém-concluído pelo Datafolha, 34% dos brasileiros aptos a votar se identificam com o bolsonarismo, parcela não muito diferente dos 37% verificados em julho, antes da condenação pelo STF.

Declaram-se mais próximos ao petismo 40% dos entrevistados, cifra similar aos 39% de julho. Tudo somado, três quartos dos brasileiros mantêm a preferência por um dos polos; no quarto restante, 18% se dizem neutros, 6% não apoiam o PT nem Bolsonaro e 1% não soube responder. Não por acaso, candidaturas presidenciais competitivas de centro não estão no horizonte.

Há razões para acreditar que a modesta vantagem petista na sondagem está mais associada à força relativa de Lula do que a inclinações partidárias ou ideológicas do eleitorado. Afinal, não mais do que 22% dos brasileiros se declaram de esquerda, e mais 7%, de centro-esquerda.

Nessa comparação, a direita leva vantagem considerável, escolhida por 35% dos votantes, além de 11% que marcam a centro-direita. Posicionam-se ao centro outros 17% dos entrevistados. Eleições legislativas, estaduais e municipais corroboram historicamente opções mais conservadoras da população.

No plano nacional, o movimento direitista mais recente foi outra aposta na polarização: o lançamento da pré-candidatura presidencial do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, que, se levada adiante, terá o potencial de inibir outros postulantes do mesmo campo político. Há dúvidas, de todo modo, quanto a essa hipótese.

Uma eventual disputa entre Lula e Flávio, opondo pela terceira vez consecutiva petismo e bolsonarismo puro-sangue, seria também um duelo de rejeições. Segundo o Datafolha, 44% declaram não votar no atual presidente em nenhuma hipótese, enquanto 38% disseram o mesmo sobre o senador —percentual que tende a se aproximar dos 45% atribuídos ao pai.

É uma situação que convém a ambos, cada qual podendo se amparar na repulsa ao oponente, porém problemática para a governabilidade. De um lado, uma revanche de radicais justamente condenados por golpismo rechaçado pela sociedade e pelas instituições; de outro, uma esquerda minoritária que cada vez mais se agarra a um populismo orçamentário insustentável.

Ajustes no Smart Sampa

Por Folha de S. Paulo

Eventuais distorções no programa precisam ser avaliadas em prol de resultados positivos em segurança

Sistema ajudou a prender 2.278 foragidos; algumas regiões líderes em roubos receberam menos verbas do que outras com melhores indicadores

A partir de dezembro de 2024, a cidade de São Paulo juntou-se a outras metrópoles do mundo, como Londres e Xangai, que implantaram sistemas de câmeras de reconhecimento facial no espaço urbano como ferramenta de política em segurança pública.

Trata-se de uso inescapável da tecnologia, mas seus resultados exitosos exigem critérios técnicos de aplicação, protocolos rigorosos de armazenamento de imagens e de abordagens policiais, além de transparência das suas regras de funcionamento e de dados relativos aos resultados.

Após um ano, o Smart Sampa conta com 40 mil câmeras em funcionamento na capital paulista. A verba destinada ao programa, maior bandeira do prefeito Ricardo Nunes (MDB) no setor, foi de R$ 45,2 milhões, e a gestão municipal pretende aumentá-la a R$ 240,6 milhões no Orçamento de 2026 que ainda será votado pela Câmara de Vereadores.

Levantamento da Folha mostra algumas distorções. Regiões que lideram em ocorrências de roubos neste ano, como Capão Redondo e Campo Limpo, receberam menos recursos e câmeras do que outras com melhores indicadores nesse tipo de crime.

Dos cerca de R$ 7,7 milhões distribuídos mensalmente às subprefeituras para funcionamento do programa e manutenção de câmeras, a da Sé recebe a maior fatia (R$ 1,1 milhão) e tem a maior quantidade de dispositivos (2.200, 11,2% do total). Já a subprefeitura de Campo Limpo tem verba de R$ 373,5 mil e 1.144 câmeras.

A prefeitura afirma que segue critérios técnicos na alocação de recursos que vão além dos índices de criminalidade, como fluxo de pessoas e veículos e presença de equipamentos públicos municipais (com escolas e postos de saúde) —o que explicaria o montante destinado à Sé, na região central da capital.

Com tão pouco tempo de funcionamento, é natural que haja problemas no Smart Sampa, mas eles precisam ser monitorados, avaliados e corrigidos. Num caso recente, uma funcionária de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) na zona norte foi abordada pela polícia após ser identificada pelo sistema e, por sorte, conseguiu provar no local que não era a pessoa procurada.

Falhas devem ser sanadas em prol dos resultados positivos. Neste mês, dois dos suspeitos de roubo de obras de arte da biblioteca Mário de Andrade foram presos após identificação pelo Smart Sampa —que, segundo a gestão municipal, auxiliou na detenção de 2.278 foragidos e 3.445 criminosos em flagrante e na localização de 119 pessoas desaparecidas.

Segurança pública não é marketing eleitoral

Por O Estado de S. Paulo

O debate sobre segurança pública precisa se aprofundar além da espuma eleitoral e ganhar densidade institucional, sob pena de o crime continuar ocupando o espaço deixado pelo Estado

O anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que pretende criar um Ministério da Segurança Pública – no último ano do mandato, ingressando num ciclo eleitoral e condicionado a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – diz mais sobre a política do que sobre a segurança. Não foi uma iniciativa amadurecida, mas um gesto tardio, performático e revelador da forma como o petismo historicamente trata o tema: reativo, desengajado e subordinado ao calendário eleitoral.

Não é irrelevante lembrar que este é o quinto mandato do PT dos últimos seis. Em 23 anos, o partido esteve no comando do País por 17 – e também governou, por longos períodos, alguns dos Estados mais violentos do Brasil. Ainda assim, fala como se chegasse agora ao poder, armado de diagnósticos inéditos e soluções salvadoras. Uma amnésia conveniente, que afasta a prestação de contas e bloqueia o aprendizado institucional.

A segurança pública é hoje a principal preocupação dos brasileiros. Não por acaso. O crime organizado expandiu-se territorialmente, sofisticou seus métodos financeiros, infiltrou-se na economia formal e passou a desafiar abertamente o Estado. Facções operam para além das fronteiras nacionais, enquanto as forças públicas permanecem fragmentadas, com sistemas que não se comunicam e políticas que mudam a cada troca de governo.

O País não ficou parado. Houve avanços relevantes, como a criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) no governo Temer e, mais recentemente, o debate em torno de uma Lei Antifacção. Mas o padrão é conhecido: iniciativas surgem em resposta a choques – uma chacina, uma rebelião, uma megaoperação – e se dissipam com a mesma rapidez. Faltam continuidade, coordenação e uma visão estratégica que transcenda governos e disputas eleitorais.

Parte do problema está na guerra de narrativas que captura o debate. À esquerda, persiste o cacoete de reduzir o crime a um subproduto da desigualdade social, relegando a repressão policial a um papel secundário ou constrangedor. À direita, não raro a segurança é reduzida a um problema de “mão dura”, com fetiche por endurecimento de penas e flertes com soluções autoritárias que corroem o Estado de Direito. Ambas as miopias produzem políticas ineficazes – e, frequentemente, contraproducentes.

O discurso recente do PT ilustra esse impasse. Ao atribuir preeminência ao controle de armas civis, o partido oferece uma explicação simplista para um fenômeno complexo e estrutural, ignorando que o arsenal pesado do crime organizado vem majoritariamente do contrabando internacional e que a explosão da violência em várias regiões precede em anos a flexibilização armamentista do governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo, satisfaz-se em recriminar a violência policial, sem apresentar métodos alternativos de eficácia nem responder à pergunta crucial: o que fazer quando comunidades ou regiões inteiras são sequestradas por facções?

A proposta de uma PEC da Segurança Pública, anunciada como panaceia integradora, segue esse padrão. Integração é necessária, mas não é um fim em si mesma, e o Planalto negligenciou os mecanismos à sua disposição no Susp. Centralizar competências sem metas claras, capacidade operacional e mecanismos de responsabilização pode resultar apenas em mais burocracia e menos eficiência. Discursos e leis vistosas não são suficientes para sustentar políticas de Estado. É preciso construí-las com instituições sólidas, dados, continuidade e resultados mensuráveis.

Nada disso significa desprezar o debate eleitoral, legítimo e indispensável numa democracia. Mas a segurança pública não pode seguir refém de slogans, dogmas ideológicos ou superioridade moral autodeclarada. A violência atinge todos – progressistas e conservadores, ricos e, sobretudo, pobres – e exige seriedade, compromisso e disposição para consensos mínimos.

Se depender do oportunismo eleitoral, o País continuará se agitando na espuma da polarização, enquanto o crime avança e a população vive acuada. Segurança pública não é bandeira partidária nem peça de marketing. É uma urgência nacional que precisa, finalmente, ser tratada como tal.

Irresponsabilidade que mata crianças

Por O Estado de S. Paulo

Desmonte de ajuda internacional, sobretudo pelos EUA, fará o número de mortes de menores de 5 anos aumentar pela primeira vez no século 21, segundo a Fundação Gates

Pela primeira vez no século 21, o número de crianças que morrem antes de completar 5 anos de idade deve aumentar, em vez de diminuir. De acordo com um relatório da Fundação Gates, a mortalidade infantil deve atingir 4,8 milhões de crianças em 2025, 200 mil a mais que em 2024.

Trágica sob qualquer ponto de vista, a morte de crianças por doenças evitáveis e tratáveis como diarreia, além daquelas que podem ser erradicadas com vacinas, soa como um atestado de falência da humanidade.

O principal motivo para que, após anos de quedas consecutivas, as mortes na primeira infância voltem a aumentar é o corte da ajuda internacional oferecida por países ricos. Na segunda passagem de Donald Trump pela Casa Branca, os EUA, historicamente os maiores doadores de ajuda internacional do mundo, promoveram reduções significativas em programas de assistência global.

Embora o desmantelamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) seja muito provavelmente o maior símbolo desta nova era de cooperação internacional contida, países como Reino Unido, Alemanha e França também têm fechado as torneiras para assistência aos países mais necessitados. Segundo o relatório, pelo menos 24 nações de alta renda reduziram suas doações internacionais.

O abandono da ajuda aos mais pobres como ferramenta de soft power revela-se ineficaz em ao menos duas frentes. Em primeiro lugar, parece óbvio que o custo com ajuda internacional é menor do que aquele empregado em programas de vigilância de fronteira, detenção e deportação de imigrantes ilegais.

Ademais, se as condições de vida em países necessitados tornam-se ainda mais degradadas, é natural inferir que mais gente, e não menos, tentará imigrar para os países mais ricos, em nada importando quão altos sejam os muros ou eletrificadas as cercas. Populações desesperadas recorrerão a medidas desesperadas.

Mas, pior do que gerar uma economia questionável de recursos financeiros, a redução da ajuda internacional mostra quão rápido os frutos conquistados ao longo de décadas podem ser perdidos. Em paralelo ao desenvolvimento econômico, programas focados em assistência à saúde e nutrição infantil permitiram que a mortalidade infantil, historicamente elevada no curso da humanidade, caísse drasticamente.

Nesse sentido, as projeções da Fundação Gates, de que as mortes de menores de cinco anos voltarão a aumentar, atestam como o desmonte de ações comprovadamente efetivas é nefasto.

O quadro ruim pode tornar-se ainda mais sombrio. Num cenário já contemplado por muitos países, de cortes de cerca de 20% na assistência global à saúde, 12 milhões de mortes adicionais de crianças podem ocorrer até 2045. Caso as reduções com ajuda internacional se intensifiquem para um patamar de 30%, o número de mortes adicionais de crianças pode chegar a 16 milhões até 2045.

Obviamente, não precisa ser assim. O financiamento adequado de programas de saúde, combinado com inovações como vacinas de dose única que oferecem maior proteção do que imunizantes mais antigos, não só salva vidas, como gera ganhos exponenciais. Cada dólar investido em vacinas, segundo o estudo, garante aos países retornos da ordem de US$ 54.

Infelizmente, porém, em relação a vacinas, países como os EUA não apenas têm cortado o financiamento internacional, como, internamente, têm promovido desinformação em canais oficiais do governo sobre os efeitos dos imunizantes.

Assim, enquanto em países pobres muitas crianças podem morrer por não terem acesso a medicação que salva vidas, em nações ricas, como os EUA, os menores de cinco anos podem morrer porque lhes foi negado o imunizante de que o país dispõe, em razão de impedimentos ideológicos e políticos.

Evitáveis, as mortes de milhares de crianças exigem compromisso firme tanto com o financiamento de ajuda aos mais necessitados quanto com o combate à desinformação. A humanidade já dispõe de ferramentas para que crianças não morram aos milhares por causas praticamente banais.

Populismo rodoviário

Por O Estado de S. Paulo

Governo petista flerta de novo com o perigo ao estimular a compra de caminhões

Em mais uma ação com vistas às eleições de 2026, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva editou uma Medida Provisória (MP) para que o Ministério da Fazenda repasse R$ 6 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dinheiro que deverá financiar, de forma indireta, a aquisição de caminhões novos e seminovos. De acordo com a MP, os financiamentos deverão atender a critérios mínimos de conteúdo nacional e sustentabilidade ambiental, social e econômica. Além disso, no caso de caminhões novos, apenas veículos de fabricação nacional credenciados pelo BNDES poderão ser financiados.

Em tese, a medida visa ao fortalecimento da atividade logística e à modernização da frota nacional, o que evidentemente é saudável. Ocorre que o próprio BNDES já dispunha de linha de financiamento para tal propósito, o Finame. O banco de fomento também concede crédito a empresas do setor de transporte, que segundo relatórios de diferentes casas bancárias tendem a ser as mais beneficiadas pela MP agora editada pelo governo.

Pelas regras da nova linha, os financiamentos poderão ser pagos em até 60 meses. De acordo com o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, as taxas de juros da nova modalidade variarão entre 13% e 14% ao ano.

Ao optar por oferecer novos incentivos a uma categoria, os caminhoneiros, fortemente associada ao bolsonarismo, o governo brinca com fogo na esperança de colher votos.

Apesar de os juros elevados terem refreado a venda de caminhões ao longo deste ano, a frota de veículos de carga já havia ultrapassado a marca de 2 milhões de unidades em 2024. Especialistas do setor de transporte entendem que há excesso de caminhões no País. Já em 2015, o então diretor de Transporte de Cargas da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Geraldo Vianna, afirmava que o Brasil vivia uma “bolha rodoviária”. Àquela altura, segundo ele, o País tinha um excesso de 300 mil veículos de carga. O excesso de capacidade persiste e deve-se, sobretudo, a medidas como a concessão de crédito subsidiado, que levou empresas e grupos autônomos a investirem no incremento da frota. Somente entre 2012 e 2015 (durante os governos de Dilma Rousseff), o número de veículos de carga teve crescimento de 30% no País, segundo Vianna.

Caminhão demais e demanda de menos resultam em pressão sobre os preços do frete e insatisfação dos caminhoneiros, como o Brasil bem sabe. Em 2018, descontente com os preços do diesel e dos fretes, a categoria promoveu uma greve que paralisou o País por dez dias, deixando como legado um prejuízo bilionário.

É com essa realidade que o governo de Lula flerta ao, mais uma vez, direcionar crédito a um segmento que carece, sim, de renovação, mas não feita dessa forma.

Estimular o aumento da frota de caminhões ao mesmo tempo que a desaceleração da economia já está encaminhada via choque de juros é extremamente temerário, ainda mais quando o passado recente atesta que o populismo rodoviário só causou perdas à economia do País, aos caminhoneiros e até mesmo aos governos que, por oportunismo, concederam benesses que, na verdade, são uma armadilha.

Cenário fiscal e eleitoral pode frear a redução dos juros

Por Valor Econômico

Mais despesas fora da meta e medidas extraorçamentárias com fins eleitorais pioram contas públicas

A inflação medida pelo IPCA-15 encerrou o ano em 4,41%. Apesar dos juros mais elevados desde junho, os maiores desde 2006, ela é apenas 0,3 ponto percentual inferior à de 2024 e 0,4 ponto percentual menor que a de 2023. A recente elevação da taxa Selic, a partir de novembro de 2024, ainda produzirá mais efeitos, mas o custo a ser pago (quase R$ 1 trilhão em encargos financeiros para o Tesouro) é extremamente alto para resultado tão modesto. No governo Lula, da posse até agora, a Selic nunca caiu abaixo dos dois dígitos, 10,5%, mas há 20 meses o IPCA fica acima de 4%. A alta dos juros é eficaz para conter a alta generalizada dos preços, mas sua força depende de outras condições. Desde o início da atual gestão, a política fiscal é expansionista e vai na direção contrária à da política monetária. Colhe-se o pior dos resultados: a inflação cai muito devagar, enquanto a conta dos juros é escorchante e muito maior do que deveria ser se houvesse a vontade de coordená-la.

Três em cada quatro dos 120 participantes do mercado financeiro consultados pelo Valor (23-12) mudaram sua percepção sobre o tempo e o ritmo da mudança de sinal da política monetária. Antes da decisão do Comitê de Política Monetária de manter a taxa em 15% e não dar pistas sobre os próximos passos, havia uma divisão ligeiramente pendente (56%) ao corte em janeiro. Não mais. O cenário fiscal é o principal motivo.

Não há a menor dúvida de que a perspectiva para a inflação melhorou substancialmente, assim como o IPCA no cenário de referência até o segundo trimestre de 2027, de 3,2%, está agora muito perto da meta. O IPCA-15 de dezembro veio dentro das expectativas, com alguma melhoria no índice de difusão (54,5%, a proporção de produtos com preços em alta em relação ao total) e ligeira redução da média dos núcleos acompanhados pelo BC em 12 meses, de 4,74% para 4,65%, de acordo com a MCM Consultores. O IPCA deve encerrar 2025 também abaixo dos 4,5%, o teto da meta.

Houve importantes reviravoltas, como o recuo da alimentação no domicílio, cuja inflação caiu fortemente, de 7% para 2,4%. Os bens industriais também evoluíram bem abaixo do IPCA, contando com a valiosa colaboração, segundo Paula Magalhães, economista do Bradesco, da exportação de deflação pela China (Valor, 23-12), cujo índice de preços ao produtor registra variações negativas há 36 meses consecutivos. Pela mediana da pesquisa Focus, a expectativa sobre o comportamento dos preços industriais em maio foi de 4,3%. Nos 12 meses encerrados em novembro, porém, haviam subido 2,52%, diante de um IPCA de 4,46%.

Os preços do petróleo estão em queda, além de várias commodities agrícolas, cujo efeito baixista sobre a inflação foi potencializado pela valorização do real. As projeções reveladas pela mediana da pesquisa Focus vem recuando sistematicamente, porém ainda indicam inflação de 4,06% em 2026, 3,8% em 2027 e 3,5% em 2028. Embora bem mais próximas da meta, as projeções do BC, constantes do relatório de política monetária de dezembro, apontam que o IPCA só deverá atingir os 3% no primeiro trimestre de 2028.

Não há mais confiança de que o BC possa começar tão logo a reduzir os juros, e muito menos com força. O motivo principal é a perspectiva da política fiscal. Por um lado, o governo não para de excluir despesas do limite de gastos e da meta fiscal. De outro, acionou política de crédito subsidiada de incentivos à economia, de olho nas eleições. O banco Barclays calculou que para 2026 estão programadas medidas expansionistas da ordem de R$ 225 bilhões, conta que inclui medidas extraorçamentárias e financiamentos privados (Folha de S. Paulo, 22-12). A Instituição Fiscal Independente calcula que R$ 71,3 bilhões de despesas ficarão fora das regras fiscais em 2026, ano em que as medidas aprovadas pelo Congresso a pedido do governo elevarão a arrecadação em R$ 133,3 bilhões. Apesar de déficit zero no papel, o rombo será de 0,6% do PIB.

O governo Lula encerrará seu mandato sem produzir superávit fiscal, com uma dívida bruta de 82% do PIB, dez pontos percentuais maior do que a que recebeu do antecessor. Em ano eleitoral, esse comportamento não mudará, e muito menos caso o presidente seja reeleito. "Serei candidato para discutir todo mês déficit fiscal e corte no orçamento? Não preciso disso", disse Lula em reunião ministerial de 17 de dezembro.

Para o ceticismo do mercado quanto à trajetória dos juros, passou a influir também o calendário eleitoral. Lula é o candidato melhor posicionado nas pesquisas, e é sabido seu desdém pela austeridade fiscal. Seu adversário com melhor colocação é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que tira da disputa presidencial o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), favorito do mercado, e vem alardeando que promoverá o equilíbrio fiscal, apesar de prometer reduzir impostos sem apontar como compensar isso.

A campanha eleitoral pode, assim, mudar um cenário ainda benigno e manter juros ainda muito elevados por um bom tempo, reduzindo o crescimento econômico e aumentando o déficit nominal, de 8,28% do PIB, os maiores encargos pagos entre 153 países (Valor, 22-12)

Consumo consciente precisa ser meta para o novo ano

Por Correio Braziliense

Planejar os gastos de janeiro com antecedência e priorizar o pagamento das contas fixas sobre os desejos supérfluos é o primeiro passo para garantir que o "Feliz Ano Novo" não seja apenas uma frase protocolar

Mal os ecos das celebrações natalinas se dissipam, a sociedade brasileira é rapidamente impelida para o próximo ciclo de expectativas: a virada de ano. Entre os brindes de esperança e as promessas de renovação, uma realidade mais árida se impõe nos bastidores das famílias: a fatura do cartão de crédito. Celebrações à parte (a melhor parte, aliás), o ciclo do consumismo transforma a alegria das festividades em uma "ressaca financeira" prolongada.

O período que compreende o Natal e o Réveillon é, historicamente, o motor do varejo. Estimativas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontam que o Natal sozinho movimenta dezenas de milhões de reais na economia brasileira. Contudo, esse impulso é movido, muitas vezes, por um crédito que cobra juros exorbitantes. Segundo dados recentes do Banco Central, a taxa média do cartão de crédito rotativo — para onde muitos brasileiros recorrem ao não conseguirem quitar o valor total da fatura — ultrapassa a marca de 400% ao ano.

 O cenário piora quando se olha para os dados do endividamento. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), cerca de 78% das famílias brasileiras iniciam o ano com algum tipo de dívida, sendo o cartão de crédito o principal vilão (responsável por mais de 80% desses débitos).

O consumismo, porém, não é apenas um fenômeno econômico; é uma construção cultural de urgência. A necessidade de "começar o ano de cara nova" — seja trocando de smartphone, de carro ou renovando o guarda-roupa — é alimentada por um marketing agressivo que ignora a capacidade real de pagamento do cidadão. O resultado é um ciclo vicioso em que a satisfação imediata da compra é substituída pela angústia da inadimplência.

Nesse sentido, é preciso que as resoluções de ano novo extrapolem a perda de peso ou a mudança de hábitos de lazer. O "consumo consciente" precisa deixar de ser um termo distante e se tornar uma prática de sobrevivência doméstica.  Além dos benefícios individuais, há o impacto coletivo, considerando que o conceito tem uma preocupação também com a mitigação de danos ambientais. 

A transição de dezembro para janeiro marca o encontro do desejo com a realidade. Enquanto o primeiro é o mês do bônus e do 13º salário, o segundo chega acompanhado de siglas conhecidas e temidas: IPVA, IPTU e as despesas escolares. A economia da virada dos calendários exige, mais do que nunca, equilíbrio. 

Planejar os gastos de janeiro com antecedência e  priorizar o pagamento das contas fixas sobre os desejos supérfluos é o primeiro passo para garantir que o "Feliz Ano Novo" não seja apenas uma frase protocolar, mas uma realidade financeira para os próximos 12 meses.

Trump ameaça Venezuela com intervenção militar

Por O Povo (CE)

A política intervencionista põe em risco inclusive os Estados Unidos. Invasões no Iraque, Afeganistão e Líbia, foram erros grosseiros que terminaram em derrota para Washington

O presidente americano Donald Trump vem aumentando a pressão sobre a Venezuela e, para isso, usa argumentos descabidos ou simplesmente mentirosos. Não se discute aqui a classificação do governo de Nicolás Maduro, sem dúvida uma ditadura, que fraudou as eleições para continuar no poder.

Mas o objetivo de Trump não é livrar os venezuelanos de um autocrata, mas pôr as mãos no petróleo do país sul-americano — proprietário da maior reserva do mundo — e ampliar, por métodos violentos, a influência dos Estados Unidos na região.

Trump deslocou navios de guerra, incluindo porta-aviões, aumentando significativamente a presença armada no Caribe. Calcula-se que cerca de 15 mil militares façam parte desse esforço.

Sob a justificativa do combate às drogas, militares já bombardearam 28 embarcações na região, supostamente transportando drogas, matando cerca de 70 pessoas. O conflito ampliou-se quando três navios petroleiros da Venezuela foram interceptados em sua costa, em uma tentativa de sufocar o país economicamente. São ações que violam abertamente leis internacionais, mas continuam a ser realizadas impunemente.

Washington não se detém; Trump ameaça agora uma invasão militar terrestre na Venezuela — não descartando fazer o mesmo em outros países —, o que repercutiria em toda a região, em especial no Brasil.

O presidente americano que ressuscitar a diplomacia das canhoneiras, em que demonstrações de força são usadas para submeter nações supostamente mais fracas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a reunião do Mercosul na semana passada para falar sobre o assunto. Sem citar os Estados Unidos, Lula rejeitou a interferência externa na América do Sul e lembrou que "passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extra-regional".

O chefe Executivo brasileiro afirmou que os limites do direito internacional "estão sendo testados" e que uma intervenção armada na Venezuela seria uma "catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo".

Pode-se dizer, inclusive, que os Estados Unidos também correm risco com essa política. Intervenções recentes dos Estados Unidos, como no Iraque, Afeganistão e Líbia, foram erros grosseiros e terminaram em derrota para a Casa Branca.

Lula está certo quando diz que a América Latina tem de ser uma zona de paz e que as pendências entre as nações devem ser resolvidas com diálogo e no foro das instituições multilaterais.

 


 

 

 

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