segunda-feira, 25 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

“A atitude de Croce em face do “senso comum” não parece clara. Em Croce, a proposição de que todo homem é um filósofo pesa muito sobre o juízo acerca do senso comum. Ao que parece, Croce freqüentemente se compraz com o fato de que determinadas proposições filosóficas são compartilhadas pelo senso comum; mas que significa isto concretamente? O senso comum é um agregado caótico de concepções disparatadas e nele se pode encontrar tudo o que se queira. Por outro lado, esta atitude de Croce em face do senso comum não conduziu a uma concepção da cultura fecunda do ponto de vista nacional-popular, isto é, uma concepção mais concretamente historicista da filosofia , o que, de resto, só pode ocorrer na filosofia da páxis.”


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 117 – Civilização Brasileira, 2006.)

Conferência: Os sentidos do novo reformismo

Luiz Sérgio Henriques
(Jornalista, escritor e tradutor, organizador do sitio "Gramsci e o Brasil".

Um dos tradutores da obra de Antonio Gramsci, Cardernos do Cárcere, editado pela Civilização Brasileira)

Local: Unesp/ Franca
Dia 28 de maio de 2009 - 19:30 horas, Anfiteatro II

Será lançado o livro de Giuseppe Vacca, Por um novo reformismo, Rio de Janeiro/Brasília: Contraponto/ Fundação Astrojildo Pereira, 2009.

Sobre o livro, um fragmento da Apresentação de Alfredo Reichlin:

"Conheci Beppe Vacca quando, no início dos anos 1960, deixei a direção de L’Unità para dirigir o comitê regional do PCI na Puglia. E lá encontrei pessoas e coisas que mudaram não só minha vida, mas, mais profundamente, meu modo de pensar, e de pensar a política. Passei a ter uma ideia menos abstrata das revoluções possíveis, descobri que “cinzenta é a teoria, mas verde é a árvore da vida”. Encontrei uma humanidade: os “companheiros”.

Achei-me imerso na vida de um partido que era também uma extraordinária comunidade humana. Beppe Vacca, com pouco mais de vinte anos, era o animador de algo mais do que só um círculo intelectual. Difícil dizer o que era. No fundo, era a emergência no Mezzogiorno (e não casualmente na Puglia) de um grupo de jovens intelectuais formados entre a Universidade e a Editora Laterza, os quais de diferentes modos dedicavam-se a uma iniciativa que não sei se naquele tempo contava com muitos. O objetivo, ambicioso e temerário, era no fundo repensar a identidade do PCI, no sentido de tornar indissolúvel o nexo entre democracia e socialismo. A novidade, em síntese, me parece esta. Não era pouco".

O Controle do Ipea

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com a conclusão do concurso para a contratação de 62 técnicos de planejamento e pesquisa e mais 18 funcionários estáveis - o maior de toda a história da instituição -, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) avança mais no processo de "padronização ideológica" iniciado quando passou do Ministério do Planejamento para a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, chefiada pelo ministro Roberto Mangabeira Unger. É o que mostra o levantamento feito pela repórter Julia Duailibi do currículo dos aprovados no concurso, publicado há dias pelo Estado.

A "padronização ideológica" do Ipea vem sendo denunciada pelos pesquisadores independentes e pela imprensa desde abril de 2007, quando a instituição passou para a Secretaria criada especificamente para abrigar, no governo do PT, o polêmico filósofo Mangabeira Unger, que pouco antes chegara a pedir o impeachment do presidente da República.

Ela se intensificou com a nomeação, em agosto daquele ano, do economista Márcio Pochmann para a presidência da instituição. Uma das primeiras decisões da nova diretoria foi suspender a publicação da Carta de Conjuntura, que publicava análises isentas dos problemas conjunturais baseadas em dados do conhecimento geral, pois esse tipo de análise poderia criar constrangimentos para o governo, visto que, naquele momento, havia pressões inflacionárias fortes. Em seguida, a diretoria determinou o afastamento de quatro dos mais respeitados pesquisadores, mas críticos da política do PT.

Reconhecido até há pouco como um dos mais importantes centros de discussão e de formulação de políticas públicas e respeitado pela diversidade de pensamento de seus pesquisadores e pelos trabalhos que publicou desde sua criação em 1964, o Ipea foi transformado num centro de legitimação das políticas do grupo mais estatizante do PT. Para isso, sua diretoria vem reduzindo o espaço para a divulgação do trabalho dos pesquisadores que discordam da visão desse grupo petista.

No início, o governo Lula respeitou o Ipea. No primeiro concurso na gestão do governo Lula para a contratação de pesquisadores - realizado em 2004, quando o Ipea era presidido por Glauco Arbix -, por exemplo, dos 44 aprovados, 26 tinham pós-graduação em economia. Dez candidatos eram pós-graduados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela PUC-RJ, instituições criticadas por boa parte dos economistas de linha "desenvolvimentista" do PT - entre os quais Pochmann -, que as considera neoliberais e responsáveis pela formulação das principais políticas do governo Fernando Henrique Cardoso. Apenas um era pós-graduado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da qual o atual presidente é professor e na qual fez seu doutorado.

No concurso mais recente, dos 62 aprovados, apenas 21 têm pós-graduação em economia. Dos pós-graduados em economia, não há nenhum da FGV e apenas um da PUC-RJ, mas nada menos do que 10 são originários da Unicamp. Considerados todos os pós-graduados aprovados (as áreas de conhecimentos vão da economia à ciência política e à química), a Unicamp volta a predominar, com 12 candidatos, seguida pela Universidade de São Paulo (com 8) e universidades estrangeiras (com 7). A diferença em relação ao concurso anterior é notável.

O lançamento do concurso, em setembro, foi motivo de muitas críticas, inclusive de pesquisadores do Ipea, pois os critérios então apresentados indicavam a busca de "padronização ideológica", o que os resultados finais parecem confirmar. Para, como alegou a direção na época, "mudar o perfil" dos pesquisadores, o Ipea criou sete áreas de especialização.

A prova - elaborada pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos, ligado à Fundação Universidade de Brasília e que se encontra sob fiscalização e auditoria do Ministério Público Federal e da Controladoria-Geral da União - tinha perguntas sobre comércio legal de veneno de cobra e sobre cavalos marinhos, na especialidade de sustentabilidade ambiental. No geral, foi considerada de nível baixo, sem a exigência de nenhum conhecimento aprofundado, de acordo com o professor de economia da PUC-RJ Joaquim Guilhoto. Na sua opinião, "foi uma prova muito rasteira".

Aliados esperam definição de Lula

Cristiane Jungblut e Isabel Braga
DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. O PMDB espera fechar hoje, diretamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a estratégia para a CPI da Petrobras, em especial as escolhas de presidente e de relator. Os demais partidos aliados e os da oposição aguardam o posicionamento de Lula para definir os próximos movimentos e fechar a lista de indicados à comissão parlamentar, o que deve ocorrer em reuniões na terça-feira. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), disse ontem que anunciará os nomes peemedebistas amanhã e que sempre costuma "conversar com o presidente".

Segundo interlocutores, Lula quer resolver o assunto ainda hoje, antes de embarcar para uma viagem à Bahia. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), deverá participar do encontro.

Renan quer diálogo direto com o Planalto devido aos desentendimentos com o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Na semana passada, Renan avisou que não aceita Mercadante em qualquer um dos postos da CPI.

As negociações estão rumando, segundo peemedebistas, para a indicação do senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA) à presidência e de Jucá à relatoria da CPI - o que tem pleno acordo do governo. O senador Delcídio Amaral (PT-MS) tem trânsito no PMDB, mas o Palácio não gosta da opção por considerá-lo muito autônomo. Lula terá que resolver se enquadra ou não o PT.

O PMDB avalia que ACM Júnior é moderado e sua escolha acalmaria a oposição, atendendo ao discurso de que é praxe no Senado a divisão de comandos em CPIs. Também teria o aval do PSDB, embora publicamente os tucanos defendam o nome de Álvaro Dias (PR), autor do requerimento da CPI.

- Se o DEM conseguir a presidência, os outros dois titulares serão do PSDB - afirmou o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN).

- CPI cria instabilidade. Mas, estando criada, temos que administrá-la e produzir resultados com equilíbrio - disse o senador aliado Renato Casagrande (PSB-ES).

O PMDB vai reivindicar ainda a definição de um critério comum com o PT para a formação dos palanques regionais em 2010, a fim de evitar disputas, que afetariam a candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

- Sem essa definição, a aliança corre risco de entrar em colapso - diz o líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

Rampa abaixo

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


"Dizer que é constitucional o terceiro mandato é dizer que o quarto também é.” (Carlos Ayres Britto – presidente do TSE)

Quando fala grosso contra a CPI da Petrobras prestes a ser instalada no Senado, exagera nos seus improváveis efeitos devastadores sobre a saúde da empresa e quase chega a acenar com o fim do mundo, o governo procura atingir dois alvos: o PSDB, pai da CPI, e o PMDB. Por mais que negue, ele teme, sim, a abertura da caixa-preta da Petrobras.

A retórica governamental destina-se em primeiro lugar a amedrontar o PSDB, acusando-o de pretender desde já o enfraquecimento da Petrobras para privatizá-la depois caso um dos seus se eleja em presidente em 2010.

Independente do resultado da CPI, é uma mentira bem urdida a ser explorada na campanha eleitoral que se avizinha.

Quanto ao PMDB, o governo imagina adverti-lo de uma vez por todas: nem pense em extrair vantagens do fato de ser indispensável para que a CPI naufrague. Não lhe darei nada em troca. Diretoria do pré-sal? Loucura! Esqueça! O que você possui é o bastante. Limite-se daqui para frente a cumprir com o seu dever.

Quem conhece bem os dois partidos sabe que a jogada do governo dará resultado com o PSDB, um partido com fama de medroso. Com o PMDB, não. O PMDB é um partido acostumado a apanhar e a seguir em frente. Não se impressiona com arreganhos. Às vezes, até lucra com eles. Há 11 vagas na CPI. A maioria é do PMDB.

É inescapável: quanto mais se aproxima o fim do governo, mais aumenta o poder de barganha dos seus aliados. Uma coisa é conservar nas alturas a popularidade – isso Lula conserva. Outra é manter intacta a força política que deriva do cargo e do desempenho do seu ocupante – nem São Lula será capaz de tal milagre.

Sob esse aspecto, o calendário é perverso com os poderosos que têm data marcada para ceder o lugar. É bom que seja assim para a saúde da democracia. O calendário importa menos para aspirantes a ditadores como Hugo Chávez, da Venezuela. Para monarcas e ditadores, ele simplesmente não importa.

Lula só pode inventar a candidatura da ministra Dilma Rousseff porque começou a trabalhar o nome dela há mais de um ano e com rara energia. O tempo foi suficiente. Brecou dentro do PT qualquer tentativa de se cogitar de outros aspirantes a candidato. Atraiu o PMDB. Mas a verdade é que Lula tinha mais poder do que tem agora.

Seria incapaz de repetir a proeza se fosse obrigado a procurar um substituto para Dilma. O PSB, por exemplo, irá com Dilma, apesar de ter um candidato que é vice-líder nas pesquisas de intenção de voto – o deputado Ciro Gomes. Ocorre que o PSB receia a natureza estabanada de Ciro. Acha que terá mais a lucrar na companhia de Dilma.

Se Dilma por força da doença fosse obrigada a sair de cena, seria inevitável que a candidatura de Ciro ganhasse novo fôlego. Até aqui, o único compromisso firmado pelo PMDB com o governo é o de apoia-lo. Apoio a Dilma? Bem, depende de suas chances de vitória. E do que ela em troca oferecer ao partido.

Na hipótese de outro nome do PT vir a ser inventado às pressas para disputar a eleição presidencial, crescerá no PMDB a tendência de apoiar o candidato do PSDB a presidente – seja ele José Serra, como parece mais provável, ou Aécio Neves.

Lula não será duas vezes o senhor de cutelo da escolha do candidato oficial. Se depender do PMDB, não será.

Lula sabe disso. E sabe mais: para a candidatura Dilma, nem o câncer é mais letal do que a ideia golpista de mudar a Constituição de modo a que ele possa concorrer a um terceiro mandato consecutivo. É por tal motivo que Lula tem repetido à exaustão que no dia 1º de janeiro de 2011 sairá do Palácio do Planalto direto para casa.

Infelizmente para Lula, a contagem regressiva para o desfecho do seu atual mandato coincide com a crise da economia mundial, a doença de Dilma, a CPI da Petrobras e um Plano de Aceleração do Crescimento quase empacado. Por mais que ainda possa muito, o cara não pode tudo. E daqui para frente poderá cada vez menos.

Lula rechaça pressão do PMDB e descarta ''plano B'' para 2010

Vera Rosa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A Múcio, presidente diz que não articulará alternativa a Dilma nem admitirá faca no pescoço

O governo não vai aumentar o espaço do PMDB na diretoria da Petrobrás em troca de maior empenho do partido na CPI que investiga a estatal nem articulará um "plano B" para substituir a candidatura da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao Palácio do Planalto, em 2010. Aborrecido com a onda de boatos que tomou conta de Brasília nessas duas frentes, enquanto estava em viagem internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou ontem à noite com o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, e disse que não admitirá "faca no pescoço".

Além da pressão do PMDB por cargos, a maior dificuldade do Planalto, no momento, está em segurar o conflito na base aliada, que não se entende nem mesmo sobre quem indicar para o comando da CPI. É péssima a relação no Senado entre os líderes do PT, Aloizio Mercadante (SP), e do PMDB, Renan Calheiros (AL), e até agora o governo não conseguiu chegar a um acordo sobre estratégias de atuação para se defender do bombardeio adversário.

"O presidente Lula terá de entrar em campo, caso contrário essa situação não se resolve", admitiu Múcio, que chegou à tarde a Brasília, vindo de Recife, para a audiência com Lula, no Palácio da Alvorada. "Em primeiro lugar, precisamos solucionar os problemas de composição da CPI, mas tenho confiança de que, a partir daí, os obstáculos serão superados."

Renan indicou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), para a relatoria da CPI e quer ceder a presidência para a oposição, nomeando Antonio Carlos Magalhães Jr. (DEM-BA). Na prática, o senador alagoano faz de tudo para impedir Mercadante de comandar a CPI e o impasse persiste porque os petistas resistem a entregar a vaga para ACM Jr. Foi justamente esse cenário turbulento que Múcio levou para Lula, na noite de ontem.

O presidente também conversou no fim de semana com Dilma, que, após levar um susto nos últimos dias por causa de forte dor nas pernas, passa bem do tratamento quimioterápico para combater um câncer no sistema linfático. Bem disposta, ela fez caminhada de 15 minutos, na manhã de ontem, perto de sua casa, na Península dos Ministros, acompanhada da tia Arilda e do labrador Nego.

Em diálogos reservados, Dilma disse não acreditar que o PMDB leve a Lula a reivindicação de mais cargos na Petrobrás. Não é só: duvida que o partido peça ao presidente uma alternativa à candidatura dela. Nos bastidores, porém, há movimentos nessas duas direções e uma fatia do PMDB trabalha para obter a estratégica Diretoria de Exploração e Produção da Petrobrás, ocupada desde 2003 pelo geólogo Guilherme Estrella. É essa diretoria que cuida das gigantescas reservas na camada do pré-sal.

Publicamente, Renan nega que o PMDB queira a cadeira de Estrella e diz não haver chantagem contra o governo. "Isso é intriga para denegrir nossa imagem", afirmou. "O PMDB não precisa de espaço nem como ascensorista no elevador do governo Lula", ironizou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

O deputado repetiu, no entanto, que o partido pedirá a interferência de Lula para pacificar as disputas entre o PT e o PMDB nos Estados. "As divergências para a montagem dos palanques aos governos dificultam a aliança em torno de Dilma", insistiu Alves. "Há vários PTs em ação e queremos a ajuda do presidente para impedir que a ala do PMDB favorável à candidatura do governador José Serra ganhe espaço."

Base se dispersa e governo perde controle da pauta

Denise Madueño, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na CPI da Petrobrás, Planalto caminha para ser apenas passageiro, sem nenhum comando dos trabalhos

A 15 meses das eleições, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta reanimar a campanha de sua candidata ao mesmo tempo em que enfrenta a desagregação de sua base de sustentação. Ao lançar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a sua sucessão, o presidente, automaticamente, começou a apressar o fim de seu próprio mandato. Como resultado, a base se sente órfã tentando se firmar entre um governo que caminha para o fim e uma candidatura fragilizada com a doença da ministra Dilma.

Para agravar o cenário, o governo tem ficado sem condições de enfrentar o PMDB, depois que o partido foi elevado pelo presidente à condição de aliado fundamental para o projeto de eleger Dilma em 2010. Em consequência, o PMDB tomou conta de todas as relatorias importantes na Câmara, faz pressões explícitas por cargos e por liberações de recursos. Ao mesmo tempo, os superpoderes dos peemedebistas interferem na relação com os outros partidos da base, revelando um quadro precário de apoio ao governo no Congresso.

Essa dispersão tem ficado visível nas votações e na ocupação de espaços tanto na Câmara quanto no Senado. Na CPI da Petrobrás, criada no Senado, o governo caminha para ser apenas passageiro, sem nenhum comando dos trabalhos. O relator poderá ser o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), mas, o que pode parecer uma segurança, se torna uma dificuldade a mais para Lula. O PMDB de Jucá pressiona pela mudança de diretores da Petrobrás para emplacar seus apadrinhados em troca de abrandar as investigações na comissão de inquérito. A presidência da CPI poderá ficar nas mãos de um senador da oposição.

Na Câmara, um exemplo ostensivo da dispersão da base foi a votação da medida provisória que criou o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Enquanto o líder do governo na Câmara, o petista Henrique Fontana (RS), pedia votos contra uma emenda que estendia o programa para a aquisição de lotes, o deputado petista Geraldo Magela (DF) discursava a favor da medida.

O relator da MP foi o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), assim como foi do PMDB a relatoria da medida provisória que renegociou dívidas com a União (o chamado novo Refis), o deputado Tadeu Filippelli (DF), e o da MP que legalizou terras ocupadas na Amazônia, Asdrúbal Bentes (PA). Nas palavras de aliados, "houve mudança de síndico do condomínio". Saiu o PT, entrou o PMDB.

Outra dificuldade está nas sessões conjuntas do Congresso, quando são examinados os vetos presidenciais. Para evitar derrota para Lula, alguns itens são retirados da pauta. Na última sessão, saiu o veto à proposta que fixa reajuste igual ao concedido ao salário mínimo de todas as aposentadorias. Caso seja rejeitado o veto, as aposentadorias serão corrigidas pelo índice do mínimo, o que, para o governo, inviabilizaria a Previdência Social.

Ampla, geral e irrestrita

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Painel

Prima da especulação em torno do terceiro mandato presidencial, a conversa sobre a possibilidade de prorrogar todos os mandatos por dois anos é hoje mais ouvida no Congresso do que sua parente.

Seus defensores, dos mais diferentes partidos e nem de longe restritos ao baixo clero, têm repetido um número mágico, calculado ninguém sabe como: fazer coincidir todas as eleições em 2012 levaria o país a "economizar R$ 10 bilhões".

Não é ideia fácil de concretizar, mas, diferentemente do terceiro mandato, que resolveria apenas a vida de Lula, a prorrogação viria a calhar para muita gente, no governo e na oposição, que teme encarar as urnas no ano que vem.

Na pauta, reforma política e CPI

DEU NA GAZETA MERCANTIL

A reforma política e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras devem agitar a semana no Congresso. A Câmara e o Senado ensaiam avanços sobre os dois temas, respectivamente. Outro fato da semana que deverá colocar mais lenha na fogueira dos boatos acerca de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o encontro dele, amanhã, em Salvador (Bahia), com o colega venezuelano, Hugo Chávez.

O objetivo da reunião é avaliar as perspectivas para a próxima reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o novo momento do diálogo entre os Estados Unidos e a América Latina.

A economia também está na pauta dos trabalhos legislativos. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, prestará contas dos objetivos e metas da política monetária e da política creditícia; o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, falarão aos congressistas sobre crise econômica e medidas adotadas para amenizar os seus efeitos.

Amanhã, na Câmara, os deputados agendaram a votação de dois projetos do âmbito da reforma política a partir da apresentação ao plenário de requerimentos de urgência para apreciação das propostas de adoção das listas fechadas nas eleições proporcionais e do financiamento público de campanha. Os temas estão vinculados, segundo informa a Santa Fé Ideias, consultoria política.

"As listas fechadas ou pré-ordenadas, por meio das quais o eleitor vota em partidos, foram derrotadas na própria Câmara em 2007. A mudança conta com o apoio, expresso pelos líderes de bancada, de PMDB, PT, DEM, PSDB, PPS e PC-doB. Na outra ponta estão PR, PP, PSB e PTB", afirmam os analistas da Santa Fé Ideias. Segundo eles, as dificuldades continuam grandes. "Mudanças nas normas eleitorais acabam sendo vistas, equivocadamente, como questões de cunho pessoal. O resto é conseqüência."

O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), quer vincular os dois projetos. Ele considera que o financiamento exclusivamente público de campanha deveria vigorar já em 2010. Ainda de acordo com a Santa Fé Ideias, dificilmente a norma estaria definida até inicio de outubro - um ano antes, como diz a Constituição - para valer nas próximas eleições, uma vez que ainda teria de ser aprovada no Senado e, em algum nível, regulamentada.

O Senado tentará instalar nesta semana a CPI da Petrobras. Os problemas começam na base aliada - com direito à maioria -, que aguarda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornar do exterior para decidir com quem ficarão os principais cargos - de presidente e relator. PMDB e PT não se entendem e os líderes Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aloizio Mercadante (PT-SP) sequer se falam, segundo a Santa Fé Ideias. Um dos motivos é o rompimento vem do afastamento de Calheiros da Presidência do Senado, em 2007.

Com direito a três cadeiras na CPI, a oposição (DEM e PSDB) pode ocupar a presidência do colegiado - o nome cogitado é o do senador Antonio Carlos Júnior (DEM-BA). Renan deve apresentar os nomes dos três titular e dois suplentes para a comissão criada para investigar irregularidades na estatal. Somente após a indicação peemedebista a oposição nomeará seus representantes - três titulares e dois suplentes.

A composição da CPI será tema também da conversa que Lula terá hoje ou amanhã com a cúpula do PMDB.

Oposição deve investir no pós-Lula

Liliana Lavoratti
São Paulo
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Para cientista, governo esvaziou discurso dos adversários. Base apostará no continuísmo

As últimas semanas têm sido marcadas pela intensificação do debate em torno das candidaturas presidenciais. Há tempos se sabe que é uma disputa entre PT e PSDB, e que a hipótese de um terceiro nome vencer a eleição do ano que vem existe, mas é remota. O anúncio da doença da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e as movimentações em torno dos nomes dos tucanos Aécio Neves e José Serra – governadores de Minas e São Paulo, respectivamente – até com a notícia, depois desmentida, de um acordo entre ambos, movimentaram e têm precipitado cada vez mais as articulações em torno do pleito do próximo ano.

Fora as especulações em torno de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que já negou a pretensão – a discussão, pelo menos até agora, girou em torno de nomes e de suas viabilidades eleitorais.

– Propostas de governo, até aqui, praticamente inexistem. É natural que inexistam faltando ainda mais de um ano para a eleição, mas há exatos quatro anos ocorria o mesmo e em 2006, no embate entre Lula e Alckmin, situação e oposição apresentaram ao eleitorado dois programas de governo que eram um apanhado de generalidades – afirma Wagner Iglecias, doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP).

Não está descartado que no próximo ano isso se repita.

– Os governistas falam numa genérica continuidade do projeto levado a cabo durante os dois mandatos de Lula. De parte da oposição, até o momento, só mesmo a vaga idéia do ‘pós-Lula’, levantada há algum tempo por Aécio Neves, e, de vez em quando, uma ou outra crítica comedida de José Serra à política econômica – analisa o acadêmico.

Segundo ele, não há "nada de muito surpreendente" na fala de Aécio em relação ao "pós-Lula".

– Quem vier a ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2011 não deverá ser imprudente a ponto de retirar algumas das conquistas que o atual governo promoveu, sobretudo para as camadas menos favorecidas, assim como Lula não pestanejou em manter alguns dos pilares da política econômica que herdou de FHC – ressalta.

Na avaliação de Iglecias, também não são surpreendentes as esparsas críticas que Serra faz à condução da economia.

– Não é nenhuma novidade que o governador de São Paulo e presidenciável tucano se oponha à política econômica que vem sendo adotada no Brasil nos últimos 15 anos, pelo menos – lembra o professor da USP. (Detalhe: período esse que inclui os dois mandatos de FHC, do mesmo PSDB).

Mas se a bandeira de campanha de 1994, quando FHC elegeu-se, foi a estabilidade da moeda, assim como a de Lula, em 2002 foi o resgate da dívida social brasileira, qual será a grande bandeira eleitoral de 2010? Na opinião de Iglecias, a manutenção das políticas públicas que têm dado certo, pequenas correções de rumo aqui e ali e o apoio de Lula, por certo, constituirão o discurso do candidato ou da candidatura da base.

– Já pelo lado da oposição, o que virá? É dela que se deve esperar novas ideias para o país. Afinal, vivemos nos anos recentes a pax lulista, com bons índices de crescimento econômico, incorporação de vastas parcelas da população mais pobre aos circuitos de consumo, (auto)enfraquecimento do Legislativo e relativa docilidade dos movimentos sociais. Mas as ambições do País devem parar por ai?.

Segundo Iglecias, uma questão é o que a oposição precisará apresentar ao eleitorado para convencê-lo de que pode governar melhor do que Lula tem feito.

– Apostará na crítica de cunho moral e no denuncismo do mau uso da coisa pública, como fez durante a crise do mensalão em 2005 e na campanha presidencial de 2006? Apresentará uma visão alternativa do papel do Estado, distinta desta espécie de neodesenvolvimentismo levado a cabo por Lula, e reconhecerá que aposta mais nas forças de mercado e num Estado menos interventor e mais regulador, novas privatizações ai incluídas, eventualmente? Dirá que, ao contrário de Lula e do petismo, não nutre muita simpatia pelos governos de esquerda e/ou populistas de alguns dos nossos vizinhos da América do Sul? – questiona

Iglecias acredita que quem conduzir a grande bandeira de 2010 e estabelecer os termos do debate deverá ter mais chances de vencer. Foi assim inclusive em 1998 e 2006, quando FHC e Lula.

– Dilma, se candidata, deverá propor a continuidade. Aécio ou Serra terão de propor mudanças. Talvez 2010 seja uma eleição pobre em termos de propostas.

PESQUISA GPP NO ESTADO DO RIO! 2 MIL ELEITORES - 16/05-17/05!

DEU NO EX- BLOG DO CESAR MAIS

-Realizada no auge da campanha publicitária do governo do Estado na TV

1. - GOVERNADOR:

Sergio Cabral 31% - Gabeira 23% - Garotinho 15% - Lindbergh 7%.

NA CAPITAL: Gabeira 35%. Cabral 27%. Garotinho 7%. Lindbergh 6%.

NITERÓI/SG/IT: Cabral 28%. Gabeira 27%. Garotinho 15%. Lindbergh 4%.

BAIXADA: Cabral 31%. Garotinho 22%. Gabeira 13%. Lindbergh 14%.

INTERIOR: Cabral 38%. Garotinho 22%. Gabeira 12%. Lindbergh 5%.


2. - PRESIDENTE:

José Serra 31%. Ciro Gomes 18%. Heloisa Helena 13%. Dilma Rousseff 10%.

NA CAPITAL: Serra 25%. Ciro 19%. H. Helena 15%. Dilma 12%.

NITERÓI/SG/IT: Serra 31%. Ciro 16%. H. Helena 15%. Dilma 10%.

BAIXADA: Serra 31%. Ciro 18%. H. Helena 11%. Dilma 8%.

INTERIOR: Serra 41%. Ciro 19%. H. Helena 9%. Dilma 11%.

Ofensiva em favor do troca-troca partidário

Da Redação
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Detentor da maior bancada da Câmara, o PMDB comandará nesta semana uma operação para garantir a aprovação de projeto que incentiva a infidelidade partidária. A ideia é votar um requerimento que pede tramitação em regime de urgência de proposta apresentada, na semana passada, pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O texto prevê que um político tem de estar filiado a uma sigla até março de 2010 para concorrer nas próximas eleições, e não mais até setembro deste ano, como determina a legislação em vigor.

A redução do prazo pela metade foi sugerida porque, com a nova regra, serão menores as chances de um parlamentar infiel ser condenado à perda de mandato pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antes de ser empossado numa nova função ou reconduzido ao posto, caso seja reeleito. O PMDB aposta na iniciativa para engordar a própria bancada, uma vez que, segundo estimativas informais, cerca de 80 deputados estariam dispostos a mudar de legenda. Além disso, a aprovação do projeto abriria a possibilidade de o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), concorrer ao Palácio do Planalto pelos peemedebistas.

Isso ocorreria se Aécio perdesse a prévia do PSDB para o governador de São Paulo, José Serra, e rumasse para o PMDB. Segundo o governador mineiro, não há chance de que isso ocorra, mesmo em caso de derrota.

Reforma Nesta semana, o presidente da Câmara, Michel Temer (SP), também tentará dar seguimento à tramitação da reforma política. Líderes apostam que as propostas de voto em lista fechada e de financiamento público de campanha não serão aprovadas. Há mais pessimismo com relação ao primeiro ponto, já que siglas de médio porte, como PSB, PTB, PR e PP, são contra ele.

“Se quisermos manter a base aliada unida nas eleições presidenciais de 2010, não podemos insistir na lista fechada”, disse o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Pelo mecanismo, o eleitor vota nas legendas, e não em pessoas, como ocorre hoje. Essa norma implicaria vantagem competitiva às grandes siglas, como PT, PMDB e PSDB, mais conhecidas.

A agonia de Simon no PMDB

Flávia Foreque
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Ao contrário de líderes do partido, senador defende o lançamento de uma candidatura própria à Presidência. Ciente de que a tese ainda tem pouca adesão, aposta que a sigla apoiará quem pagar mais pela aliança

Peemedebista histórico, o senador Pedro Simon (RS) se acostumou a remar contra a maioria de seus colegas de partido nos últimos anos. Nos debates sobre a eleição presidencial de 2010, não é diferente. Enquanto líderes da legenda na Câmara e no Senado negociam uma aliança nacional com o PT e, ao mesmo tempo, flertam com o PSDB, o experiente parlamentar gaúcho defende o lançamento de uma candidatura própria dos peemedebistas. Diz que há um movimento silencioso na sigla nesse sentido. E aponta os nomes mais talhados no partido para entrar no páreo: o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e do Paraná, Roberto Requião.

Embora reconheça que a tese dominante no PMDB seja o apoio à candidata ungida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, Simon afirma que o cenário ainda está bastante indefinido. Em tom de provocação, lembra que nada impede o PMDB de, no próximo ano, fechar acordo com um tucano, seja ele o governador de São Paulo, José Serra, ou o de Minas Gerais, Aécio Neves. Tudo dependerá de quem terá mais chances de vitória na eleição. E de quem “dá mais”, acrescenta Simon, um crítico das práticas fisiológicas que caracterizam a sua legenda.

A ofensiva do senador por uma candidatura própria do PMDB também é uma crítica aos correligionários mais próximos do Planalto. “O problema é que tem muito peemedebista que é PMDB da boca para fora, mas no fundo é PT. Tem muitos que, no que tange à Presidência do Senado e da República, acham que temos a obrigação de apoiar o PT”, critica. No sábado, um dia antes de conversar com o Correio, Simon apoiou o lançamento de uma candidatura própria peemedebista ao governo gaúcho. Assim, reforçou o coro dos correligionários que pretendem disputar o comando do Rio Grande do Sul com o PT.

'Terceiro mandato desvirtua democracia'

Marcos de Moura e Souza, de São Paulo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em matéria de lei eleitoral, a Colômbia deve seguir os passos dos EUA e do Brasil e evitar o modelo que vem sendo adotado pelos governos da Venezuela, Equador e Bolívia. A afirmação é do presidente da Câmara dos Representantes (deputados) da Colômbia, Germán Varón Cotrino, um crítico contundente da instituição em seu país de uma regra que permitirá ao presidente, Alvaro Uribe, disputar um terceiro mandato.

Aprovado na semana passada pelo Senado, o texto, que prevê a realização de um referendo sobre o tema, precisa agora ser unificado com outro que a Câmara já tinha aprovado. Depois, segue para a Corte Constitucional. Se passar pela Corte - o que os governistas dão como certo -, o referendo deve ser convocado ainda este ano. Os colombianos votam em 2010. E Uribe, que já alterou a legislação para disputar sua primeira reeleição em 2006, é favoritíssimo.

"Eu o apoiei na primeira reeleição, mas creio que a permanência no poder começa a se desvirtuar daquilo que é um sistema democrático, onde há pesos e contra-pesos. A institucionalidade pode sair perdendo. Me parece que Uribe conseguiu um lugar privilegiado na história do país, devolveu ao país a confiança, fez uma excelente gestão, mas me parece também que não pode ficar se mantendo no poder porque vai se desvirtuar muita de sua vocação democrática", disse Cotrino, na sexta-feira ao Valor, por telefone.

Segundo o deputado, seu partido, o Cambio Radical, está dividido. Metade fecha com os governistas que querem dar ao conservador Uribe a chance de seguir no poder. Metade é contra o referendo e vota com o governo em alguns casos.

"Dois mandatos são suficientes. Assim estabeleceu a Constituição dos EUA. O presidente do Brasil já está no segundo mandato e já manifestou sua intenção de não voltar a se candidatar", compara. "A mim me parece que aqui deve acontecer o mesmo. Não podemos entrar no que está ocorrendo na América Latina em países como Venezuela, Equador e Bolívia [países que mudaram as regras para a reeleição] onde vamos terminar com uma reeleição indefinida e com políticas que são muito perigosas para a institucionalidade." E acrescenta: "Uma vez que se deixa aberta a porta para mudar a Constituição para dois ou três mandatos por que um novo presidente não poderia abri-la para poder permanecer de maneira indefinida?"

A discussão sobre um terceiro mandato se arrasta há tempos na Colômbia. Uribe nunca disse categoricamente não nem sim. Depois da aprovação pelo Senado, ele afirmou que mais um mandato seria "inconveniente" porque "o país tem muitos bons líderes" e por que não queria ser visto como alguém com apego ao poder. Mas horas mais tarde, mudou o tom. Disse que se preocupa com o que pode acontecer com as políticas de segurança que implementou quado um novo governante assumir. "Tenho responsabilidade com os colombianos", sugerindo que só ele poderia ser capaz de manter políticas que, apesar dos erros e excessos, reduziram o poder de fogo de grupos rebeldes e baixaram os índices de violência.

Segundo uma pesquisa encomendada pela rádio RCN, de Bogotá, 59,1% dos eleitores dizem que votariam novamente em Uribe.

"Como se enfrenta um candidato que administra o Orçamento, que define quem é ministro, a quem dá representação; e que além disso tem uma exposição na mídia maior do que os outros candidatos?", pergunta Cotrino.

Por sua oposição ao referendo e ao terceiro mandato, a bancada governista acusa o presidente a Câmara de faltar com espírito de imparcialidade. Analistas especulam que a oposição -- com o suposto beneplácito de Cotrino -- poderá tentar ""melar"" o referendo retardando os debates na comissão mista que tentará unificar o texto da Câmara e o do Senado. É que o texto unificado precisa ser submetido à Corte Constitucional e sancionado pelo presidente. Tudo até novembro, prazo para a convocação do referendo e para que Uribe se decida. Mas hoje a oposição teria mesmo o poder de evitar que Uribe continue governando até 2015? "Não creio", diz Cotrino. Se ele estiver certo, a reeleição na Colômbia parece sacramentada.

Obama, comandante em chefe

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em janeiro, nas operações militares de Israel na faixa de Gaza, causou indignação ver o exército israelense menosprezar a segurança e a vida de civis, e mesmo de crianças, supostamente usados como escudos pelos terroristas do Hamas. Alguns dias atrás, foi o secretário de Defesa do governo Obama, Robert Gates, a recorrer de público à mesma alegação - uso de civis como escudo por terroristas - diante da notícia de várias dezenas de vítimas civis, incluindo muitas mulheres e crianças, causadas pelo bombardeio de aviões americanos em vilarejos afegãos. O noticiário subsequente, além de mostrar a irrelevância da alegação no episódio (o bombardeio ocorreu depois que os combatentes do Taleban tinham deixado o local, como informam minuciosas reportagens do "New York Times"), registra também manifestações de pesar protocolares, e algo reticentes quanto às responsabilidades envolvidas, por parte da secretária de Estado Hillary Clinton e do próprio presidente. E a mensagem que sobra é a de que, para o governo Obama, trata-se de fato de um incidente sem importância.

O episódio é apenas a irrupção mais dramática do lado "falcão" da complicada busca de equilíbrio em que Obama se acha empenhado como comandante em chefe: ao lado de iniciativas opostas, desde o primeiro momento (com destaque para a ordem do fechamento da prisão de Guantánamo), aos abusos cometidos com Bush em nome da segurança nacional, tivemos, há algum tempo, a adesão às restrições do governo Bush quanto ao direito de prisioneiros no Afeganistão, detidos há muito sem julgamento, de pleitear o processo legal devido junto à Justiça dos EUA; mais recentemente, o recuo quanto à decisão de liberar a divulgação de fotos de abusos cometidos por agentes do governo Bush no tratamento de prisioneiros, bem como quanto à manutenção das comissões militares para processar os detidos, alegadamente pelas "vantagens" que asseguram aos promotores e o aumento das chances de "ganhar condenações"; agora, a notícia de que se examina a detenção preventiva e indefinida em condições claramente deficientes do ponto de vista jurídico... Nas idas e vindas, Obama vem se expondo tanto à crítica da direita (mais vocal e insistentemente do ex-vice-presidente Dick Cheney), quanto à crítica e à resistência, ao que parece crescentes, de seus apoiadores "liberais" ou progressistas (com cujas lideranças, ou algumas delas, se reuniu "privadamente" na Casa Branca na quarta-feira, num clima que os vazamentos à imprensa caracterizam como constrangedor).

O elaborado discurso pronunciado na quinta-feira nos National Archives é notável e mesmo singular como tentativa de reflexão articulada e pública sobre as dificuldades defrontadas, especialmente nas atuais circunstâncias, pelo presidente dos EUA ao lidar com as relações entre segurança e guerra, de um lado, e valores democráticos, de outro. Naturalmente, a reflexão - bem como, a rigor, as próprias dificuldades políticas trazidas pela busca de equilíbrio - só ocorre dadas as singularidades da figura do próprio Obama. É difícil avaliar, porém, se a linha de atuação sugerida no discurso não acabará por surgir como definida por filigranas incapazes de garantir a nitidez necessária ao contraste entre Bush e Obama. Como formulou o deputado Tom Perriello, democrata da Virgínia, "a diferença entre a administração anterior e esta de agora é a diferença entre a noite e a aurora; mas queremos o dia".

Em livro originalmente aparecido em 2003 ("Estado de Exceção", lançado no Brasil em 2004), Giorgio Agamben se inspira em Walter Benjamin para apontar na guerra e no estado de exceção por ela justificado a origem do totalitarismo, a começar do Terceiro Reich, e o paradigma de governo dominante na política contemporânea, mesmo nos Estados "chamados democráticos". O 11 de setembro, como uma espécie de paroxismo do que foi designado como "guerra civil mundial", e as medidas adotadas prontamente pelo governo Bush em resposta (incluindo a "ordem militar" de 13 de novembro de 2001, que autorizava a detenção indefinida e o processo perante as comissões militares), bem como o "Patriot Act" promulgado pela Senado em 26 de outubro, são a referência mais imediata do autor. É provavelmente supérfluo lembrar a "segurança nacional" a propósito de ditaduras como a brasileira do regime de 1964.

Seja qual for a avaliação que mereça uma caracterização ambiciosa ao estilo de Agamben, os Estados Unidos, com suas singularidades e excepcionalismos, trazem por si só lições importantes. O fato objetivo da força econômica que o país logo evidencia o arrasta desde cedo para conflitos variados, e sua condição de potência econômica destacada se acopla há tempos com o poderio militar jamais visto. Não há como negar, porém, que isso resulta ou se associa com uma cultura militarista ou truculenta, da qual uma face peculiar surge no substrato sociopolítico do poderoso "gun lobby", que o noticiário dos últimos dias também mostra tirando proveito das iniciativas e dificuldades de Obama.

De todo modo, esse pano de fundo, compondo com o impacto do 11 de setembro, ajuda a explicar alguns aspectos salientes do quadro problemático de um presidente Obama como comandante em chefe (de passagem, em que outro país se fala tanto de comandante em chefe a propósito das responsabilidades do governante máximo?). De um lado, o fato de que, como candidato, mesmo um sofisticado e democrático Obama não possa escapar de tratar de moldar sua própria imagem pública de guerreiro decidido, e que haja logo na posse uma "guerra de Obama" a ser vencida. De outro lado, o risco, que também a campanha já evidenciava, de a própria sofisticação acabar por ser vendida com êxito pela oposição, nos comerciais de trinta segundos de que falou o presidente em seu discurso, como "fraqueza diante do terror".

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Por que não limitar a entrada de capitais?

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Porque essa política vai contra os princípios fundamentalistas neoliberais aprendidos pelos economistas nas suas escolas

NA SEMANA passada, minha mulher, que não é economista, mas psicanalista, vendo o real voltar a se valorizar, disse-me que esse vaivém era muito ruim e, usando seu bom senso, perguntou por que não se limitavam a entrada e a saída de capitais. Não se limita a entrada de capitais, respondi-lhe, porque essa política vai contra os princípios fundamentalistas neoliberais aprendidos pelos economistas nas suas escolas e porque não interessa aos países ricos que os países em desenvolvimento tenham taxas de câmbio competitivas.

Já quanto à saída de capitais, a história é outra: não se deve limitá-las porque isso é sinal de fragilidade financeira do país, sinal de que ele não controlou seu déficit público e aceitou o "bom" conselho de "crescer com poupança externa", deixando, assim, que o país fosse inundado de dólares, euros e ienes.

A taxa de câmbio é o preço que, se os mercados funcionassem como seus fundamentalistas supõem, flutuaria mantendo-se razoavelmente estável e garantindo o equilíbrio da conta corrente do país. Entretanto, como esse excelente coordenador da economia que é o mercado não é capaz de realizar essa tarefa específica, a flutuação da taxa de câmbio nos países em desenvolvimento tem um viés para o lado da apreciação que, não sendo corrigido pelo governo, termina em crise de balanço de pagamentos. As causas dessa tendência são estruturais, associadas à doença holandesa e à maior rentabilidade dos investimentos, às quais se somam as políticas da ortodoxia convencional de crescimento com poupança externa, âncora cambial e taxas de juros elevadas.

Dada a existência dessa volatilidade e, principalmente, dessa tendência à sobreapreciação, os países em desenvolvimento bem-sucedidos administram sua taxa de câmbio evitando que a sobreapreciação ocorra. No passado, faziam isso com o regime de câmbio fixo, mas aos poucos ficou claro que era melhor deixar a moeda nacional flutuar no mercado e, ao mesmo tempo, administrá-la.

Essa era a prática recomendada por Keynes; é o que o bom senso determina. A ortodoxia neoliberal, porém, chama essa prática de "flutuação suja", insiste em que o mercado é bom coordenador do câmbio, apesar de todas as evidências em contrário, e, novamente contra toda evidência, afirma que é impossível administrar o câmbio e, finalmente, condena às chamas do inferno quem defender o controle de entradas quando os influxos de capital forem muito grandes; só economistas "populistas" poderiam fazer isso.

O problema não é apenas ideológico. Interessa aos operadores financeiros que haja flutuações no câmbio dos países em desenvolvimento porque essa é uma origem de seus ganhos. E principalmente interessa aos países ricos de onde nos vem a "verdade econômica" que a taxa de câmbio nos países em desenvolvimento tenda a ser alta. Dessa forma, sua desvantagem nos mercados internacionais causada por seus salários mais altos é compensada pelo câmbio sobreapreciado nos países em desenvolvimento, principalmente nos países de renda média que são seus grandes concorrentes.

O mal maior que os países em desenvolvimento enfrentam é a fragilidade financeira internacional. Se o país adotar uma política macroeconômica correta, baseada em Orçamento público equilibrado, juros moderados e câmbio competitivo, o país não precisará controlar a entrada de capitais, a não ser em momentos especiais. Se ouvir o fundamentalismo, estará sempre à beira da crise e pedindo ajuda a seus concorrentes mais ricos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Exaltação a Manuel Bandeira

Editorial
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O pernambucano que passa pela Avenida Presidente Wilson, no Rio de Janeiro, tem alguns bons motivos para se orgulhar de sua terra. Quando chega ao número 231, ele se depara com um prédio denominado Palácio Austregésilo de Athayde, um caruaruense famoso que fortaleceu o patrimônio da Academia Brasileira de Letras através de uma administração – como presidente – muito competente. Um dos acessos ao prédio é pela Praça Manuel Bandeira, recifense que conquistou um lugar especialíssimo na história da cultura brasileira. Além de dar nome à praça, ele tem uma bela escultura no local – resultado do trabalho de outro pernambucano presidente da Academia, Marcos Vinicios Vilaça, de Nazaré da Mata – e é nome de galeria no mezanino do Palácio. Uma combinação virtuosa de grandes nomes da cultura brasileira saídos de Pernambuco.

Agora o orgulho pernambucano chega mais uma vez à Festa Literária Internacional de Paraty – de 1º a 5 de julho –, o maior evento do gênero realizado no País, que este ano homenageia Manuel Bandeira. Paraty já homenageou a ucraniana-recifense Clarice Lispector, uma glória literária que passou pelo Grupo Escolar João Barbalho e pelo Ginásio Pernambucano, e o também pernambucano Nelson Rodrigues, que faz parte dos melhores capítulos da dramaturgia brasileira.

Com Bandeira, a Festa Literária faz justíssimo reconhecimento a um dos maiores poetas da língua portuguesa, figura de destaque do modernismo. A homenagem seguramente destacará a universalidade do poeta, mas para o recifense, em particular, ele é mais que isso: sua memória está viva na Rua da União, onde passou parte da infância e que está definitivamente consagrada no belo poema Evocação do Recife: “Recife da minha infância/ A Rua da União onde eu brincava de chicote-queimado/ e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas...”, onde “A gente brincava no meio da rua/Os meninos gritavam:/ Coelho sai! Não sai!”.

No Espaço Pasárgada, na Rua da União, tem abrigo também o orgulho pernambucano, muito além de todas as homenagens que o recifense Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho recebe lá fora. Porque ali tudo parece impregnado de eternidade – como diz a Evocação, com uma homenagem pouco comum à cidade natal: “Recife bom, Recife brasileiro, como a casa de meu avô”.

Por tudo isso o poeta da outrora Rua Ventura, hoje Joaquim Nabuco, e, sobretudo, da Rua da União, é sempre recorrência deste JC e de todos os espaços culturais de Pernambuco. Mas talvez ainda seja muito pouco, se prestamos atenção ao que disse o diretor de programação do Festival de Paraty, Flávio Moura, ao anunciar que Bandeira seria o homenageado: “... sua obra poética precisa ser revalorizada e divulgada”, e “boa parte da vasta produção em prosa permanece à sombra”.

Essa pode ser uma convocação a Pernambuco para exaltar, ainda mais, um dos seus grandes poetas, terra de outros tantos notáveis que é. Exaltação que melhor será feita na preservação da memória, trazida às gerações de hoje, com frequência sujeitas a versos destinados a sobreviver apenas até o próximo pagode ou espetáculo de duplas sertanejas mais em moda.

Em Bandeira nossa juventude pode encontrar bem mais, a começar pelas lições de vida de um poeta dominado pelo então “mal do século”, a tuberculose, ao seu trajeto pela formação de uma história da literatura brasileira, pela conquista de um lugar na Academia Brasileira de Letras até a glória reconhecida em todo o País na denominação, com seu nome, de escolas, praças, bibliotecas. A obra de Bandeira está impregnada de eternidade, como ele se refere à rua de sua infância.

Vitória anunciada de Michael Haneke

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2


Presidente do júri, Isabelle Huppert vestiu-se de branco, cor presente no título do filme do diretor, ao divulgar o ganhador

Podem-se discutir certas idiossincrasias do júri presidido por Isabelle Huppert - como a de haver ignorado o belo filme do cineasta palestino Elia Suleiman, The Time that Remains -, mas de maneira geral e seus companheiros fizeram a coisa certa. O premio de direção para Jacques Audiard, por Un Prophèt; o de melhor atriz para Charlotte Gainsbourg, por Anti-Christ, de Lars Von Trier; e o de melhor ator para Christoph Waltz, por Inglorious Basterds, de Quentin Tarantino, foram impecáveis. Havia, desde o início, a suspeita de que a atriz, à frente do júri, daria a Palma de Ouro para um de seus autores favoritos, o austríaco Michael Haneke, que a dirigira em A Professora de Piano, pelo qual ganhou seu segundo premio de interpretação neste festival (o anterior fora por Violette Nozière, de Claude Chabrol).

Se Isabelle realmente estava empenhada em premiar Michael Haneke, digamos que ela não precisou fazer muito esforço para convencer seus companheiros de júri. Ela até sinalizou sobre a escolha, vestindo-se de branco para a festa de premiação, o que já era um anuncio de que Le Ruban Blanc (Das Weisse Band) levaria a Palma do 62º Festival International du Film. Você não precisa ser hanekiano de carteirinha para aprovar a escolha do júri. Le Ruban Blanc é o melhor filme do diretor austríaco, um trabalho de grande rigor estético (em preto e branco). Haneke joga a carta da beleza para traçar um quadro sombrio da Prússia anterior à 1ª Guerra, por volta de 1913/14. É neste quadro que ele retrata a origem do mal, filmando a infância que, anos mais tarde, na idade madura, haveria de alicerçar o nazismo.

Le Ruban Blanc poderia levar o título de A Aldeia dos Amaldiçoados, se ele já não pertencesse a uma fantasia clássica de terror, realizada por Wolf Rilla por volta de 1960 (e refilmada, sem muito brilho, por John Carpenter). A história passa-se nessa aldeia cuja calma é subvertida por estranhos acontecimentos, envolvendo principalmente as crianças do lugar. Elas sofrem as consequências de um sistema rígido de educação. Com apenas uma exceção, essas crianças foram preparadas para não ter compaixão, e não têm. É como se Haneke tivesse filmado a infância do caçador de nazistas do filme de guerra de Quentin Tarantino, que Christoph Waltz interpreta com brilho diabólico.

Concorrendo pelo segundo ano consecutivo em Cannes - após Serbis, em 2008 -, o filipino Brillante Mendoza recebeu o prêmio de direção por Kinatay, um mergulho assustador na realidade de seu país. O próprio Mendoza admite que o horror da violência de seu filme talvez possa ser encontrado em outras capitais, mas assinala que Manila tem áreas tão sombrias que nem ele se atreve a pisar nesses territórios controlados pela criminalidade. O filme é centrado num episódio brutal - o assassinato (e estripação) de uma prostituta que é viciada em drogas e não saldou sua dívida com um traficante.

Mendoza trabalha o tempo para produzir uma exasperação no espectador. Alain Resnais filma com graça e, durante quase toda a duração de Les Herbes Folles, o espectador fica convencido de que o mestre não precisa de muita coisa para fazer mais um grande filme. O encantamento se desfaz no desfecho insatisfatório e Resnais - cujo clássico Hiroshima, Meu Amor, premiado aqui em Cannes, em 1959, é considerado um dos marcos definidores da nouvelle vague - teve de se contentar com um prêmio de consolação. O Grand Théâtre Lumière levantou-se em peso para aplaudir um gênio do cinema, quando Resnais subiu ao palco para receber o prêmio excepcional do júri.

Isabelle Huppert disse que era um momento ?particular? da premiação. Resnais ironizou. Disse que o prêmio era inesperado e surpreendente, mas agradeceu com elegância e pediu a seus atores que se levantassem na plateia. Sabine Azéma e Michel Dussolier são dois veteranos colaboradores do grande diretor. Sabine chorava de emoção. Resnais já deixara claro que, por ele, não teria vindo a Cannes, mas era um desejo dos produtores, que lhe forneceram os recursos de que necessitava para fazer um dos filmes mais caros de sua carreira e, logicamente, não poderia recusar-lhes esse prazer. A noite foi de Haneke, mas ele também não parecia eufórico. Por melhor que seja Le Ruban Blanc, e é, sempre haverá a suspeita de que Mademoiselle Huppert manipulou para favorecê-lo.

Educar para o mal é tema comum em sua carreira

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Bergmaniano Michael Haneke faz cara de quem não está entendendo. A entrevista com um pequeno grupo de jornalistas realiza-se numa das praias da Croisette. Alguém acaba de dizer que Le Ruban Blanc tem alguma coisa de Ingmar Bergman, talvez pensando no Bergman de O Ovo da Serpente, também sobre a sociedade alemã que alicerçou o nazismo. O filme de Haneke recua um pouco mais no tempo. Situa-se na Prússia, em 1913-14, e trata da investigação levada a cabo pelo professor de uma aldeia. Coisas muito graves estão ocorrendo. As crianças, submetidas a uma educação rígida, estão envolvidas. Bergman? "O filme é hanekiano, e isso basta", diz o mestre.

Le Ruban Blanc marca uma mudança de estilo, mais que de visão de mundo, na obra do autor. Ele nunca fez um filme tão bonito nem tão rigoroso, plasmando na tela suas imagens em suntuoso branco e preto. A pergunta, bem antes da premiação, já era inevitável. Isabelle Huppert, sua cúmplice em A Professora de Piano, vai favorecê-lo, usando sua condição de presidente do júri? "Pergunte para ela", ele responde, e há uma certa irritação, mais do que bom humor, pela insistência com que a pergunta vem sendo formulada. "Isabelle é muito séria e inteligente. Ela só vai fazer campanha por meu filme se gostar de verdade." O filme ganhou a Palma de Ouro. Isabelle, na coletiva do júri, confirmou o que havia dito no início do festival - seus colegas e ela estavam mais dispostos a amar que julgar os filmes. Amaram o de Haneke.

De onde veio a ideia? "Era um assunto que me interessava e que, de alguma forma, atravessa todos os meus filmes, a educação para o mal." Ele admite que leu muitos manuais de educação alemães do final do século 19 e início do século 20 antes de escrever o roteiro. Le Ruban Blanc apresenta imagens perturbadoras, de uma violência mais sugerida do que mostrada. Haneke não se preocupa em ser didático e, menos ainda, conclusivo. O final aberto é sua marca. "Cabe ao espectador refletir sobre o que viu, não a mim direcioná-lo para as respostas."

Criado num ambiente de liberalidade, Haneke agradece aos pais, ambos atores, por o haverem criado com a mente aberta, sem preconceitos. Ele sabe que faz filmes para provocar (e expor problemas quase sempre ligados à tensão social). Le Ruban Blanc quase não tem música, aliás, não tem. A frase do diretor é definitiva: "Admiro demais a música em si mesma para querer usá-la como ferramenta para esconder meus defeitos".

''A violência não é uma finalidade, é um meio''

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Premiado como melhor diretor, filipino Brillante Mendoza inspirou-se em um fato real para rodar Kinatay

Brillante Mendoza faz um cinema que pode definir como difícil. O sexo explícito em Serbis, a violência em Kinatay - o retrato que ele faz das Filipinas coloca na tela um mundo muitas vezes assustador. Mas, no limite, o que impressiona talvez nem sejam os temas, mas a mise-en-scène, essa maneira de usar o tempo para incomodar o espectador.

Mendoza foi recompensado pelo júri por sua direção brilhante. Antes da premiação, ele havia conversado com a reportagem no jardim do Grand Hotel, em plena Croisette.

Não sei o que incomoda mais em seu filme, se as cenas em que a prostituta é decepada ou a viagem de van até o local do crime. Aquilo é tempo real, não?

Comecei no cinema filmando em tempo real e, embora Kinatay se passe num período mais longo, um dia e uma noite, é importante concentrar certos momentos, justamente para provocar a reação do espectador. Você ainda não sabe o que vai acontecer com esses personagens, mas o incômodo já o prepara para alguma coisa fora de série. Isso também é uma reação minha ao cinema e à TV que fazem sucesso em meu país. Nós, filipinos, consumimos muito as séries norte-americanas e as produções de Hollywood. Desenvolvi o meu método narrativo, que vai contra essa tendência. Mas, para chegar a ele, vi muitos filmes dos mestres estrangeiros e filipinos. Espero que o fato de estar em Cannes seja um estímulo para que outros diretores filipinos persigam a ?nossa? maneira de narrar.

E o público, como reage?

Serbis não foi lançado comercialmente. (Na coletiva, ele declarou que espera que o prêmio de direção favoreça ?Kinatay?). O que eu faço é buscar um público alternativo. Exibi Serbis em universidades, para estudantes. Vou fazer a mesma coisa com Kinatay. Encaro como minha responsabilidade, como diretor, a formação de um público mais participante e reflexivo.

Seu filme baseia-se numa história real. Filipinas é um país assim tão violento?

Pesquisava para um filme quando ouvi de um estudante de criminologia essa história que me pareceu tão terrível que não conseguia parar de pensar nela. Pessoas cujos membros foram trucidados, isso acontecia muito nos anos 60, mas ainda ocorre. O rapaz do filme é estudante, como o da minha pesquisa. Ele usa essa camiseta com os dizeres "A integridade, uma vez perdida, não tem retorno". É justamente sobre o que me interessa refletir. A violência não é um fim, é um meio. E não me agrada enfiar o nariz nela. Não tenho nenhum prazer nisso. Se tivesse, minha integridade já teria se esfumado.

Charlotte: coragem e masoquismo são sua matéria-prima

Luiz Carlos Merten, Cannes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /Caderno 2

Filha de artistas transgressores, ela pediu o apoio da mãe nos momentos difíceis da filmagem de Anti-Cristo de Lars von Trier

Numa entrevista realizada no Hotel du Cap, em Cap d''Antibes, Charlotte Gainsbourg contara ao repórter do Estado que foi muito importante o apoio de seu marido, o ator e realizador Yves Attal, durante o processo que resultou no novo filme de Lars Von Trier. Anti-Christ provocou escândalo na 62º edição do festival. O filme sobre um casal que se dilacera após a morte do filho foi anunciado como de horror.

Ele trata do horror das relações, mais do que explora códigos de fantasia de terror, mas tem sexo explícito, bichos falantes, muita violência física. Charlotte confessou que temia a reação do marido à sua exposição, mas Attal gostou do filme. Ontem, ele estava visivelmente emocionado, na plateia, enquanto ela subia ao palco para receber seu prêmio de melhor atriz.

Foi preciso muita coragem para aceitar o papel?

Não sei se coragem é a palavra certa. É sempre preciso certa coragem para se colocar na pele dos outros, expor suas emoções. Queria trabalhar com Lars (Von Trier), mas quando li o roteiro percebi que era um projeto muito complexo, com cenas difíceis, inclusive fisicamente. Sempre tive complexo de minha magreza, de minha ausência de seios. Durante boa parte do filme eu tenho de representar nua. Disse-lhe que temia me sentir desconfortável ou intimidada e Lars me pediu que tivesse confiança nele. Por exemplo, era importante que eu estivesse nua, mas ele me colocou uma camisa em algumas cenas, o que deixa meu corpo à mostra sem realmente expô-lo. Acho, de qualquer maneira, que foi necessário certo masoquismo de minha parte para embarcar nessa viagem. Mas nunca me senti humilhada nem usada.

O que Von Trier lhe dizia sobre as motivações desses personagens?

Lars disse na coletiva que não ia explicar o filme para a imprensa. Com os atores foi a mesma coisa. Até agora não sei porque o filme se chama Anti-Cristo, embora deduza que seja alguma coisa ligada a Nietzsche. Lars nunca me explicou o por quê da violência. Ela não tem um nome. É ''ela''. O marido é ''ele''. Muitas vezes eu tinha de inventar uma motivação para cenas fortes. Lars me apoiava ou não. Ele sabia o filme que queria fazer, mas queria que nós
contribuíssemos com nossa parte.

Você é filha de Serge Gainsbourg e Jane Birkin, um casal de artistas que se pautou pela transgressão. Isso ajuda na hora de fazer um filme desses?

Tenho o maior orgulho e respeito por meus pais e minha mãe me apoiou muito durante a filmagem. Quando sentia que o chão desaparecia sob meus pés, eu lhe telefonava e ela sempre tinha uma palavra para me estimular, um caminho para apontar.

Je t''Aime Moi non Plus, dirigido por Serge e interpretado por Jane, reestreou em São Paulo e sua mãe fez shows muito belos no Brasil.

Não sabia da reestreia, mas sim, ela me falou com entusiasmo dos shows. O Brasil sempre foi uma referência para mim. Que bom! Super! Agora vamos ver como será a reação a Anti-Cristo.

Os vencedores

PALMA DE OURO - Das Weisse Band (Le Ruban Blanc), de Michael Haneke

MELHOR DIRETOR - Brillante Mendoza, por Kinatay

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI - Jacques Audiard, por Un Prophète

MELHOR ATOR - Christoph Waltz, por Inglorious Basterds, de Quentin Tarantino

MELHOR ATRIZ - Charlotte Gainsbourg, por Anti-Christ, de Lars Von Trier

PRÊMIO EXCEPCIONAL - Alain Resnais (conjunto da obra)

PRÊMIO DE ROTEIRO - Mei Feng, por Nuits d''Ivresse Printanière, de Lou Ye

PRÊMIO DO JÚRI - Fish Tank, de Andrea Arnold, e Thirst, de Park Chan-wook