sábado, 23 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC da Blindagem não tem o menor cabimento

O Globo

É um erro acelerar proposta que foi exigência de quem fez motim na Câmara

Não é exatamente uma surpresa que haja deputados ávidos por se livrar de processos na Justiça. Mas é um erro o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), querer acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Prerrogativas, mais conhecida como PEC da Blindagem. O objetivo da medida é apenas tornar os parlamentares na prática imunes a decisões judiciais. Nos últimos dias, Motta entregou a relatoria da PEC ao deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) e deu sinais de que poderá pôr em votação a urgência da pauta na próxima semana.

Os cronistas fazem a História, por Eduardo Affonso

O Globo

A crônica é um respiro, um pouquinho de saúde em meio a conchavos, escândalos, balas perdidas (quem lê tanta notícia?)

O que é uma vida de cronista no mercado incomum da lida urbana? Sentar-se ao rés do chão, em mangas de camisa, um cão farejando o cotidiano para captar a alma — nem sempre encantadora — das ruas e fazer um pacto de vento com o leitor, parceiro dessa conversa fiada em mesa posta para dois. E que, impressa em papel de segunda, vai no dia seguinte embrulhar peixe na feira, absorver xixi de pet na área de serviço. Ou virar livro — que é mais ou menos como um ateu morrer e ir pro céu.

Morreu de Rio de Janeiro, por Flávia Oliveira

O Globo

Sther Barroso dos Santos não foi a primeira. Tampouco terá sido a última vítima de feminicídio, epidemia consolidada no Rio de Janeiro e Brasil afora. A jovem, de 22 anos, esteve no baile funk da comunidade da Coreia, em Senador Camará, Zona Oeste carioca, no fim de semana passado. Lá, refutou envolvimento com Bruno da Silva Loureiro, alcunha Coronel, chefe da facção criminosa que domina a favela do Muquiço, em Guadalupe. A recusa custou-lhe a vida. Ela foi brutalmente espancada e deixada na porta de casa, na Vila Aliança, com o rosto desfigurado e sinais de violência sexual. Socorrida por familiares, chegou morta ao hospital.

No país, feminicídio — consumado e tentado — é tragédia cotidiana. O ano passado, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foi de registro recorde nos dois crimes. Ao todo, 1.492 feminicídios, alta de 0,7% sobre 2024, e 3.870 tentativas, salto de 19%. Sete em cada dez vítimas tinham entre 18 e 44 anos; dois terços eram negras; 97% dos assassinos eram homens. A Polícia Militar, via serviço 190, foi chamada mais de 1 milhão de vezes para atender casos de violência doméstica; uma ligação a cada dois minutos. O número de estupros também foi o maior da série histórica: 87.545 vítimas, 77% vulneráveis, condição de quem tem menos de 14 anos ou, por razões de saúde ou perda de consciência, não pôde se defender.

É cedo para Lula comemorar, por Thaís Oyama

O Globo

Presidente se estabilizou num patamar perigoso, já que continua reprovado por mais da metade da população

Foram francamente exagerados os fogos e rojões disparados pela torcida lulista diante dos resultados da última pesquisa Quaest para as eleições de 2026. Analisados sob a fria lupa de pesquisadores, os números podem ser resumidos assim: Lula estancou a queda de popularidade iniciada no começo do mandato, e essa é a boa notícia para ele. A má é que se estabilizou num patamar perigoso, já que continua reprovado por mais da metade da população.

— Em qualquer democracia, alguém com 51% de desaprovação tem baixa probabilidade de se reeleger — diz o pesquisador Maurício Moura, professor da Universidade George Washington.

Da mesma forma, os 31% de “ótimo e bom” creditados a Lula na pesquisa o deixam bem abaixo da “nota de corte” de 40%, identificada em estudo de Moura como piso a partir do qual um incumbente passa a ter boas chances de vitória. Segundo esse estudo — feito a partir da análise do desempenho de governadores entre 1998 e 2018 —, a avaliação positiva do presidente lhe daria hoje apenas 36% de chance de reeleição.

A solução Tarcísio, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Tarcísio de Freitas é ou não moderado? É ou não a projeção – traiçoeira – de um bolsonarismo sem Bolsonaro? A evolução dessas questões informa sobre o futuro inevitável – o do pós-Jair. O pérfido sujeito, a depender do freguês, será extremista dissimulado ou suave oportunista.

O que essa inquietação comunica é incontornável: Tarcísio como ameaça viável aos esquemas de poder hoje polarizados, ao mesmo tempo esperança para o dito Centrão. Ele seria competitivo – é o que comunicam os seus adversários, aí incluída a empresa familiar dos Bolsonaro.

A esquerda está mobilizada para convencer que a apregoada brandura de Tarcísio, o técnico com trânsito, seria uma farsa – um extremista cujo comedimento seria fachada para se distinguir do padrinho. Essa compreensão deriva de anomalia já estabelecida na linguagem política: a de que não haveria direita no Brasil. Sairíamos da centro-esquerda diretamente à extrema-direita.

O mundo dos oligarcas, por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O que intimida os oligarcas é a capacidade nuclear. A Coreia do Norte é bom exemplo: não foi atingida pelas tarifas de Trump. O Brasil sabe fazer a bomba, mas é possível apenas enxergar uma eleição tumultuada em 2026

O governo do presidente Lula, neste momento, faz esforço hercúleo para superar as enormes dificuldades que surgiram à sua frente. A atuação errática e sinuosa de Donald Trump indica que o presidente dos Estados Unidos não hesita em abrir novas frentes de combate para estar sempre nas manchetes. Quando as negociações com Vladimir Putin não caminham tão bem quanto gostaria, ele envia navios de guerra para o Caribe e fala, de maneira genérica, em intervir para liquidar com a ação dos grupos narcotraficantes na região. 

ECA Digital, por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

A aprovação do PL 2628 demonstra que somos capazes de superar a insensatez que a polarização nos impõe

O que parecia impossível aconteceu. Nesta semana, a polarização visceral cedeu e os deputados federais deram uma pausa na defesa de seus próprios interesses para aprovar um projeto de lei voltado à proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.

O documentário produzido pelo influenciador Felca escancarou os fatos. Estado, sociedade, assim como famílias, não têm sido capazes de assegurar, no contexto do universo digital, a segurança e os direitos mais elementares de nossas crianças e adolescentes, colocando-as a salvo de toda a forma de "negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

A quem interessa provocar pânico bancário? Por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

É urgente a aprovação de regra para responsabilizar redes sociais por danos gerados aos consumidores e instituições financeiras nos casos de notícias falsas

A aplicação de sanções do governo Donald Trump ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por meio da Lei Magnitsky tem gerado uma perigosa onda de informações falsas nas redes sociais com incitações para que clientes de bancos saquem o dinheiro depositado nas suas contas.

Provocar pânico no sistema bancário é crime financeiro sujeito à prisão de dois a seis anos e pagamento de multa.

Esse é um caminho arriscado que só piora a tensão provocada pela punição dos Estados Unidos ao ministro Moraes e aos produtos de exportação brasileiros.

Trump ajuda Lula com dólar barato, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Relacionamento entre os dois líderes não é bom, mas ações do americano desvalorizam sua moeda, o que favorece o brasileiro

Parece seguro afirmar que Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump não morrem de amores um pelo outro.

O relacionamento diplomático entre Brasil e EUA passa pelo que pode ser o pior momento da história e é difícil crer que a falta de entrosamento entre os dois líderes não tenha contribuído para essa situação.

É ridículo, porém, como querem os bolsonaristas, responsabilizar Lula pelo tarifaço e outras sanções que os EUA impuseram ao país —um ataque inédito à economia e à política nacionais. Essa é uma realização dos Bolsonaros, obtida com base em mentiras pespegadas em âmbito internacional e não só em escala local.

Chamados de ratos, governadores da direita engolem o sapo, por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Apesar da ofensa de Carlos, o filho 02, continuam a defender Bolsonaro sem acreditar mais nele

Engolir sapos. Expressão popular de origem bíblica –a praga de rãs que invade o Egito–, abrasileirou-se porque o sapo, segundo Câmara Cascudo, é indispensável em bruxarias. O método de suportar situações desagradáveis tem sido uma especialidade dos governadores que buscam herdar o espólio de Bolsonaro apelando aos eleitores da extrema direita.

Chamados de "ratos" numa postagem de Carlos, o filho 02 –compartilhada por Eduardo, o 03–, Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho engoliram o rato, digo, o sapo. Às claras, defendem o ex-presidente; às escondidas, o consideram fora do páreo e apostam nas próprias candidaturas.

‘Trump tornou-se cabo eleitoral de setores progressistas’

Por Joelmir Tavares / Valor Econômico

Para cientista política Marta Arretche, ex-presidente ficará com mobilização restrita, e Lula pode se beneficiar de ofensiva do presidente americano

A eventual prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que é julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, pode reduzir sua capacidade de mobilização num primeiro momento, mas não tira de seu campo político força eleitoral no pleito de 2026, segundo a avaliação da cientista política Marta Arretche.

A professora titular do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole diz, em entrevista ao Valor, que a investida do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o Brasil, com a imposição do tarifaço e de sanções a autoridades, levou o bolsonarismo a uma situação de isolamento parlamentar e pode beneficiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem em mãos uma oportunidade de elevar a “coesão doméstica”, como aconteceu em outros países.

Para Arretche, as razões de fundo para a crise de governabilidade do petista passam pela antecipação do embate eleitoral no Congresso e por fatores institucionais, que retiraram do Executivo ferramentas para negociar. “Os problemas que o presidente Lula vem enfrentando têm a ver com razões institucionais dos poderes da Presidência que precisam ser revistos para que qualquer presidente que venha a ser eleito consiga governar”, afirma.

A seguir os principais pontos da entrevista:

O espólio do bolsonarismo, por Cláudio Couto

A posição de líder da extrema-direita está em aberto e o clã Bolsonaro, desesperado, sabe disso

É comum que se faça referência à ultradireita brasileira inteira como sendo “o” bolsonarismo. Este, contudo, é só parte dela. ­Pense-se, por exemplo, no MBL, que, embora por vezes se articule com o movimento político do ex-presidente, frequentemente atrita com ele, inclusive porque, exatamente por também integrar a direita extremista, disputa apoio social e votos com o bolsonarismo.

A confusão se dá por alguns motivos. Primeiro, porque hoje o bolsonarismo hegemoniza a ultradireita, ofuscando os demais segmentos e se tornando o mais visível deles nesse lado do espectro ­político-ideológico. Ter o bolsonarismo como sendo toda a ultradireita é tomar a parte pelo todo, equívoco similar ao de achar que tudo que está à esquerda é petista.

A soberania e o STF, por Aldo Fornazieri

Pode-se discutir a conveniência da decisão de Dino em relação à aplicação da Lei Magnitsky, mas, na essência, ela está correta

Há um entendimento geral, talvez não um consenso, sobre o conceito de soberania, sua origem e desenvolvimento. Trata-se, certamente, de um conceito jurídico-político. Alguns costumam remetê-lo ao mundo antigo e medieval, quando se falava em summa potestassummum imperium, termos que significavam poder supremo, mas no sentido da preeminência. Podia ser remetido à organização política – Império ou Estado – ou ao governante, notadamente o imperador. Esses termos teriam sido os genitores do conceito de soberania.

O Brasil precisa de um projeto de longo prazo, por Marcus Pestana

Enquanto o mundo descortina nova onda de inovações presidida pela inteligência artificial, o Brasil patina afogado em problemas herdados do passado. O principal é a falta do que Celso Furtado chamaria de “fantasia organizada”, ou seja, um conjunto de ideias-força que nos devolvam o sentido de Nação e a esperança no futuro.

As energias são perdidas numa polarização política radical e bastante estéril, que gera efeito paralisante e dispersa nossa atenção. O Brasil poderia ter superado a armadilha da renda média e entrado no clube dos países desenvolvidos, a partir do período pós 2ª. Grande Guerra, como fizeram Portugal, Espanha, Austrália, Israel, Coréia do Sul e outros tigres asiáticos.

Um pacto além do tarifaço, por Cristovam Buarque*

É preciso atrair a oposição democrática

Em 1931, o governo de Getúlio Vargas respondeu à queda nas exportações comprando e queimando o café que sobrava, mas não criou um mercado interno. Quase cem anos depois, o governo Lula acerta nas medidas conjunturais, mas errará se não olhar para o futuro além do tarifaço: o caminho é atrair as lideranças da oposição democrática na construção de um pacto pelo mercado interno. Talvez agora, enfim, possamos corrigir a falha histórica que brotou com a escravidão, a chaga que nos humilhava: o desprezo pela demanda potencial de nosso imenso contingente populacional. Embora o PIB brasileiro seja pouco dependente das exportações, ele fica limitado em decorrência do consumo interno restrito à pequena parte da população com renda suficiente. No máximo, 30% dos 210 milhões têm o necessário poder de compra para tornar a economia dinâmica e sustentável.

Vargas e a busca do desenvolvimento nacional autônomo, por Roberto Amaral*

Promotor público (1897); deputado estadual (1909–1922) pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR); depois deputado federal (1923–1926); ministro da Fazenda de Washington Luís (1926); governador do Rio Grande do Sul (1928); chefe civil da “revolução” de 1930 que depôs Washington Luís, encerrou o ciclo da República Velha — fundada na grande lavoura e na mentira eleitoral — e impediu a posse de Júlio Prestes. Fez-se chefe do Governo Provisório (1930–1934); ditador (1937–1945); deputado federal por cinco Estados (1946); senador da República pelo RS (1946–1951) e presidente constitucional (1951–1954), eleito em pleito consagrador.

Eis alguns indicadores da vida política do estadista Getúlio Dorneles Vargas, o mais longevo dos grandes políticos da República, aquele que mais cargos exerceria, que por mais tempo ocuparia a presidência — 18 anos — e que por mais tempo estaria presente na realpolitik e no imaginário das grandes massas. Foi o centro da vida do país de 1930 a 1954, e sua influência se faz notar ainda em nossos dias, passados 71 anos de sua morte.

A ditadura militar (1964–1985) se anunciou como sua negação e, redemocratizado o país, o governo neoliberal de FHC prometeria, como projeto, “o fim da era Vargas”. 

Organização das Nações Desunidas, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

O longo percurso da decadência geopolítica no período entre a reunião de Ialta e a encenação em Anchorage

As coisas mudam superficialmente, mas continuam iguais. Não é questão de saudosismo, mas de averiguar os comportamentos dos participantes das reuniões ocorridas no Alasca, neste 2025, e em Ialta, nos idos de 1945, e avaliar seus propósitos e resultados. Nesses tempos sombrios, quado se questiona até o valor de se aprender História, as indagações de internautas e ­influencers são sintomáticas: Para que serve? Onde se compra? Dá para monetizar? Não dá, não tem valor, utilidade. Vence a narrativa, as mil caras, bocas e gestos, a superficialidade, o raso. Como diz a música Brain Damage, os lunáticos estão em Anchorage, no Alasca. Putin and Trump.

A menosprezada e maltratada história ensina, porém, que já foi diferente. Entre 4 e 11 de fevereiro de 1945, a conferência de Ialta reuniu Josef Stalin, representando a União Soviética, Winston Churchill, representando o Império Britânico, e o artífice do encontro, Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, que sairia como grande vencedor da Segunda Guerra Mundial, juntamente com os soviéticos. Muitas fotos dos três sentados um ao lado do outro que ultrapassaram o marketing pessoal e trouxeram soluções, metas para alcançar a paz. O ponto principal foi definido: discutir o futuro da Europa e do mundo com a derrota iminente poucos meses depois da Alemanha nazista. Diferentemente da cúpula do Alasca, marcada por muitas selfies, muito show, poucos resultados ou nenhum. The show must go on. A guerra Rússia e Ucrânia não só continua, como Trump não conseguiu nada de Putin.