segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova ordem global obriga Brasil a rever gastos em defesa

O Globo

Num planeta conturbado por guerras e incertezas, despesa militar é de 1% do PIB, ante média mundial de 2,4%

Num mundo convulsionado por guerras, em que a geopolítica passa por um realinhamento de consequências imprevisíveis, o Brasil precisa cuidar melhor de sua defesa. É preciso destinar às Forças Armadas recursos à altura das nossas dimensões territoriais e de nosso papel global. Os números são infelizmente ainda tímidos na comparação internacional.

No ano passado, o Brasil destinou 1% do PIB a Exército, Marinha e Aeronáutica. É menos que Colômbia, Uruguai, Equador, Chile ou Bolívia. Para efeito de comparação, a média global foi 2,4% do PIB. Não é preciso se comprometer com um patamar exorbitante, como os 5% aventados pela Otan. Mas é essencial haver planejamento, para o país não ser pego desguarnecido em conflitos insuflados por autocratas voluntaristas. Basta lembrar a investida do ditador venezuelano Nicolás Maduro sobre a Guiana.

Guerra cultural da direita chega à Alemanha, por Jan-Werner Mueller*

Valor Econômico

Não é inevitável que o último grande país com uma muralha para conter a extrema direita siga o rumo que tantas outras democracias europeias já seguiram. Mas esse cenário está se tornando mais realista

Alguma coisa acabou de acontecer na Alemanha. Uma jurista altamente respeitada, indicada pelo Partido Social Democrata (SPD, na sigla em inglês) para integrar a Corte Constitucional do país, saiu da disputa após uma campanha implacável de difamação por parte de jornalistas e políticos de direita. Pior ainda, foi o próprio parceiro de coalizão do SPD, a União Democrata Cristã (CDU, na sigla em inglês), de centro-direita, que subitamente deixou de apoiar a candidatura de Frauke Brosius-Gersdorf e passou a considerá-la inaceitável.

Essa sabotagem de um procedimento até então consensual é um teste para trazer a política de guerra cultural à moda americana para a Alemanha. O objetivo é afastar cada vez mais membros da centro-direita que a ex-chanceler Angela Merkel liderou no passado e avançar em direção ao arranjo já implementado em algumas outras democracias europeias: uma aliança entre a centro-direita e a extrema direita populista.

As Ucrânias de Putin, Trump e Lula, por Demétrio Magnoli

O Globo

Pensamentos pouco ou nada esclarecem sobre o país, mas iluminam com luz clara a visão de mundo dos três personagens

Diga-me o que é a Ucrânia e te direi quem és. Putin, o invasor; Trump, o aliado traidor; e Lula, o espectador interessado, têm respostas radicalmente diferentes à indagação. Elas pouco ou nada esclarecem sobre a Ucrânia, mas iluminam com luz clara a visão de mundo dos três personagens.

Num discurso televisionado, dias antes da invasão de fevereiro de 2022, o autocrata grão-russo ofereceu seu diagnóstico:

— A Ucrânia não é, apenas, para nós, um país vizinho. É uma parte inalienável de nossa própria história, cultura e espaço espiritual.

Lei Rouanet para as favelas é bem-vinda, por Preto Zezé

O Globo

Cultura não pertence a meia dúzia de CEPs de elite. Está em becos, vielas e quebradas que sustentam a identidade do país

Durante mais de 30 anos, a Lei Rouanet foi tratada como território exclusivo de grandes produtoras, centros culturais de luxo e artistas com acesso aos bastidores de Brasília e multinacionais. Enquanto isso, nas favelas, a cultura — viva, pulsante e diversa — seguia sem microfone, sem holofotes e, principalmente, sem orçamento. A regra era clara: os recursos se concentravam onde já havia estrutura e visibilidade. O resto, que se virasse.

O Programa Rouanet nas Favelas rompe essa lógica. Pela primeira vez, o mesmo instrumento usado para financiar musicais milionários, exposições de alto custo e festivais da elite cultural irrigará os territórios onde a arte nunca parou de nascer, mas sempre foi ignorada. Não se trata de favor, e sim de reparação histórica.

Uma Reforma Administrativa abrangente e corajosa, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Projetos a serem apresentados pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) são ambiciosos, mas a sociedade precisa se mobilizar contra os privilegiados do setor público

Em meio a motins e vários retrocessos, finalmente surge na Câmara dos Deputados a esperança de avanços numa área fundamental para o país. Nesta semana devem ser apresentados os projetos para uma reforma administrativa bem embasada tecnicamente e com coragem para eliminar privilégios no serviço público.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve o mérito de ressuscitar as discussões sobre a reforma administrativa em meio à crise do aumento do IOF. Na sua avaliação, o país deveria buscar soluções estruturais para a situação fiscal, e não apenas continuar aumentando a tributação, como vem fazendo o governo Lula.

Sinal amarelo nas contas externas, por Sergio Lamucci

Valor Econômico

A situação não é dramática, mas a folga que havia nos últimos anos ficou para trás

As contas externas do Brasil entraram no radar de economistas e investidores. No acumulado em 12 meses, o déficit em conta corrente aumentou significativamente desde o começo do ano passado, saltando da casa de 1% do PIB para 3,4% do PIB até junho deste ano. Já o volume de investimentos estrangeiros diretos no país (IDP), tido como um fluxo mais confiável de financiamento externo, tem sido insuficiente para cobrir o rombo em conta corrente, que mostra as transações de bens, serviços e rendas com o exterior. As reservas internacionais, por sua vez, não são mais superiores à dívida externa bruta do país, embora ainda sejam elevadas, somando hoje um pouco menos de US$ 350 bilhões.

Pré-candidatura de Zema prova que Novo virou PL do B, por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

A retórica adotada pelo governador mineiro em evento contém o combo da construção de um populista a la Bolsonaro

O lançamento da pré-candidatura de Romeu Zema para disputar a eleição à presidência da República, em evento realizado neste sábado, 16, é uma tentativa do partido Novo de cacifar o governador de Minas Gerais ao posto de vice em uma chapa encabeçada por um nome mais forte da direita, com endosso de Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente está inelegível e em prisão domiciliar. Em breve, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob acusação de maquinar um golpe de estado. Zema e o Novo, nesse cenário, miram na candidatura própria para negociar uma retirada premiada com papel de coadjuvante.

De campeã de golpes a campeã de democracia, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Da tradição golpista do século 20 à maior estabilidade democrática do século 21

A Bolívia realizou neste domingo a sua 10.ª eleição consecutiva para a presidência da República desde a redemocratização em 1982. É um feito notável. Afinal, a Bolívia foi, durante o século 20, o país com o maior número de golpes militares da América Latina: foram 15 entre os 167 ocorridos na região. Até os anos 1980, cada década registrava, em média, nove golpes de Estado em algum país latino-americano.

O contraste com a realidade atual é gritante. Hoje, com exceção de Cuba, Venezuela e Nicarágua, os países latino-americanos são democracias consolidadas que realizam eleições competitivas, limpas e com alternância de poder. Nos últimos 30 anos, apenas 16 presidentes não concluíram seus mandatos – e, mesmo nesses casos, como mostram os episódios recentes de Bolívia, Equador, Brasil e Peru, a interrupção ocorreu dentro das regras do jogo democrático, por impeachment e/ou decisões judiciais.

Bolsonaristas não defendem crianças, por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Motivo da recusa em apoiar PL que visa proteger menores de idade na internet não tem a ver com receio de censura, mas com lucro de empresas

Bolsonaristas já deixaram bem claro que devem obstruir a votação do projeto de lei n° 2.628 de 2022, que visa proteger crianças e adolescentes na internet. O deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL, já declarou: "Se tiver qualquer sinal de censura, não vamos apoiar".

O projeto, de autoria do deputado Alessandro Vieira (MDB-SE), foi protocolado em outubro de 2022, mas foi aprovado pelo Senado apenas em dezembro de 2024. A relatoria coube ao deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), que já anunciou que após incorporar alguns pedidos, como proibir a monetização com conteúdo de menores de idade, deve colocar o texto em votação na semana que vem.

O Programa de Aceleração de Combate às Desigualdades, por Oded Grajew

Folha de S. Paulo

Só um grande mutirão nacional faria o país deixar de ocupar a vergonhosa posição

ONU e diversas organizações internacionais publicam anualmente relatórios que classificam os países em várias áreas e, em todas elas (social, econômica, ambiental, ética e regional), os escandinavos invariavelmente ocupam as primeiras colocações. Lembro que esses países eram no começo do século passado os mais pobres da Europa.

Há alguns anos fui convidado pelo governo sueco a visitar a Suécia para conhecer o modelo adotado pelo país. Encontrei-me com agentes governamentais, empresários, sindicalistas e líderes da sociedade civil. A explicação que me deram pelo fato de a Suécia atingir o atual grau de desenvolvimento foi esta: "Chegamos a um consenso: qualquer coletivo humano, para ser bem-sucedido, é necessário que a relação entre as pessoas seja harmoniosa. E o que causa a desarmonia é a injustiça. Portanto, precisamos construir uma sociedade com justiça, com menos desigualdades. E aí colocamos em prática uma agenda visando reduzir as desigualdades: educação pública de qualidade para todos, sistema fiscal e tributário progressivo, representação política que seja um espelho da sociedade etc. E isso nos fez chegar à situação atual".

Os Estados Unidos que conhecemos estão sumindo diante de nossos olhos, por Thomas L. Friedman

The New York Times / Folha de S. Paulo

Responsáveis do governo Trump pela economia simplesmente aceitaram a demissão da chefe de estatísticas quando dados não agradaram o presidente

De todas as coisas terríveis que Donald Trump disse e fez como presidente, a mais perigosa aconteceu no início deste mês. Trump, na prática, ordenou que nosso confiável e independente escritório governamental de estatísticas econômicas se tornasse tão mentiroso quanto ele.

Ele demitiu Erika McEntarfer, chefe da secretaria de Estatísticas Trabalhistas (BLS, na sigla em inglês), confirmada pelo Senado, por trazer-lhe notícias econômicas que não lhe agradaram. E, nas horas imediatamente seguintes, ocorreu a segunda coisa mais perigosa: os principais responsáveis do governo Trump pela condução da economia —pessoas que, em seus negócios privados, jamais cogitariam demitir um subordinado por apresentar dados financeiros desfavoráveis— simplesmente aceitaram a decisão.

O que eles deveriam ter dito a Trump era o seguinte: "Senhor presidente, se não reconsiderar esta decisão —se demitir a principal estatística do BLS por trazer más notícias econômicas— como alguém, no futuro, poderá confiar nesse escritório quando ele divulgar boas notícias?" Em vez disso, acobertaram o ato imediatamente.

Como destacou o Wall Street Journal, a secretária do Trabalho, Lori Chavez-DeRemer, havia declarado na Bloomberg TV, ainda na manhã daquele dia, sexta-feira, 1º de agosto, que apesar da revisão para baixo dos números de emprego em maio e junho, "temos visto crescimento positivo do emprego". Mas, poucas horas depois, ao saber da demissão da diretora do BLS, que se reportava diretamente a ela, escreveu no X: "Concordo plenamente com @POTUS [o perfil do presidente americano no X] que nossos números de emprego devem ser justos, precisos e nunca manipulados para fins políticos."

O STF está sob ataque há mais de 15 anos, por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

O que é singular no caso brasileiro é que o ataque à corte não parta do titular do presidente mas de governo estrangeiro

O Supremo está sob ataque há mais de 15 anos, embora o combate cerrado tenha tido início há cinco. O que mudou são seus adversários. Os ataques tiveram início com o mensalão e o acolhimento pela Corte da denúncia da PGR em 2007, mas mudaram de patamar com o julgamento do mérito das acusações em 2012.

Mas as bandeiras dos ataques também mudaram. Se inicialmente a questão que vertebrava os ataques era a corrupção, ela muda e passou a ser a democracia.

Patriotismo para norte-americano ver, por Juliana Diniz

O Povo (CE)

O patriotismo pede dignidade, senso de responsabilidade e coerência, valores que o bolsonarismo ignora em sua busca alucinada pela preservação do poder

As instituições brasileiras estão lidando com um teste difícil. Em ano pré-eleitoral, precisam administrar as ameaças renovadas de um Estado poderoso, ao mesmo tempo em que protegem a economia nacional, a soberania do Estado e a independência de seu Poder Judiciário.

Em entrevista veiculada na última quarta-feira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro voltou a afirmar que está disposto a ir até as últimas consequências em seu intento de punir Alexandre de Moraes, inclusive com a possibilidade de incluir, entre os possíveis sancionados, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A condição para cessar as hostilidades é muito clara: a aprovação da anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023.