quinta-feira, 18 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

O vazio político que se veio a criar era grande e muito perigoso. Abriu-se a fase da longa transição italiana que não sei se já está concluída: o longo esforço voltado para colocar sobre novas bases o desenvolvimento de um país que se europeizava. Desde então passaram-se vinte e cinco anos. Terminou o século XX. A URSS não existe mais. A história do comunismo italiano é, de fato, história encerrada. Por que, então, ainda falamos de Enrico Berlinguer? Substancialmente, acredito, porque na sua obra ainda existe algo politicamente operante. Este “algo” — para dizer com poucas palavras e usar o seu léxico — creio que seja a necessidade objetiva de um pensamento mais longo que não se entregue a uma nova filosofia da história, mas seja capaz de ler a nova estrutura do mundo, que resta em grande parte desconhecida nos mapas de que dispomos. Nisso reside o sentido da minha lembrança: na necessidade de um pensamento que produza sentido e que nos diga para onde nos encaminhamos.”

[Alfredo Reichlin, recordando Enrico Berlinguer e o tempo da política de “compromisso histórico” adotada pelo Partido Comunista Italiano em meados dos anos 1970]. Fonte:http://www.gramsci.org/.

Lula sem "principismos"

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Não se trata mais de cobrar coerência do presidente Lula, um trabalho inútil diante do fato de que ele próprio já assumiu a forma de uma metamorfose ambulante para justificar as constantes mudanças de opinião e atitude. Pelo menos foi devido a essa mutação genética que tivemos, no lugar do incendiário, um presidente conservador que teve o bom senso de manter as linhas gerais da política econômica herdada do antecessor, o que nos fez, pela primeira vez em muitos anos, ter a mesma política por mais de 15 anos seguidos.

Não deveria ser surpreendente vê-lo sair em defesa de seu principal aliado, o senador José Sarney, lá de longe, no Cazaquistão. Se é capaz de defender o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, transformando os protestos no Irã em mera disputa de torcidas de futebol, como não defenderia Sarney, muito mais próximo dele e sustentáculo de seu governo?

Não foi a primeira vez, nem será a última, que o presidente Lula tenta desculpar publicamente um aliado que se vê envolvido em denúncias.

Já utilizara antes sua popularidade para proteger os envolvidos no mensalão, e partiu dele a defesa, forjada pela visão de criminalista do então ministro Márcio Thomaz Bastos, de que o caso não passava de caixa dois eleitoral, coisa que acontecia regularmente no Brasil desde o início dos tempos. Fez o mesmo com os "aloprados".

Aos olhos de Lula, Sarney não é "uma pessoa comum", e deveria ter um tratamento diferenciado. Como se no Brasil tivéssemos castas, coisa que oficialmente, pelo menos, não temos.
Mas Lula assimilou rapidamente os códigos de uma parte da sociedade que insiste em não se modernizar, que está "se lixando" para a opinião pública, para onde ele transferiu, à custa de programas assistencialistas e muita lábia, seu poder político, que anteriormente provinha dos grandes centros urbanos e dessa mesma opinião pública que hoje ele despreza.

Lula recolhe a popularidade e os votos que lhe dão o poder principalmente nas regiões onde seus aliados políticos mais fortes, como José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, dão as cartas, numa troca de favores que o obriga a beijar a mão de Barbalho em um palanque, ou a passar a mão na cabeça de Severino Cavalcanti, ou a sair em defesa de Sarney, assim como já disse que daria "um cheque em branco" para Roberto Jefferson.

Essa permanente disputa entre a ética e a atividade política não é uma exclusividade brasileira, nem do atual governo. Mas este é, sem dúvida, um governo que não teme o confronto com os valores da sociedade brasileira, os quais procura sempre desqualificar como sendo reflexos do conservadorismo, do elitismo, do reacionarismo, com uma capacidade formidável de banalizar a questão ética.

Já são notórias suas alegações de que as transgressões acontecem há 500 anos, ou a alegada necessidade de assegurar a governabilidade no nosso "presidencialismo de coalizão".

O presidente Lula repetiu agora, quando deu declarações totalmente irresponsáveis sobre a crise do Irã, que, quando era oposição, sempre procurava encontrar culpados pelas suas derrotas, criando factoides políticos inconsequentes.

É uma nova versão para a bravata, que ele já admitiu ser seu método quando na oposição. Numa deturpação certamente inconsciente da teoria de Max Weber, que fez a clássica distinção entre a ética da consciência e a da responsabilidade do homem público, esta última justificada pelas consequências de seus atos e justificando decisões políticas que parecem inadequadas ao senso comum, o presidente Lula atribui apenas aos oposicionistas a possibilidade de atuar dentro da ética dos princípios.

No pragmatismo do governo, não haveria lugar para "principismos", um jargão dos partidos políticos de esquerda para neutralizar eventuais tendências moralizadoras.

Lula fora pressionado, quase chantageado politicamente pelo PMDB, por meio dos presidentes das duas Casas, senador José Sarney e deputado Michel Temer, para sair em defesa do Congresso no início dessa crise.

A partir daí, o presidente começou a dar declarações minimizando o escândalo, que começou com a denúncia de distribuição de passagens aéreas e no momento chegou a decretos secretos para nomeações e promoções de apaniguados e parentes.

Estamos diante de um confronto entre o que Lula entende por "hipocrisia" e o entendimento da opinião pública. Para nosso presidente, hipocrisia é a crítica generalizada contra o Congresso, e, para a opinião pública, é defender o comportamento dos parlamentares envolvidos em falcatruas, ou dizer que o senador José Sarney precisa receber um tratamento especial por não ser "uma pessoa comum".

Para quem já disse que Sarney era mais ladrão do que Maluf, na campanha eleitoral de 1989, o presidente Lula está à vontade para defender qualquer coisa. Não é a toa que o Conselho de Ética Pública está praticamente desativado. Essa falta de princípios também se reflete na nossa política externa.

O apoio do Brasil a governos notórios por seus abusos aos direitos humanos foi criticado pela ONG internacional Human Rights Watch, em Genebra.

O Brasil se absteve sobre a resolução que condenava a Coreia do Norte por usar de tortura e campos de trabalho forçado para presos políticos.

Também se absteve de votar contra a República Democrática do Congo, por violência sexual como arma de guerra e recrutamento de crianças.

Tudo na expectativa pragmática de receber apoio para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Seria importante Lula levar em consideração Amartya Sen, economista indiano, prêmio Nobel, que diz que o divórcio entre política e ética empobrece a ambos.

Advogado do diabo

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Do tiranete iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ao tiranossauro cubano, Fidel Castro, passando por uma vasta gama local de atos, ideias e personagens erráticos, o presidente Luiz Inácio da Silva não vacila quando se trata de assumir a defesa do indefensável.

São tantos e tão repetidos os casos, que já se configura um padrão: se a questão em pauta envolve conduta, Lula entra no assunto pelo lado do avesso.

A Venezuela, sob o tacão de Hugo Chávez, na personalíssima versão do presidente brasileiro tem "democracia demais". No auge do escândalo da farra das passagens aéreas no Congresso Lula entrou em cena perguntando "qual é o crime?", para acusar de "hipócritas" os indignados.

Igualmente farisaicas, na opinião dele, são as restrições impostas pela Justiça à ação do poder público em períodos eleitorais, as exigências da legislação ambiental, a fiscalização do tribunal de contas, as manifestações de magistrados e tudo o mais que lhe cause desagrado ou lhe imponha limites aos movimentos.

São inúmeros os registros de afagos do presidente em gente cuja folha corrida faria bonito naquela antiga lista dos "300 picaretas", bem como é recorrente o esforço do chefe da Nação em atenuar o sentido nefasto de atos por ele outrora batizados de "maracutaias".

A defesa em rede nacional, via transmissão internacional, da prática do caixa 2 em campanhas eleitorais como algo natural, por usual, é de todos talvez o mais eloquente. Consolidou o lema do "todo mundo faz" e conferiu aceitação à tese segundo a qual política eficaz só se faz com as mãos na lama.

Por essas e muitas outras que a memória joga fora, não surpreende a defesa do Senado feita nos habituais termos de elogio ao mau combate.

Ainda assim, a declaração impressiona pela ausência de autocrítica, pelo raciocínio deformado, pelo desrespeito a valores universais de civilidade e, por que não dizer, pela falta de amor próprio e senso de preservação da estatura do cargo.

Por partes: "Não li a reportagem do presidente Sarney, mas penso que ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum".

A fim de não se comprometer com o conteúdo dos fatos - prova que lhes reconhece a gravidade -, o presidente diz não saber direito do que trata o principal assunto da política, o processo de desmoralização desenfreada do Poder Legislativo.

Não obstante o alegado desconhecimento, opina. E convalida a cultura do privilégio, fere o princípio da igualdade entre os cidadãos e, ao considerar o presidente do Senado um injustiçado, revela que na visão dele uma "pessoa comum" pode ser difamada sem fundamento, mas jamais um senador.

Segue o presidente: "Elas (as denúncias) não têm fim e depois não acontece nada". E assim o chefe da Nação alimenta a descrença nas instituições, incentiva o menosprezo às ferramentas de fiscalização e investigação e mata na raiz a energia da demanda por procedimentos mais perfeitos.

E completa: "Não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo, não se pode todo dia arrumar uma vírgula a mais, você vai desmoralizando todo mundo".

A ninguém de boa-fé interessa enfraquecer o Poder Legislativo. Mas, se for para procurar quem com a fragilização coopera, localize-se quem trata das instituições com ligeireza, não apela nem trabalha por avanços, aprofunda os vícios exaltando a sua prática a fim de fazer uso da submissão dos viciados, faz tábula rasa do exercício da virtude, manipula o lado escuro das emoções e das necessidades, firma compromisso com a desonra, mas não faz um só acordo com a honra.

Quanto ao tratamento reservado ao presidente do Senado, cumpre lembrar que nunca no Brasil um político de oposição chamou em público um presidente da República de ladrão. Nem Fernando Collor que, na sua pior inspiração, carimbou o então presidente José Sarney como "batedor de carteira", mas da "História".

As pessoas que viveram e compreenderam a transição democrática reconhecem o valor de Sarney naquela tarefa de condução. Nisso não se inclui o PT de Lula, que na época virou as costas às exigências da reconstrução da democracia.

Os acontecimentos de 25 atrás, no entanto, não subtraem legitimidade do atual presidente nem de seu partido. Da mesma forma, não servem como salvaguarda ao senador José Sarney nos dias de hoje.

Justamente por ter prestado um inestimável serviço à redemocratização com sua personalidade conciliadora é que Sarney está histórica e civicamente impedido de contribuir para a derrocada moral do Congresso.

Ao contrário do que disse em seu discurso, avalizado ontem pelo presidente Lula, José Sarney não está acima de julgamentos. Sua trajetória não o autoriza a descer. Ao contrário, o obriga a ajudar o Parlamento a subir, o que se faz com ações concretas como se fez quando a ditadura baixou a guarda e os políticos profissionais, hoje tão desprezados, souberam construir a abertura do caminho de volta à democracia.

Desgaste do Congresso reforça a popularidade de Lula e seu papel junto ao empresariado

Jarbas de Holanda
Jornalista


A sucessão interminável de denúncias de irregularidades corporativistas praticadas nas duas casas do Congresso, em destaque na mídia há vários meses – da relacionada ao Castelo de Areia do breve ocupante da Corregedoria da Câmara à mais recente, relativa a atos de contratação ou favorecimento de cabos eleitorais e parentes de senadores, mantidos em sigilo – ademais de gerar forte e justa indignação nos segmentos melhor informados da sociedade, a chamada opinião pública, tem duas grandes implicações políticas. Uma de caráter predominantemente eleitoral: o reforço dos altos índices de popularidade do presidente Lula, cujo papel no Executivo (alardeado em todos os meios de comunicação) aparece para o “povão” como contraposto ao de um Poder Legislativo vinculado a escândalos e à ineficiência operativa.
Pode decorrer em parte dessa percepção o salto do apoio a mais uma reeleição de Lula, registrado no Nordeste e periferias metropolitanas pelas últimas pesquisas de intenção de voto para 2010. (O relacionamento político de Lula com os presidentes dessas duas casas e com a majoritária base parlamentar governista não do conhecimento do “povão”, ou levado em conta por ele).

A segunda implicação relevante, de caráter político-institucional, é que o atropelamento da Câmara e do Senado pela sequência de denúncias acentua a inferioridade, a dependência deles a iniciativas e decisões do Executivo, com sensíveis efeitos na queda de sua capacidade de interlocução com os agentes econômicos. Isso num contexto em que o Congresso deveria ter papel importante na proposição ou aprovação de medidas e políticas de resposta à crise econômica. Cabendo lembrar que tal atropelamento anulou ou esvaziou a repercussão e os efeitos do empenho dos novos presidentes das duas casas legislativas para restringir o uso abusivo das MPs. E a imagem de ineficiência foi configurada no fracasso das tentativas de reformas tributária e político-eleitoral.

O enfraquecimento do Poder Legislativo – com queda da capacidade de interlocução social e perda de legitimidade – manifesta-se bem claramente no quadro que cerca a CPI da Petrobras: de um lado, a postura de fato contrária à iniciativa oposicionista, basicamente do PSDB, por parte dos círculos empresariais, e, de outro, a facilidade com que o Palácio do Planalto trabalha para adiar sucessivamente ou inviabilizar por inteiro a investigação parlamentar.

Ora, com a prática de adequada interlocução com um Legislativo eficiente e menos desgastado parte expressiva desses círculos trataria de combinar a preservação de investimentos e negócios com a Petrobras com seu interesse no bloqueio ou ao menos na redução do enorme aparelhamento partidário (basicamente petista) das estatais da área petrolífera. Aparelhamento, com os desvios de recursos correspondentes, que está no centro das denúncias da imprensa.

Uma reversão do cenário de extremos desgaste e debilidade do Legislativo federal depende, primeiro, de ações dos dirigentes das duas Casas, sobretudo do Senado, no sentido de uma ruptura efetiva e rápida com a longa e perseverante prática de irregularidades corporativistas de manipulação dos recursos públicos, articulada com a punição dos muitos responsáveis por elas. E depende, também, de uma postura dos partidos oposicionistas baseada no entendimento de que a persistência de tal cenário favorece o governo e seus objetivos eleitorais em 2010, além de ser muito negativa para a busca do equilíbrio entre os poderes institucionais federativos, essencial ao desenvolvimento democrático. Assim, ao invés de uma aposta em mais desgaste desses dirigentes, o que se impõe é um esforço amplo, suprapartidário, para o saneamento, a defesa e a afirmação do Congresso.

Os aplausos a Ahmadinejad de Kim Jong-il e Chávez

Do Estadão, de terça-feira: “O governo norte-coreano emitiu um comunicado oficial cumprimentando o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por sua reeleição”.
“Sinceramente desejamos a ele sucesso em seu empenho responsável para frustrar a pressão e a interferência de forasteiros e desenvolver um Irã independente e próspero”, afirma o comunicado divulgado pela Agência Central Coreana de Notícias. A nota não menciona a onda de protestos que tomou conta do país após o anúncio do resultado oficial da votação”.

Já no sábado, Ahmadinejad havia recebido mensagem de parabéns de outro incansável líder “anti-império, o presidente venezuelano Hugo Chávez”. E aos cumprimentos dos dois juntou-se no domingo o do ditador da Síria, Bashar Assad.

Lula culpa o espelho

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Alguma surpresa com a defesa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez do senador José Sarney? Quem pediu desculpas pelos "erros" cometidos pelo seu partido (na verdade, crimes), mas depois passou a mão na cabeça dos "errados", quem se aliou a Fernando Collor de Mello, único presidente punido por falta de decoro, não poderia deixar de solidarizar-se com Sarney.

O que surpreende é a escandalosa indigência dos argumentos usados por Lula. Primeiro argumento: "Ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Que besteira é essa, Deus do céu?

É a versão Lula do "sabe com quem está falando?". Com história ou sem história, todo cidadão tem de ser tratado da mesma maneira. E os que têm história devem comportar-se ainda melhor do que os que não têm. Afinal, para usar um lugar-comum tão ao gosto de Lula, "o exemplo vem de cima".

Segundo argumento: um suposto interesse em "enfraquecer o Poder Legislativo". Outra bobagem sem tamanho. O que enfraquece o Poder Legislativo não são as denúncias, mas os fatos que dão origem às denúncias. Sem eles não haveria denúncias.

O Poder Legislativo, como os demais, só se fortalece se corrige os desmandos e abusos denunciados.

Omissão é que o enfraquece.

Lula, no fundo, revisita a teoria debiloide e safada da conspiração que não houve contra ele.

Houve apenas uma conspiração dos fatos. Tanto que ele foi obrigado a pedir desculpas. Tanto que o procurador-geral da República denunciou toda a cúpula do PT como "quadrilha".

É, enfim, a velha tentação de toda pessoa investida de poder de culpar o espelho pela imagem que ele mostra. A favor de Lula diga-se que ele ao menos pediu desculpas, coisa que Sarney nem remotamente passou perto de fazer.

Lula apoia Sarney e ataca 'denuncismo'

Marcelo Ninio
Enviado Especial a Astana (Cazaquistão)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Presidente diz que senador não é "pessoa comum" e afirma que denúncias põem em risco credibilidade da imprensa

Em visita ao Cazaquistão (Ásia central), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o que chamou de "denuncismo" da imprensa em torno dos escândalos no Congresso e deu seu apoio ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

"Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum", disse Lula. Anteontem, o presidente do Senado defendeu-se das acusações de empregar parentes e afirmou que a crise não era dele, e sim da Casa.

Para Lula, a sequência de denúncias é um perigo para as instituições, inclusive a imprensa, que "corre risco de ser desacreditada". O presidente questionou a veracidade das revelações de irregularidades, mas pediu "investigação séria" delas.

Um grupo de oito senadores de vários partidos - entre eles PT, PSDB e PMDB - propôs que Sarney adote uma lista de medidas moralizadoras, que incluem a demissão imediata de todos os diretores do Senado.

Lula defende Sarney e critica o "denuncismo" da imprensa

Presidente questiona série de acusações e diz que senador não é "pessoa comum"

Presidente diz que série de denúncias é perigosa para as instituições e que seria muito pior ter um Congresso "desmoralizado e fechado"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva rechaçou o que chamou de "denuncismo" em torno dos escândalos no Senado e saiu em defesa do presidente da Casa, José Sarney, que na véspera havia afirmado que não era responsável pela crise.

Lula questionou a veracidade das revelações de irregularidades no Senado, mas pediu uma "investigação séria". O presidente também fez um alerta à imprensa, afirmando que, ao questionar as práticas do Congresso, sua própria credibilidade poderá ser abalada.

As declarações foram feitas pouco antes de Lula embarcar de volta ao Brasil de Astana, capital do Cazaquistão, onde encerrou uma viagem que incluiu passagens por Suíça e Rússia.

"Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim, e depois não acontece nada", disse Lula.

Em seguida, defendeu um tratamento diferenciado para o presidente do Senado: "Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum", argumentou, sem explicar o tipo de tratamento diferenciado a que se referia. Na terça, Sarney usou a tribuna para se defender das acusações de conivência com atos secretos e de empregar parentes na Casa.

Lula pôs em dúvida a série de irregularidades: "É importante investigar para ver o que houve.

Mas o que ganharia o Senado em ter uma contratação secreta se tem mais de 5.000 funcionários transitando por aqueles corredores? Por que haveria de ter alguém secreto?", indagou, indicando que há interesses por trás das denúncias".

"Eu acho que essa história precisa ser melhor explicada. Eu não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil, mas eu penso o seguinte: a democracia, quando teve o Congresso Nacional desmoralizado e fechado, foi muito pior para o Brasil", disse.

Lula já havia saído em defesa do Congresso no início de maio, após a revelação da farra das passagens aéreas. Na época, ele classificou as críticas de hipócritas ("Faça um levantamento da história da Câmara e veja se algum dia foi diferente? Sempre foi assim") e revelou que ele mesmo usou a cota de seu gabinete para levar sindicalistas para Brasília, quando era deputado: "Não acho correto, mas não acho um crime um deputado dar uma passagem para um dirigente sindical ir a Brasília".

Ontem, Lula disse que as denúncias trazem riscos para as instituições. "É importante que a gente comece a fazer a preservação das instituições, separar o joio do trigo e, se tiver alguma coisa errada, que haja uma investigação correta", disse.

A esta altura da entrevista a jornalistas brasileiros num hotel de Astana, ele voltou seus ataques contra a imprensa: "O que não pode é todo dia arrumar uma vírgula a mais ou repetir a mesma matéria. Vai desmoralizando todo mundo, e inclusive a imprensa corre risco de ser desacreditada".

Lula não quis citar que medidas devem ser tomadas para moralizar o Senado, mas disse que apoia uma investigação para colocar o assunto em pratos limpos: "É importante a gente não ficar na política do denuncismo, porque o resultado final não é bom. Se tem uma coisa equivocada, a melhor coisa é uma investigação séria, pegar o resultado e tomar as decisões que tem que tomar", afirmou.

Lula disse não temer que os respingos de escândalo em aliados do governo atinjam seu governo, que, segundo a última pesquisa Datafolha, era aprovado por 69% do eleitorado. A mesma pesquisa indicou um recuo na taxa de desaprovação ao Congresso (de 37%, em março, para 34%) e um aumento na aprovação (de 16% para 19%).

Também afirmou esperar que o episódio tenha um desfecho em breve: "Todos os senadores, a começar por Sarney, tem responsabilidade de dirigir bem os destinos do país, do Congresso.

Vamos esperar que as coisas se resolvam rápido".

Memória: Em 86, petista acusou Sarney de ser "grileiro"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O discurso do presidente Lula em relação ao Congresso mudou à medida que o petista trocou a oposição pelo governo. Em 1993 ele declarou que, "de todos os deputados no Congresso, pelo menos 300 são picaretas".

Repetiu a crítica em 1994 ("Aquilo que eu falei de 300 é um pouco mais") e 1998 ("Uma vez falei que havia uns 300 picaretas no Congresso, mas a coisa só piorou"). Em 2002, com a vitória à vista, a retórica mudou.

Aceitou o apoio do senador José Sarney, a quem havia chamado de "grileiro", em 1986 ("Sarney não vai fazer reforma agrária coisa nenhuma, porque ele é grileiro no Estado do Maranhão"), e de "ladrão", em 1987 ("Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões, mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República").

Na sua campanha à reeleição, Lula fez uma autocrítica: "Eu me dei conta de quantas vezes nós cometemos injustiças contra pessoas... Uma coisa eu tenho tranquilidade, Sarney: nunca lhe ofendi".

Dos pecados e responsabilidades

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se a crise é do Senado, e não de seu presidente, José Sarney, como ele anunciou na tribuna da Casa, distribuindo pecados e responsabilidades aos outros 80 senadores, é preciso que se desvende a razão pela qual pecados e responsabilidades são recorrentes e têm sempre como principais protagonistas os presidentes da instituição. Ao longo da última década, estiveram no epicentro de crises praticamente todos os presidentes da Casa que tinham grande parcela de poder político em seus Estados. Foi assim com Antonio Carlos Magalhães (BA), Jáder Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL) - e agora a história se repete com Sarney. Não é uma simples coincidência.

O Senado brasileiro sobrevive como uma "casa revisora" de perfil sempre conservador. Seus integrantes são eleitos pelo voto majoritário, têm um mandato de oito anos e um poder de veto sobre qualquer iniciativa legislativa, seja ela originária do Executivo ou da própria Câmara dos Deputados. A forma de escolha de seus membros, pelo voto majoritário, dá o mesmo peso a todos os Estados, independente do tamanho de suas populações e do número de eleitores. O mandato de oito anos dos senadores, o dobro dos quatro anos dos deputados federais, dão à instituição o poder de retardar uma mudança política radical pelo voto. Ou seja: se o eleitorado pune um grande partido em determinadas eleições com uma grande derrota, essa agremiação mantém poder político com os senadores remanescentes das eleições anteriores. A instituição mantém, portanto, um papel importante na manutenção do status quo político.

Ao longo de sua história, a Casa tem se consolidado como o caminho natural dos oligarcas estaduais que, além de se beneficiarem diretamente dos votos de populações não raro miseráveis, têm a prerrogativa de escolher seus próprios suplentes sem que eles se submetam sequer ao escrutínio dos eleitores. O primeiro e o segundo suplentes de uma senador fazem parte de uma "chapa" onde apenas o titular aparece para o eleitor e disputa votos. Assim, quando o baiano Antonio Carlos Magalhães renunciou para não perder seus direitos políticos por oito anos, processado que era na Comissão de Ética por ter quebrado o sigilo do painel eletrônico de votação, quem assumiu foi o seu filho, o neófito em política Antonio Magalhães Jr.

Com enorme poder de veto, o Senado sempre é contemplado com cargos no Executivo. O PMDB, por exemplo, maior partido na Casa, do qual Sarney faz parte, negociou apoio ao governo petista mediante negociações diretas que não passaram pela direção do partido. Os pemedebistas do Senado funcionam como um partido à parte, assim como a bancada "carlista" do ex-PFL tinha enorme peso nas negociações com Fernando Henrique Cardoso até seu líder romper definitivamente com o governo tucano, já no final do segundo mandato.

A prevalência do voto majoritário nas disputas para o Senado dão à casa uma representação partidária mais restrita. Os 19 partidos da Câmara se reduzem a 12 no Senado - e, destes, cinco têm uma presença quase residual na Casa, com um, no máximo dois representantes.

É evidente que nem todos os senadores são oligarcas. Mas é claro também que o perfil institucional e burocrático do Senado favorece a eleição, e a liderança interna, de representantes da política tradicional. Os senadores com esse perfil ganham hegemonia regional por estratégias de arregimentação e votos que combinam a cooptação de apoios - dos que tem acesso a votos - em troca de vantagens, de um lado, e do uso da truculência contra os adversários. Da mesma forma, as lideranças com esse perfil ascendem aos postos de comando do Senado pelo uso da sedução - oferecimento de cargos, posições e poderes - e pela ameaça de exclusão dos não aliados dos círculos de poder.

O Senado tradicionalmente tem funcionado como um microcosmo da política tradicional. Tanto é assim que, nas eleições para as mesas diretoras, dificilmente se coopta votos por afinidades partidárias, políticas ou ideológicas. Acabam prevalecendo as adesões por interesses particulares e comezinhos. A prática de ocupar a máquina da Casa com familiares e amigos próximos é quase uma extensão da política local oligárquica, onde não há separação entre público e privado, e a ascensão do poder pelo voto é entendido como um direito pessoal de uso do poder público para fins privados que se estende, como um direito de hereditariedade, aos demais membros da família.

O senador José Sarney tem e não tem razão quando diz que a crise é do Senado. De fato, a Casa está em crise por moldar-se à política tradicional e ser uma reprodução do poder oligárquico. Mas se está em crise, é porque é a soma de vários Sarneys.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Servidor: reajustes correm perigo

DEU NO JORNAL DE BRASÍLIA

SERVIDOR
Com redução na arrecadação, governo avalia se poderá reajustar os salários.O desempenho ruim da arrecadação pode levar o governo a fazer cortes nos gastos, mesmo depois do anúncio da redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) para o ano.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não quis dizer onde poderão ser feitos os cortes, mas disse que tudo está em análise, inclusive o reajuste dos servidores públicos, previsto para entrar em vigor no início de julho. O ministro afirmou que até a semana que vem deve haver alguma definição sobre os ajustes nas despesas.

O anúncio foi feito no mesmo dia em que milhares de servidores ocuparam a Esplanada dos Ministérios para exigir, do governo, o cumprimento dos reajustes salariais, garantidos em lei. Cerca de 480 mil servidores serão beneficiados pelos reajustes, que devem ter impacto de R$ 17 bilhões nos cofres da União. Além dos reajustes, os servidores cobram do governo o reajuste no valor dos benefícios, como vale-alimentação e auxílio-creche. Os valores pagos pelo Poder Executivo são até quatro vezes menores do que os pagos pelos poderes Judiciário e Legislativo.

Uma das ideias do governo é o adiamento do pagamento do reajuste de julho para outubro, o que daria tempo maior para a economia reagir e a arrecadação voltar a crescer. Os servidores, entretanto, não estão dispostos a aceitar essa proposta e, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço público (Condsef), estão dispostos, inclusive, a decretar uma greve.

DESONERAÇÕES

Em relação às desonerações, que o governo estuda se vai renovar ou não, ele destacou que o espaço para isso está chegando ao limite. Os novos cortes também diminuirão o já exíguo espaço para novas reduções de impostos. O ministro afirmou que a arrecadação de maio, anunciada na terça-feira pela Receita Federal, surpreendeu ao ficar R$ 3 bilhões abaixo do previsto pelo governo. Em relação às desonerações tributárias, que o governo estuda se vai ou não renovar (como no caso do IPI incidente sobre automóveis), Bernardo fez questão de dizer que o espaço para a redução de impostos está chegando ao limite. "Nós vamos ter que equilibrar as contas do Orçamento. É provável que tenhamos que fazer ajustes. Se diminui receitas, tem que diminuir as despesas", afirmou o ministro, lembrando que a queda na arrecadação reflete a menor atividade econômica e as desonerações feitas pelo governo. Em princípio, explicou Bernardo, o tamanho do corte tende a ser do tamanho da frustração de receita. Para ele, um ajuste de R$ 3 bilhões não é muito grande, mas de qualquer forma é necessário para evitar um problema maior maior.

Arrecadação registra queda Maio/09 (R$ bilhões) FONTE Receita Federal RECEITA ® GRAFFO EVOLUÇÃO* RECOLHIMENTOS EM 2009 VALOR VARIAÇÃO (R$ bilhões) ANTE 2008 (%)* Receita 77,0 6,06 previdenciária COFINS/ 55,4 13,12 PIS-PASEP Demais receitas 51,0 2,68 2009 (*) Queda real, com valores corrigidos pelo IPCA 62,4 45,6 53,7 57,6 49,8 40 60 80 J F M A M Queda de 14 % ante abril/09* Queda de 6 % ante maio/08*

Novo mercado

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O presidente Barack Obama está tentando acertar na mosca: quer manter espaço para as inovações do mercado financeiro, mas evitar os abusos. Sua proposta tenta fechar os buracos que surgiram na crise. Ela fortalece o Fed; cria um conselho para integrar os órgão federais; acaba com a competição entre os reguladores; põe todo o mercado sob supervisão e cria uma agência para proteger o consumidor.

Acertar na mosca é encontrar o ponto certo entre aperto de regulação, mas não engessamento do mercado. O que a crise mostrou foi que o sistema financeiro americano tinha defeitos demais: a fiscalização era balcanizada, cada órgão cuidava de um pedaço do mercado; alguns regulados poderiam escolher o regulador e isso estabelecia uma competição entre as agências cuja moeda de troca era flexibilidade; não havia um super regulador com visão do todo; algumas criaturas do mercado, como hedge funds e bancos de investimento estavam fora de qualquer regulação. As agências de classificação de risco participavam mais diretamente do que se supunha da formatação de produtos financeiros que depois elas mesmas avaliavam, num flagrante de conflito de interesses.

A nova regulação cria um conselho de supervisão do sistema financeiro para integrar os cinco órgãos federais de fiscalização: Fed, FDIC, SEC, CFTC, OCC. Ainda havia um sexto órgão, o Office of Thrift Supervision (OTS), que foi extinto. Obama tentará, portanto, administrar melhor a pulverização, acabando com a falta de informação e comunicação entre eles. O Fed terá mais poderes e será responsável por fiscalizar os grandes conglomerados financeiros. De tantos produtos que ofereciam, essas instituições acabavam se abrigando sob as asas do regulador mais fraco, o OTC, aproveitando brechas na legislação. A nova proposta obriga os hedge funds a se registrarem na SEC (Securities and Exchange Comission) e estabelece exigências maiores de provisionamento de capital contra o risco de perdas. Regras prudenciais de rotina, mas, pelo que se viu no desastre americano, não era seguidas. Na prática, os bancos terão menos capacidade de se alavancar. A economista Monica de Bolle, da Galanto consultoria, acredita que o plano vai na direção correta:

- O sistema financeiro ainda terá a mesma cara, pulverizada e com alguns órgãos tendo dupla função, como é o caso do Fed e do FDIC, que terão como missão supervisionar bancos. Mas o plano é bom porque cria mecanismos para administrar melhor essa pulverização.

Obama tem um talento especial para tratar das questões que as pessoas não especializadas gostariam de ver tratadas. No discurso que fez ao mandar a nova regulamentação para o Congresso, ele conseguiu uma mágica quando falou da nova agência de defesa dos consumidores. Disse que muitos americanos tomaram empréstimos que não poderiam pagar, mas milhões de outros simplesmente não entenderam onde estavam entrando porque as regras dos contratos eram tão confusas, as cláusulas tão complexas, que as pessoas assinavam sem entender. A competição entre as instituições financeiras se dava na melhor forma de esconder a informação, ou na cláusula mais incompreensível. Sinceramente, acho que isso não acontece apenas lá. A nova agência vai estabelecer regras "simples, transparentes e comparáveis" para os produtos financeiros. Vida longa à nova agência e que a idéia seja globalizada também!

Façamos aqui, leitora e leitor, um parêntesis para a realidade local. Aqui, muitas das maluquices, excesso de alavancagem, omissões de regulação e excesso de concessão de crédito não aconteceram. Nossa história é diferente e os defeitos do nosso sistema bancário são outros. Mas aqui também há distorções inacreditáveis no mercado financeiro. A Anefac fez a pedido de Bruno Villas Bôas, do blog (www.miriamleitao.com), a conta de qual o percentual de queda dos juros básicos e dos juros bancários de setembro de 2005 a abril de 2009. A Selic caiu 48% no período, sem contar o último corte. Foi reduzida de 19,25% para 10,25%. Já os juros do empréstimo pessoal caíram 7,34%; do capital de giro para empresas, 12%; do desconto de duplicatas, 5%. (veja mais detalhes no blog).

É espantoso que os bancos tenham se apropriado da parte do Leão da queda dos juros. Ninguém quer tabelamento, evidentemente. Mas o mercado de crédito brasileiro tem que começar a funcionar com um mínimo de racionalidade e normalidade.

Nos Estados Unidos, o governo prometeu apresentar uma proposta de regulamentação o mais rapidamente possível. E precisou de cinco meses para isso. O assunto é complexo, e para acertar na mosca ela não pode ter um viés antimercado. Foi por isso que Obama ressaltou que a economia de mercado é o melhor dos sistemas e "a mais poderosa força geradora da prosperidade", mas a liberdade do mercado não é licença para ignorar as consequências dos seus atos.

Numa economia tão pouco acostumada à intervenção do Estado, muita gente vai achar que Obama não acertou na mosca. O "Wall Street Journal" é um jornal conservador e que representa, em grande parte, as instituições do mercado financeiro. Mesmo assim, impressiona a resposta à enquete feita pelo jornal logo após o anúncio. Apenas 3% acharam que a nova regulamentação foi ao ponto: 28% acharam insuficiente, e 69%, que ela controla demais.

Todos os olhos sobre o mercado

Gilberto Scofield Jr.
DEU EM O GLOBO

EUA FECHAM O CERCO

Obama lança maior pacote desde a Grande Depressão para regular setor financeiro

O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou ontem um ambicioso projeto de reforma no sistema regulatório do mercado financeiro americano, disposto a evitar uma reprise da crise econômica que empurrou o país para a recessão e que é responsável por mais de seis milhões de demissões desde meados do ano passado. Admitindo que os problemas atuais têm sua origem num sistema financeiro que se expôs demais ao risco e cuja supervisão se dilui entre mais de dez agências regulatórias que não conversam entre si, Obama anunciou seu pacote de reforma, considerado pelos analistas como o maior desde a Grande Depressão dos anos 30. O plano prevê cooperação internacional entre autoridades reguladoras para controlar paraísos fiscais e proteção ao consumidor de produtos financeiros.

O pacote se apoia em cinco pontos principais, disse o presidente: dar mais poderes de supervisão ao Federal Reserve (Fed, o banco central americano); criar uma agência de proteção aos consumidores de produtos financeiros (como cartões de crédito e hipotecas); regulamentar produtos financeiros complexos e sofisticados (como derivativos), ampliar a coordenação do Fed com organismos reguladores de outros países; e - a mais polêmica das propostas - pedir ao Congresso (pela primeira vez) autorização para o governo desmembrar conglomerados financeiros em situações de crise.

- Milhões de americanos que trabalharam duro e se comportaram responsavelmente viram seus sonhos desaparecerem pela irresponsabilidade de outros e pela falha de seu governo em prover uma adequada supervisão. Toda a nossa economia foi minada por esta falha - disse Obama, que já enfrenta críticas de republicanos e de analistas de mercado a seu plano. - A ausência de supervisão criou abusos sistemáticos e sistêmicos. Era dinheiro fácil, enquanto durou, mas esses esquemas eram construídos sobre uma pilha de areia.

Mas a batalha para a aprovação dos pontos mais polêmicos da reforma no Congresso promete ser dura, com políticos acusando o projeto de ser uma excessiva interferência no setor financeiro. Já analistas acham que as medidas protegem os consumidores de produtos financeiros, mas deixam de fora os pequenos investidores.

- Para os pequenos bancos comunitários, que nada têm a ver com a crise, é uma regulamentação que vai penalizá-los com mais custos - disse Edward Yingling, presidente da Associação Americana de Bancos.

- O projeto apenas perpetua a prática de ajuda a empresas específicas e confunde ao adicionar mais uma camada de supervisão a uma estrutura regulatória inchada - diz o deputado republicano Scott Garrett, do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes.

A Casa Branca distribuiu um documento com mais de 80 páginas detalhando as medidas incluídas na reforma, muitas delas polêmicas para um país que possui um sistema de supervisão tão grande e, ao mesmo tempo, tão ineficiente. Do ponto de vista da supervisão, o projeto é visto como redundante por muitos economistas.

O plano propõe dar ao Fed maior poder de supervisão sobre as grandes instituições bancárias e não-bancárias (como seguradoras ou administradora de recursos de terceiros), podendo até liquidá-las. Separadamente, a instituição que garante os depósitos nas instituições bancárias dos EUA, a Federal Deposit Insurance Corporation, ganhará o poder de intervir em grandes conglomerados financeiros que estejam atravessando dificuldades (como o segmento de hipotecas) e quebrar este conglomerado em empresas independentes, de modo a isolar o problema. O Office of Thrift Supervision (que supervisiona a poupança) será extinto e suas funções incorporadas ao novo Supervisor Nacional Bancário, que incluirá as funções do Office of the Comptroller of the Currency (que supervisiona as trocas de moeda dos bancos no exterior).

A recém-criada Agência de Proteção ao Consumidor Financeiro, por sua vez, recebeu aplausos de todas as associações de proteção ao consumidor e mesmo da Associação Americana dos Bancos, com exceção das empresas de hipotecas ou de cartão de crédito, diretamente envolvidas no controle, que reclamam de um aumento nos custos.

O plano é um golpe nas agências de classificação de risco de crédito, acusadas de serem lentas na análise da saúde financeira de empresas e de terem interesses em lançamentos de papéis dessas companhias. Os reguladores americanos passam a ter a permissão para avaliar outros instrumentos de crédito e de auditoria na hora de avaliar emissões de instituições financeiras.

Para analistas, maior poder do BC americano é ponto alto do pacote

Cássia Almeida e Mariana Schreiber
DEU EM O GLOBO

EUA FECHAM O CERCO: Agência pró-consumidor também é considerada positiva

No Brasil, juro e controle do Banco Central inibiram operações arriscadas

O maior poder de intervenção do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) é considerado um dos pontos altos do pacote regulatório anunciado ontem pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Segundo economistas, o poder do Fed limitava-se aos bancos comerciais, o que impediu uma ação mais rápida na crise financeira que nasceu no berço americano. Aqui no Brasil, os juros altos e o controle maior exercido pelo Banco Central (BC) sobre os bancos inibiram o surgimento de operações financeiras mais complexas e arriscadas, o que permitiu que o setor se mantivesse sadio, mesmo com a quebradeira nos Estados Unidos e Europa:

- Os juros e os spreads (diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro e a taxa que cobram dos clientes) brasileiros sempre foram muito altos. Isso garantiu rentabilidade elevada aos bancos sem que eles precisassem inventar operações muito complexas - explicou Luís Miguel Santacreu, da Austin Rating.

Com o plano, o Fed poderá intervir em bancos de investimento, seguradoras e outras empresas não-bancárias que representarem risco para o sistema. O exemplo mais citado da limitação do Fed no auge da crise foi com a seguradora AIG. Com a queda do preço dos ativos em sua carteira, a seguradora foi salva pelo Tesouro Americano. O Fed nada fez, já que não tinha poder para intervir fora do ambiente dos bancos comerciais:

- Apesar de o Brasil ter uma estrutura diferente, não ser tão problemático, temos muito a aprender com essa nova regulação - afirmou Aloísio Araújo, economista da Fundação Getulio Vargas.

Outro fator que garantiu solidez ao sistema brasileiro foram as regras rígidas do BC. O BC brasileiro exige dos bancos, por exemplo, Índice de Basiléia (razão entre o patrimônio e o volume de empréstimos) mínimo de 11%, enquanto o nível recomendado internacionalmente é de 8%. No Brasil, a alavancagem dos bancos não ultrapassa seis vezes o seu patrimônio, enquanto nos EUA havia instituição emprestando 50 vezes mais do que tinha, afirma Santacreu.

Crédito ainda pouco robusto foi desestímulo a derivativos

Outro fator de resistência do sistema financeiro brasileiro foi a falta de robustez do crédito, diz Araújo. Ainda incipiente, não permitiu que produtos financeiros mais complexos, como derivativos de crédito e hipotecários, fossem desenvolvidos.

Outro ponto alto do pacote regulatório foi a agência pró-consumidor. Segundo Araújo, uma parte da crise financeira deve-se também a fraudes. E um controle maior dos contratos dos produtos financeiros, principalmente cartões de crédito, é bem-vindo. No Brasil, não há quem fiscalize ou regule a ação das administradoras:

- Os cartões de crédito estão numa zona cinzenta no Brasil. Ninguém fiscaliza taxas, cobrança de multas - critica Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central.

OBAMA ANUNCIA REFORMA FINANCEIRA ''RADICAL''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Fed ganha "superpoder" para controlar mercado nos EUA

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou ontem a mais ampla revisão de regras para o mercado financeiro americano desde os anos 1930. No centro do plano está o Federal Reserve (Fed, banco central americano), que terá "superpoderes" para supervisionar as maiores instituições financeiras e intervir caso sejam identificados riscos sistêmicos. E o plano prevê ainda a criação de uma agência para proteger o consumidor de produtos financeiros.

"Meu governo propõe hoje uma reforma radical na regulação do sistema financeiro, uma transformação numa escala que não era vista desde as reformas subsequentes à Grande Depressão", afirmou Obama, em discurso na Casa Branca.

Para o governo americano, as décadas de "erros e oportunidades perdidas" e a falta de um marco regulatório apropriado foram os grandes vilões da atual recessão. Segundo Obama, o sistema financeiro foi construído sobre "areia movediça". E o apetite pelo risco desenfreado levou as entidades de crédito "a diminuir seus padrões para atrair novos mutuários". E, quando os mercados começaram a desmoronar, a falha não foi dos indivíduos, "foi uma falha de todo o sistema". "Chegou a hora de mudar isso", acrescentou.

Mas Obama garantiu que as novas regras não tirarão o incentivo à inovação. "As reformas vão permitir que nossos mercados impulsionem a inovação e desencorajem abusos." E garantiu que o sistema não será engessado. O objetivo é estabelecer um "cuidadoso equilíbrio". "O livre mercado foi e continuará a ser o motor do progresso americano." Mesmo porque, segundo Obama, o setor privado é mais eficaz para criar empregos do que o público.

Para o presidente americano, o plano não só procura fazer com que os reguladores se preocupem com a solidez das instituições, mas também, "pela primeira vez, com a estabilidade do sistema em seu conjunto".

ALICERCES SÓLIDOS

Obama afirma que seu governo se propôs a criar alicerces mais sólidos baseados no uso de energias renováveis, na melhora da educação e numa reforma do sistema de saúde que dê cobertura médica universal. "Esses novos alicerces também exigem mercados financeiros robustos, vibrantes, que operem de forma transparente e justa para proteger os consumidores e a economia da decomposição dos anos recentes."

Nesse contexto, o Fed terá "novas competências e responsabilidades para regular as companhias bancárias e outras grandes firmas que, se fracassarem, põem em risco toda uma economia". Obama propôs ainda "uma nova e poderosa agência com um único trabalho: o de proteger os consumidores". "Essa nova agência terá o poder de fixar padrões de modo que as companhias concorram ao oferecer produtos inovadores que os consumidores de fato queiram e entendam". Agências Internacionais