Lula quer fazer diplomacia com dinheiro do BNDES
Por O Globo
Era incensada por ele foi período de
escândalos de corrupção e calotes cobertos com recursos do contribuinte
Na visita que fez a Moçambique no
final de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva anunciou “estar trabalhando” para que o BNDES volte
a financiar a “internacionalização” de empresas brasileiras. Na prática, Lula
deseja a volta dos anos em que empreiteiras brasileiras, estimuladas pelo
governo, lançaram-se a executar projetos em Cuba, Moçambique ou Angola, com
financiamento do BNDES. Várias dessas operações, realizadas em seus dois
primeiros mandatos e na gestão Dilma Rousseff, resultaram em calotes, bancados
pelo Tesouro — ou seja, pelo contribuinte.
A era incensada por Lula foi também um período de escândalos de corrupção envolvendo essas empreiteiras, desmascarados pela Operação Lava-Jato. Denúncias de pagamento de propinas no exterior, em torno de projetos financiados pelo Brasil, causaram crises políticas profundas nos países onde as empreiteiras brasileiras atuavam. No Peru, dois ex-presidentes — Alejandro Toledo e Ollanta Humala — foram condenados por receber propina da Odebrecht. Na gestão Toledo, o alvo da empreiteira era o projeto de construção de trechos da rodovia Interoceânica Sul. Com Humala, Odebrecht e OAS eram as fontes do financiamento ilegal de campanhas. Outro presidente peruano, Alan Garcia, foi investigado sob a acusação de receber propinas para favorecer a Odebrecht, mas se matou em 2019, quando sua prisão preventiva foi decretada.
O apoio brasileiro a obras de infraestrutura
era resultado, em grande parte dos casos, de afinidades ideológicas e sonhos
mirabolantes de influência global, sem maiores preocupações com a capacidade de
pagamento do credor. “Nenhum grande país consegue exportar serviços sem
oferecer opções de crédito”, disse Lula em Moçambique. Mas isso não significa
que o ônus dessas operações tenha de recair sobre quem paga impostos, nem que
esses financiamentos tenham necessariamente de ter alto risco.
Não se sabe se Lula aproveitou a viagem a
Moçambique para cobrar de seu presidente, Daniel Chapo, os US$ 122 milhões que
o país ainda deve ao Brasil. Lá, o BNDES liberou US$ 320 milhões para a Andrade
Gutierrez construir a Barragem de Moamba Major, no rio Incomati, destinada ao
fornecimento de água. O empréstimo foi suspenso em meio a suspeitas. Outro, de
US$ 125 milhões, se destinou ao aeroporto de Nacala, projeto a cargo da Odebrecht.
As perdas do BNDES nesses negócios foram ressarcidas pelo Fundo de Garantia à
Exportação (FGE), bancado quase exclusivamente pelo Tesouro.
O mesmo já ocorreu com US$ 352 milhões que o
BNDES liberou para Cuba construir o porto de Mariel e também não pagou. No
final de setembro, ainda havia 12 prestações em atraso — somando US$ 323
milhões — para o FGE ressarcir. Reflexo do apoio concedido por Lula a Hugo
Chávez, a Venezuela aparece
como responsável por transferência de US$ 813 milhões do FGE ao BNDES, também
em razão de projetos financiados e não pagos. O calote total resultante da
“internacionalização” do BNDES que Lula quer reviver foi de US$ 1,23 bilhão, ou
12% do total emprestado pelo banco.
Foi esse o preço pago, até agora, pela
diplomacia feita com dinheiro público. No final do terceiro governo, Lula quer
a volta àqueles tempos de dinheiro fácil para governos amigos, com o
contribuinte à mão para cobrir os buracos abertos pela corrupção ou pelos
calotes.
Leilão de baterias cria oportunidade de
atrair novos investimentos ao país
Por O Globo
Iniciativa abre caminho para armazenar
energia eólica e solar hoje desperdiçada
A geração de energia no
Brasil é conhecida pela base renovável, assentada nas usinas hidrelétricas. Nos
últimos anos, porém, ela passou por grande transformação com o crescimento da
geração de energia solar e eólica. Com isso, surgiram questões regulatórias e
técnicas inéditas. Como sol e vento são fontes intermitentes, tornou-se mais
frequente haver excesso de energia em determinados horários do dia. Isso leva o
Operador Nacional do Sistema (ONS) a cortar ou limitar a conexão à rede de
distribuição, jogando fora energia que poderia ser armazenada (situação
conhecida como curtailment). Esse problema pode começar a ser resolvido a
partir de abril do ano que vem, quando o país planeja realizar o primeiro
leilão para instalação de parques de baterias capazes de estocar energia
excedente.
De acordo com o Relatório Síntese do Balanço
Energético Nacional, no ano passado a geração solar aumentou 39,6% ante 2023, e
a capacidade instalada cresceu 28,1%, para 48.468 MW. Na eólica, o salto foi de
12,4% e, na potência instalada, de 3%, para 29.550 MW. Somadas, segundo a
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as duas fontes já respondem por 24% da
geração total de energia. A diversificação é necessária para garantir o
fornecimento contínuo e evitar apagões, sobretudo num cenário de mudanças
climáticas com secas extremas, afetando níveis de reservatórios das
hidrelétricas (responsáveis por 56% da geração). A iniciativa de fazer o
primeiro leilão de baterias transmite um sinal positivo para atrair mais
investimentos nas novas fontes.
Pela legislação que regula o setor elétrico,
o custo de armazenamento da energia não será repassado ao consumidor, mas
rateado entre geradores, excluindo as modalidades que não dependem das
baterias, as termelétricas e hidrelétricas. Mesmo com o custo, a oportunidade
que se abre para as geradoras solar e eólica é imensa. Basta lembrar que os
gigantescos data centers usados pelos sistemas de inteligência artificial
dependerão de imensa capacidade de geração ambientalmente sustentável, algo que
o Brasil pode oferecer se dispuser de um parque robusto de baterias.
Alguns críticos afirmam que uma licitação de térmicas e hidrelétricas prevista para antes do leilão das baterias pode prejudicá-lo por ampliar a capacidade de atendimento da demanda, reduzindo a necessidade do sistema de armazenamento. Mas as baterias podem garantir um novo patamar de competitividade à geração solar e eólica. Já existem grandes parques de baterias instalados nos Estados Unidos e na Europa, conectados às redes de transmissão. O Brasil não pode ficar para trás.
Força relativa de Lula, fragilidades da
esquerda
Por Folha de S. Paulo
Datafolha mostra que polarização se mantém
entre 40% de identificados com petismo e 34% com bolsonarismo
Em eventual disputa entre Lula e Flávio, cada qual pode se amparar na rejeição ao oponente, mas a tarefa de governar fica problemática
A polarização que marca a política nacional
nos últimos anos sobrevive aos reveses de seus líderes —ou talvez até se
acentue com eles.
Preso em 2018, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
manteve capital eleitoral suficiente para mandar o correligionário Fernando
Haddad ao segundo turno da disputa pelo Planalto. Com as
condenações por corrupção anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, ressurgiu
vitorioso em 2022 e hoje, mesmo desgastado, lidera as pesquisas sobre o próximo
ano.
Cumprindo pena por tentativa de golpe de
Estado, Jair Bolsonaro (PL) preserva o protagonismo. Segundo levantamento
recém-concluído pelo Datafolha,
34% dos brasileiros aptos a votar se identificam com o bolsonarismo, parcela
não muito diferente dos 37% verificados em julho, antes da
condenação pelo STF.
Declaram-se mais próximos ao petismo 40% dos
entrevistados, cifra similar aos 39% de julho. Tudo somado, três quartos dos
brasileiros mantêm a preferência por um dos polos; no quarto restante, 18% se
dizem neutros, 6% não apoiam o PT nem Bolsonaro e 1% não soube responder. Não
por acaso, candidaturas presidenciais competitivas de centro não estão no
horizonte.
Há razões para acreditar que a modesta vantagem
petista na sondagem está mais associada à força relativa de Lula do que a
inclinações partidárias ou ideológicas do eleitorado. Afinal, não mais do que
22% dos brasileiros se declaram de esquerda, e mais 7%, de centro-esquerda.
Nessa comparação, a direita leva vantagem
considerável, escolhida
por 35% dos votantes, além de 11% que marcam a centro-direita.
Posicionam-se ao centro outros 17% dos entrevistados. Eleições legislativas,
estaduais e municipais corroboram historicamente opções mais conservadoras da
população.
No plano nacional, o movimento direitista
mais recente foi outra aposta na polarização: o lançamento da pré-candidatura
presidencial do senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, que, se levada
adiante, terá o potencial de inibir outros postulantes do mesmo campo político.
Há dúvidas, de todo modo, quanto a essa hipótese.
Uma eventual disputa entre Lula e Flávio,
opondo pela terceira vez consecutiva petismo e bolsonarismo puro-sangue, seria
também um duelo de rejeições. Segundo o Datafolha, 44% declaram não votar no
atual presidente em nenhuma hipótese, enquanto 38% disseram o mesmo sobre o
senador —percentual que tende a se aproximar dos 45% atribuídos ao pai.
É uma situação que convém a ambos, cada qual
podendo se amparar na repulsa ao oponente, porém problemática para a
governabilidade. De um lado, uma revanche de radicais justamente condenados por
golpismo rechaçado pela sociedade e pelas instituições; de outro, uma esquerda
minoritária que cada vez mais se agarra a um populismo orçamentário
insustentável.
Ajustes no Smart Sampa
Por Folha de S. Paulo
Eventuais distorções no programa precisam ser
avaliadas em prol de resultados positivos em segurança
Sistema ajudou a prender 2.278 foragidos;
algumas regiões líderes em roubos receberam menos verbas do que outras com
melhores indicadores
A partir de dezembro de 2024, a cidade
de São Paulo juntou-se
a outras metrópoles do mundo, como Londres e
Xangai, que implantaram sistemas de
câmeras de reconhecimento facial no espaço urbano como
ferramenta de política em segurança pública.
Trata-se de uso inescapável da tecnologia, mas
seus resultados exitosos exigem critérios técnicos de aplicação, protocolos
rigorosos de armazenamento de imagens e de abordagens policiais, além de
transparência das suas regras de funcionamento e de dados relativos aos
resultados.
Após um ano, o Smart Sampa conta com 40 mil
câmeras em funcionamento na capital paulista. A verba destinada ao programa,
maior bandeira do prefeito Ricardo Nunes (MDB) no setor,
foi de R$ 45,2 milhões, e a gestão municipal pretende aumentá-la a R$ 240,6
milhões no Orçamento de 2026 que ainda será votado pela Câmara de Vereadores.
Levantamento da Folha mostra
algumas distorções. Regiões que lideram em ocorrências de roubos neste ano,
como Capão Redondo e Campo Limpo, receberam menos recursos e câmeras do que
outras com melhores indicadores nesse tipo de crime.
Dos cerca de R$ 7,7 milhões distribuídos
mensalmente às subprefeituras para funcionamento do programa e manutenção de
câmeras, a da Sé
recebe a maior fatia (R$ 1,1 milhão) e tem a maior quantidade
de dispositivos (2.200, 11,2% do total). Já a subprefeitura de Campo Limpo tem
verba de R$ 373,5 mil e 1.144 câmeras.
A prefeitura afirma que segue critérios
técnicos na alocação de recursos que vão além dos índices de criminalidade,
como fluxo de pessoas e veículos e presença de equipamentos públicos municipais
(com escolas e postos de saúde) —o que explicaria o montante destinado à Sé, na
região central da capital.
Com tão pouco tempo de funcionamento, é
natural que haja problemas no Smart Sampa, mas eles precisam ser monitorados,
avaliados e corrigidos. Num caso recente, uma funcionária de um Centro de
Atenção Psicossocial (Caps) na zona norte foi abordada pela polícia após ser
identificada pelo sistema e, por sorte, conseguiu provar no local que não era a
pessoa procurada.
Falhas devem ser sanadas em prol dos resultados positivos. Neste mês, dois dos suspeitos de roubo de obras de arte da biblioteca Mário de Andrade foram presos após identificação pelo Smart Sampa —que, segundo a gestão municipal, auxiliou na detenção de 2.278 foragidos e 3.445 criminosos em flagrante e na localização de 119 pessoas desaparecidas.
Segurança pública não é marketing eleitoral
Por O Estado de S. Paulo
O debate sobre segurança pública precisa se
aprofundar além da espuma eleitoral e ganhar densidade institucional, sob pena
de o crime continuar ocupando o espaço deixado pelo Estado
O anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de que pretende criar um Ministério da Segurança Pública – no último ano
do mandato, ingressando num ciclo eleitoral e condicionado a uma Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) – diz mais sobre a política do que sobre a
segurança. Não foi uma iniciativa amadurecida, mas um gesto tardio,
performático e revelador da forma como o petismo historicamente trata o tema:
reativo, desengajado e subordinado ao calendário eleitoral.
Não é irrelevante lembrar que este é o quinto
mandato do PT dos últimos seis. Em 23 anos, o partido esteve no comando do País
por 17 – e também governou, por longos períodos, alguns dos Estados mais
violentos do Brasil. Ainda assim, fala como se chegasse agora ao poder, armado de
diagnósticos inéditos e soluções salvadoras. Uma amnésia conveniente, que
afasta a prestação de contas e bloqueia o aprendizado institucional.
A segurança pública é hoje a principal
preocupação dos brasileiros. Não por acaso. O crime organizado expandiu-se
territorialmente, sofisticou seus métodos financeiros, infiltrou-se na economia
formal e passou a desafiar abertamente o Estado. Facções operam para além das
fronteiras nacionais, enquanto as forças públicas permanecem fragmentadas, com
sistemas que não se comunicam e políticas que mudam a cada troca de governo.
O País não ficou parado. Houve avanços
relevantes, como a criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) no
governo Temer e, mais recentemente, o debate em torno de uma Lei Antifacção.
Mas o padrão é conhecido: iniciativas surgem em resposta a choques – uma
chacina, uma rebelião, uma megaoperação – e se dissipam com a mesma rapidez.
Faltam continuidade, coordenação e uma visão estratégica que transcenda
governos e disputas eleitorais.
Parte do problema está na guerra de
narrativas que captura o debate. À esquerda, persiste o cacoete de reduzir o
crime a um subproduto da desigualdade social, relegando a repressão policial a
um papel secundário ou constrangedor. À direita, não raro a segurança é
reduzida a um problema de “mão dura”, com fetiche por endurecimento de penas e
flertes com soluções autoritárias que corroem o Estado de Direito. Ambas as
miopias produzem políticas ineficazes – e, frequentemente, contraproducentes.
O discurso recente do PT ilustra esse
impasse. Ao atribuir preeminência ao controle de armas civis, o partido oferece
uma explicação simplista para um fenômeno complexo e estrutural, ignorando que
o arsenal pesado do crime organizado vem majoritariamente do contrabando internacional
e que a explosão da violência em várias regiões precede em anos a
flexibilização armamentista do governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo, satisfaz-se
em recriminar a violência policial, sem apresentar métodos alternativos de
eficácia nem responder à pergunta crucial: o que fazer quando comunidades ou
regiões inteiras são sequestradas por facções?
A proposta de uma PEC da Segurança Pública,
anunciada como panaceia integradora, segue esse padrão. Integração é
necessária, mas não é um fim em si mesma, e o Planalto negligenciou os
mecanismos à sua disposição no Susp. Centralizar competências sem metas claras,
capacidade operacional e mecanismos de responsabilização pode resultar apenas
em mais burocracia e menos eficiência. Discursos e leis vistosas não são suficientes
para sustentar políticas de Estado. É preciso construí-las com instituições
sólidas, dados, continuidade e resultados mensuráveis.
Nada disso significa desprezar o debate
eleitoral, legítimo e indispensável numa democracia. Mas a segurança pública não
pode seguir refém de slogans, dogmas ideológicos ou superioridade moral
autodeclarada. A violência atinge todos – progressistas e conservadores, ricos
e, sobretudo, pobres – e exige seriedade, compromisso e disposição para
consensos mínimos.
Se depender do oportunismo eleitoral, o País
continuará se agitando na espuma da polarização, enquanto o crime avança e a
população vive acuada. Segurança pública não é bandeira partidária nem peça de
marketing. É uma urgência nacional que precisa, finalmente, ser tratada como
tal.
Irresponsabilidade que mata crianças
Por O Estado de S. Paulo
Desmonte de ajuda internacional, sobretudo
pelos EUA, fará o número de mortes de menores de 5 anos aumentar pela primeira
vez no século 21, segundo a Fundação Gates
Pela primeira vez no século 21, o número de
crianças que morrem antes de completar 5 anos de idade deve aumentar, em vez de
diminuir. De acordo com um relatório da Fundação Gates, a mortalidade infantil
deve atingir 4,8 milhões de crianças em 2025, 200 mil a mais que em 2024.
Trágica sob qualquer ponto de vista, a morte
de crianças por doenças evitáveis e tratáveis como diarreia, além daquelas que
podem ser erradicadas com vacinas, soa como um atestado de falência da
humanidade.
O principal motivo para que, após anos de
quedas consecutivas, as mortes na primeira infância voltem a aumentar é o corte
da ajuda internacional oferecida por países ricos. Na segunda passagem de
Donald Trump pela Casa Branca, os EUA, historicamente os maiores doadores de
ajuda internacional do mundo, promoveram reduções significativas em programas
de assistência global.
Embora o desmantelamento da Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) seja muito
provavelmente o maior símbolo desta nova era de cooperação internacional contida,
países como Reino Unido, Alemanha e França também têm fechado as torneiras para
assistência aos países mais necessitados. Segundo o relatório, pelo menos 24
nações de alta renda reduziram suas doações internacionais.
O abandono da ajuda aos mais pobres como
ferramenta de soft
power revela-se ineficaz em ao menos duas frentes. Em primeiro
lugar, parece óbvio que o custo com ajuda internacional é menor do que aquele
empregado em programas de vigilância de fronteira, detenção e deportação de
imigrantes ilegais.
Ademais, se as condições de vida em países
necessitados tornam-se ainda mais degradadas, é natural inferir que mais gente,
e não menos, tentará imigrar para os países mais ricos, em nada importando quão
altos sejam os muros ou eletrificadas as cercas. Populações desesperadas
recorrerão a medidas desesperadas.
Mas, pior do que gerar uma economia
questionável de recursos financeiros, a redução da ajuda internacional mostra
quão rápido os frutos conquistados ao longo de décadas podem ser perdidos. Em paralelo
ao desenvolvimento econômico, programas focados em assistência à saúde e
nutrição infantil permitiram que a mortalidade infantil, historicamente elevada
no curso da humanidade, caísse drasticamente.
Nesse sentido, as projeções da Fundação
Gates, de que as mortes de menores de cinco anos voltarão a aumentar, atestam
como o desmonte de ações comprovadamente efetivas é nefasto.
O quadro ruim pode tornar-se ainda mais
sombrio. Num cenário já contemplado por muitos países, de cortes de cerca de
20% na assistência global à saúde, 12 milhões de mortes adicionais de crianças
podem ocorrer até 2045. Caso as reduções com ajuda internacional se
intensifiquem para um patamar de 30%, o número de mortes adicionais de crianças
pode chegar a 16 milhões até 2045.
Obviamente, não precisa ser assim. O
financiamento adequado de programas de saúde, combinado com inovações como
vacinas de dose única que oferecem maior proteção do que imunizantes mais
antigos, não só salva vidas, como gera ganhos exponenciais. Cada dólar investido
em vacinas, segundo o estudo, garante aos países retornos da ordem de US$ 54.
Infelizmente, porém, em relação a vacinas,
países como os EUA não apenas têm cortado o financiamento internacional, como,
internamente, têm promovido desinformação em canais oficiais do governo sobre
os efeitos dos imunizantes.
Assim, enquanto em países pobres muitas
crianças podem morrer por não terem acesso a medicação que salva vidas, em
nações ricas, como os EUA, os menores de cinco anos podem morrer porque lhes
foi negado o imunizante de que o país dispõe, em razão de impedimentos
ideológicos e políticos.
Evitáveis, as mortes de milhares de crianças
exigem compromisso firme tanto com o financiamento de ajuda aos mais
necessitados quanto com o combate à desinformação. A humanidade já dispõe de
ferramentas para que crianças não morram aos milhares por causas praticamente
banais.
Populismo rodoviário
Por O Estado de S. Paulo
Governo petista flerta de novo com o perigo
ao estimular a compra de caminhões
Em mais uma ação com vistas às eleições de
2026, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva editou uma Medida Provisória (MP)
para que o Ministério da Fazenda repasse R$ 6 bilhões ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dinheiro que deverá financiar, de
forma indireta, a aquisição de caminhões novos e seminovos. De acordo com a MP,
os financiamentos deverão atender a critérios mínimos de conteúdo nacional e
sustentabilidade ambiental, social e econômica. Além disso, no caso de
caminhões novos, apenas veículos de fabricação nacional credenciados pelo BNDES
poderão ser financiados.
Em tese, a medida visa ao fortalecimento da
atividade logística e à modernização da frota nacional, o que evidentemente é
saudável. Ocorre que o próprio BNDES já dispunha de linha de financiamento para
tal propósito, o Finame. O banco de fomento também concede crédito a empresas
do setor de transporte, que segundo relatórios de diferentes casas bancárias
tendem a ser as mais beneficiadas pela MP agora editada pelo governo.
Pelas regras da nova linha, os financiamentos
poderão ser pagos em até 60 meses. De acordo com o vice-presidente Geraldo
Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, as taxas
de juros da nova modalidade variarão entre 13% e 14% ao ano.
Ao optar por oferecer novos incentivos a uma
categoria, os caminhoneiros, fortemente associada ao bolsonarismo, o governo
brinca com fogo na esperança de colher votos.
Apesar de os juros elevados terem refreado a
venda de caminhões ao longo deste ano, a frota de veículos de carga já havia
ultrapassado a marca de 2 milhões de unidades em 2024. Especialistas do setor
de transporte entendem que há excesso de caminhões no País. Já em 2015, o então
diretor de Transporte de Cargas da Confederação Nacional do Transporte (CNT),
Geraldo Vianna, afirmava que o Brasil vivia uma “bolha rodoviária”. Àquela
altura, segundo ele, o País tinha um excesso de 300 mil veículos de carga. O
excesso de capacidade persiste e deve-se, sobretudo, a medidas como a concessão
de crédito subsidiado, que levou empresas e grupos autônomos a investirem no
incremento da frota. Somente entre 2012 e 2015 (durante os governos de Dilma
Rousseff), o número de veículos de carga teve crescimento de 30% no País,
segundo Vianna.
Caminhão demais e demanda de menos resultam
em pressão sobre os preços do frete e insatisfação dos caminhoneiros, como o
Brasil bem sabe. Em 2018, descontente com os preços do diesel e dos fretes, a
categoria promoveu uma greve que paralisou o País por dez dias, deixando como legado
um prejuízo bilionário.
É com essa realidade que o governo de Lula
flerta ao, mais uma vez, direcionar crédito a um segmento que carece, sim, de
renovação, mas não feita dessa forma.
Estimular o aumento da frota de caminhões ao mesmo tempo que a desaceleração da economia já está encaminhada via choque de juros é extremamente temerário, ainda mais quando o passado recente atesta que o populismo rodoviário só causou perdas à economia do País, aos caminhoneiros e até mesmo aos governos que, por oportunismo, concederam benesses que, na verdade, são uma armadilha.
Cenário fiscal e eleitoral pode frear a
redução dos juros
Por Valor Econômico
Mais despesas fora da meta e medidas
extraorçamentárias com fins eleitorais pioram contas públicas
A inflação medida pelo IPCA-15 encerrou o ano
em 4,41%. Apesar dos juros mais elevados desde junho, os maiores desde 2006,
ela é apenas 0,3 ponto percentual inferior à de 2024 e 0,4 ponto percentual
menor que a de 2023. A recente elevação da taxa Selic, a partir de novembro de
2024, ainda produzirá mais efeitos, mas o custo a ser pago (quase R$ 1 trilhão
em encargos financeiros para o Tesouro) é extremamente alto para resultado tão
modesto. No governo Lula, da posse até agora, a Selic nunca caiu abaixo dos
dois dígitos, 10,5%, mas há 20 meses o IPCA fica acima de 4%. A alta dos juros
é eficaz para conter a alta generalizada dos preços, mas sua força depende de
outras condições. Desde o início da atual gestão, a política fiscal é
expansionista e vai na direção contrária à da política monetária. Colhe-se o
pior dos resultados: a inflação cai muito devagar, enquanto a conta dos juros é
escorchante e muito maior do que deveria ser se houvesse a vontade de
coordená-la.
Três em cada quatro dos 120 participantes do
mercado financeiro consultados pelo Valor (23-12)
mudaram sua percepção sobre o tempo e o ritmo da mudança de sinal da política
monetária. Antes da decisão do Comitê de Política Monetária de manter a taxa em
15% e não dar pistas sobre os próximos passos, havia uma divisão ligeiramente
pendente (56%) ao corte em janeiro. Não mais. O cenário fiscal é o principal
motivo.
Não há a menor dúvida de que a perspectiva
para a inflação melhorou substancialmente, assim como o IPCA no cenário de
referência até o segundo trimestre de 2027, de 3,2%, está agora muito perto da
meta. O IPCA-15 de dezembro veio dentro das expectativas, com alguma melhoria
no índice de difusão (54,5%, a proporção de produtos com preços em alta em
relação ao total) e ligeira redução da média dos núcleos acompanhados pelo BC
em 12 meses, de 4,74% para 4,65%, de acordo com a MCM Consultores. O IPCA deve
encerrar 2025 também abaixo dos 4,5%, o teto da meta.
Houve importantes reviravoltas, como o recuo
da alimentação no domicílio, cuja inflação caiu fortemente, de 7% para 2,4%. Os
bens industriais também evoluíram bem abaixo do IPCA, contando com a valiosa
colaboração, segundo Paula Magalhães, economista do Bradesco, da exportação de
deflação pela China (Valor,
23-12), cujo índice de preços ao produtor registra variações negativas há 36
meses consecutivos. Pela mediana da pesquisa Focus, a expectativa sobre o
comportamento dos preços industriais em maio foi de 4,3%. Nos 12 meses
encerrados em novembro, porém, haviam subido 2,52%, diante de um IPCA de 4,46%.
Os preços do petróleo estão em queda, além de
várias commodities agrícolas, cujo efeito baixista sobre a inflação foi
potencializado pela valorização do real. As projeções reveladas pela mediana da
pesquisa Focus vem recuando sistematicamente, porém ainda indicam inflação de
4,06% em 2026, 3,8% em 2027 e 3,5% em 2028. Embora bem mais próximas da meta,
as projeções do BC, constantes do relatório de política monetária de dezembro,
apontam que o IPCA só deverá atingir os 3% no primeiro trimestre de 2028.
Não há mais confiança de que o BC possa
começar tão logo a reduzir os juros, e muito menos com força. O motivo
principal é a perspectiva da política fiscal. Por um lado, o governo não para
de excluir despesas do limite de gastos e da meta fiscal. De outro, acionou
política de crédito subsidiada de incentivos à economia, de olho nas eleições.
O banco Barclays calculou que para 2026 estão programadas medidas
expansionistas da ordem de R$ 225 bilhões, conta que inclui medidas
extraorçamentárias e financiamentos privados (Folha de S. Paulo, 22-12). A
Instituição Fiscal Independente calcula que R$ 71,3 bilhões de despesas ficarão
fora das regras fiscais em 2026, ano em que as medidas aprovadas pelo Congresso
a pedido do governo elevarão a arrecadação em R$ 133,3 bilhões. Apesar de
déficit zero no papel, o rombo será de 0,6% do PIB.
O governo Lula encerrará seu mandato sem
produzir superávit fiscal, com uma dívida bruta de 82% do PIB, dez pontos
percentuais maior do que a que recebeu do antecessor. Em ano eleitoral, esse
comportamento não mudará, e muito menos caso o presidente seja reeleito.
"Serei candidato para discutir todo mês déficit fiscal e corte no orçamento?
Não preciso disso", disse Lula em reunião ministerial de 17 de dezembro.
Para o ceticismo do mercado quanto à
trajetória dos juros, passou a influir também o calendário eleitoral. Lula é o
candidato melhor posicionado nas pesquisas, e é sabido seu desdém pela
austeridade fiscal. Seu adversário com melhor colocação é o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), que tira da disputa presidencial o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos-SP), favorito do mercado, e vem alardeando que promoverá
o equilíbrio fiscal, apesar de prometer reduzir impostos sem apontar como
compensar isso.
A campanha eleitoral pode, assim, mudar um cenário ainda benigno e manter juros ainda muito elevados por um bom tempo, reduzindo o crescimento econômico e aumentando o déficit nominal, de 8,28% do PIB, os maiores encargos pagos entre 153 países (Valor, 22-12)
Consumo consciente precisa ser meta para o
novo ano
Por Correio Braziliense
Planejar os gastos de janeiro com antecedência e priorizar o pagamento das contas fixas sobre os desejos supérfluos é o primeiro passo para garantir que o "Feliz Ano Novo" não seja apenas uma frase protocolar
Mal os ecos das celebrações natalinas se
dissipam, a sociedade brasileira é rapidamente impelida para o próximo ciclo de
expectativas: a virada de ano. Entre os brindes de esperança e as promessas de
renovação, uma realidade mais árida se impõe nos bastidores das famílias: a
fatura do cartão de crédito. Celebrações à parte (a melhor parte, aliás), o
ciclo do consumismo transforma a alegria das festividades em uma "ressaca
financeira" prolongada.
O período que compreende o Natal e o
Réveillon é, historicamente, o motor do varejo. Estimativas da Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontam que o Natal
sozinho movimenta dezenas de milhões de reais na economia brasileira. Contudo,
esse impulso é movido, muitas vezes, por um crédito que cobra juros
exorbitantes. Segundo dados recentes do Banco Central, a taxa média do cartão
de crédito rotativo — para onde muitos brasileiros recorrem ao não conseguirem
quitar o valor total da fatura — ultrapassa a marca de 400% ao ano.
O cenário piora quando se olha para os
dados do endividamento. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e
Inadimplência do Consumidor (Peic), cerca de 78% das famílias brasileiras
iniciam o ano com algum tipo de dívida, sendo o cartão de crédito o principal
vilão (responsável por mais de 80% desses débitos).
O consumismo, porém, não é apenas um fenômeno
econômico; é uma construção cultural de urgência. A necessidade de
"começar o ano de cara nova" — seja trocando de smartphone, de carro
ou renovando o guarda-roupa — é alimentada por um marketing agressivo que
ignora a capacidade real de pagamento do cidadão. O resultado é um ciclo
vicioso em que a satisfação imediata da compra é substituída pela angústia da
inadimplência.
Nesse sentido, é preciso que as resoluções de
ano novo extrapolem a perda de peso ou a mudança de hábitos de lazer. O
"consumo consciente" precisa deixar de ser um termo distante e se
tornar uma prática de sobrevivência doméstica. Além dos benefícios
individuais, há o impacto coletivo, considerando que o conceito tem uma
preocupação também com a mitigação de danos ambientais.
A transição de dezembro para janeiro marca o
encontro do desejo com a realidade. Enquanto o primeiro é o mês do bônus e do
13º salário, o segundo chega acompanhado de siglas conhecidas e temidas: IPVA,
IPTU e as despesas escolares. A economia da virada dos calendários exige, mais
do que nunca, equilíbrio.
Planejar os gastos de janeiro com antecedência e priorizar o pagamento das contas fixas sobre os desejos supérfluos é o primeiro passo para garantir que o "Feliz Ano Novo" não seja apenas uma frase protocolar, mas uma realidade financeira para os próximos 12 meses.
Trump ameaça Venezuela com intervenção
militar
Por O Povo (CE)
A política intervencionista põe em risco
inclusive os Estados Unidos. Invasões no Iraque, Afeganistão e Líbia, foram
erros grosseiros que terminaram em derrota para Washington
O presidente americano Donald Trump vem
aumentando a pressão sobre a Venezuela e, para isso, usa argumentos descabidos
ou simplesmente mentirosos. Não se discute aqui a classificação do governo de
Nicolás Maduro, sem dúvida uma ditadura, que fraudou as eleições para continuar
no poder.
Mas o objetivo de Trump não é livrar os venezuelanos
de um autocrata, mas pôr as mãos no petróleo do país sul-americano —
proprietário da maior reserva do mundo — e ampliar, por métodos violentos, a
influência dos Estados Unidos na região.
Trump deslocou navios de guerra, incluindo
porta-aviões, aumentando significativamente a presença armada no Caribe.
Calcula-se que cerca de 15 mil militares façam parte desse esforço.
Sob a justificativa do combate às drogas,
militares já bombardearam 28 embarcações na região, supostamente transportando
drogas, matando cerca de 70 pessoas. O conflito ampliou-se quando três navios
petroleiros da Venezuela foram interceptados em sua costa, em uma tentativa de
sufocar o país economicamente. São ações que violam abertamente leis
internacionais, mas continuam a ser realizadas impunemente.
Washington não se detém; Trump ameaça agora
uma invasão militar terrestre na Venezuela — não descartando fazer o mesmo em
outros países —, o que repercutiria em toda a região, em especial no Brasil.
O presidente americano que ressuscitar a
diplomacia das canhoneiras, em que demonstrações de força são usadas para
submeter nações supostamente mais fracas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
aproveitou a reunião do Mercosul na semana passada para falar sobre o assunto.
Sem citar os Estados Unidos, Lula rejeitou a interferência externa na América
do Sul e lembrou que "passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das
Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença
militar de uma potência extra-regional".
O chefe Executivo brasileiro afirmou que os
limites do direito internacional "estão sendo testados" e que uma
intervenção armada na Venezuela seria uma "catástrofe humanitária para o
hemisfério e um precedente perigoso para o mundo".
Pode-se dizer, inclusive, que os Estados
Unidos também correm risco com essa política. Intervenções recentes dos Estados
Unidos, como no Iraque, Afeganistão e Líbia, foram erros grosseiros e
terminaram em derrota para a Casa Branca.
Lula está certo quando diz que a América Latina tem de ser uma zona de paz e que as pendências entre as nações devem ser resolvidas com diálogo e no foro das instituições multilaterais.

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