sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Supertrunfo constitucional, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Liminar de Gilmar Mendes blinda ministros do STF e escala catimba constitucional

Mesmo que Judiciário e Legislativo evitem confronto final, instituições sairão desgastadas

Brasileiros descobriremos em breve qual Poder detém o supertrunfo, se é o Judiciário, ao qual cabe sempre a última palavra em disputas legais, ou se é o Legislativo, que tem a prerrogativa de alterar as próprias regras do jogo.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, deu mais uma esticada na corda da catimba constitucional ao decidir monocraticamente que só o procurador-geral da República pode propor o impeachment de ministros do STF, entre outras mexidas na lei 1.079/50.

Se o clima em Brasília já era tenso por causa das recentes desinteligências entre Lula e Alcolumbre em torno de qual prerrogativa é de quem, ficou agora tempestuoso com a liminar que dilui o poder do Senado de enquadrar juízes do Supremo. A decisão vai ao plenário virtual do STF, mas dificilmente será revertida. Um trunfo que nunca decepciona no Brasil é o do corporativismo.

Paradoxalmente, é boa a peça escrita por Gilmar. A análise política é acurada, sobretudo nas partes que tratam do constitucionalismo abusivo (usar normas constitucionais para erodir a Constituição). Também destacaria o competente resumo da evolução do instituto do impeachment, do surgimento na Inglaterra do século 14 até sua inclusão na Constituição americana de 1787, de onde o mecanismo irradiou-se para as Cartas de diversos países.

Se Gilmar agisse na capacidade de cientista social, eu subscreveria sua análise. Ocorre que ele é também um ator político que tomou uma decisão escandalosamente "pro domo sua". Ele editou a versão pró-STF da natimorta PEC da Blindagem, pela qual parlamentares tentaram escudar-se de investigações criminais.

Com isso, o magistrado deflagra uma corrida armamentista que não tem como terminar bem. A investida do Judiciário não ficará sem troco do Legislativo. Mesmo que os dois Poderes evitem um confronto final, o resultado será desgaste institucional.

O Brasil caminha para tornar-se um curioso caso de país cuja democracia esmorece sem que haja mais um candidato a ditador tentando eliminar o sistema de freios e contrapesos.

 

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