sexta-feira, 31 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Werneck Vianna

“Com essa configuração heteróclita, sua opção estratégica foi a da conquista do governo — e não do Estado — pela via eleitoral. Contudo, em razão da interpretação que lhe servia de norte, o PT recusava-se a alianças com outros partidos, chegando a negar o seu palanque eleitoral a Ulysses Guimarães, líder das oposições brasileiras ao regime militar, no segundo turno da sucessão presidencial de 1989. Após a terceira tentativa de vencer a sucessão presidencial, essa política mostrou seus limites, e não à toa, em 2002, o empresário José de Alencar veio a integrar a chapa de Lula.
A ida ao centro político, movimento bem-sucedido com a vitória eleitoral, implicou uma inflexão de largo alcance. A conquista do governo não seria compreendida como recurso tático para uma posterior conquista do Estado, em uma trajetória de revolução permanente. O ator declinou do papel de herói providencial e adaptou-se às circunstâncias, com uma forte representação de empresários nos ministérios e a direção da vida econômica entregue a operadores merecedores da confiança do mercado.”


(Luiz Werneck Vianna no artigo A viagem (quase) redonda do PT)

A nova classe

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A tomada de poder no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) — que administra os R$ 158 bilhões de patrimônio do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT) —, promovida pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é apenas mais um dos muitos movimentos que vêm sendo feitos para ampliar o poder dos sindicalistas no governo.

Para evitar que representantes dos empresários assumissem o controle do Conselho no próximo período, que abarca anos eleitorais, o ministro Lupi, oriundo do Sindicato dos Jornaleiros, ajudou a criar uma confederação empresarial, a Confederação Nacional de Serviços, entidade reconhecida oficialmente apenas em dezembro passado, e que tem sua representatividade contestada pelas federações da área.

O novo presidente, Luigi Nese, foi eleito com o voto dos representantes do governo e dos trabalhadores, mas não teve o apoio das confederações que teoricamente representa, as dos empresários, que abandonaram a entidade em protesto.

Não se tratava apenas de tomar conta desse que é um dos maiores caixas oficiais, mas também de impedir que um representante da Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora do DEM Kátia Abreu, estivesse à frente do Codefat em 2010.

O governo Lula vem ampliando sistematicamente o poder dos sindicatos, como mostram pesquisas como as do Centro de Pesquisas e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas do Rio, realizadas pela cientista política Maria Celina d’Araujo.

Uma, sobre a composição dos ministérios durante a Nova República, mostra que, até o governo Lula, apenas 11,5% dos ministros tinham algum vínculo com sindicatos de trabalhadores, e só 5,8% participaram de centrais sindicais.

No governo Lula, já houve momento em que 27% de seus ministros eram vinculados a sindicatos de trabalhadores.

Outra pesquisa, sobre os ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento (DAS 5 e 6) e de Natureza Especial (NES) no governo federal, na administração pública direta, revela que 45% dos indicados são ligados à vida sindical.

A “legalização” das centrais sindicais no ano passado ficou conhecida como “pelegalização”, pois a lei sancionada pelo presidente Lula excluiu uma emenda do deputado do PPS Augusto Carvalho, que tornava opcional a contribuição sindical compulsória equivalente a um dia de trabalho, e vetou a fiscalização do Tribunal de Contas da União “em nome da autonomia sindical”.


Uma desculpa esfarrapada que não resiste a uma análise, pois a liberdade sindical não existe enquanto o governo não acabar com a exigência da unicidade sindical, e a fiscalização precisa ser feita porque, oriundo do imposto compulsório, o dinheiro é público, porque recolhido com base em um poder que só o Estado tem. Essa “autonomia” vale cerca de R$ 100 milhões anuais para as centrais sindicais.

A legalização das centrais sindicais, aliás, foi o que deu motivos para o início do plano de assumir o controle do Codefat. Alegando que as centrais tinham que ter representação no Conselho, Lupi aumentou duas vagas em cada grupo de representação.

Só que as novas vagas dos empresários foram preenchidas por confederações criadas com o incentivo do Ministério do Trabalho.

Essa verdadeira “república sindicalista” foi sendo moldada à medida que decisões ampliaram o espaço de atuação e revitalizaram as finanças do sistema sindical brasileiro.

No governo Lula, uma medida em especial reforçou o poder de fogo das centrais sindicais: a autorização para que empréstimos fossem dados com desconto na folha de pagamento, com a intermediação dos sindicatos, o famoso crédito consignado.

O exemplo mais gritante do sindicalista da “nova classe”, na definição do sociólogo Francisco de Oliveira, fundador e hoje dissidente do PT, é aquele que atua no controle dos fundos de pensão.

Entre os maiores, se destaca o Previ do Banco do Brasil, que tem participação em 70 empresas e direito a indicar nada menos que 285 conselheiros, com patrimônio de mais de R$ 100 bilhões.

Quem o preside desde o início do governo Lula é o ex-trotskista Sérgio Rosa, oriundo da Confederação Nacional dos Bancários, cujo perfil de gestor implacável de resultados e poucos sorrisos a revista “Piauí” destrincha na próxima edição.

A reportagem de Consuelo Diegues revela detalhes das relações de amizade de Rosa com membros do governo Lula oriundos do sindicalismo bancário e do movimento trotskista, como os ex-ministros Luiz Gushiken e Ricardo Berzoini (hoje presidente do PT), que o indicaram para dirigir a Previ.

Os bastidores das negociações nebulosas envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, que culminaram com a fusão das telefônicas Brasil Telecom e Telemar na nova Oi, controlada pelos empresários Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, revelam as disputas internas de poder no governo Lula.

De um lado, o então todopoderoso chefe do Gabinete Civil José Dirceu garantindo ao banqueiro Daniel Dantas que o governo não se envolveria na disputa dos fundos de pensão com o Opportunity na gestão da Brasil Telecom.

De outro, Luiz Gushiken, também poderoso na época, usando a Previ para tirar o banqueiro Daniel Dantas do controle da telefônica.

E, entre uma negociação e outra, operações da Polícia Federal completamente descontroladas e indícios de que o governo pressionou os fundos de pensão para que não tentassem comprar a nova supertelefônica Oi, deixando o controle acionário com os empresários.

Tigre de papel

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Muito provavelmente quando o recesso acabar o presidente do Senado, José Sarney, já terá conseguido convencer seus aliados a desistir da molecagem de usar as representações partidárias junto ao Conselho de Ética para retaliar quem identifica como inimigo.

A ideia não é denunciar infrações, mas tentar pôr de joelhos o adversário. Tanto é que, informa a tropa de choque, o DEM e o PT não serão alvos de representações, porque não assinaram os pedidos de abertura de processos contra Sarney, apresentados pelo PSDB e pelo PSOL.

Decisão que contraria a ameaça do suplente Wellington Salgado: "Já que pedir emprego é falta de decoro, vamos ver nos últimos seis anos todo mundo que fez isso aqui no Senado." É a prova da bravata, pois "todo mundo" incluiria o DEM, o PT, o PTB, o PDT e até o PMDB.

O senador José Sarney deveria ser a última pessoa interessada nessa guerra que seus aliados ameaçam. Primeiro, foram mexer com o senador Artur Virgílio, cujo senso de medida é inversamente proporcional ao tamanho dos desafios que recebe.

Em segundo lugar, o líder do PSDB tem duas explicações a dar ao Conselho de Ética, ambas já feitas ao plenário da Casa diariamente ao longo de duas semanas.Seus pecados ele assumiu. Contratou um funcionário fantasma para atender às demandas de uma amizade e teve a conta de hotel em Paris paga pelo então diretor-geral, Agaciel Maia.

Se os processos prosperarem e o conselho onde os governistas são maioria achar por bem condená-lo, pode fazê-lo. Mas ficará apertado para arquivar as representações contra Sarney, que carrega nas costas um caminhão de contas em aberto. A saber: mentira ao Parlamento, nepotismo, uso de ato secreto para beneficiar parente, tráfico de influência no caso do neto intermediário de operações de crédito consignado para funcionários, sonegação de impostos, desvio de dinheiro de empresas públicas (Petrobrás e Eletrobrás) para as contas das empresas da família Sarney.

Se quem deve teme, quem deve mais teme muito mais.

No cotejo, Sarney e o PMDB levam enorme desvantagem. Por essa e mais algumas outras é que não é verossímil essa história de retaliação. A menos que o partido tenha enveredado pelo perigoso terreno do perdido por um, perdido por mil.

Mas não parece. Há muito cálculo ali. Indicativo firme de que estamos diante de uma fanfarronice é o fato de o grupo de Michel Temer ter "aceitado" entrar numa briga de rua com o PSDB.

Esse pessoal, na maioria deputados, manda no PMDB, está longe da confusão e assim pretende ficar. Temer e companhia disseram sim porque, nesta altura, dizer não só elevaria a pressão. O PMDB, que já briga com o PSDB e o PT, voltaria a brigar entre si em público.

A cúpula aprendeu a conhecer a fundo a teimosia e os métodos do líder do partido no Senado, Renan Calheiros. Manteve a fleuma quando o plano de eleger Sarney quase põe em risco a eleição de Temer para a presidência da Câmara, olhou do camarote o desenrolar da crise nestes cinco meses no Senado e agora fez o gesto de aceitação no limite do indispensável.

A ala do Senado não tem mais nada a perder, mas o grupo da Câmara tem muito a ganhar.

Quer a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff, quer transitar livremente também pelos palanques da oposição por meio de alianças nas eleições estaduais e, sobretudo, não quer atrito com os dois partidos que potencialmente representam a porta da esperança de acesso à máquina pública.

Convenhamos, dá para acreditar que essa turma vai pôr o pescoço a prêmio para ajudar o grupo adversário que recentemente não teve com os colegas deputados nenhuma consideração? Só vendo.

O finado Antônio Carlos Magalhães costumava dizer que faltava "coragem física" a Sarney. É um traço de personalidade a ser levado em conta na análise de possibilidades sobre o caminho a seguir: o recuo estratégico ou o avanço insano na companhia de Renan Calheiros e sua intrépida trupe de suplentes.

Por maior

Se tiver mesmo a chance de concorrer em 2010 como vice de Dilma Rousseff, o deputado Michel Temer precisa se entender muito bem com Orestes Quércia.

Sua aliança com o governo federal o elegeu presidente da Câmara. Mas quem o elege deputado é a máquina do PMDB de São Paulo, controlada por Quércia e prometida a José Serra.

Dois coelhos

Caso o nome de Ciro Gomes entre na próxima pesquisa de intenções de voto para 2010 na lista de candidatos ao governo de São Paulo, o Planalto conta criar um fato político.Ao mesmo tempo favorável a Dilma e desfavorável ao PSDB no Estado. Saindo do rol dos pretendentes a presidente e entrando na pesquisa estadual, Ciro aumentaria os índices da ministra e reduziria o favoritismo numérico dos tucanos paulistas.

''Presidente Lula quer mandar em tudo''

Marcelo de Moraes, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Marconi Perillo: vice-presidente do Senado (PSDB-GO); Para senador, ele deveria cuidar mais de suas funções e deixar o Legislativo andar com as próprias pernas

O vice-presidente do Senado, Marconi Perillo (PSDB-GO), criticou ontem as interferências feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crise política do Senado. O próprio senador goiano tem sido alvo direto dessas ações, já que o Palácio do Planalto não deseja vê-lo assumir o comando da Casa, caso José Sarney (PMDB-AP) se afaste do posto por conta das acusações de participação em irregularidades. Para o governo, Perillo seria um político com perfil oposicionista demais para comandar o Senado.

O senador não esconde a insatisfação com esse comportamento do governo e critica o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo que considera interferência excessiva nos trabalhos de outros Poderes. "Lula quer mandar em tudo", reclama. "Jamais confundiria questões pessoais e partidárias com institucionais."

Amigo pessoal de Sarney, com quem conversou esta semana em São Paulo, Perillo acha que o Senado precisa "passar a limpo" todas as denúncias de irregularidades, mas não pode esquecer de definir uma agenda propositiva para o segundo semestre, incluindo temas como reformas tributária e política. "Precisamos sacudir a poeira e olhar para a frente."

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Não é segredo de ninguém no Senado que o presidente Lula não deseja ver sua posse como presidente da Casa no lugar do senador José Sarney pelo fato de o senhor ser da oposição. O que acha disso?

Acho que, infelizmente, o presidente Lula interfere demais. Ele quer mandar em tudo. Deveria cuidar mais de suas funções, que já são tantas e tão nobres, e deixar o Legislativo andar com as próprias pernas. Outro dia, ele participou da posse do novo procurador-geral da República e quis dizer como um procurador deveria trabalhar. Isso não é possível. Temos uma tripartição de Poderes no Brasil e isso precisa ser respeitado.

Entre os governistas, o senhor costuma ser chamado ironicamente de "Marconi Perigo". A eventual posse do senhor representa perigo para o governo?

Eu sou um ser humano. E como todos os seres humanos sou um cara que carrega defeitos e virtudes. Entre as minhas virtudes está a coerência, o que faz com que eu tenha um lado definido. Sou tucano por vocação. Não sou um adesista e não vou me vergar aos cantos da sereia para apoiar um outro lado como alguns fazem. Mas o fato de eu ter um lado definido não significa que seja irresponsável em questões institucionais ou que ameace a governabilidade. Sou vice-presidente da Casa e jamais tratei o Senado de forma indevida. Jamais confundiria questões pessoais e partidárias com institucionais. Só que acho que o Senado precisa ser independente, a despeito de seu presidente ser da base governista ou de oposição.

Alguém do governo já lhe falou abertamente sobre as resistências contra sua eventual posse?

Alguns políticos da base governista vieram me sondar para saber como me comportaria na presidência e se faria uma oposição dura. Mas eu não misturo questões institucionais com partidárias. E também não desejo ascender a posto algum pisando nas pessoas.

Qual é sua avaliação da atual situação do Senado, que passou o primeiro semestre sendo bombardeado pelas descobertas de irregularidades e tem seu presidente denunciado no Conselho de Ética?

Minha avaliação sobre a atual situação do Senado é preocupante por conta das ações que estão sendo propostas e por essas ameaças de retaliação feitas por setores do PMDB. Não gostaria de fulanizar a questão, falando sobre a situação do senador Sarney. Mas, na volta do Senado, os líderes deveriam se reunir para tomar medidas que sirvam para sacudir a poeira. Precisamos passar a limpo a Casa, mas devemos também definir uma agenda propositiva para os trabalhos do Senado. Temos reformas internas importantes para fazer, mas também precisamos discutir outras reformas, como a tributária, que se arrasta há décadas, e a política. Precisamos ter uma visão de futuro para o País. Temos de olhar para a frente. É isso que a sociedade espera do Senado.

Mas é possível sacudir a poeira e olhar para a frente com a permanência do senador Sarney na Presidência?

Precisamos passar a limpo essa página do Senado e precisamos de reformas internas. Mas insisto em que devemos ter uma agenda afirmativa com a discussão de temas importantes para o País. Acredito também que muitas pessoas têm interesse em transformar o Senado num bode expiatório para desviar o foco de outros problemas muito importantes.

Que tipo de problemas?

A CPI da Petrobrás, por exemplo, que é uma investigação importante e não interessa a muita gente.

O senhor conversou com o senador Sarney esta semana?

Nós conversamos em São Paulo, no hospital onde está internada a esposa do senador Sarney (Marly). Visitei também o vice-presidente José Alencar lá. Mas a conversa com o senador Sarney foi apenas sobre a saúde de sua esposa.

Lula se distancia de Sarney... no discurso

Adauri Antunes Barbosa
DEU EM O GLOBO

Para evitar desgastar sua imagem com as reiteradas defesas públicas de José Sarney (PMDB-AP), aliado que, segundo afirmou, não pode julgado como pessoa comum, o presidente Lula mudou o tom e tenta manter distância da crise no Senado, pelo menos no discurso. "Não é problema meu. Não votei para eleger o presidente Sarney presidente do Senado", disse Lula ontem. Nos bastidores, o governo continua trabalhando pela permanência de Sarney, tentando enquadrar o PT.

"Não é problema meu", diz Lula sobre Sarney

Presidente muda o tom para evitar desgaste com defesa do aliado, mas nos bastidores continua a articular em seu favor

SÃO PAULO. Depois de afirmar que José Sarney (PMDB-AP) não deveria ser tratado como uma pessoa comum e de defender diversas vezes sua permanência na presidência do Senado, incluindo tentativas de enquadrar o PT no apoio ao senador e de desautorizar decisões da bancada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou o tom e afirmou ontem que a crise do Senado não é problema dele.

Semana passada, em reunião do Conselho Político, o presidente foi aconselhado a deixar a linha de frente da defesa de Sarney para evitar desgastar sua imagem. Nos bastidores, porém, o governo trabalha pelo presidente do Senado, com apoio da direção do PT.

Lula negou que tenha marcado uma conversa com o senador para tratar de seu afastamento da presidência do Senado e disse até que não votou para eleger Sarney para o cargo.

Mas em fevereiro, quando Sarney foi eleito, apesar de o PT ter disputado o posto com Tião Viana (AC), o Planalto trabalhou nos bastidores pela vitória do aliado do PMDB.

— Não é um problema meu.

Eu não votei para eleger o presidente Sarney presidente do Senado. Nem votei para ele ser senador pelo Maranhão (na verdade, Sarney foi eleito pelo Amapá), nem votei no Temer, nem votei para o Arthur Virgílio, não votei para ninguém. Votei nos senadores de São Paulo.

Então, quem tem que decidir se o presidente Sarney continua presidente do Senado é o Senado.

Somente o Senado, que o elegeu, é que pode dizer se ele vai ficar ou não; não sou eu — afirmou ontem Lula.

Recesso deve “esfriar cabeça de senadores”, diz Lula Em entrevista ao lado da presidente do Chile, Michelle Bachelet, ontem, na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Lula disse esperar que o recesso parlamentar sirva para “esfriar a cabeça” dos senadores e que, na volta, eles “decidam normalizar a atuação do Senado” porque a paralisação das votações traz problemas para o país.

— Todo mundo sabe que a paralisia do Legislativo pode criar problemas para o país, projetos importantes podem ser retardados. Estou convencido que as pessoas têm compreensão do momento que o Brasil vive, e que tem medidas que nós mandamos para poder combater a crise econômica que ainda estão para serem votadas e que, portanto, nós não podemos perder tempo. Temos que votar essas coisas. Espero que os senadores se acertem e que passem a fazer o debate político que precisa ser feito e a votar as coisas que precisam ser votadas.

Lula afirmou que não recebeu qualquer pedido de Sarney para uma conversa, mas garantiu que está aberto ao diálogo: — Não há pedido de conversa com o presidente Sarney. O presidente Sarney e o presidente da Câmara, à hora que pedirem uma conversa comigo, terão uma conversa comigo, porque é de boa política o presidente da República atender aos presidentes dos poderes.

Mesmo diante da insistência da pergunta, Lula não comentou a articulação de senadores do PT para que Sarney se licencie do cargo.

— Como vocês acham que eu posso falar sobre o destino da bancada do PT se eles estão de férias e só voltam segundafeira? Liguem para os líderes do PT na Câmara e no Congresso. Faz três anos que não participo das reuniões do diretório do partido. Liguem para o Ricardo Berzoini (presidente nacional do PT) na segunda-feira — disse.

'Do governo das leis ao governo do cara'

Isabela Martin
DEU EM O GLOBO

FORTALEZA. Numa sucessão de críticas indiretas ao presidente Lula e à crise no Senado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem queu dos desafios do Brasil é o resgate de valores elementares como a decência e a igualdade perante a lei. E citou a expressão popularizada pelo presidente americano, Barack Obama.

— Estamos transformando o governo das leis no governo do homem, do “cara” — disse, sob o aplauso de 700 pessoas que assistiam a sua palestra em homenagem aos 90 anos do Centro Industrial do Ceará (CIC).

— Valores elementares, de decência, de igualdade perante a lei, continuam sendo desafios importantes — disse.

Em entrevista antes da palestra, o ex-presidente considerou estapafúrdia a indicação de pessoas “sujeitas a dúvidas” para compor o Conselho de Ética do Senado. Segundo Fernando Henrique, se o presidente Lula refletir melhor sobre a consequência dos seus atos, não irá interferir no julgamento do presidente do Senado, José Sarney, pelo colegiado porque “a opinião pública está olhando”.

Fernando Henrique não quis opinar sobre a possibilidade de Sarney renunciar à presidência, alegando que não deve interferir nos assuntos do Senado.

Para o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ao defender o resgate de valores morais, Fernando Henrique referia-se não só à crise no Senado, como também a outros episódios envolvendo o partido do presidente Lula com denúncias de corrupção, citando o caso do mensalão.

Serra amplia bolsa para qualificar desempregados

DEU EM O GLOBO

Governador negou que programa seja assistencialista: "Não há nada que substitua o emprego", disse ele

SÃO PAULO. Ao anunciar ontem bolsaauxílio de R$ 210 para mais 40.892 desempregados inscritos no Programa Estadual de Qualificação Profissional, o governador José Serra (PSDB) deu uma estocada no Bolsa Família, programa de distribuição de renda do governo federal. Segundo Serra, seu programa pretende estimular o emprego, e não simplesmente distribuir recursos para desempregados.

O governador negou que seu programa de qualificação profissional seja assistencialista e disse que qualquer crítica nesse sentido seria “beócia” (simplória, ignorante). Durante o discurso, Serra disse já ter sido autor de programas de transferência de renda, mas destacou que “nada substitui o emprego”.

— Este programa é uma injeção na veia para fortalecer uma das áreas mais debilitadas da sociedade brasileira: a do emprego. Não há nada que substitua o emprego — disse Serra, que aparece liderando todas as pesquisas de intenção de voto para presidente no ano que vem.

O secretário do Trabalho, Guilherme Afif Domingos, fez questão de dizer, em seu discurso, que não há intenções eleitorais por trás da bolsa.

— Aqui não se faz demagogia, nós trabalhamos.

Afif negou que a bolsa-auxílio seja eleitoreira, alegando que o programa existe desde o ano passado. De acordo com Afif, o programa do governo Serra difere do federal porque “não dá o peixe, mas ensina a pescar”.

Durante três meses, os desempregados inscritos em todo o estado em cursos nas áreas de vendas, administração, indústria, construção civil, telemarketing, limpeza, informática, segurança, atendimento ao cliente, entre outras, receberão a bolsa-auxílio.

As aulas começam em agosto.

Segundo Afif, este ano o governo investirá R$ 100 milhões no programa.

A estimativa é criar mais 90 mil vagas em 2010. No ano passado, o programa qualificou 26 mil alunos.

Curso de reciclagem empregou 50% ano passado, diz pesquisa O governo de São Paulo informou ainda que levantamento entre os desempregados que realizaram o curso de reciclagem no ano passado apurou que 50% dos beneficiados conseguiram empregos depois de terem sido qualificados pelo programa.

— Ao fim das aulas, a empregabilidade do aluno vai aumentar, porque ele estará mais qualificado — disse Afif Domingos. — É importante dar apoio ao trabalhador desempregado para que ele possa, durante esse período, qualificarse e voltar ao mercado. A bolsaauxílio por um período máximo de três meses visa a amenizar a situação dele durante essa crise, já que há mais dificuldade de recolocação.

A bolsa é uma medida condicionada e temporária.

Belluzzo decide deixar conselho da TV Brasil

DEU EM O GLOBO

Economista nega relação com recentes baixas na direção da emissora por suposta intervenção

BRASÍLIA. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo deixará a presidência do Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que controla, entre outras emissoras, a TV Brasil. Belluzzo, que está há dois anos no cargo, afirmou ontem que comunicará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que está sobrecarregado de trabalho e que não tem condições de seguir na função. Além de professor, o economista também acumula a presidência do clube de futebol paulista Palmeiras.

Belluzzo afirmou que sua saída não tem relação com recentes baixas na direção da TV Brasil. Alguns diretores deixaram a EBC com críticas à condução da emissora e acusações de intervenção.

— Não gostaria de tratar publicamente de minha saída.

Não se trata de pedir demissão em público. Seria uma grosseria. Vou conversar com o presidente (Lula) e dizer a ele que está na hora de sair.

Estou com muito trabalho, tenho afazeres demais. Minha saída é prosaica, não tem essa dramaticidade — disse Luiz Belluzzo.

O Conselho Curador é composto por 22 integrantes, sendo a grande maioria — 15 deles — formada por representantes da sociedade civil. O conselho aprova a linha editorial e a programação, faz recomendações e recebe críticas ao funcionamento da TV. O colegiado tem poder até de emitir voto de desconfiança e até afastar algum diretor.

Direção da emissora não comenta saída Belluzzo afirma que, na sua avaliação, a emissora tem se pautado por um comportamento não partidarizado.

— O conselho tem sido provocado a se manifestar, e o tem feito.

A assessoria de imprensa da EBC informou que a diretorapresidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, está viajando.

Alegou ainda que a empresa não se manifestaria porque a decisão de Belluzzo ainda não é oficial e reafirmou que a TV é subordinada ao Conselho Curador. O orçamento da empresa para 2009 é de R$ 382 milhões.

Desse total, cerca de R$ 100 milhões é destinado a pagamento de pessoal. A TV tem 1,4 mil funcionários.

Servicinho no Senado

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula diz ao Senado que encerre o seu impasse; é tarde, a desordem senatorial invalidou o cronograma eleitoral

AS AFLIÇÕES ELEITOREIRAS de Lula, que o têm levado à aceleração de afirmações tolas e de pressas frustradas, são frutos benfazejos da estagnação do Senado em suas próprias aflições. Mesmo que o impasse no Senado não o tornasse inútil por bastante tempo mais, já assegurou a falta de tempo para duas aprovações problemáticas e perigosas, ambas vistas também como forças eleitorais.

Uma, para a propaganda das obras de "desenvolvimentismo como o de Juscelino": nova lei de licitação, com o facilitário desejado pelos empreiteiros e conveniente ao rápido início de várias obras. Outra, a estrutura empresarial e administrativa para a exploração do pré-sal, de cuja aprovação o governo espera negócios que engordem os cofres públicos, para impulsionar em 2010 ações eleitoreiras a granel.

A desordem senatorial invalidou o cronograma eleitoral da Presidência, desperdiçando o primeiro semestre planejado como fase preliminar de tramitação e negociações parlamentares dos projetos, e nem ao menos tornando provável sua execução no segundo semestre. Ainda mais porque semestre encurtado por férias no seu início e mais férias no final. Para os propósitos eleitoreiros, as aprovações no ano que vem, caso ocorram, serão tardias, dadas as providências até chegarem à prática.

Em discurso ficcional para grandes empreiteiros, anteontem Lula atribuiu ao seu governo a redenção moral desses empresários notabilizados pela fraudulência das concorrências de que participam. Não foi lembrado de que agora mesmo a empreiteira Norberto Odebrecht, por exemplo, está nas páginas dos jornais por vários feitos, relacionados a irregularidades na construção da ferrovia Norte-Sul, a uma grande obra da Petrobras no Estado do Rio, à investigação de tráfico de influência de Fernando Sarney.

O grupo da empreiteira Andrade Gutierrez compete de diferentes modos com o noticiário da Odebrecht, inclusive por sua extensão telefônica em que o dinheiro é do caridoso BNDES. E não citar a presença da empreiteira Queiroz Galvão seria injustiça, dada sua tradição.Lula passou, na ocasião tão propícia, ao tema de "qual lei de licitação é importante para o país". Não tinha o sentido de indagação, porque todos ali já sabiam "qual lei de licitação" o orador e os ouvintes acham importante para o pequeno país que eles compõem, com princípios e propósitos marginais em relação ao país geral. Mas Lula trouxe novo dado: "Até uma obra começar a acontecer leva três anos". Desde a decisão de projetá-la, uma grande obra pode levar até bem mais.

O que tem acontecido com as obras do PAC, fonte da pretensa estatística de Lula, tem outra causa: são impropriedades (ambientais, por exemplo) e as irregularidades e ilegalidades financeiras que o Tribunal de Contas da União já verificou na maioria nelas. Casos também das empreiteiras citadas lá atrás.

Ansioso ou irritado, Lula diz aos senadores que encerrem logo o seu impasse. É tarde. A desordem no Senado já prestou um servicinho.

Segunda onda

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A democracia vem em ondas, acha um candidato chileno. Se isso é verdade, a primeira onda já se esgotou no Brasil. Eleições diretas, uma política econômica realista, uma generosa política social são suas conquistas. Mesmo se Sarney cair, o que é inevitável, e a sociedade impuser sobriedade ao Senado, as coisas não estarão resolvidas.

Uma segunda onda de democracia fatalmente virá. Um dos seus componentes essenciais é a responsabilidade diante da transparência. Responder às questões, admitir erros, corrigir rumos, é a base do comportamento na nova etapa.

Há um risco desse tema escapar às eleições presidenciais. O PT empacou na primeira onda.

As forças restantes parecem tímidas ou exauridas para conduzi-la. Será preciso vencer muitos medos. O primeiro deles é de que o tema interessa apenas à classe média ou apenas às metrópoles. No caso da esquerda, há o argumento de que a demanda é apenas uma manifestação udenista, referindo-se ao passado. Para quem dizia que a história não se repete, achar repetição em cada esquina é muito estranho.

Existem mitos: não se ganham eleições sem os fisiologistas. Duas eleições presidenciais foram ganhas contra eles, a de Collor e Lula. Não se governa sem eles, dizem. Mas o que é governabilidade? No meu entender, significa realizar elementos básicos do programa. Não é vencer sempre.

Se a questão não for central na próxima campanha, corre-se o risco de um debate conformista. De certa forma, Collor abordou o tema, que era importante no discurso do PT, em 2002. De lá para cá, as demandas sociais cresceram e os políticos brasileiros dependem hoje, para serem respeitados, de uma nova condição. Os americanos têm uma palavra enorme para isto: accountability. Sem ela, não dá mais.

Dilma e Michelle

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Apenas quatro anos lhes separam a idade. Ambas eram estudantes quando, na clandestinidade, combateram a ditadura. Foram presas e torturadas. Têm filhos e dois casamentos desfeitos. Na redemocratização, incorporaram-se a governos de centro-esquerda. No Executivo, foram as primeiras ministras a chefiar suas respectivas Pastas. Uma foi a primeira mulher presidente de seu país. A outra quer ser.

Hospedadas no mesmo hotel em São Paulo, Michelle Bachelet, 57, e Dilma Rousseff, 61, tiveram ontem seu segundo encontro privado. O primeiro foi em 2007. O terceiro será em setembro, em Santiago, às vésperas de Bachelet deixar a Presidência do Chile. A ministra-chefe da Casa Civil vai apresentar a experiência do PAC num seminário promovido pelo governo chileno.

Durante o café da manhã que tomaram juntas, falaram de crise, do exercício do poder e das dificuldades da mulher na política. A ministra ouviu com atenção o relato das medidas anticíclicas tomadas pela presidente chilena no enfrentamento da crise econômica. "Ela alcançou o reconhecimento da sociedade chilena e hoje chega a 74% de popularidade, que é bem mais do que teve na eleição", conta Dilma, ao telefone, horas depois do café da manhã que tomaram juntas, a convite da presidente chilena.

Michelle Bachelet lhe relatou as dificuldades que enfrentou na sua escalada ao poder: "Ela me falou do estigma da mulher separada que ainda resiste em setores da sociedade chilena. Acho até que o Brasil é um pouco menos machista".

Diz ainda ter-se identificado com a visão da presidente chilena sobre a mulher no poder: "Ela me disse que todo mundo acha que enquanto uma mulher que se emociona é histérica, o homem que expressa suas emoções torna-se cativante".

Michelle e Dilma trocaram impressões sobre a maternidade e o poder. "Concordamos que o que diferencia a mulher no exercício do poder é a capacidade de ser mãe e a propensão ao zelo. O Chile, assim como o Brasil, é um país com grande número de famílias chefiadas por mulheres. A mãe tem propensão a proteger. Quando saí do encontro um repórter me disse que a presidente chilena é acusada de ser mãe. Mas acusada como? A mãe cuida, protege. É isso que faz a diferença."

Filha de um general da Força Aérea fiel a Salvador Allende que morreu em decorrência da tortura, Michelle Bachelet era filiada ao Partido Socialista à época do golpe de 1973. Atuou na clandestinidade em apoio aos perseguidos da ditadura até ser presa, junto com a mãe. Casou-se, no exílio, com um arquiteto chileno de quem teve dois filhos. De volta a Santiago, concluiu Medicina, separou-se e integrou-se aos serviços públicos de epidemiologia, onde conheceria o segundo marido e teria mais uma filha.

Foi convidada pelo presidente Ricardo Lagos para o Ministério da Saúde em meio a uma crise no atendimento público. É o ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM) quem relata sua trajetória no governo: "Foi para as filas como um cidadão qualquer para sentir o sofrimento das mulheres. Não terminou com as filas mas ganhou enorme popularidade. Lagos a transferiu para o Ministério da Defesa, usando a simbologia do pai. Bachelet vestiu uniforme militar, andou de tanque com capacete, de avião de combate, e sua popularidade foi às nuvens".

Na campanha presidencial, quando construiu sua base de apoio a partir dos mais pobres e menos escolarizados, foi constantemente exposta à exploração de seu passado político. Negou veementemente sua participação na Frente Patriótico Manuel Rodriguez (FPMR), mas reconheceu ter mantido uma relação amorosa com um integrante da organização, a única a continuar na Luta Armada depois do golpe. Foi ainda obrigada a negar as acusações de ter-se envolvido no sequestro do filho do diretor do jornal "El Mercurio", em 1991. As acusações, nunca comprovadas, partiram de um notório fabricante de dossiês ligado à oposição.

Ao contrário de Michelle Bachelet, Dilma não deve enfrentar um candidato herdeiro da ditadura. Mas o fato de o provável adversário da ministra, o governador José Serra, ter atuado ativamente na resistência ao golpe não significa que a exploração do passado de guerrilheira da ministra esteja descartada.

Cesar Maia acha que é um tiro n"água. Preso e condenado pela Lei de Segurança Nacional, diz que o eleitor não entende quando se quer capitalizar o tema em campanha. A opinião não é unânime. Um integrante do núcleo da pré-campanha tucana solta uma pista: "Não sei se essa coisa de guerrilheira pega bem na classe D".

Outro estrategista da oposição diz que a exploração pode funcionar se for para marcar a diferença entre o presidente que estava no chão da fábrica nos anos 1970, enquanto sua candidata militava na guerrilha. Acredita-se que, dessa forma, a campanha do radical ex-presidente da UNE José Serra não ultrapassaria o limiar da hipocrisia.

Além das diferenças significativas de um país em que a direita pinochetista sobreviveu eleitoralmente, Dilma demarca fronteiras nas origens dos dois países: "Tendo a achar que esse tema não tenha muita relevância aqui. Os espanhóis são mais fundamentalistas, enquanto os portugueses, mais pragmáticos".

Na única ocasião até agora em que um integrante da oposição tentou explorar publicamente seu passado, Dilma saiu em vantagem. O senador Agripino Maia (DEM-RN) levantou a bola para a ministra cortar quando insinuou que, se mentira sob tortura, por que não faria o mesmo naquele depoimento ao Congresso. A resposta da ministra, por certeira, levou Agripino a ser visto com desconfiança pela comunidade de blogueiros saudosos da ditadura: "Me orgulho de ter mentido, o que estava em questão era a minha vida e a de meus companheiros. Aguentar tortura é dificílimo. Pau de arara, choque elétrico, não há possibilidade de um diálogo. Qualquer comparação só pode partir de quem não dá importância à democracia".

Ainda que não veja ressonância na sociedade brasileira, a ministra não descarta que a exploração de sua militância na clandestinidade tenha chegado ao fim: "Se além de uma ficha falsa também produziram um sequestro que não existiu, nada me indica que tenham parado por aí".

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

A mensagem do Copom

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Recuperação da economia será lenta e país não deve voltar à excitação dos primeiros trimestres de 2008

NORMALMENTE não leio integralmente a ata do Copom. Ela é sempre longa e, de certa forma, pretensiosa no seu conteúdo. A Marina Santos, do quadro de economistas da Quest, sempre faz um resumo eficiente da ata, ressaltando o que nela há de relevante. Com isso fico sabendo das posições de nossa autoridade monetária.

Mas ontem rompi com essa rotina e li com atenção quase tudo o que foi escrito. Minha intuição dizia que deveria agir assim porque estamos diante de um momento quase histórico na condução da política monetária e queria entender a posição do Banco Central. Afinal o juro real no mercado monetário atingiu o nível mais baixo em muitas décadas. Muitos analistas mostram-se céticos quanto à estabilidade desse juro real mais baixo e apostam em uma volta à situação anterior. Para eles, nada mudou no Brasil que justifique essa euforia. Sempre me posicionei contra isso. Inúmeras vezes defendi junto ao leitor da Folha uma tese oposta.

A economia brasileira mudou muito nestes últimos anos, e uma taxa de juros mais baixa seria um resultado natural dessas mudanças. A questão mais importante seria saber qual o novo nível compatível com esse quadro mais estável da economia. Ninguém "a priori" pode responder a essa questão e somente uma política cautelosa de tentativa e erro nos levará ao menor nível de juros compatível com a estabilidade da inflação.

O nível atual da taxa Selic parece ser um bom início nessa busca. Por isso a decisão, tomada pelo Copom em sua última reunião, de estabilizar a Selic em 8,75% ao ano é correta. Com as expectativas de inflação, para este ano e 2010, estabilizadas em 4,5%, o juro real nela embutida é de 4%.

Muitos argumentam que os juros no Brasil ainda são muito elevados quando comparados aos de outros países. Não concordo, também, com essa posição, embora entenda que ainda há espaço para uma redução maior nos próximos meses.

A taxa de juros reflete as condições internas de uma economia de mercado e essa comparação com terceiros não é um argumento sólido, além de ser perigosa. Por isso entendo que precisaremos de algum tempo para testar esse novo nível de juros reais e, mais à frente, dependendo da reação da economia a ele, fazer um novo ajuste na taxa Selic. Mas minha intuição é que o BC vai manter a Selic estável por um longo período.

A ata da última reunião do Copom passa uma mensagem correta para o mercado financeiro. Seus membros entendem que a redução do juro real realizada nos últimos meses deve ser estável, e não apenas conjuntural. Dizem também que será preciso algum tempo para ter certeza dessa estabilidade.

Por isso o Copom estará nos próximos meses monitorando o comportamento da inflação nesse contexto de juros mais baixos. Palavras sábias, na minha leitura. Alguns outros pontos -esses de natureza conjuntural- me chamaram também a atenção. O mais importante é que o Copom trabalha com uma ocupação gradual da capacidade ociosa de parte da economia ao longo dos próximos meses.

Essa posição se contrapõe à parte do mercado que já vê no ano próximo pressões inflacionárias por conta de um nível menor do chamado hiato do produto. Os mais afobados já preveem inclusive uma rodada de elevação da Selic ao longo de 2010. Não concordo com isso. A recuperação da economia será lenta e não devemos voltar à situação de excitação vivida nos primeiros trimestres de 2008.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Ordem do futuro

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Brasil, China e Índia serão compelidos a adotar metas de redução das emissões. A China já sabe que não escapará e está fazendo investimentos pesados em conversão energética. A Índia está irredutível: acha que tem o direito de poluir para crescer. No Brasil, a posição diplomática é velha, mas a sociedade está mudando. Um sinal animador é o de as empresas pedirem que o Brasil adote metas.

O “Valor Econômico” publicou reportagem nesta quinta-feira, de Samantha Maia, contando que algumas grandes empresas e associações empresariais estão preparando um documento pedindo que o Brasil adote metas de redução das emissões dos gases de efeito estufa. Eles acham possível a redução das emissões do setor industrial.

Atenção governo: não vale dizer que o Brasil já tem metas. As anunciadas no Plano Nacional de Mudanças Climáticas não são compulsórias, não são auditáveis, não são comparáveis e não estão sendo cumpridas.

A diplomacia brasileira precisa ouvir os empresários e os segmentos da sociedade que estão dizendo que é urgente o Brasil assumir suas responsabilidades ambientais e se comprometer em reduzir as emissões tanto do setor industrial quanto do desmatamento.

O governo ficou parado nos anos 90, na ideia de que os países emergentes precisam emitir para crescer.

Ela dá aos grandes países emergentes, mesmo que sejam altamente poluentes, o direito de não assumir metas.

Os países de industrialização antiga são os principais responsáveis pelos gases que foram emitidos no passado e nos causam danos agora, mas isso não torna as novas emissões menos nocivas. O animador agora é que a sociedade está se movendo.

Os avanços não são feitos sem conflito e pressão sobre o setor produtivo.

Há três anos, militantes do Greenpeace vestidos de frango na porta do McDonald’s, em Londres, gritaram contra o desmatamento da Amazônia. A Conservação Internacional e a WWF também pressionaram.

Os importadores exigiram explicações aos produtores brasileiros. Foi este o começo do mais bem sucedido acordo entre o setor produtivo brasileiro para a redução do desmatamento da Amazônia. Por causa dele, os grandes esmagadores de soja no Brasil, Cargill, Amaggi, ADM, Bunge, e rede de produtores Amigos da Terra, assumiram compromissos de não comprar de área recentemente desmatada.

Assim nasceu a moratória da soja.

O que aqueles enormes frangos berravam na porta da lanchonete é que eles comiam ração feita com soja plantada em área de desmatamento.

Quem entrava lá e comia um sanduíche de frango era cúmplice do desmatamento.

O primeiro a pedir satisfação foi o próprio McDonald’s à Cargill.

Vieram outros. A negociação acabou sendo referendada pelo governo. Os grandes exportadores de soja puseram o compromisso por escrito e assinaram. Exigência dos consumidores.

Normalmente, os grandes produtores de soja compram de pequenos e médios que invadiram a floresta para produzir. Segundo dados da Conab, a moratória da soja, ou seja, esse compromisso de não comprar de áreas desmatadas, não afetou absolutamente nada a produção de grãos no país. Ela cresceu e as exportações também.

Na área que ela passou a vigorar, caiu a violência, a disputa de terra e a grilagem.

Isso prova o que têm dito os estudiosos do assunto: a disputa de terra, a grilagem e o desmatamento não produzem progresso.

Elevam a violência. A pacificação com a floresta é que nos trará índices maiores de qualidade de vida.

Esta é a ordem do progresso.

Esta semana foi assinada a renovação desse compromisso da soja com o ministro Carlos Minc.

A pressão contra a carne é mais difícil. Boi anda. Há dificuldades técnicas e resistência à rastreabilidade. O BNDES deu um prazo longo demais para os produtores. A pressão contra a carne produzida em área desmatada foi desencadeada pelo relatório do Greenpeace mostrando que a cadeia produtiva da pecuária brasileira vai direto de áreas griladas e desmatadas ao mercado consumidor, passando por grandes frigoríficos. Ao mesmo tempo, o Ministério Público do Pará iniciou ação contra grandes empresas ao fim de longo trabalho de investigação de compra de carne de fazendas embargadas pelo Ibama. O trabalho está no começo. A lavoura arcaica, reunida na CNA, reagiu. Mas os mais inteligentes começam a se preparar para cumprir o que o mercado exige. A pressão vai crescer. Esta semana, a Timberland disse que não compra mais couro da Amazônia, até que provem que não vem de área desmatada recentemente.

A Nike fez a mesma coisa na semana passada.

A fiscalização pública, a vigilância do Ministério Público, essa rede de ONGs, consumidores, empresas modernas estão fazendo o Brasil avançar. Os argumentos velhos têm um bom lugar para ir: para o lixo. Não é nem reciclável. A tese de que o Brasil precisa desmatar para produzir não resiste à menor análise; aquela desculpa esfarrapada de que o governo militar incentivou o desmatamento é ainda mais ridícula: o governo militar acabou há um quarto de século. Estamos falando de crime recente.

No Brasil, o governo avança quando é empurrado pela sociedade. É isso que começa a acontecer.

Com Alvaro Gribel

Lula e Bachelet criticam pacto que libera bases colombianas para EUA

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Reunidos em São Paulo, líderes endossam campanha de Chávez e propõem que acordo militar seja discutido na Unasul

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente chilena, Michelle Bachelet, pediram ontem que o acordo militar que viabilizaria o uso de bases militares colombianas pelos EUA seja levado para uma discussão regional na União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Apesar de começar seu discurso com um tom conciliador, Lula não disfarçou que a negociação entre Bogotá e Washington o incomodam. "Eu posso dizer que, a mim, não agrada mais uma base americana na Colômbia. A mim não agrada", disse, um dia depois de conversar por telefone com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que está fazendo uma ampla campanha contra o acordo.

As negociações da Colômbia com os EUA foram trazidas a público na semana passada, deteriorando bastante as relações de Bogotá com a Venezuela e o Equador. A tensão chegou ao ápice na terça-feira, quando Chávez rompeu relações com o país vizinho após o governo colombiano acusá-lo de fornecer armas à guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc),

Lula e Bachelet se reuniram em São Paulo, onde começou a visita da presidente chilena ao Brasil. A reunião da Unasul para a qual eles querem que seja levada a discussão sobre o uso das bases colombianas está marcada para o dia 10, em Quito (Equador). "Todo mundo junto no dia 10 poderemos ter muita franqueza para conversar e encontrar uma solução", afirmou o brasileiro.

Em referência à Colômbia, Lula disse que ele e Bachelet concordam que a soberania de qualquer país é "intocável". "Como eu não gostaria que Uribe desse palpite nas coisas que eu faço no Brasil, eu prefiro não dar palpite nas coisas do Uribe", disse. Ele também garantiu que Brasil e Chile trabalharão para que as discussões sobre o novo pacto militar não provoquem conflitos entre os países da região ou com os EUA.

Bachelet foi mais discreta. Disse concordar com as afirmações do presidente brasileiro, mas não manifestou abertamente uma posição sobre a negociação entre colombianos e americanos. "Nós respeitamos a soberania de cada país e as decisões que tomam. Mas a reunião da Unasul será um momento oportuno para avaliarmos de que forma essas decisões podem afetar decisões de todos", afirmou. " (A Unasul nos permitirá) falarmos com franqueza sobre esse tema (do acordo EUA-Colômbia), pois é certo que outros países estão inquietos com essa situação."

QUARTA FROTA

Lula aproveitou a ocasião para dizer que planeja se reunir em "algum momento" com o presidente dos EUA, Barack Obama, para discutir a Quarta Frota da Marinha americana. A Quarta Frota foi reativada no ano passado, para patrulhar o Atlântico Sul. Contrariado, Lula sugere que tal reativação poderia ter relação com a descoberta do pré-sal.

Lula disse que já havia conversado com o ex-presidente George W. Bush sobre sua intenção de debater o tema. "Mandamos uma carta dizendo que não víamos com bons olhos a ideia da Quarta Frota, porque me parece que a linha territorial dela é quase em cima do nosso pré-sal."

DISCUSSÃO

Luiz Inácio Lula da Silva - Presidente do Brasil:

"A mim não agrada mais uma base americana na Colômbia"

Michelle Bachelet- Presidente do Chile:

"Outros países estão inquietos com essa situação"

Brasil e Espanha pedirão explicação aos EUA

Denise Chrispim Marin, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Embaixada brasileira em Washington transmitirá ?preocupação e surpresa? à Casa Branca

Brasil e Espanha deverão manifestar de forma conjunta à Casa Branca sua "preocupação e surpresa" com o acordo que prevê o uso de bases colombianas pelos EUA. Em linguagem diplomática, trata-se de um rechaço ao acordo. A decisão, que poderá agregar outros países da região, foi tomada durante o encontro de ontem entre o chanceler brasileiro, Celso Amorim, e o espanhol Miguel Ángel Moratinos, no Itamaraty.

O governo brasileiro também pedirá a convocação de uma reunião extraordinária do Conselho de Defesa da América do Sul para avaliar os possíveis desdobramentos do acordo EUA-Colômbia no processo de militarização da região.

Amorim informou que, nesta semana, instruiu a embaixada brasileira em Washington a pedir informações e a reclamar transparência do governo americano sobre a ampliação de sua presença militar na Colômbia. Há cerca de 10 dias, a mesma instrução fora passada à embaixada brasileira em Bogotá.

Para Brasil e Espanha, o novo acordo EUA-Colômbia pode estar relacionado às denúncias feitas por Bogotá de que a Venezuela teria fornecido armamento para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Na segunda-feira, Bogotá pediu explicações a Caracas sobre armas encontradas com guerrilheiros, que pertenceriam a um lote importado pela Venezuela da Suécia. No dia seguinte, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, congelou as relações bilaterais.

Preocupado com a evolução dessa nova crise, o Palácio do Planalto enviará hoje a Caracas o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. Na quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com Chávez, por telefone.

Ontem, enquanto Lula rechaçava a instalação das bases americanas na Colômbia, em São Paulo, desembarcou em Brasília a principal autoridade militar dos EUA para essa questão, o chefe do Comando Sul das Forças Armadas, general Douglas Fraser.

Para uma autoridade da chancelaria espanhola, a justificativa da Colômbia para o novo acordo - a necessidade de intensificar o combate às Farc e às drogas - é incoerente e débil. Tampouco há plena confiança, no Itamaraty, sobre as informações recebidas de Bogotá de que as bases serão geridas por oficiais colombianos e o número de soldados americanos não superará o do Plano Colômbia.

As chancelarias de Brasília e de Madri concordam que se trata de uma iniciativa contraditória do governo Barack Obama. Para o Itamaraty, o acordo cria uma ameaça à consolidação da América do Sul como zona de paz, estimula os países vizinhos a promoverem uma corrida armamentista, traz para a região a influência direta de terceiros países e tende a legitimar discursos antiamericanos.

A iniciativa, para diplomatas brasileiros, se soma à decisão dos EUA de reativar a 4ª Frota Naval, em 2008, para aumentar a sua presença militar nas Américas Central e do Sul.

''América Latina pode estar vivendo recessão democrática''

João Paulo Charleaux
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Michelle Bachelet: presidente do Chile; Em visita a São Paulo, presidente chilena fala de Honduras e alerta para outras ameaças, veladas e sutis, à democracia

A tensão entre Colômbia, Venezuela e Equador provocada pela possível instalação de bases militares dos EUA na América do Sul é um exemplo do quanto a antiga agenda da Guerra Fria ainda norteia as relações regionais. A resistência ao livre comércio e as seguidas tentativas de mudar a Constituição para ampliar mandatos presidenciais são outras características de uma "recessão democrática", disse ao Estado a presidente do Chile, Michelle Bachelet.

Até onde a comunidade internacional pode ir para resolver o impasse hondurenho? O uso da força contra os golpistas é uma opção?

Espero que o governo de facto de Honduras aceite as condições propostas pelo presidente costa-riquenho, Oscar Arias, que atua como mediador. Essas condições garantem que as eleições de novembro sejam validadas porque, do contrário, elas não serão consideradas legítimas e, portanto, não resolverão o impasse. Por isso, deve haver um acordo que permita a restituição do presidente deposto, Manuel Zelaya, e a formação de um governo de coalizão.
O problema é que não há nenhum sinal de que o os golpistas aceitem o que a senhora está dizendo.

Mas eles não disseram não.

Justamente. A ideia deles parece ser a de protelar qualquer decisão até as eleições de novembro.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) está dando um tempo. Mas se for necessário, os Estados tomarão medidas adicionais de pressão como restringir o ingresso de recursos e o apoio econômico.

Isso já foi feito. A sra., que já foi ministra da Defesa do Chile, descarta a opção do uso da força contra o governo golpista em Honduras?

Não é uma opção. Teria de ser algo sobre o capítulo sete (da Carta das Nações Unidas, que determina a imposição da paz). Isso dependeria de uma aprovação dos Estados.

Mas não há um consenso internacional contra o golpe?

Hoje esse me parece mais um problema político do que militar. É preciso recorrer antes a todos os mecanismos políticos e econômicos.

A opção militar não foi levantada?

Não. Nem na Unasul nem na OEA nem nas Nações Unidas.

Daqui a dez dias, a senhora entregará a presidência rotativa da Unasul ao presidente do Equador, Rafael Correa. Ele tem problemas com países vizinhos, como a Colômbia, e aposta num discurso conflitivo. Esse tipo de liderança não ameaça o plano de integração?

Integração exige paciência, exige que os países estejam convencidos - mas convencidos de verdade, não apenas da boca para fora - de que a integração deve acontecer com base na diversidade. Um grupo não pode querer impor seu ponto de vista sobre os outros.

E os sinais emitidos por países como Equador e Venezuela não vão contra essa direção? O Equador prega a extinção da OEA.

Não quero pôr palavras na boca de outros presidentes. O Chile nunca apostou na Unasul como alternativa à OEA nem em qualquer briga entre países do sul e do norte. A Guerra Fria terminou e está na hora de ser coerente com isso. Nós apostamos, por exemplo, em inúmeros tratados de livre comércio, mas eu sei que existem países que não consideram o livre comércio uma opção. É preciso respeitar as diferenças. E acho que o Correa liderará entendendo isso.

Além do golpe em Honduras, há, de acordo com uma corrente de pensamento, a tese de que existem ameaças sutis contra a democracia. Em alguns países da região, foi aprovada a ampliação de mandatos presidenciais e as reeleições ilimitadas. A comunidade internacional também poderia reagir a ações como essas?

Há especialistas que dizem que vivemos tempos de recessão democrática, que existem democracias débeis. É preciso olhar com cuidado os processos que podem estar acontecendo na América Latina e possam estar debilitando a democracia. A democracia precisa ser cuidada por todos o tempo todo. Mas é preciso oferecer, ao mesmo tempo, os bens e serviços que a população necessita. Não basta chegar ao poder, é preciso dar qualidade de vida às pessoas. Afinal, qual a diferença entre não poder sair de casa por um toque de recolher ou porque a violência do crime organizado me obriga a estar trancado? Embora possa haver diferenças, ambos limitam o exercício de direitos.

O Brasil está retomando as buscas por restos mortais de ex-guerrilheiros no Araguaia, o que provoca resistência tanto de políticos quanto de militares. Que sugestão a sra., que preside um país marcado por uma das ditaduras mais violentas do mundo, foi presa e torturada, daria aos brasileiros?

A construção do futuro tem necessariamente de basear-se nas lições do passado. Não há futuro para os que não são capazes de fechar e curar as feridas adequadamente. É importante que as pessoas possam conhecer a verdade, fazer justiça e reparar as vítimas. Mas isso deve ser feito de um jeito sério, equilibrado e responsável. Jogar terra em cima não é a solução. Sendo médica, eu acredito que as feridas só cicatrizam quando realmente estão limpas.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Werneck Vianna

Florestan, um crítico do Iseb, tinha procurado demonstrar que as coalizões pluriclassistas em que se ancorava o projeto da modernização nacional-desenvolvimentista, ao contrário de viabilizar uma emancipação da vida popular do controle exercido sobre ela pelas elites dominantes no comando do Estado, na verdade, o preservavam, além de não tornar a sociedade menos desigual. Weffort, compartilhando o argumento com Florestan, assentava sua crítica, no entanto, no terreno especificamente sindical. Segundo ele, a estrutura corporativa sindical fazia o movimento operário refém do Estado e de suas manipulações populistas, levando-o a declinar dos seus interesses classistas e a abdicar da construção de uma identidade própria.
Mas será, sobretudo, nos trabalhos de Faoro que o emergente PT vai encontrar a maior parte das suas escoras intelectuais. Nosso capitalismo, na sua análise famosa, não teria sido obrigado a remover antigas elites para encontrar passagem para sua imposição. Ele teria sido gerado no ventre do patrimonialismo, preservando-se os monopólios administrados pelo Estado ou concedidos por ele, enquanto os interesses privados teriam sido abafados pela ação onipresente das agências estatais na vida econômica e social. Daí teria resultado um capitalismo politicamente orientado, confundidas as esferas pública e privada, não se revestindo a sociedade civil de autonomia diante do Estado.

Luiz Werneck Vianna no artigo A viagem (quase) redonda do PT – ver artigo completo ao lado, em Documentos

Sem solução

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Com pequenas variações de tons e ênfases, com abordagens mais inteligentes ou mais simplórias, as desculpas são sempre as mesmas: todo mundo faz. A principal defesa dos cada vez mais raros apoiadores do presidente do Senado é acusar os acusadores, colocando todos como farinha do mesmo saco. E como muitas vezes são mesmo, essa estratégia vai protelando o fim da crise, ou montando uma solução que livre todos igualmente.

O senador José Sarney já deu a dica: se cometi crime ao nomear parentes, todos cometeram.

Foi o que o próprio Lula fez no mensalão, quando lançou a tese, engendrada por seu ministro da Justiça da ocasião, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, de que se tratava de caixa dois de campanha eleitoral, “o que é feito sistematicamente no Brasil”.

Desde então, a defesa das irregularidades tornou-se a marca registrada do jeito Lula de organizar coalizões partidárias.

O caso é grave a ponto de abranger de um extremo a outro o espectro demográfico do Senado. Tome-se por exemplo o neófito senador sem votos Wellington Salgado, de 51 anos.

Sem história política que sustente suas opiniões, ele tem a coragem de aparecer na televisão para defender a tese de que sempre houve “ocupação de espaço” por parte dos políticos, com nomeações de parentes e amigos.

O senador, que não se dá ao respeito a ponto de receber dos colegas a alcunha de “Cabeleira”, de uma família proprietária de uma universidade, deveria ser, teoricamente, um educador, mas sua visão da vida pública absorve como naturais essas “colocações”, que era como antigamente se apelidava o empreguismo.

No outro extremo, o senador duplamente sem voto Paulo Duque, segundo suplente do governador do Rio, Sérgio Cabral, continua a defender a efetividade do empreguismo como arma política, aos 81 anos de idade e 60 de vida pública.

Assim como Sarney, nas palavras premonitórias do senador Jarbas Vasconcellos, transformou o Senado em um imenso Maranhão, o senador Paulo Duque transformou seu mandato em uma representação do que há de mais retrógrado na política brasileira. Ele tem a dimensão de um vereador de província e lida com questões nacionais à frente do Conselho de Ética, uma piada de mau gosto pregada na cidadania por Renan Calheiros, outro exemplar da tropa de choque do PMDB.

Não é à toa que volta e meia flagra-se o olhar embevecido do hoje senador Fernando Collor a admirar a performance palanqueira do presidente Lula.

O reencontro recente desses dois políticos que já se confrontaram em situações diferentes vinte anos atrás fala bem da involução da política brasileira.

Audacioso a ponto de ter chegado ao Palácio do Planalto a bordo de uma aventura política que poucos tentariam, Collor não teve coragem de enfrentar seus algozes no Congresso, como Lula hoje enfrenta seus opositores, sem nenhum tipo de escrúpulo.

É bem verdade que, naquela época, atiçados pelo PT e sob a liderança de Lula, os estudantes foram para as ruas do país, e a totalidade dos movimentos sociais se mobilizou para exigir a saída de Collor.

Hoje, se mobilização houver, será a favor de qualquer tramoia que o governo patrocine, até mesmo a favor dos caciques do PMDB de “moral homogênea”, na definição de Márcio Moreira Alves.


Essa ousadia, essa falta de escrúpulos, essa manipulação do povo humilde, resumem o que Collor tentou fazer e não conseguiu no plano de poder político.

O grito de “não me deixem só” foi o precursor das atuações performáticas de Lula nos palanques da vida.

As acusações de corrupção, que levaram Collor ao nocaute político mas não foram suficientes para condenálo por um misto de incompetência dos advogados de acusação e um acordo político tácito, hoje são enfrentadas pelo governo Lula e seus aliados com a naturalidade dos que consideram as falcatruas políticas parte integrante do jogo democrático.

Se tivesse tido a audácia de assumir seus atos como naturais quando esteve sob o fogo cruzado da imprensa e do Congresso, Collor poderia ter resistido no cargo, assim como Lula resistiu quando o mensalão devastou o primeiro escalão de seu governo e respingou nele, a ponto de ameaçar momentaneamente sua reeleição.

É claro que Lula tinha o PT e os movimentos sociais a seu favor, e já montava o que seria o grande alavancador de sua estratégia eleitoral, o Bolsa Família. Mas Collor sabia na ocasião que grande parte daqueles que votaram pela sua cassação não tinha condições morais de acusá-lo.

Nem mesmo o irmão Pedro, que detonou todo o processo, o fez por razões altruístas, mas apenas porque lhe negaram um pedaço maior do butim.

O que Collor não sabia, e sabe agora, é que é preciso dar espaço para incluir o maior número possível de políticos, sejam de que tendência política forem, em seus projetos de poder.

Dividir o bolo, permitir que todos se locupletem, enquanto finge-se que se quer instaurar a moralidade.

É o que está em marcha no Senado nos dias atuais.

Monta-se nos bastidores uma guerra de processos na Comissão de Ética que tem por finalidade neutralizar qualquer acusação.

Caminha-se para uma aparente solução, a renúncia do senador José Sarney da presidência do Senado, a eleição de um outro senador da base do governo, de preferência do PMDB, para o cargo, e um recomeço de atividades com a pedra zerada.

Tudo indica que o máximo que se conseguirá no momento é isso, com o compromisso do novo presidente de comandar uma reforma que impedirá que aconteçam os desmandos que até agora dominam o dia a dia do Senado.

Difícil é acreditar que um presidente saído de um acordo promíscuo como esse consiga avançar na moralização dos costumes do Senado.

Operação mãos sujas

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Infortúnio difícil de enfrentar esse que o senador José Sarney achou de construir para si no epílogo de tão celebrada biografia política: não bastasse a sanha dos inimigos precisa também administrar o ímpeto apaixonado dos amigos.

Cada um que se levanta para defendê-lo o faz de maneira mais desastrada que o outro. Nenhum deles, do presidente da República ao líder do PMDB no Senado, passando pelos dois mais destacados suplentes integrantes de sua tropa de choque - Wellington Salgado e Paulo Duque -, nenhum foi capaz de fornecer ao senador José Sarney um alento sequer.

Justiça seja feita, tudo começou com ele mesmo, no primeiro discurso de autodefesa, quando considerou uma afronta à sua história ser contestado por ter feito de Agaciel Maia poderoso executor de esquema de poder paralelo no Senado.

Aquilo irritou as pessoas. Que ficaram ainda mais irritadas quando o presidente Luiz Inácio da Silva corroborou a tese dizendo que Sarney não poderia ser tratado como uma pessoa "comum". Estabeleceu-se aí um outro confronto de pensamentos que lançou luz sobre o problema real. Não se tratava se uma ou outra irregularidade, uma contratação indevida ali ou um nepotismo ali.

Tratava-se do choque entre o novo tempo da sociedade moderna e a política velha. Sarney não se deu conta e Lula não acreditou que há opinião no público. Preferiu se fiar no mito da "opinião publicada" representada por meia dúzia de elitistas mancomunados com seus comparsas oposicionistas. Ou, para usar o jargão, golpistas.

Com os dois suplentes e suas declarações de apreço ao fisiologismo, melhor nem perder tempo.

Passemos, portanto, direto ao fato mais recente.

Lembrando, antes, que por incrível que pareça Sarney e companhia ainda acreditaram no velho truque da aliança entre o recesso e o "cansaço" do noticiário dito excessivo que resultaria em esquecimento gradativo dos fatos e arrefecimento da crise.

Isso, com uma eleição pela proa. Obviamente, deu-se o oposto, em boa medida sob o gentil patrocínio das bobagens da defesa. Em demonstração explícita de que detecta a aproximação do tudo ou nada, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, saiu das sombras em que vinha atuando no comando das ameaças insinuadas aos colegas e partiu para a ignorância.

Literalmente. Telefonou para o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, com a proposta indecente de sempre. Um acordo de paz entre os dois partidos ou o PMDB representaria contra o líder dos tucanos, Artur Virgílio, por quebra de decoro na contratação de um funcionário fantasma e na conta de hotel em Paris paga por Agaciel Maia.

Uma chantagem clara, cujo maior defeito não foi nem a nitidez, mas a estultice do gesto. Calheiros entregou-se na bandeja ao adversário e ainda mostrou que na visão de sua turma denúncia não serve para corrigir malfeitos, mas para ser usada como moeda de troca na tentativa do "abafa". Uma legítima operação mãos sujas.

Já executada em outras ocasiões e bem aceita pela oposição. Mas, desta vez, Sergio Guerra não apenas não aceitou a barganha, como espalhou a proposta recebida e, no dia seguinte, o partido emplacou três representações no Conselho de Ética.

Duas já com provas materiais devidamente expostas. A influência de Sarney na fundação que leva o nome dele e é suspeita de ter desviado dinheiro da Petrobrás é comprovada no estatuto da entidade.

A influência dele na indicação de um neto para atuar como intermediário de operações de crédito consignado para funcionários do Senado permite dúvida, mas a mentira da negativa sobre a existência dos atos secretos - objeto da terceira representação - está desvendada nos diálogos gravados pela Polícia Federal.

Noves fora, o recesso acaba na próxima semana e a situação de Sarney piorou bem. Ao ponto de mandar recados ao governo de que pode ceder e deixar o cargo. A conferir se fala a verdade ou se lança, em forma de ameaça, um novo pedido de socorro ao presidente da República.

Boi dormir

Não para em pé a história, difundida Esplanada dos Ministérios afora, de que o ministro das Relações Institucionais exagerou, por conta própria, no tom da contestação à nota do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante.

Diga-se de José Múcio Monteiro qualquer coisa, menos que seja inexperiente ou tenha temperamento animoso. É, antes de tudo, um conciliador. Além disso, postulante a uma vaga no Tribunal de Contas da União, José Múcio quer distância de confusão. Com o Congresso ou com o Planalto.

Se saiu de uma reunião do conselho político do Palácio do Planalto dizendo que a nota em defesa do afastamento de Sarney só expressava a opinião de "um ou dois senadores", foi porque assim o autorizava o clima da reunião.

Mais provável é que o ministro ainda tenha amenizado em público o tom corrente em particular na conversa entre o presidente e o conselho.

Para acalmar a base, R$ 1 bilhão

DEU EM O GLOBO

Governo teme pressão na volta do recesso e decide soltar emendas

BRASÍLIA. Alertado sobre um risco de rebelião na sua base no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ontem a liberação emergencial de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares para tentar acalmar senadores e deputados. Lula foi advertido por auxiliares de que a situação havia chegado ao limite.

Por essa avaliação, o risco político do governo aumenta de forma significativa no Congresso se os parlamentares voltarem do recesso semana que vem sem uma ação efetiva de liberação de emendas. É a terceira promessa, desde abril, de liberação desses recursos.

O tema foi abordado numa reunião, ontem de manhã, entre Lula e os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. O clima de insatisfação não foi contido no recesso parlamentar. Havia forte reação de Paulo Bernardo a liberar recursos para emendas parlamentares, já que o Orçamento da União está no limite com o aumento de gastos e a queda expressiva da arrecadação.

Governo prometeu liberar recursos em abril A rebelião na base é motivada pela execução orçamentária de emendas praticamente nula.

Dos R$ 5,97 bilhões em emendas individuais aprovadas no Orçamento de 2009, apenas R$ 100 milhões foram empenhados até o momento. A situação também é crítica em relação aos recursos de anos anteriores. Do total de R$ 1,6 bilhão de restos a pagar dos anos de 2006, 2007 e 2008, o governo liberou até o momento R$ 200 milhões.

Havia um compromisso desde abril para o empenho de pelo menos R$ 1 bilhão em recursos do Orçamento de 2009.

No fim de junho, houve novo comprometimento do governo, mas nada foi liberado.

Planalto teme que Congresso use CPIs para barganhar Agora, o presidente Lula e seus auxiliares políticos foram avisados de que a insatisfação da base aliada pode aumentar, com risco de agravar o clima de guerra que tomou conta do Senado nos últimos meses.

Há um receio de que a Câmara seja contaminada pelo clima de animosidade do Senado.

Além disso, existe no governo a percepção de que os parlamentares poderiam começar a estimular a criação de CPIs no Congresso para barganhar a liberação de emendas.

Nos últimos dias, o Planalto foi bombardeado por cobranças de líderes e parlamentares da base aliada que não conseguiram levar aos seus redutos eleitorais as promessas de obter recursos federais para obras e projetos.

Dirceu ataca Mercadante e diz que PT apoiará Sarney

Maria Lima e Isabela Martin
DEU EM O GLOBO

Já para tucano, Lula faz petistas no Senado de bonecos

BRASÍLIA e FORTALEZA. Depois do bombardeio desferido pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini (PT-SP), ontem foi a vez do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu atacar a decisão da maioria da bancada do Senado — pelo menos oito dos 12 senadores petistas — de apoiar a nota do líder, Aloizio Mercadante (PTSP), defendendo o afastamento temporário do presidente José Sarney (PMDB-AP). Em seu blog, Dirceu repete Berzoini, que chamou a nota de Mercadante de “atitude infantil”, e reforça que o PT não assinará qualquer representação contra Sarney.

Dirceu se alinha à tropa de choque sarneysista, que tem dado declarações para minimizar a nota do líder petista — divulgada após a publicação, pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, de conversas de Sarney com o filho Fernando combinando a contratação do namorado da neta pelo Senado.

Dirceu: se Sarney sair, oposição ganha cargo “Ao considerar precipitada a nota assinada pelo líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP), em defesa do licenciamento do senador José Sarney (PMDB-AP), o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), deixou claro a postura do partido: o pedido é do líder e não da bancada petista, e também que o PT não assinará representação contra o presidente da Câmara Alta”, escreveu Dirceu, no blog.

Sempre citando Berzoini, Dirceu diz que o dirigente petista criticou, também, a posição dos senadores petistas e alertou para o fato de que a oposição ganhará o comando do Senado com o eventual afastamento de Sarney, pois o primeiro vice-presidente é o tucano Marconi Perillo (PSDB-GO).

Mercadante opta por não responder Há três dias apanhando calado, Mercadante manteve o silêncio.

Por meio da assessoria, mandou dizer que não responderia às críticas, que confirma o teor da nota e que aguarda nova posição da bancada em reunião prevista para terça-feira.

Mercadante tem se manifestado apenas através de sua página no Twitter. Avisa que só pensa no casamento do filho Pedro, amanhã, em São Paulo.

Em Fortaleza, a ingerência do governo nas decisões da bancada do PT no Senado foi criticada ontem pelo senador Tasso Jereissati (PSDBCE), um dos possíveis alvos do contra-ataque dos aliados de Sarney. O tucano disse ontem que a crise na Casa já poderia ter sido resolvida se não fosse a “interferência indevida e inconstitucional” do presidente Lula, que cobrou dos petistas apoio a Sarney.

Para ele, os petistas foram tratados como bonecos.

— Essa situação poderia estar resolvida se não fosse a interferência quase autoritária do Lula junto ao PT. Quando parecia que o próprio presidente (Sarney) estava disposto a sair, negociar, Lula deu a chamada enquadrada no PT.

Foi uma atitude absolutamente descabida e autoritária do presidente. E uma desmoralização para a bancada do PT, composta não por bonecos, mas por senadores.

Na terça-feira, o PSDB protocolou três representações no Conselho de Ética do Senado contra Sarney e teria sido advertido pelo senador Renan Calheiros de que o PMDB revidaria.

— Há 25 anos há ameaças de dossiês em cima de mim.

Nunca vi nenhum. Desde que fui governador do Ceará e tive que romper com um bocado de coisas. Isso entra num ouvido e sai no outro — disse Tasso, enquanto aguardava, no aeroporto de Fortaleza, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que viajou a convite do Centro Industrial do Ceará (CIC).

Fernando Henrique chama PAC 2 de propaganda Pela primeira vez no Ceará após deixar a Presidência, em 2003, Fernando Henrique chamou de propaganda a intenção de Lula de lançar no próximo ano o PAC 2: — PAC é propaganda. Pode lançar o 1, 2 e 3. É PAC, PAC, PAC. Fala, repete, repete. São projeções no vazio. Vamos saber quem vai ganhar a eleição.

O PAC é um orçamento fantasiado.

Todo mundo gosta de fazer um pouco de onda, é normal.

Nada contra.

Já Tasso foi mais duro: — O presidente Lula só pensa em eleição. Ele não tem mais nenhum programa de governo. Ele tem programas de mercado. PAC 1, PAC 2. Todos são em função das eleições.

Saturação

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Lula tira o pé do acelerador na defesa de Sarney, para evitar uma trombada com a opinião pública e ficar falando sozinho.

Pesquisas do Planalto detectam o óbvio: a dessintonia entre o que Lula diz e o que as pessoas acham da crise Sarney. Nada que abale a sua sólida popularidade, mas o suficiente para detonar uma dúvida: vale a pena insistir em defender o indefensável para agradar o PMDB?

Pelos sinais que chegam a Lula, a família, os mais fiéis assessores e o próprio Sarney estão saturados com o tamanho e a insistência das denúncias. A maior preocupação nem é mais com o patriarca, é com o primogênito Fernando. Enquanto as acusações a Sarney partem principalmente de reportagens, as que atingem Fernando são institucionais, da Polícia Federal.

Se o próprio alvo já não aguenta mais e se Renan Calheiros está praticamente sozinho na guerra de representações no Conselho de Ética, o risco de Lula é se deixar vencer pela teimosia e virar arauto de causas perdidas. Não é de seu feito.

A questão ainda é a falta de um "plano B", ou seja, um sucessor para Sarney que não alimente a CPI da Petrobras nem deixe a candidatura Dilma à míngua. Curiosamente, quem providencia uma alternativa são, ora, ora, o PSDB e o PT, não para ajudar Lula, mas para tentar tirar o Senado da crise. Eles articulam uma licença de 60 dias (sem volta) para Sarney e, ainda cuidadosamente, o senador Francisco Dornelles para a vaga dele.

O PMDB tem a maior bancada e o "direito" à vaga, mas não tem nomes e não cederia a vez nem para o PT, nem para o PSDB, nem para o DEM -que abandonou Sarney. Dornelles, único senador do PP, é "o mais governista dos governistas", dialoga bem com a oposição e tem um trunfo com o PMDB: foi dos raros a ficar com Renan até o fim de sua agonia. O obstáculo é o DEM, mas todos vão ter que ceder. Inclusive Lula, fazendo o que deveria ter feito desde o início: ficando calado.

Um certo jeito de máfia

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A representação que o líder do PMDB, no Senado, Renan Calheiros, ameaça apresentar contra seu colega do PSDB, Arthur Virgílio, leva um forte aroma de comportamento mafioso.

Não que Arthur Virgílio não mereça uma representação. Para o meu gosto, aliás, merece diretamente uma punição porque confessou um ato de lesa-ética, qual seja pagar salário a um funcionário de seu gabinete que estava estudando no exterior.

No outro caso, o do empréstimo pedido a Agaciel Maia, ainda caberia investigação prévia. Afinal, tomar empréstimo não é crime nem viola a ética. Depende de qual o preço cobrado pelo emprestador -e você sabe bem o que quero dizer com "preço", certo?

O problema é que Renan não ameaça Virgílio porque este violou a ética, mas porque o PSDB está entrando com a sua própria representação contra José Sarney, de quem Renan é cão de guarda.

Em outras palavras, é o típico aviso mafioso: você não entra no meu território que eu deixo seus trambiques em paz.

Nem surpreende, de resto, esse tipo de comportamento em quem foi obrigado a renunciar à presidência do Senado, para não correr o risco de perder o mandato. Ao renunciar, Renan renunciou também à dignidade do cargo de senador, posto que todo senador inteiro e não castrado tem o direito inalienável de aspirar à presidência da Casa. Se não tem condições de presidir o Senado, não tem também condições de ser senador.

Mas o PMDB, claro, ainda lhe deu o posto de líder, com o que todos os liderados se nivelam por baixo. Que avalizem comportamento mafioso é apenas coerente.

Pena mesmo é que não há a menor esperança de que surja um "pentito", um arrependido como na Itália, que confesse todos os pecados de seus colegas. Aqui, não. São "tutti buona gente".

Alguém de fora para vencer o antipetismo

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O PT de São Paulo não tem tradição de apoiar candidatos de partido alheio. Existem razões para isso. No período de construção do partido, lançar candidatos próprios era uma tática nacional para firmar-se no cenário institucional. O PT paulista não foi apenas o berço do partido, mas o centro de convergência das lideranças vindas do movimento sindical e dos grupos políticos que saíram da clandestinidade no final da ditadura defendendo a tese de unidade das esquerdas num partido socialista de massas. "Hegemônico" em relação ao resto do partido, o partido em São Paulo não apenas incorporou a tática de candidaturas próprias às eleições majoritárias, como fez delas o instrumento para projetar líderes paulistas no cenário nacional. Se isso definiu derrotas eleitorais, de outro lado construiu lideranças importantes, como a do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A tática do isolamento prevaleceu desde então no Estado, mesmo quando as lideranças paulistas guindadas à direção nacional articulavam a ampliação do "arco de alianças" para viabilizar a candidatura de Lula à Presidência nas eleições de 2002 - e até porque sempre foram grandes as dificuldades de composição com o PMDB, partido que teria o poder de desequilibrar uma eleição a seu favor. O isolamento apenas não foi definitivo porque no Estado - como, aliás, em todo o país - os pequenos partidos de esquerda dependiam fundamentalmente do PT para sobreviver. PSB e PCdoB não teriam feito bancadas federais, não fossem as coligações nas eleições proporcionais feitas com o PT, que garantiram aos aliados o cumprimento do quociente eleitoral e a eleição de parlamentares na carona da proporcionalidade dos votos recebidos pela coligação, a maior parte deles petistas.

Ao longo do tempo, as sucessivas candidaturas próprias consolidaram o PT paulista como o partido que polariza à esquerda com um candidato da direita, ou do centro com apoio da direita. Nas eleições recentes, depois que o ex-prefeito Paulo Maluf saiu definitivamente de cena, o PT polariza com o PSDB ou com o partido a ele aliado. O PT, portanto, é um dos lados da polarização e rivaliza com ele o voto que tem fundamentalmente a característica de ser antipetista.

O PT paulista, assim, quando vai negociar uma aliança com outros partidos, apresenta, de cara, um piso de 25% das preferências do eleitorado. A contrapartida é uma rejeição igualmente alta. Nessas condições, tem forçado segundos turnos nas eleições majoritárias estaduais e na capital, mas sucumbido ao antipetismo na última etapa das eleições. Foi o que aconteceu nas quatro últimas eleições para o governo do Estado, que foram perdidas para o PSDB - duas para Mário Covas, uma para Geraldo Alckmin e a última para José Serra. O antipetismo se projeta também nas eleições presidenciais.

A dificuldade do PT de romper com a rejeição da classe média paulista explica porque não soou absurdo para o presidente Lula e para parcelas do diretório estadual a hipótese da candidatura do ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, ao governo do Estado. Ciro é do PSB, fez sua carreira política no Ceará, pode desembarcar em São Paulo e postular imediatamente o governo da unidade mais rica da Federação - e ainda assim seria uma alternativa de rompimento do antipetismo já consolidado no eleitorado.

O PSB soltou o balão de ensaio da candidatura Ciro em São Paulo quando divulgou uma sondagem do Ibope que deu a Ciro 18% dos votos para o governo de São Paulo antes de qualquer movimentação pública em favor de sua candidatura. Segundo o presidente do PSB de São Paulo, deputado Márcio França, na mesma pesquisa 70% dos eleitores manifestam desejo de "quebrar a hegemonia tucana" no Estado. Mais surpreendente foi o resultado de uma pesquisa qualitativa feita pelo PT há cerca de duas semanas. Ciro, Marta Suplicy e Aloizio Mercadante foram apontados como candidatos. Contra Marta, existe uma enorme rejeição - parte transferida do partido, parte construída por ela mesma, parte produto do antipetismo radical. Mercadante não tem chances internas, segundo se avalia, embora tenha menor rejeição. Ciro Gomes, todavia, conseguiu ser identificado com Lula e como opositor dos tucanos sem atrair a rejeição histórica do PT. O "ruído" apontado por um parlamentar petista na candidatura de Ciro é evidentemente o fato de não ser um político de São Paulo.

O balão da candidatura de Ciro Gomes, portanto, prospera num ambiente em que o PT encontra forte resistência à agregação de votos no Estado. Ganhar votos paulistas é estratégico para a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência. O ponto de resistência para essas articulações é o próprio PT estadual. Embora oficialmente tenham concordado em examinar essa hipótese, apoiada por Lula, os líderes não podem garantir a adesão de todo o partido a essa coligação. As tendências que já se articulavam em torno de candidatos - estão na mesa os nomes dos deputados Antonio Palocci e Arlindo Chinaglia, da ex-prefeita Marta Suplicy, do ministro da Educação Fernando Haddad e do prefeito de Osasco, Emídio de Souza - colocam o nome de Ciro Gomes como o sexto a ser analisado pelo partido, segundo um parlamentar petista. Não existe hipótese de o presidente Lula ganhar no grito essa parada. Com todo o recente pragmatismo do partido, não se consegue construir uma unidade partidária sem que ela transite internamente por um debate entre as correntes.

A favor de Ciro, trabalham setores do PT que defendem um "recuo tático" do partido paulista. Suas lideranças ainda estariam sob o desgaste do escândalo do mensalão - os paulistas estiveram no centro da crise - e isso seria um agravante para o já resistente antipetismo da política estadual. Apoiar um candidato de outro partido tira o PT do centro da ofensiva eleitoral e pode atenuar a radicalização de uma política que, no processo de polarização, trouxe o partido para o centro da política estadual, mas agregou elementos que tornam muito difícil romper a barreira da rejeição.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras