quinta-feira, 26 de março de 2009

Isenção ampla

EDITORIAL
DEU EM O GLOBO


Governante tende a desenhar cenários róseos, enquanto torce para as piores previsões não se confirmarem. O problema se agrava quando o político acredita no que diz, e não toma as medidas adequadas, no tempo devido. A crise já foi tratada em Brasília como "marola", "gripe" - e já era claro que não se tratava de uma coisa nem outra. Também tem sido uma reação típica comemorar a suposta debacle do "neoliberalismo". Ora, sequer há tempo para discussões político-ideológicas, enquanto chegam ao Brasil impactos do maior abalo econômico sofrido pelo mundo desde a década de 30 do século passado.

Faturar um round na luta partidária não muda em nada os índices de desemprego e de queda na produção causados pela paralisia do sistema mundial de crédito. Talvez por esses equívocos, o governo não avance como deveria diante de sérios prognósticos: neste primeiro trimestre deve ter havido recuo do PIB; o desemprego poderá voltar aos dois dígitos; e continua no plano das possibilidades uma recessão durante todo 2009.

Contra isso, o Planalto age com lentidão e em espasmos, provavelmente também por ser prisioneiro de um projeto assistencialista megalômano, e da ideia de um Estado lotado de servidores bem remunerados - tudo numa conta acima dos R$100 bilhões anuais, e que se torna mais indigesta à medida que a crise se aprofunda.

Preocupa que, diante da queda da coleta de impostos, o Planalto resista a adiar desvairados reajustes salariais de servidores, e ainda anuncie a ampliação do Bolsa Família em mais meio bilhão de reais. O programa passará a absorver R$12 bilhões/ano, o que não é pouco. Nessas circunstâncias, os países bem administrados costumam, além de realizar mais investimentos públicos e incentivar os privados, conceder reduções generalizadas de impostos. Quanto mais horizontais, maiores os efeitos positivos para compensar as forças recessivas. O economista José Márcio Camargo, professor da PUC, aponta para o peso dos tributos sobre a folha de salários. No Brasil ela é excessiva, e funciona como estímulo a demissões ao primeiro sinal de problemas. Há vários exemplos nos últimos meses. Camargo estima esses impostos em 45% da folha. Cálculos mais abrangentes, incluindo previdência, férias, abonos, chegam a pouco mais de 100%, demonstra José Pastore, especialista no assunto.

A gravidade da crise é razão suficiente para o governo abandonar a política míope de abatimentos tópicos de impostos e partir para reduções amplas. Um bom caminho será concentrar esses cortes na desoneração dos salários. Ajudará empregados e empregadores.

Desemprego sobe para 8,5% em fevereiro

RIO - O desemprego subiu de 8,2% em janeiro para 8,5% em fevereiro, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o maior nível desde abril de 2008, quando também havia registrado 8,5%. Em fevereiro do ano passado, a taxa de desemprego era de 8,7%.

Em janeiro, o desemprego subiu para 8,2%, segundo o IBGE

O mercado esperava uma taxa de 9%, segundo a mediana de 32 previsões colhidas pela Reuters, que variaram de 8,7% a 9,6%.

De acordo com o IBGE, o número de desempregados subiu em 51 mil em relação a janeiro, para 1,9 milhão de pessoas, uma alta de 2,7%. Já em comparação a fevereiro de 2008, houve queda de 1,5%, o que significa 29 mil desempregados a menos.

Nesta quarta-feira, foi divulgado que a taxa de desemprego do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade) subiu de 13,1% em janeiro para 13,9% em fevereiro . O resultado mostrou que o número de desempregados para 2,756 milhões, 136 mil acima do contingente apurado em janeiro.

A população ocupada teve queda de 1%, ou 211 mil pessoas, para 20,9 milhões, em relação a janeiro, mas cresceu 1,4% (283 mil pessoas) na comparação com fevereiro de 2008.

Houve piora também no trabalho formal. O número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado caiu 1,1%, ou 109 mil pessoas, a 9,4 milhões frente ao mês anterior. Na comparação anual, cresceu 3,4% ou mais 307 mil pessoas.

O rendimento dos trabalhadores ficou praticamente estável no mês (-0,1%), estimado em R$ 1.321,30. Já na comparação com a de fevereiro de 2008, a renda subiu 4,6%.

Na análise regional, o levantamento do IBGE aponta que a taxa de desocupação mais alta foi verificada em Salvador (11%) e a mais baixa em Porto Alegre (6%).


A Fundação Getulio Vargas divulgou nesta quinta-feira que a confiança do consumidor atingiu em março o menor nível desde o início da série histórica , iniciada em setembro de 2005.


Partidos negam irregularidades e lançam suspeita sobre Polícia

Wagner Gomes
DEU EM O GLOBO


LIGAÇÕES PERIGOSAS:
Petrobras suspende pagamento e nega
superfaturamento
Dirigentes veem uso político de dados obtidos durante a investigação

SÃO PAULO. Dirigentes de partidos políticos citados na decisão do juiz Fausto De Sanctis negaram ontem envolvimento ilegal com a Camargo Corrêa, investigada na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal. A empresa é acusada de crime financeiro e de financiar políticos ilegalmente. Segundo esses dirigentes, os repasses de verbas nas últimas eleições foram contabilizados legalmente e registrados na Justiça Eleitoral.

O presidente do PPS, Roberto Freire, acusou a PF de fazer uso político das informações obtidas na investigação. Afirmou que o PPS não recebeu doações da construtora nas últimas eleições.

- Há recibo de tudo o que recebemos. Não temos caixa dois. Esse é um problema que há no PT e no governo. O partido não recebeu qualquer dinheiro da Camargo Corrêa e não temos relação com isso. A Polícia Federal me parece irresponsável ao divulgar uma informação como essa. Não poderia divulgar uma gravação como se fosse verdade. Isso é irregular - disse Freire, frisando que responsabilizará criminal e civilmente os autores da acusação.

O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), disse que a sigla recebeu legalmente R$2,69 milhões da Camargo Corrêa em 2008. Afirmou estranhar a vinculação feita pela PF dos financiamentos aos partido de oposição:

- Não há doação ilegal. Se a Camargo Corrêa está sendo investigada, se passou do limite de doação, isso nada tem a ver com o partido. Todos os atos relativos às eleições foram feitos de acordo com as leis do país.

O secretário nacional de Finanças do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Márcio França, disse que, pelo menos na esfera nacional, a sigla não recebeu verba da Camargo Corrêa em 2008. Frisou, porém, que é preciso verificar se houve repasse em algum município. Segundo ele, os repasses são legais e registrados na Justiça Eleitoral.

Já o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) confirmou que a Camargo Corrêa fez duas doações para seu partido no Pará, em 2008, no valor total de R$200 mil. Segundo ele, as doações foram legais. O presidente do PDT, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, disse não saber de repasse de verbas da Camargo Corrêa para o partido. O PP também negou o recebimento de doações ilegais.

Em nota, a Petrobras declarou que considera não ter havido superfaturamento na obra da Refinaria Abreu e Lima, como apontam as investigações da PF, mas frisou que suspendeu o pagamento acatando a determinação do Tribunal de Contas da União.

Fiesp diz que não teme investigação da PF

Segundo escutas feitas pela PF, representantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) intermediariam esquemas da Camargo Corrêa com partidos. Em nota, a Fiesp informou que "é uma entidade apolítica, independente, voltada aos interesses coletivos da indústria paulista e da sociedade brasileira". A Fiesp informou que não teme qualquer investigação e que confia no trabalho da Justiça.

NOTA DE ESCLARECIMENTO DO PPS

A Direção Nacional do PPS - Partido Popular Socialista – esclarece que não recebeu nenhuma doação da Construtora Camargo Corrêa e repudia o uso político da Polícia Federal pelo governo Lula para tentar atingir os partidos de oposição.

Reitera, também, que o PPS não utiliza e não aceita nenhuma doação de "recursos não contabilizados". Todas as doações recebidas pelo PPS somente são aceitas dentro dos parâmetros legais e suas contas são fiscalizadas pela justiça eleitoral brasileira.

O PPS exige o total esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar criminal e civilmente os autores dessa leviana acusação.

Brasília, 25 de março 2009.
Roberto Freire
Presidente Nacional do PPS"

Os índios e a soberania nacional

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Para o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que decidiu ontem que os arrozeiros terão que deixar a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, até 30 de abril, cabe agora às Forças Armadas "tirar partido dos índios, tirar proveito da presença deles, que conhecem essa terra virginalmente, para auxiliar na defesa do território brasileiro". O ministro, que foi o relator do processo da demarcação da reserva, uma área contínua de 1,7 milhão de hectares, homologada pelo governo federal em abril de 2005, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang, acha que "ninguém conhece as entranhas do país, as fronteiras do Brasil, melhor do que os índios. É preciso inculcar neles aquilo para o que já têm predisposição, o sentimento de brasilidade, tratá-los como brasileiros que são".
Ayres Britto recorda uma frase que ouviu de um índio: "Nós estávamos aqui antes de a noite nascer", e comenta: "É muito bonito isso. Quem estuda a história do Brasil constata que eles estavam aqui há 15 mil anos".

Ele considera que o Supremo construiu "uma decisão reveladora do regime constitucional dos índios, e que define que faixa de fronteira é compatível com terra indígena".

A decisão do Supremo, que teve base em seu voto de relator, reconhece que a faixa de fronteira é de especial interesse da segurança nacional, "mas a soberania nacional não fica fragilizada pelo fato de haver índio ocupando a faixa de fronteira".

Até porque, historicamente, ressalta Ayres Britto, "os índios ocuparam mesmo o mais das vezes faixas de fronteiras, e sempre operaram como uma espécie de muralha". Ele lembra que, "antigamente, até se dizia "a muralha do sertão", uma muralha humana. Os estrangeiros não conseguiam entrar no território nacional porque os índios reagiam".

O relator destaca que uma das passagens mais explícitas do seu voto é "a impossibilidade de índio cobrar passagem, bloquear estradas, dificultar o trânsito das Forças Armadas, das autoridades policiais".

Ele entende que os arrozeiros "precisam de um tempo para sair do território, têm gado lá, equipamentos agrícolas pesados". E diz que sentiu que eles acham "muito injusto sair assim de afogadilho, deixando inclusive as plantações".

Mas aguardar a colheita traria vários inconvenientes, comenta Ayres Britto, para quem "segurar esses índios por três, quatro meses não seria fácil, é uma luta de 32 anos".

Como as chuvas começam em maio, e dificultariam enormemente a remoção tanto do gado quanto dos equipamentos pesados, Ayres Britto propôs ao governo indenizar a colheita e criar um programa de seguro de desemprego para os trabalhadores que estão lá, "em homenagem à situação emergencial".

O governo fará a colheita e dará a ela uma destinação social. Com isso, a Polícia Federal já pode entrar na área para assegurar a tranquilidade da saída dos arrozeiros.

Também órgãos estatais já podem fazer levantamento de campo. O Ibama tem um plano de saída dos arrozeiros que minimiza o impacto ambiental, porque a remoção de milhares de cabeças de gado e equipamentos pesados pode operar como fator de desagregação ambiental.

Lá há igarapés, rios, e o Ibama quer entrar para fazer um levantamento da degradação ambiental já ocorrida, o que parece ser verdade: há agrotóxico nas correntes de água, desmatamento.

Ayres Britto diz que há denúncias de que em uma das fazendas do líder dos rizicultores, o ex-prefeito de Pacaraima Paulo César Quartiero, nos últimos tempos oito mil hectares de mata foram devastados, e o Ibama quer documentar tudo isso.

Como relator do processo, Ayres Britto não considera que o Supremo tenha assumido posição ativista nesse caso, no sentido de ir além da lei, de preencher um espaço que o Legislativo deixou em branco.

"O ministro Carlos Alberto Direito, de maneira muito criativa, fez migrar para a parte deliberativa da decisão os fundamentos e os anteparos constitucionais que eu indiquei no meu voto. Deu visibilidade e melhor condição de operacionalidade, mas não houve inovação de conteúdo", esclarece.

Reconhecendo "o caráter histórico da causa, a complexidade da decisão, a repercussão que a decisão teria", o ministro Direito, "muito inteligentemente, elaborou aquele catálogo, à feição de um estatuto", analisa Ayres Britto.

Lembrando que todas as questões delicadas contidas nas 18 exigências estabelecidas na decisão final do Supremo faziam parte de seu voto de relator, Ayres Britto ressalta que todas elas estão contidas na Constituição: a faixa de fronteiras; a posição das Forças Armadas, de poderem transitar livremente pelo território indígena e implantar ali seus batalhões, seus equipamentos, suas instalações; a questão ambiental; a Polícia Federal poder exercer sua função de polícia de fronteira sem a autorização dos índios; o usufruto dos índios que não alcança os minérios.

Esses fundamentos e anteparos, Ayres Britto foi buscar na Constituição, que, segundo ele, "foi pródiga no trato da questão indígena. Contém nada menos que 18 dispositivos, ora no capítulo próprio, ora no seu corpo normativo". "Eu dissequei cada um desses dispositivos para concluir pelo reconhecimento do direito originário dos índios, e pelo formato contínuo, único compatível com o direito constitucional conferido às etnias indígenas".

O governador de Roraima Anchieta Junior, do PSDB, sempre disse que, uma vez definida a questão, ajudaria. "Quero ver se o governador entra no circuito como protagonista. Ele é muito chegado aos arrozeiros, a classe política de Roraima está unida, não simpatiza com a questão indígena, o que compreensível. Mas, como o Supremo decidiu, agora é cumprir, evitando os traumas", define Ayres Britto.

ROSTOS (poema)

Graziela Melo

Estes rostos
Que me olham,
Nas vagas
Da escuridão

Não são
Rostos
São culpas
Que guardo
No coração...

Rio de Janeiro, 2004

Um baile no TSE

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Sejamos francos e aceitemos de uma vez a evidência: o presidente Luiz Inácio da Silva deu um verdadeiro baile na Justiça Eleitoral. Faz campanha o tempo todo, mas, como é de cima do palanque que exerce seu papel de governante, impossível distinguir uma coisa da outra.

Atropelou todos os prazos, obrigando a oposição a antecipar também seus planos. Como a situação é inédita, em nenhuma outra eleição presidencial desde 1989 houve isso, a Justiça não tem os meios para controlar os fatos consumados.

Lula aniquilou com todos os parâmetros de diferenciação entre ações de governo e atos de campanha. A ponto de estar agora a cavaleiro para se defender das reclamações judiciais da oposição alegando que o governo age exatamente como sempre agiu e, portanto, não há razão para mudar, muito menos para se pensar em limitações, só porque haverá eleição daqui a 18 meses.

O centro da defesa apresentada pela Advocacia-Geral da União ao Tribunal Superior Eleitoral, na ação movida contra o presidente e a ministra Dilma Rousseff por campanha antecipada, é exatamente esse.

O procurador eleitoral já deu parecer aceitando a tese de que houve exagero na imputação de caráter eleitoral à reunião de prefeitos de todo Brasil em fevereiro último para "explicar" o PAC e dar outras providências, tais como a distribuição de benesses aos municípios e marcar a figura da ministra Dilma como símbolo da continuidade.

Consta que a tendência do plenário do TSE seria a mesma, por absoluta ausência de provas cabais de que o que se viu foi ação de governo e não ato de campanha.

A oposição não dispõe de ferramentas tão poderosas para dar início aos trabalhos eleitorais. Mas, se quiser nem precisa de cão. Caça com gato mesmo, usando as prévias internas como propaganda e a Justiça Eleitoral não poderá fazer nada.

O TSE definiu regras que objetivamente não definem coisa alguma. Disse que os partidos podem marcar suas prévias quando quiserem, mas a escolha que vale mesmo é a da convenção oficial; confirmou autorização para o uso do fundo partidário, o direito a voto de todos os filiados e, como a propaganda é restrita ao âmbito partidário, proibiu campanha na internet.

Quase tudo uma repetição do óbvio, menos a parte da internet, que é absolutamente inútil.Além de o TSE não ter a menor condição de fiscalizar o uso da rede, os filiados a determinado partido estão autorizados a trocar informações por e-mail sobre as prévias e não podem ser proibidos de compartilhá-las à vontade.

Se de um lado o governo faz campanha alegando governar, de outro a oposição, se quiser, falará das prévias sem necessariamente pedir votos, argumentando se tratar de um fato político como outro qualquer.

Na prática, teremos um descompasso: os partidos em campanha desde já e a Justiça Eleitoral de mãos amarradas esperando o prazo legal para poder atuar.

Duas lentes

Pesquisa do Datafolha sobre a avaliação do desempenho de governadores mostra como a percepção do cidadão é diferente das intenções do eleitor.

Dos 10, só Eduardo Campos, de Pernambuco, recebe ao mesmo tempo avaliação positiva alta e índice elevado de intenção de votos. É o segundo mais bem posicionado entre os colegas e o primeiro na preferência do eleitorado.

O primeiro colocado no ranking, Aécio Neves, de Minas, tem 77% de avaliação positiva, mas seu vice, Antonio Anastasia, tido como possível candidato, carregaria hoje às urnas meros 5%.

Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, está em primeiro lugar nas pesquisas para a reeleição, mas fica na penúltima posição entre os colegas, no quesito desempenho de governo.

A última, a tucana Yeda Crusius, não faz sucesso em nenhum caso: o cidadão dá nota 4,3 ao governo e o eleitor não confere mais que 9% para uma candidatura à reeleição.

A lista segue com o paulista José Serra em quinto lugar na avaliação de governo, a despeito da liderança no cenário para presidente. Seu candidato predileto teria hoje 1% dos votos e seu desafeto recém-cooptado, Geraldo Alckmin, chegaria em primeiro.

No Distrito Federal, José Roberto Arruda é o primeiro para 2010, mas, no conjunto, fica na sexta posição. Na frente do baiano Jaques Wagner, que, apesar de líder nas intenções de voto, fica em sétimo no ranking.

Já Roberto Requião, do Paraná, até que não está mal no quarto lugar para quem pertence a um partido (PMDB) cujo candidato desperta apenas 8% das emoções eleitorais.

Herdade

O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, se diz impotente ante a desenvoltura do deputado Eduardo Cunha: "Ele tem uma bancada de 18 deputados, o que posso fazer?"

Poderia começar, por exemplo, por explicar o que significa um parlamentar "ter" uma bancada.

Quem tem, por suposto, adquiriu.

Prévias secretas

EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Ao impor regras em excesso, normatização eleitoral restringe a autonomia partidária e sufoca o debate político

EMARANHA-SE numa legislação burocrática e irrealista a proposta de se realizarem prévias partidárias para a escolha de candidatos em 2010. O Tribunal Superior Eleitoral, atendendo a uma consulta do PSDB, decidiu nesta terça-feira que esse tipo de mecanismo, sem dúvida desejável e democrático, não está proibido pelas normas em vigor.

Não está proibido, mas submete-se a empecilhos e condicionantes dos mais bizarros. Na verdade, já constituiria motivo suficiente de estranheza o fato de se considerar necessário o aval dos tribunais para uma questão que diz respeito exclusivamente à vida interna dos partidos políticos.

Reconhecendo esse princípio, o TSE considerou que a decisão de realizar prévias pertence à alçada interna de cada partido. As dificuldades, entretanto, surgem logo a seguir.

Como se dará a disputa entre os pré-candidatos da legenda? Quem acompanhou a disputa interna no Partido Democrático nos Estados Unidos pôde verificar a grande liberdade dos debates, e a extrema variedade dos mecanismos de consulta utilizados, até chegar-se ao nome de Barack Obama como candidato oficial à Presidência.

Nada de semelhante poderá ocorrer no Brasil, pelo que foi decidido no TSE. A corte lembra que as postulações dos pré-candidatos não podem dar margem ao que considera "propaganda eleitoral antecipada".

Desse modo, nenhum postulante poderá apresentar suas propostas na internet. Argumenta-se que, com isso, não apenas os filiados de uma agremiação, mas todo o eleitorado, estaria sendo exposto antecipadamente à propaganda política.

Ao mesmo tempo, permite-se que os pré-candidatos enviem e-mails aos seus companheiros de partido. Imagine-se, por hipótese, que o e-mail seja repassado a quem não pertence à sigla. Seria o caso de punir os responsáveis pela propaganda irregular?

Uma blindagem impraticável e antidemocrática circunscreve, então, uma disputa política de evidente interesse para todo o eleitorado. Tudo se resume, na verdade, ao irrealismo de uma lei eleitoral que estabelece, com dia marcado, o início oficial da campanha dos candidatos."A propaganda eleitoral", diz o artigo 36 da Lei 9504/97, "somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição".

Em tese, a data indicaria o início das restrições destinadas a garantir um mínimo de paridade de condições e de ordenação jurídica na disputa. O dispositivo, entretanto, funciona retroativamente -e a data termina sendo tomada como um momento mágico, uma espécie de "fiat lux" da vida política. Antes de 5 de julho, tudo que possa parecer campanha se proíbe.

Mas o debate político, ainda mais quando facilitado por mecanismos como a internet, foge a parâmetros burocráticos desse tipo; e a prática das prévias, assim como a autonomia interna dos partidos, sofre com isso restrições que nada mais fazem senão sufocar o pleno desenvolvimento político do país.

Efeitos colaterais do lulismo incondicional

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A adesão incondicional do PT ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem efeitos colaterais. O partido suprimiu qualquer projeto de agenda própria por constatar que a sua dependência eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua a mesma de 1989,1994, 1998, 2002 e 2006, mesmo não existindo a possibilidade de que ele seja novamente candidato em 2010.

Ao longo dos últimos meses, enquanto consolidava a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como candidata à sua sucessão, dentro e fora do partido, Lula passou também a ser o fator de convergência de uma rearticulação interna que em outras eleições não apenas definiu um grupo majoritário no partido, mas o setor que se aliaria à sua figura e à sua popularidade. A diferença para os anos anteriores é que, antes, as contradições internas obrigavam a uma costura dos interesses dos grupos em conflito de tal forma que, se era objetivo de todos os grupos vencer as eleição com o candidato Lula, o programa que o levaria ao poder seria a síntese da dinâmica partidária. Em algum momento, no processo de luta interna, o partido conferia um perfil ideológico ao seu candidato e estabelecia uma relação orgânica com ele.

Nessas eleições, a dinâmica partidária está seriamente comprometida pelo que parece, de um lado, uma exigência de Lula ao partido, de adesão incondicional a um projeto de poder que é uma construção quase pessoal sua, e de outro, de um pragmatismo do PT, que cede por não ver possibilidades de uma vitória autônoma, que não dependa da popularidade do presidente Lula. Até o momento, não há sinais de que um projeto de poder e um projeto de partido irão se unir lá na frente de forma orgânica. A aliança entre ambos parece se dar muito mais em função de um risco de "retrocesso" - que, no entendimento interno, seria perder o poder para o PSDB - do que em função de um projeto político comum.

A candidatura da ministra Dilma Rousseff, nessas circunstâncias, é paradoxal. Do ponto de vista ideológico, ela se aproxima muito mais da média do pensamento do partido do que o próprio Lula. O presidente é um político competente e altamente intuitivo, com grande capacidade de liderança, mas a militância pretérita de Dilma a faz muito mais próxima à de grupos do PT que se originaram das facções de esquerda formadas na oposição à ditadura de 1964-1985. Dilma, todavia, não tem liderança própria no PT, nem experiência como mediadora das tendências petistas. Os grupos do partido são desconhecidos para ela; a militância petista é uma coisa que lhe é alheia.

Lula obteve a unanimidade dos grupos do partido em favor da candidatura da ministra, mas isto a tornou completamente dependente do presidente, dentro e fora do PT. Segundo o CNI/Ibope e o Datafolha, a crise já teve repercussões sobre a popularidade de Lula e do seu governo, embora o presidente esteja longe de ser impopular. De qualquer forma, uma candidatura petista sem vínculos orgânicos maiores terá escassas condições de manter a unidade interna por si mesma, e assim emplacar externamente, se a crise atingir de forma mais profunda o governo petista. Também a articulação feita junto aos PMDBs nacional e regional pelo PT tem enormes chances de desabar se Lula não mantiver a sua popularidade muito alta, pelas razões óbvias: o PMDB apenas é um aliado "natural" de um partido com chances inquestionáveis de vencer as eleições.

Nos dois casos, tanto para manter a coesão interna do PT em torno de Dilma, como para ter o PMDB como aliado, Lula tem que segurar a sua popularidade num nível muito alto, e a ministra tem que decolar rapidamente. Se a crise desgastar excessivamente a ambos, a construção de uma candidatura do zero, como é o caso da de Dilma, resultará em risco muito alto de derrota eleitoral. Daí, torna-se mais sensato apostar num candidato do campo governista que já tenha se exposto a uma disputa nacional, mesmo não sendo um petista, como é o caso do deputado Ciro Gomes (PSB). Na hipótese de queda muito grande da popularidade de Lula, portanto, a candidatura de Dilma poderá ficar tão isolada, a ponto de não sobreviver.

Daí o outro paradoxo da candidatura de Dilma Rousseff. Se a economia entrar no rumo e a popularidade de Lula continuar em alta, torna-se natural uma aliança com o PMDB em torno de seu nome, o que fatalmente acabará de empurrar o PT para o centro - e este, por sua vez, joga o PSDB, aliado ao DEM, mais ainda para a direita. Se o PMDB correr do PT, ele terá que refazer sua aliança com o bloco de esquerda - mas aí dificilmente Dilma, cuja biografia política está ligada a uma esquerda mais radical, sobrevive como candidata.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

O alto custo dos petistas na montagem dos palanques da campanha de Dilma

Jarbas de Holanda
Jornalista

A perspectiva de apoio dos petistas de Minas Gerais à candidatura do ministro das Comunicações Hélio Costa, do PMDB, na disputa do governo local, com o sacrifício de nomes competitivos do PT como Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, e Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social, tema de reportagem do Valor, de ontem (na qual é assinalado que na composição caberia aos primeiros a indicação dos candidatos a vice-governador e a uma das vagas no Senado), essa perspectiva é exemplar do papel subalterno nas disputas estaduais de 2010 que o PT terá de aceitar a fim de que se torne possível o que o presidente Lula considera decisivo para uma bem sucedida campanha de Dilma Rousseff – a aliança formal com o PMDB. Vantagem de Hélio Costa para encabeçar tal composição: ele aparece bem à frente dos dois petistas em pesquisa do Datafolha feita na semana passada.

Subordinação semelhante do PT às iniciativas de Lula para viabilizar essa aliança já aponta para apoio à reeleição ao governo do estado do Rio do peemedebista Sérgio Cabral, com o bloqueio da pré-candidatura do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias. E poderá vir a ser admitida e encaminhada pelo Palácio do Planalto até mesmo da Bahia, se esse vier a ser o preço cobrado pelo ministro da Integração Geddel Vieira Lima, para assumir a referida aliança. Excluem-se de esforços nesse sentido, entre os estados de maior peso político, o Rio Grande do Sul, que segue dominado por histórico conflito entre o PT de Olívio Dutra e Tarso Genro e o PMDB de José Fogaça e Germano Rigotto, bem como São Paulo, onde o que pode ser tentado para debilitar a firme composição de Orestes Quércia com o governador e presidenciável tucano José Serra será uma candidatura de Michel Temer como vice de Dilma Rousseff. Até porque no estado é muito precário o fôlego eleitoral de qualquer concorrente do PT.

A centralidade, para o Planalto, da campanha de Dilma implicará também subordinação do PT a concorrentes de outros partidos a governos estaduais. É o que ocorrerá em Pernambuco onde o presidente Lula já acertou e proclamou seu aval à reeleição de Eduardo Campos, do PSB, com o descarte da candidatura do ex-prefeito do Recife, João Paulo. E igualmente no Ceará, onde a prefeita de Fortaleza, Maria Luiza Fontenelle, terá de comprometer-se com a reeleição de Ciro Gomes, do PSB, e o nome do deputado peemedebista Eurício Oliveira para o Senado.

O forte condicionamento do PT evidente nas articulações dirigidas por Lula para a montagem das alianças para a campanha de Dilma Rousseff, especialmente daquelas ligadas à busca de apoio do PMDB, desmontam os projetos petistas de avanço no Sul e no Sudeste e em estados importantes do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste. O que deve estar suscitando agudo conflito interno entre os que defendem a afirmação do partido nos processos eleitorais e aqueles que privilegiam a relação com o governo, o cálculo de mantê-la com uma possível vitória de Dilma e, sobretudo, a perspectiva de que a vitória dela propicie um retorno de Lula no pleito presidencial seguinte. Como foi bem explicitado pelo secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, em reunião de lideranças partidárias realizada anteontem em Osasco: “Se o neoliberalismo voltar vai ser um retrocesso enorme. Fora isso, eles vão salgar a terra e inviabilizar o retorno de Lula em 2014”

Mas o ingrediente básico desse condicionamento – a necessidade de subordinação dos petistas aos interesses de lideranças regionais do PMDB – poderá ser retirado da receita tática do presidente Lula se ao longo da montagem das alianças, para a disputa maior do ano vindouro, as duas alas do principal partido da base governista acabarem por resolver não assumir o projeto eleitoral lulista, deslocando-se para a candidatura oposicionista, ou partindo para a alternativa de candidatura própria, esta até agora avaliada como improvável. Cenário cuja viabilidade dependerá de dois fatores. Primeiro, os desdobramentos da crise econômica e dos efeitos que ela possa ter. Segundo a postura das principais lideranças oposicionistas, entre elas os governadores José Serra e Aécio Neves, diante das opções da busca de apoio formal do PMDB (das suas duas alas) em 2010 e de aposta na fragmentação dele. Nesta hipótese, favorecendo o envolvimento do partido com o lulismo e potencializando a campanha de sua candidata.

Ocupação indígena de uma terra

Mercio Gomes
Antropólogo e ex- presidente da FUNAI

A primeira grande questão trazida pela votação do STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é a que determina a data da Constituição como marco definitório da ocupação indígena em determinada terra.

O termo "ressalva nº 20" é invenção minha. Ela não existe como tal. Entretanto, uma parte substantiva do debate entre os ministros do STF sobre a criação de novos parâmetros de demarcação de terras indígenas, a partir das ressalvas apresentadas pelo ministro Menezes Direito, se deu em torno da fixação desse data -- 5/10/1988 -- para definir se uma comunidade indígena ocupa tradicional e legitimamente uma determinada terra para fins de reconhecimento legal.

Isto quer dizer que, se um comunidade indígena ou um grupo familiar de índios estivesse ocupando alguma terra antes dessa data e se na data não mais estivesse lá, por força de migração, mudança, expulsão ou esbulho, não teria mais direito sobre ela.

Especificamente, nos últimos momentos da sessão do dia 19 de março, o ministro Lewandowski disse que essa data representaria uma espécie de "fotografia" do momento. O próprio Ayres Britto chamou-a de "chapa radiográfica". Quer dizer, as terras indígenas legitimamente demarcáveis são aqueles em que, naquele dia, tenha havido presença de uma comunidade indígena. Nem antes, nem depois.

Eis como explicitou esse ponto o ministro Ayres Britto em seu pronunciamento original, considerado brilhante por muitos:

80. Passemos, então, e conforme anunciado, a extrair do próprio corpo normativo da nossa Lei Maior o conteúdo positivo de cada processo demarcatório em concreto.

Fazemo-lo, sob os seguintes marcos regulatórios:

I – o marco temporal da ocupação. Aqui, é preciso ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, “dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Terras que tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas intermináveis discussões sobre qualquer outra referência temporal de ocupação de área indígena.
Mesmo que essa referência estivesse grafada em Constituição anterior. É exprimir: a data de verificação do fato em si da ocupação fundiária é o dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro. Com o que se evita, a um só tempo: a) a fraude da subitânea proliferação de aldeias, inclusive mediante o recrutamento de índios de outras regiões do Brasil, quando não de outros países vizinhos, sob o único propósito de artificializar a expansão dos lindes da demarcação; b) a violência da expulsão de índios para descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas terras, à data da vigente Constituição. Numa palavra, o entrar em vigor da nova Lei Fundamental Brasileira é a chapa radiográfica da questão indígena nesse delicado tema da ocupação das terras a demarcar pela União para a posse permanente e usufruto exclusivo dessa ou daquela etnia aborígine.

Com essas palavras, Ayres Britto deu o tom e marcou o compasso dos demais votos. Alguns explicitaram essa data, outros simplesmente acataram-na. Apenas o ministro Joaquim Barbosa não concordou absolutamente com nenhuma ressalva. Mas, sobre a questão da data, não há declaração dele. Talvez até ele esteja de acordo.

Na minha análise, essa "20ª ressalva" é a mais prejudicial de todas. No meu entendimento não há na Constituição nada explícito sobre essa data ser o marco definitório da ocupação tradicional. Ela é simplesmente uma interpretação de Ayres Britto e dos demais ministros do STF. Não obstante, ela foi proferida como tal pelo STF, salvo melhor juízo, e não há modos de contornar essa assertiva interpretativa.

Porém, o fato é que essa assertiva vai inviabilizar qualquer possibilidade de recuperação de terras que foram esbulhadas por outros, seja pela expulsão forçada de índios, como ocorreu com a chegada de fazendeiros e grileiros em diversos estados, seja pela retirada persuasória, como ocorreu pela intermediação do SPI e da Funai, em tempos recentes.

Essa ressalva é portadora intrínseca do vício da anti-historicidade das relações humanas. Ao fixar uma data arbitrária, embora com certo simbolismo, ela reifica a Constituição brasileira. Concede-lhe um status quase divino, o que é inaceitável num regime republicano. Nisso, aliás, o ministro Ayres Britto segue muitos advogados e procuradores (inclusive do Ministério Público Federal) que elaboram argumentações pró-indígenas considerando que a Constituição de 1988 é o primeiro grande documento brasileiro que redimiu os índios de sua situação de inferioridade.

Eis que, pela interpretação dos ministros supremos da Justiça brasileira, essa Constituição vira o algoz, o empacador de qualquer possibilidade de remissão das falhas históricas do indigenismo brasileiro e das injustiças perpetradas contra os índios.

É impressionante notar que esses advogados e procuradores aludidos não atentaram para essa parte do voto de Ayres Britto exatamente porque hipostasiam a Constituição de 1988, desconsideram o valor do Estatuto do Índio, sua historicidade e sua carga de tradicionalidade positiva, e soberbamente diminuem o valor do passado indigenista brasileiro. Especialmente as ações do SPI no tempo de Rondon, na década de 1950, o papel de indigenistas como Orlando Villas-Boas e de antropólogos como Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão e Carlos Moreira Neto.

Agora, Inês é morta. Terra demarcável é tão-somente aquela que o índio tenha estado ocupando em outubro de 1988, e de modo efetivo, conforme o voto de Ayres Britto. A revisão dessa ressalva, se puder ser feita, levará anos. Talvez só quando o valor da terra cair novamente e os fazendeiros resolverem se desfazer delas é que os índios que precisam recuperar alguma de suas terras perdidas em épocas pretéritas terão alguma chance.

De cara, todas as tentativas de demarcar terras no Mato Grosso do Sul, seja dos índios Terena, seja dos Guarani, nas terras de Santa Catarina e Paraná estão empacadas. Agora não só por pressão política, mas, pior, por injunção jurídica.

A atual administração da Funai, junto com alguns antropólogos, Ongs neoliberais e o próprio CIMI instilaram irresponsavelmente nos índios daqueles estados a ilusão de que iriam demarcar suas terras como se tivessem uma varinha de condão, por mágica, por vontade. Ignoraram a história do indigenismo brasileiro, o modo e o processo como terras indígenas são demarcadas, a sabedoria que existe nisso. Foram rechaçados pela reação agressiva dos fazendeiros e dos políticos regionais que conseguiram até o consentimento do presidente Lula e da ministra Dilma Roussef para obstar essa pretensão. Levantaram uma sublevação política que, seguramente, foi um dos fatores desses votos tão draconianos, dessas interpretações tão anti-indígenas que vieram do STF.

Que os índios saibam quem os levou à situação atual. Que os antropólogos e indigenistas da atualidade compreendam o a origem, o sentido, a dimensão e o futuro dessa situação. Que os advogados e procuradores ponham a mão na consciência e saiam de sua reificação jurídica e entendam que a história se faz pelo processo social, não por firulas jurídicas. Que o Brasil possa recuperar aquilo que é do índio para o índio. Algum dia.

Teto público

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Quem merece subsídio para comprar a casa própria é mesmo quem ganha até três salários mínimos. Ninguém nessa faixa de renda conseguiria comprar uma habitação decente sem a ajuda de recursos que saem dos impostos de todos nós. A melhor forma de fazer isso é através de recursos orçamentários explicitados de forma transparente, e num pacote que não seja parte de propaganda política.

O governo anunciou ontem que vai investir R$34 bilhões num programa habitacional. Os números são de R$25,5 bilhões da União, R$7,5 bi do FGTS e R$1 bi do BNDES. Os R$34 bi, na verdade, estão inflados porque embutem dinheiro que será liberado nos próximos anos para cobrir o subsídio concedido agora ao comprador. O prazo de construção das casas seria inicialmente de dois anos, e agora não está mais definido, mas o de realização do gasto em si vai se estender por muitos anos, muito além do atual mandato e do próximo. Se tivesse que dispor de R$25 bilhões agora, o governo não teria esses recursos, porque ele está em temporada de cortar o orçamento para que ele caiba no que vai realmente acontecer com a arrecadação. E ainda trabalha com projeções de crescimento fora da realidade, como a divulgada ontem pelo cada vez mais desacreditado Ipea, de 2%.

Isso, aliás, foi o que disse o ministro Guido Mantega ontem, de que o pacote seria responsável pelo crescimento do PIB em 2 pontos percentuais. Só que, para chegar lá, o setor de construção teria de crescer cerca de 40%, já que ele tem um peso médio no PIB de 5%, segundo o IBGE. Ou seja, o crescimento é inverossímil.

O chefe do governo reclamou da morosidade e da burocracia do próprio governo que lidera, como se não fosse ele o responsável pela máquina e pela incapacidade gerencial e administrativa que faz com que todos os planos pareçam muito bonitos no papel, mas não se realizem. É uma das técnicas do presidente Lula para ficar só com o bônus de ser governo, e não com o ônus. O PAC, por exemplo, jamais conseguiu gastar tudo o que tem para investir em cada orçamento, e isso porque projetos são mais difíceis de serem executados do que o aumento do gasto corrente, como já vimos.

O programa habitacional demorou meses sendo desenhado e tem várias boas ideias, como a de garantir ao comprador de baixa renda que só pague quando estiver morando, para não ter que somar o custo da prestação ao do aluguel. Outro é o subsídio à taxa de juros que varia de acordo com a renda, maior quanto menor for a capacidade de pagamento do comprador.

Um bom programa de moradia popular era necessário, mas isso, sozinho, não é um plano de combate à crise. Enfrenta um dos lados do enorme déficit de moradias do Brasil. A crise econômica também é grave demais para que as soluções do governo fiquem prisioneiras de objetivos políticos de 2010.

Todo governo lança planos habitacionais, anuncia que a Caixa destinará bilhões para construção da casa própria, e usa o dinheiro do FGTS para isso. O atual já fez isso algumas vezes. Nada garante que esse seja o plano que acabará com todos os planos, mas há grande risco de que esse incorra em alguns erros perigosos.

O FGTS vai ser cada vez mais requerido nos próximos meses pelos saques dos trabalhadores que perderão o emprego. É uma poupança compulsória e mal remunerada (3% ao ano), que tem sido usada como funding para programas que querem pagar um custo pequeno. Mas o fundo tem compromissos com os trabalhadores que estão hoje com emprego e amanhã podem não estar, e que sacarão recursos do FGTS. As últimas notícias dão conta de que tem aumentado o saque, mas isso se agravará nos próximos meses. A melhor forma de o governo usar os recursos públicos para favorecer qualquer setor é explicitar esse custo no orçamento. Mas isso raramente é feito.

O economista Alexandre Marinis acha que o plano é correto no sentido de o governo alocar recursos para quem precisa, e não ficar socorrendo grande empresa, como fez na injeção de R$100 bilhões no BNDES. Mas ele alerta que o governo vem usando demais os recursos do FAT e do FGTS para fazer a política econômica.

- Se o governo não tivesse errado, contratado tanto e aumentado as despesas de pessoal, teria mais R$70 bilhões para investir. O pacote de habitação, por exemplo, poderia ser três vezes maior.

Uma qualidade do programa é ser, como explicou o presidente da Ademi-RJ, Rogério Chor, um programa que tem incentivos à demanda. Normalmente, os planos habitacionais subsidiam a construtora e incentivam a oferta, quando o correto é financiar o comprador final de baixa renda para que ele, com a garantia de uma prestação mais baixa, se disponha a comprar.

Mesmo assim, há detalhes que precisam ser analisados. O presidente do Sinduscon-SP, Sérgio Watanabe, disse que o pacote tem qualidades e deve ajudar o setor, mas citou que nenhum detalhe sobre como os estados e municípios vão apresentar os projetos de habitação foi citado.

- O governo deve regulamentar os princípios básicos, a Caixa vai normatizar. Só que a articulação entre estados e municípios será o grande trabalho para fazer os projetos de infraestrutura. As entidades de classe devem cobrar os projetos. Se isso não acelerar, vai atrasar o início e o andamento das obras.

Vícios e virtudes

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO

O Brasil quebrou nas crises internacionais anteriores. O roteiro era o seguinte: fuga de capitais, redução brutal dos financiamentos externos, desvalorização do real, choque de inflação e forte elevação da dívida externa quando medida em reais. Resultava daí a dupla resposta do governo: alta dos juros para combater a inflação e, sobretudo, para impedir mais saída de capitais; e corte de gastos públicos de modo a sobrar mais dinheiro para o governo comprar os dólares com os quais saldaria os compromissos externos. Alta de juros e corte de gastos terminavam em recessão.

Desta vez, houve forte restrição dos financiamentos externos, saída de dólares e a consequente desvalorização do real. Mas não houve inflação, e a dívida pública caiu, de modo que o governo pode reduzir juros e até aumentar seus gastos.

Entre um momento e outro, a principal diferença está nas contas externas. Com a bonança global dos últimos anos, o Brasil acelerou suas exportações, que geraram substanciais superávits comerciais. Com a sobra de dólares, o Banco Central iniciou uma forte política de compra de divisas. Quando a crise estourou, o BC tinha reservas de US$207 bilhões, número superior ao total da dívida externa pública e privada de médio e longo prazos.

E mais: a dívida externa pública estava reduzida a US$90 bilhões, de modo que o governo, pela primeira vez, era simplesmente credor em dólares. Assim, com a desvalorização do real (e a consequente valorização do dólar), o governo agora ganha dinheiro. Ou seja, a dívida pública, medida em reais, diminui em vez de aumentar. E isso dispensa a política de cortar gastos. Ao contrário, libera gastos.

De outro lado, a desvalorização do real não provocou inflação porque houve uma forte queda de preços internacionais. Assim, o dólar ficou mais caro, mas o produto lá fora ficou mais barato em dólar, uma coisa compensando a outra.

Finalmente, os muitos anos seguidos de aplicação da política econômica clássica (metas de inflação, superávit primário, redução do endividamento e câmbio flutuante, com mais abertura externa) consolidaram seus efeitos. Na entrada da crise, o Brasil já era grau de investimento.

Tudo considerado, o Brasil colheu as virtudes da ortodoxia e da globalização. Em vez de quebrar (e cair nas mãos do FMI), apenas desacelera, num ciclo normal.

Fora isso, o Brasil se beneficia de seus vícios. É isso mesmo. A crise é do comércio externo e do crédito - e o Brasil tem pouco comércio e menos crédito.

Coreia do Sul e México, por exemplo, estão apanhando mais. A economia coreana exporta o equivalente a 50% do seu Produto Interno Bruto. No México, a exportação passa um pouco dos 40% do PIB.

No Brasil? As vendas externas (US$198 bilhões no ano passado) equivalem a 13% do PIB. Portanto, a queda nas exportações, que já ocorre, afeta menos a atividade econômica local.

Mas o lado mais evidente dessa "vantagem" dos vícios está no departamento do crédito. No ano passado, o crédito total no Brasil chegou a 41% do PIB. Na Coreia, o crédito doméstico equivale a 110% do PIB. Portanto, investimentos e consumo dependem muito mais do fluxo de empréstimos do que no Brasil. Logo, se o crédito seca, o problema é maior lá.

Outras comparações: no grande ano de 2007, quando o mundo todo cresceu espetacularmente, o crédito concedido nos EUA para a compra de casa própria chegou a 86% do PIB. Para a aquisição de carros, 9,2%.

Na Coreia do Sul, o crédito imobiliário representava 53% do PIB. Para automóveis, 17%. E no Brasil? O ano passado foi considerado um dos melhores para o setor imobiliário. Só pelo Sistema Financeiro de Habitação - empréstimos com base nos recursos da caderneta de poupança - foram financiadas quase 300 mil casas, no valor total de R$30 bilhões. Isso dá a ridícula relação de 1% do PIB. Se consideradas outras modalidades de financiamento, incluindo as casas populares, subsidiadas, o total financiado não chega a 3% do PIB.

Logo, a falta de crédito abala pouco. E continua sendo um defeito.

Também dizem que nosso sistema bancário é mais sólido. Mas claro que é sólido: não empresta e quando empresta cobra esses juros!

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

Inferno à vista?

Clóvis Rossi:
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O mundo deu ontem mais alguns passos à beira do abismo a partir do instante em que o primeiro-ministro tcheco, Mirek Topolanek, presidente de turno da União Europeia, disse que os planos de salvamento da economia lançados pelos Estados Unidos são "o caminho para o inferno".

Topolanek não é o líder de maior prestígio no mundo, tanto que pediu demissão anteontem, abatido por uma moção de desconfiança. Mas afirmou, em linguagem desabrida, o que a maior parte de seus pares europeus diz com elegância. Além disso, repôs uma falsa guerra para a cúpula do G20, as maiores economias do planeta, entre os Estados Unidos (pró-pacotes) e a Europa (contra). Barack Obama acabou contribuindo para a guerra, ao dizer, de seu lado: "Não queremos uma situação em que alguns países estão fazendo esforços extraordinários e outros não".

A guerra é falsa, porque o texto dos ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20, emitido dia 14, já anunciou a disposição de tomar "qualquer ação que for necessária até que o crescimento seja restaurado", inclusive "instrumentos não convencionais" [de política monetária]. Aí, cabe tudo. Novos pacotes, novas heterodoxias, esperar para ver o que vão dar os pacotes já lançados, como prefere a Europa.

O que o ataque de Topolanek faz é semear desconfiança sobre a mais recente ação do governo Obama, já posta sob suspeição por economistas do calibre de Paul Krugman. Mina igualmente a posição do anfitrião do G20, Gordon Brown, já atingido na linha de flutuação por um torpedo do "governor" do Banco da Inglaterra, que avisou que não há espaço para novos estímulos com dinheiro público.

Não por acaso, ontem o governo micou com os títulos públicos que pôs a venda, pela primeira vez em sete anos. De repente, pode ser o início da rota "para o inferno".

Prelúdio nº 3

Heitor Villa Lobos
Violão: Julian Bream
Vale a pena ver o vídeo

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http://www.youtube.com/watch?v=SbW4rYYKxhg