terça-feira, 10 de novembro de 2009

Reflexão do dia - Luiz Weneck Vianna

“O capitalismo brasileiro é um experimento bem sucedido. Atestam isso o seu parque industrial diversificado, um mercado interno em expansão, um pujante agronegócio e um sistema financeiro racionalizado, que se mostrou capaz de atravessar sem maiores abalos a crise mundial de 2008. Seu sistema de justiça se encontra sob uma profunda reforma que o deixará mais previsível e racionalizado, os gastos públicos estão submetidos a controles que se tornam cada vez mais eficientes. Por meio de uma continuada política de Estado, foi formada uma base técnico-científica, que ora se amplia e se articula com o sistema produtivo, do que a Embrapa talvez se constitua no melhor exemplo, e já avança para formação de um complexo industrial-militar, em particular nas áreas da engenharia naval e aeronáutica.”


(Luiz Werneck Vianna, no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG de 26 à 30/10/2009)

Merval Pereira:: A sociedade se mobiliza

DEU EM O GLOBO

O caso do linchamento moral e quase físico a que foi submetida uma estudante de turismo da Universidade Bandeirantes, de São Bernardo do Campo, é um exemplo feliz do que os novos instrumentos de tecnologia da comunicação podem fazer em benefício da sociedade. Graças às filmadoras dos celulares, a agressão à estudante, motivada por estar usando um vestido considerado curto demais por vários de seus colegas, foi divulgada pela internet e logo chamou a atenção de toda a sociedade.

A repercussão negativa daquela atitude bárbara de uma turba de estudantes universitários, gritando “estupra” e xingando a colega, tomou conta dos sites de relacionamento e dos blogs, colocando de um lado aquela reação de vândalos representando o lado atrasado e preconceituoso de nossa sociedade, em contraponto ao país moderno que deveria estar sendo criado e incentivado também dentro das universidades.

A sociedade civil global que está se formando com as novas tecnologias, segundo a definição do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern Califórnia, nos Estados Unidos, tem uma nova maneira de encarar o mundo, tentando preencher o que Castells define de “vazio de representação”.

É esse sentimento que faz surgir “mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação”. Internet e comunicação sem fio, como os telefones celulares, fazendo a ligação global, horizontal, de comunicação, proveem um espaço público como instrumento de organização e meio de debate, diálogo e decisões coletivas, ressalta Castells.

O uso político desses instrumentos de comunicação instantânea já era fenômeno moderno conhecido, cujo fato mais exemplar continua sendo a campanha, através de mensagens de telefone celular, que acabou ajudando a derrotar o primeiro-ministro Aznar na Espanha depois do atentado terrorista em 2004, um exemplo clássico da potencialidade de mobilização dos novos meios de comunicação.

Esse caso da Uniban é um avanço em certo sentido, porque a comunicação entre os setores da sociedade que se envolveram no debate se deu em defesa de valores que não são os meramente partidários, mas que representam um amadurecimento político no sentido mais amplo do termo.

A primeira reação da Uniban foi tentar arrostar a opinião pública, na falta de condição moral de enfrentar os arruaceiros, seja por pensarem como eles, seja por temerem ficar sem o dinheiro das mensalidades.

Uma nota oficial da instituição que deveria ensinar cidadania a seus alunos transferiu a culpa para uma suposta “atitude provocativa” da aluna, que queria chamar a atenção para si, e o que aconteceu em seguida foi caracterizado como uma “reação coletiva de defesa do ambiente escolar”.

A aluna Geisy foi expulsa por “flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”.

Essa hipocrisia oficial, no entanto, não teve respaldo da maioria da sociedade, e várias instâncias institucionais começaram a se manifestar, a começar pelo Ministério da Educação que fez muito bem em pedir explicações a uma universidade que decididamente não tem como funcionar como um estabelecimento de ensino quando incentiva comportamentos retrógrados e humilha uma estudante, dando péssimo exemplo de cidadania a quem deveria preparar para a vida em comunidade.

O recuo da Universidade Bandeirantes (Uniban), de São Bernardo do Campo, da decisão de expulsar a estudante de turismo Geisy Arruda é o resultado da reação da parte saudável e moderna de nossa sociedade, que já não admite com tanta naturalidade quanto a direção da Universidade imaginou que agressões desse tipo sejam realizadas.

A aluna Geisy Arruda deu entrevistas dizendo que a sua primeira reação foi a de se sentir culpada por tudo o que aconteceu, se sentir “um lixo”. É a reação natural de toda pessoa que se transforma, por pressões sociais hipócritas, de vítima em culpada.

Esses modernos meios de comunicação, como a internet ou o twitter, por serem quase incontroláveis por sua própria natureza, são o tormento tanto de governos quanto de sociedades autoritárias.

Por uma coincidência feliz, a blogueira cubana Yoani Sanchez, do blog Desde Cuba, que relatou ter sido vítima recentemente de um ataque de membros do serviço secreto de Cuba, que a agrediram e ameaçaram por suas críticas, fez uma comparação com sua situação e a de vítimas de violência, seja política, seja social.

“Depois da agressão, há certos míopes que culpam a própria vítima pelo ocorrido.

Se é uma mulher que foi violada, alguém explica que sua saia era muito curta, ou que se movia provocativamente”, comenta Yoani Sanchez, referindose ao fato de que as várias pessoas que presenciaram a agressão de que foi vítima não se apresentaram para servir de testemunha, com receio da repressão da ditadura cubana.

Para se desculparem do medo, criam a ideia de que “a vítima é a causadora e o agressor é um mero executor de uma lição merecida, um simples corregedor de nossos desvios”.

Essa foi a tentativa primeira da Uniban, a de demonizar a vítima e transformar seus algozes em meros defensores do “ambiente escolar” sadio.

Seu recuo não pode ser meramente tático.

Cometi uma injustiça com o ministro Joaquim Barbosa na coluna de domingo. O ministro é apenas o relator das denúncias, em ambos os casos, do então procurador geral da República, Antônio Fernando de Souza. Ou seja, não foi o ministro quem deu tratamento diferenciado ao presidente Lula, no mensalão, e ao senador Eduardo Azeredo, no chamado mensalão mineiro, mas sim o procurador-geral, a quem deveria ter sido dirigido o pedido de esclarecimento que fiz na coluna.

Fernando de Barros e Silva:: A mídia "partidarizada" de Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dilma Rousseff voltou a reclamar da "crescente partidarização da mídia". Disse também que, sem base social, a oposição é hoje quase apenas "midiática". A candidata do PT à Presidência ecoa o que Lula já vinha dizendo. O que pensar desse mantra governista?

A "partidarização" de fato existe. E não só na mídia. Os fundos de pensão das estatais estão hoje nas mãos do PT. As próprias estatais foram aparelhadas de maneira inédita. E há as ONGs, quase sempre de amigos do partido, alimentadas na veia por verbas estatais. O terceiro setor também está partidarizado.

Não é só. O PT de antigamente apostava na autonomia do sindicalismo e dos movimentos sociais em relação ao Estado. Não era o oxigênio da democracia? Hoje, o governo Lula cooptou -com dinheiro e cargos- os sindicatos e o que restou de movimentos social e estudantil.

No Brasil lulista, com "tudo dominado", é irônico que só os partidos não sejam partidarizados. À sombra do poder, vivem misturados, como beneficiários da avacalhação institucional patrocinada por um governo moralmente leniente, mas muito popular, o que inibe a atuação da oposição, que, de resto, não sabe mesmo o que falar.

Nesse ambiente imperial, por que a imprensa ficaria imune? Com publicidade oficial, Lula faz um arrastão nas chamadas mídias regional e popular, todas obedientes ao poder. Na internet, o lulismo multiplica seus funcionários voluntariosos. Há, por parte do Planalto, um esforço metódico para colocar a mídia a serviço do governo -para, numa palavra, partidarizá-la.

A profissionalização da imprensa no país, que vinha ocorrendo, aos trancos, desde a redemocratização, nos anos 70/80, vive hoje um retrocesso. O ambiente senhorial, de atrelamento ou submissão aos poderosos, era visto como algo a ser superado por um jornalismo comprometido com o público, não com o Estado ou gângsteres privados. O PT pôs isso em xeque. Quem não está conosco é inimigo -essa é a lógica subjacente à fala de Dilma.

Parece bolchevismo com atraso.

Dora Kramer:: De calças curtas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os políticos costumam celebrar os feitos de Juscelino Kubitschek, sendo o mais célebre - mas não necessariamente o mais celebrado, é verdade - a construção de uma cidade no meio do nada e a transferência da capital da República do Rio de Janeiro para Brasília.

O senso comum costuma atribuir os males da política a essa mudança e, a ela, o distanciamento entre representantes e representados. Há os que também responsabilizam a transferência da capital pelo início dos dissabores que assolam o Rio, mas essa é uma outra história.

O que nos interessa aqui é o fato: Brasília é a capital do Brasil há quase 50 anos. E é na capital que funciona a sede do Congresso Nacional, local de trabalho de deputados federais e senadores.

Quando a sede da República era no Rio, todos moravam na cidade e não havia discussão, nem visitas semanais obrigatórias às bases ou jornada de trabalho reduzida às terças e quartas-feiras.

Para o atendimento das demandas locais existem os deputados estaduais e os vereadores. Parece claro.

Mas não é tão cristalino assim para suas excelências que não apenas passam a maior parte do tempo longe do local de trabalho onde deveriam dar expediente, como querem tirar vantagem da ausência e ainda nos convencer de que estão no gozo de seu direito pleno.

No domingo, o jornal O Globo publicou uma dessas reportagens que não revelam nenhuma novidade, mas retratam uma lamentável realidade com a qual se convive pela força da inércia.

O jornal fez algo muito simples e de grande utilidade: na quinta-feira passada pôs um repórter-fotográfico a registrar os deputados que marcavam presença em plenário e outro a conferir o movimento de saída no aeroporto.

Claro que flagrou várias excelências - algumas de bom histórico - no exercício da mais deslavada das gazetas. Os mesmos deputados que vinte minutos, meia hora, uma, duas ou três horas antes marcavam o ponto no plenário, preparavam-se para o embarque em direção aos seus Estados, deixando as presenças devidamente registradas como se lá estivessem.

Uma fraude, certo? Nenhuma diferença em relação ao servidor que assina o ponto sem trabalhar, só para constar e tornar regular o pagamento registrado no contracheque, correto?

Não para a corregedoria nem para a procuradoria da Câmara, muito menos para os parlamentares flagrados. Com anuência do corregedor e do procurador, eles justificam que a prática é habitual e não se configura como gazeta porque o regimento interno os libera quando as votações são simbólicas, como em geral ocorre às quintas-feiras.

E quem disse que o trabalho do parlamentar se resume ao plenário? E quem disse que é certo marcar uma presença inexistente?

O regimento? O mesmo que não proibia o desvio da cota de passagens aéreas? Pois é, nem tudo na vida é manual. Há aspectos que só compreende quem tem um mínimo de escrúpulos.

Honra ao demérito

Entre punir a turba de 700 agressores ou castigar a aluna agredida, a Universidade Bandeirante fez a escolha que lhe pareceu financeiramente mais vantajosa. Numa visão pragmática, optou pela maioria: antes a baixa de uma mensalidade que o risco de um déficit de receita mais pesado.

As garantias individuais, a liberdade de ir e vir, a civilidade, o princípio da igualdade, da tolerância, do respeito ao próximo, tudo foi mandado devidamente às favas em nome da supremacia da vontade da maioria e sob uma justificativa esfarrapada: as atitudes "provocativas" da moça que vai de saia curta à escola.

Algo a ver com política? Tudo, principalmente nessa quadra em que o mais importante é o resultado e os fins justificam o uso de quaisquer meios.

Ainda que as armas preventivas de defesa da moral e dos bons costumes representem um elogio à selvageria coletiva e agridam o artigo 5º da Constituição Federal. Lá está escrito que todo cidadão é livre para fazer tudo o que estiver dentro da lei e que ninguém será submetido a tratamento degradante.

Qual o crime da estudante Geisy Arruda? Divertir-se sacudindo a libido alheia.

Qual a atrocidade dos bárbaros indomados? Impingir a outrem tortura moral e ameaça de linchamento físico.

Qual a infração da Universidade? Impor sua opção pela lei do mais forte em detrimento à lei mais forte do País, extinguindo por conta própria os ditames da Constituição.

Na Uniban não vigora o Estado de Direito. Lá viceja a liberdade de injuriar, agredir, humilhar, desrespeitar e barbarizar.

Se não há garantias para Geisy, não há para mais ninguém que desobedeça aos critérios de conduta impostos pela malta à qual a Uniban conferiu salvaguarda para defender o "ambiente escolar" com a truculência que achar conveniente à ocasião.

Até no recuo de última hora pautado pela repercussão negativa, não pela convicção do que é certo e do que é o errado, a Uniban assemelha-se ao pior da política.

Raymundo Costa:: Crise prematura na campanha de Dilma

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A candidatura da ministra Dilma Rousseff passa por um momento de definições e por uma crise prematura na aliança com o PMDB. Tão prematura quanto uma campanha eleitoral antecipada em meses.

Entre as definições, a menos surpreendente é a de que os ministros candidatos às eleições de 2010, inclusive Dilma, apenas deixarão seus cargos no mês de abril, no último dia previsto na Constituição.

Até lá, a ministra se mantém grudada em Lula; a tiracolo, para cima e para baixo, inaugurando, falando. O treinamento com João Santana começa a surtir efeitos, segundo petistas.

Está descartada a hipótese de que Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência, assuma o cargo de Dilma. O mais provável é que a ministra seja substituída por Miriam Belchior.

O PT deve assumir politicamente a candidatura de Dilma no Congresso Nacional do partido marcado para fevereiro de 2010.

Para a mesma data está prevista a posse do novo presidente petista a ser eleito no dia 22, o ex-senador sergipano José Eduardo Dutra. Uma eternidade. Não é à toa que Dutra andou falando, no final de semana, que a aliança com o PMDB ainda corre riscos. Sua posse deve ser antecipada, entre outras coisas, para tratar do princípio de incêndio na relação com o PMDB.

Pegou mal no PT o anúncio de que o deputado Michel Temer e o ex-governador Orestes Quércia estabeleceram uma trégua em São Paulo: Quércia apoiaria Serra, apesar de o presidente nacional do PMDB ter fechado um pré-compromisso, em Brasília, com a candidatura da ministra Dilma. O PT, que até agora engoliu acordos mais de interesse da candidatura presidencial que do partido, sentiu o cheiro de queimado no ar.

Os petistas acham que já fizeram de tudo em favor da aliança: namoraram, pegaram na mão, disseram que vão casar e o PMDB escolheu até o noivo, Michel Temer.

A revelação de que Temer e Quércia, enquanto isso, andam de conversa é o pretexto de que precisa o PT para falar grosso. O discurso é que foi aberta a porta para a traição nos Estados. "Fazer acordo com o PT e com o Quércia para apoiar o Serra é a senha para liberar para todo mundo fazer o mesmo nos Estados", é o que se diz, em resumo, no PT.

O PMDB pediu alto para concretizar a aliança. Preço que talvez o PT não esteja preparado para pagar, pois significa ficar sem candidato majoritário em alguns dos maiores colégios eleitorais do país.

Além de tudo o que já levou (ministérios, vice e apoio aos candidatos bem posicionados na disputa aos governos estaduais), o PMDB agora quer também prioridade nos Estados que o partido considera "problemáticos" para assegurar o apoio a Dilma na convenção de junho.

É isso o que agora o PT diz aceitar "de jeito nenhum".

O PSDB, por seu turno, parece caminhar para um entendimento, se não pisar nas cascas de banana previsíveis: José Serra candidato a presidente e Aécio Neves, ao Senado. Legalmente, nada impede que em junho, data as convenções partidárias, Aécio junte-se a Serra na chapa dos sonhos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A conjuntura eleitoral será determinante para a decisão do governador de Minas Gerais.

Principal ativista da chapa café com leite, FHC acredita que Aécio precisa de tempo para assimilar a ideia de ser vice de Serra, proposta atualmente descartada pelo governador. A chapa, atualmente, é o ponto de convergência dos tucanos. A versão segundo a qual a decisão em janeiro pode levar José Serra a desistir é turbinada no Palácio do Planalto.

Faz parte do jogo eleitoral. Os tucanos há muito não pautavam a agenda política como na semana passada. Lula, que no início do mandato escalava o deputado José Genoino para responder falas de FHC , desta vez saiu em pessoa para responder o artigo "Para onde vamos?" que Fernando Henrique publicou nos jornais "O Globo" e "O Estado de S. Paulo".

Além de FHC, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga também marcou presença para pontuar diferenças na política econômica, em entrevista ao Valor. Os tucanos juram que foi enchente e não mão de gente que botou o jaboti na árvore. O que o PSDB não tem como negar é que a intervenção de FHC tirou Serra do foco.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Aécio:: Lula provoca 'retrocesso administrativo'

DEU EM O GLOBO

Tucano recusa caráter plebiscitário da eleição, critica o PAC e acusa governo de cooptar movimentos

Tatiana Farah

SÃO PAULO. O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), subiu ontem o tom contra o governo Lula, acusando os petistas de fazerem uma “armadilha” para 2010 ao incentivar uma eleição plebiscitária. Aécio criticou o aumento de gastos correntes da União e acusou o governo de “retrocesso administrativo” ao cooptar sindicatos e movimentos sociais.

— O governo não fez mudanças econômico-financeiras, felizmente, e menos ainda agregou o que quer que seja do ponto de vista administrativo.

Neste caso, ocorreu um retrocesso. Do ponto de vista político, ocorreu uma distensão, reconheço, na medida em que os movimentos sociais e sindicais praticamente se incorporaram ao governo ou foram por ele cooptados — disse, ontem, em almoço com empresários paulistas organizado pelo Lide (Grupo de Líderes Empresariais).

Segundo Aécio, essa relação dos movimentos sociais e sindicais foi calcada em financiamentos públicos, que teriam gerado mais dependência do governo.

— A reação de todo esse conjunto corporativo a uma eventual derrota eleitoral do candidato ou da candidata do governo pode produzir o estressamento das relações com o novo governo de oposição, uma espécie de inconformismo no primeiro momento — disse, defendendo relações políticas com as entidades.

Aécio rebateu o caráter plebiscitário que Lula quer dar à eleição do ano que vem.

— Precisamos resistir à principal armadilha que começa a ser apresentada à sociedade, a de que a próxima eleição será plebiscitária. Não é. Pelo menos não mais que todas são.

Não estaremos dizendo sim ou não ao governo do presidente Lula. Estaremos escolhendo o nosso futuro, um futuro que para alguns virá, apesar do presidente Lula. E, para outros, por causa do presidente Lula.

Aécio fez uma crítica indireta ao PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), com as inaugurações feitas pelo presidente Lula e pela ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Planalto.

— A relação federativa tem de ser apartidária para que não submeta os governantes a programas federais impostos pelo poder financeiro-fiscal, com o uso de palanque em eventos de rotina, como se fizessem parte do programa federal e da generosidade de um só dirigente.

E completou: — A oposição não tem dúvida de que não estará enfrentando o candidato de um partido apenas, mas um partido e candidato que se confundem com o próprio governo e com o próprio Estado.

MEC faz propaganda do governo no Enade

DEU EM O GLOBO

Das dez questões de conhecimentos gerais comuns às 27 carreiras do ensino superior avaliadas anteontem pelo Enade, seis elogiam ações do governo Lula ou criticam a imprensa. Uma trata do "possível êxito" da campanha para reduzir o uso de sacos plásticos. Outra, em afinidade com o Planalto, diz que Lula foi criticado pela mídia ao afirmar que a crise seria uma marolinha no Brasil, mas que agora tais previsões são confirmadas pela imprensa estrangeira. Numa pergunta sobre F-1, todas as opções de resposta criticam a mídia.

Resposta certa, só a favor do governo

Questões do Enade elogiam ações da gestão Lula e são criticadas por professores universitários

O professor de políticas públicas da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas condenou a questão 19.

Ele disse não ver problemas na menção a ações federais nas outras quatro perguntas, já que Lula está há quase sete anos no poder.

— Parece mais um discurso de autodefesa do Lula, quase ufanístico: o presidente tinha razão, mas somos uma democracia e temos que tolerar as críticas. É tendenciosa.

O professor de jornalismo e ética na comunicação da UnB Luiz Martins da Silva afirmou que não existe fórmula para evitar a politização de questões.

Mas, para ele, é elementar que se evitem perguntas que deem margem a suspeitas de alinhamento político.

Reynaldo Fernandes, presidente do Inep, órgão responsável pelo Enade, disse que uma comissão de sete professores definiu as diretrizes das provas, mas coube à empresa Consulplan, contratada para realizar o exame, formular as questões: — Era uma discussão (a da “marolinha”) sobre o direito à crítica.

Lula busca saída para reduzir poderes do TCU

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Presidente se reunirá com Michel Temer e o presidente do tribunal numa tentativa de enquadrar o órgão. Lula quer criar uma Câmara Técnica que decidiria se uma obra seria paralisada ou não

BRASÍLIA – Na tentativa de enquadrar o Tribunal de Contas da União (TCU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja fazer amanhã, em Brasília, uma reunião com o presidente da Corte, Ubiratan Aguiar, e com o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP). Lula planeja criar uma Câmara Técnica com a participação do TCU e do Poder Executivo para decidir se uma obra deve ou não ser paralisada quando houver suspeitas de irregularidades.

Nos últimos meses Lula tem aproveitado as cerimônias relativas a obras, principalmente do Programa de Aceleração do Crescimento, para dizer que os órgãos de fiscalização têm causado “enormes prejuízos” ao País ao suspender o repasse de verbas para os empreendimentos. Com a Câmara Técnica, sugerida pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o governo entende que haveria um debate mais transparente que apontaria para soluções, evitando que uma obra suspeita de irregularidades ficasse simplesmente paralisada por até dois anos.

Ubiratan Aguiar disse ontem que foi sondado sobre a reunião por Michel Temer. Mas ele ainda não havia recebido um convite formal do presidente Lula para comparecer ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona provisoriamente a sede do Executivo. Aguiar disse ainda que não sabe qual vai ser o conteúdo da reunião, se poderá levar outros ministros ou se terá de ir sozinho.

As reclamações do governo quanto à forma como agem os órgãos fiscalizadores atingem não só o TCU, mas também o Ministério Público e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em relação aos dois primeiros, a ideia é constituir com eles a Câmara Técnica, a respeito do último, desde que Carlos Minc assumiu o Ministério do Meio Ambiente, em maio de 2008, foram feitos dois ajustes, chamados de “Destrava Ibama 1” e “Destrava Ibama 2”.

CAETANO

Uma semana depois de ter concedido uma polêmica entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, na qual se referiu ao presidente Lula como “analfabeto”, “cafona” e “grosseiro” – o que gerou inúmeras críticas de vários políticos –, o cantor e compositor baiano Caetano Veloso quebrou o silêncio. Ontem, divulgou carta expondo sua visão sobre o episódio. Teceu críticas à forma pela qual a imprensa noticiou a entrevista, bem como à leitura feita pelas pessoas.

“O que mais me impressiona é as pessoas reagirem diante da manchete do jornal, tal como ela foi armada para criar briga, sem sequer parecerem ter lido o trecho da entrevista de onde ela foi tirada. É um país de analfabetos? A intenção sensacionalista da edição tem êxito inconteste com os leitores. Pobres de nós”, diz a carta.

Na entrevista, Caetano anunciou sua preferência pela eventual candidatura da senadora Marina Silva (PV-AC), citando que “Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo”. “Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro”.

Na carta, Caetano disse, ainda, que Lula “mundialmente está reconhecido como alguém que chegou lá e foi além do esperado”.

Contra a 'armadilha' de Lula

DEU NO ESTADO DE MINAS

Em discurso para empresários paulistas, com fortes críticas ao governo federal, Aécio diz que a oposição tem de desarmar a tentativa dos adversários de fazerem um grande plebiscito em 2010


Patrícia Aranha

Com duras críticas ao governo Lula, a quem acusou de inchar a máquina pública, promover um retrocesso administrativo e cooptar sindicatos e movimentos sociais, o governador Aécio Neves (PSDB) se colocou ontem como uma alternativa da oposição para fugir do que considera a principal armadilha feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a de transformar a eleição do ano que vem num plebiscito sobre o atual governo. “Tenho colocado meu nome à disposição do partido para uma construção diferente daquela que está sendo proposta hoje, que ajude a fugir da armadilha da eleição plebiscitária que nos tem sido colocada, atraindo até mesmo algumas forças que hoje estão próximas do governo, mas não necessariamente estarão no apoio a uma candidatura, por exemplo, do PT”, afirmou, logo depois de debate com empresários, em São Paulo.

Um dos pré-candidatos do PSDB à Presidência da República, Aécio criticou o uso da máquina pública na campanha eleitoral. “A oposição não tem dúvida de que não estará enfrentando um candidato e seu partido, mas um partido e candidato que hoje se confundem com o próprio governo e com o próprio Estado, como se esse fosse hoje um partido”, atacou, durante o discurso. O governador, que tem pressionado o PSDB a definir até dezembro o nome do candidato a presidente, convocou a oposição a começar agora a inverter o jogo do governo. “Precisamos desarmar essas armadilhas antes do embate começar, impossibilitando a manipulação do Estado como se a eleição plebiscitária fosse, desfazendo a proposta de confronto. O embate está começando e a oposição tem de invertê-lo já”, defendeu.

O governador voltou a afirmar que não será candidato a vice numa eventual chapa encabeçada pelo governador de São Paulo, José Serra. “Não preciso estar numa chapa para apoiar o candidato do PSDB, seja ele o Serra ou outro. Acho que num quadro partidário tão plural como o brasileiro, seria uma certa prepotência um partido achar que pode solitariamente compor uma chapa”, argumentou. Depois de nova conversa por telefone, com Serra, que insiste em adiar a indicação do candidato para o final de março, o governador voltou a dizer que não pretende esperar até o “fim dos prazos legais”. Se não houver definição até dezembro, será candidato ao Senado.

recado O crescimento da economia, uma das bandeiras do governo Lula, foi minimizada por Aécio, que também acusou o governo de promover um retrocesso administrativo. “O atual governo, me permitam a franqueza, não introduziu mudanças em matéria econômica e financeira. Ao contrário, perdeu oportunidades num ciclo expansivo da economia mundial e, como já disse, menos ainda agregou o que quer que seja do ponto de vista administrativo. Nesse caso, registre-se, ocorreu um retrocesso”, atacou.

Já sob o ponto de vista político, o governador mineiro mandou um recado aos movimentos sociais que, segundo ele, “se incorporaram ao governo ou foram por ele cooptados”. Num eventual governo do PSDB, esse setor não será tratado como inimigo. “Que os servidores profissionais não se deixem impressionar. Que os partidos e candidatos que eventualmente apoiam o governo saibam e tenham garantias de que não será nenhuma disputa de vida ou morte, porque o Brasil precisa de todos”, disse.

Ao discorrer sobre o que chama de era pós-Lula, o governador disse que o inchaço da máquina pública será um dos desafios a ser enfrentados pelo próximo governo. “Não podemos permitir o desordenado crescimento das despesas com o financiamento da máquina pública, como tem ocorrido hoje, quando a prioridade nacional absoluta é investir para mover a roda da economia. Enquanto essas despesas cresceram de forma alarmante, nos últimos seis anos, nossos investimentos continuam em patamares ainda extremamente modestos”, criticou.

José Serra:: Enfrentar as mudanças climáticas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A nova lei paulista compromete o governo e orienta a sociedade sobre as formas de abrandar o lançamento de gases-estufa

PROMULGUEI ontem uma lei que estabelece a Política Estadual de Mudanças Climáticas. Já passava da hora. Nações, governos e sociedade precisam acelerar suas agendas visando enfrentar esse enorme desafio jamais enfrentado pela humanidade: o aquecimento global.

São Paulo assume vários compromissos até 2020, incluindo a meta de redução de 20% das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), tomando como base o ano de 2005. Haverá redução de 24 milhões de toneladas de CO2. Nada será fácil. A próxima década exigirá uma difícil transição rumo à nova economia verde. As próximas gerações merecem qualidade de vida. O derretimento acelerado das geleiras encurta as margens de dúvida.

O fenômeno das mudanças de clima, causado pela ação antrópica, afeta todo o planeta.

Embora os países desenvolvidos tenham sido os que mais contribuíram para essa situação, pouco adianta ficar discutindo sobre a culpa passada pelo desastre ambiental que se evidencia no presente.

Ninguém dele escapará.

A decisão de assumir metas quantitativas de redução dos GEEs demonstra firmeza da política ambiental paulista. Precisamos construir um novo padrão de produção e consumo, com bases sustentáveis.

Não há antagonismo necessário entre proteger o meio ambiente e promover o crescimento econômico.

Enormes oportunidades de investimentos se abrem em setores emergentes, no aperfeiçoamento tecnológico, nas energias renováveis, no transporte não rodoviário, na reciclagem, na agricultura sustentável.

Em cada ramo da economia paulista há uma agenda promissora e competitiva. Milhares de postos de trabalho deverão ser gerados na fabricação de equipamentos, na melhoria de processos produtivos, nas obras de infraestrutura, nos modais de transporte, nos serviços alternativos.

Tais modificações, porém, por afetar o modo de produção, exigem ativismo do Estado, estimulando e empurrando a agenda de transformações. A Nossa Caixa Desenvolvimento está sendo preparada para tal finalidade, ajudando a financiar as melhorias tecnológicas. A Fapesp já aloca recursos vultosos na pesquisa científica. O IPT se voltará às novas tecnologias que reduzem a quantidade de energia não renovável por unidade de produto. Políticas fiscais e tributárias serão utilizadas para reduzir custos dos setores ambientalmente corretos.

No transporte urbano, o governo estadual implementa um inusitado programa de metrô e trem metropolitano. O rodoanel, ao reduzir congestionamentos e permitir que a ligação entre as estradas se dê ao largo das áreas mais urbanizadas, representa um caso exemplar de obra gigantesca, com preservação do meio ambiente.

Um Estado ativo não teme a agenda ambiental.

Na maior parte do país, as emissões se originam no desmatamento. Em São Paulo, sua fonte principal é a energia fóssil, consumida no transporte de carga e na indústria. Só o transporte é responsável por 29% das emissões de CO2 do Estado.

O uso de biomassa para a produção energética e a expansão do uso de energia eólica, solar e hidroelétrica oferecem vastas oportunidades a explorar. São impressionantes os ganhos possíveis: por exemplo, cerca de 90% do transporte de mercadorias se faz em caminhões, com quase 50% das viagens sem carga. É consumo "inútil" de energia, desgaste da infraestrutura, perda de tempo.

As políticas ambientais iniciadas na década de 1970 estavam focadas nos danos à saúde causados pela poluição das chaminés e na garantia de recursos naturais ofertados para a exploração econômica. Mais tarde, a biodiversidade também passou a ser o foco da atenção de toda a sociedade.

Contribuiu para tanto a mobilização de entidades ambientalistas e o maior conhecimento científico adquirido pela academia. A Cetesb cumpriu papel fundamental nesse trabalho de controle ambiental.

Agora, ainda nem vencida essa fase inicial, surge a necessidade de enfrentar o drama maior das mudanças climáticas. A nova lei paulista compromete o governo e orienta a sociedade sobre as formas de abrandar o lançamento de gases-estufa. Traça linhas claras e objetivas de enfrentamento do problema e estabelece um calendário para seu cumprimento.

Todos parecem concordar, em tese, com o desenvolvimento sustentável. Mas, na prática, poucos sabem executá-lo. São Paulo vai enfrentar essa transformação. A redução das queimadas de cana-de-açúcar e a recuperação das matas ciliares na agricultura (396 mil hectares cadastrados na SMA) comprovam que é possível compatibilizar a produção com a preservação ambiental. Cerca de 700 mil hectares de cana deixaram de ser queimados desde a vigência do protocolo agroambiental assinado com o setor sucroalcooleiro. Isso significou uma redução de 8,2 milhões de toneladas de CO2 lançada na atmosfera.

É preciso ter coragem e determinação na política ambiental: ou se encara de frente a problemática ambiental ou o futuro da civilização estará comprometido. Quanto mais o Brasil ousar, maior será o poder de pressão da comunidade internacional sobre os países que resistem à mudança.

José Serra, 67, economista, é o governador de São Paulo. Foi senador pelo PSDB-SP (1995-2002) e ministro do Planejamento e da Saúde (governo Fernando Henrique Cardoso) e prefeito de São Paulo (2005-2006).

Luiz Gonzaga Beluzzo:: Salvos da tormenta, os mercados voltam à carga

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O real prossegue em trajetória de alta, turbinado pelo "carry trade", filhote do diferencial entre os juros dos brazucas e os praticados na terra do tio Bernanke. A moeda brasileira avança em sua escalada de valorização, a despeito de fustigada pelo IOF e pela modorrenta aquisição de reservas pelo Banco Central (BC).

Diante do tsunami de liquidez pós-crise que assola os mercados globais, os "arbitrageurs" e especuladores continuam a apostar na desvalorização do dólar diante de outras moedas, especialmente diante do real brasileiro. Ainda nos tempos da euforia pré-crise, o economista americano Brad Setser disse em seu blog. "Esses movimentos nascem da ação de investidores "alavancados" que tomam empréstimos (na moeda em processo de desvalorização) para comprar outras moedas"... A lógica do negócio não oferece resistência à compreensão: é divertido tomar emprestado a 1% ou 2% ao ano numa moeda que se desvaloriza e aplicar a 6,75% numa outra que se aprecia.

Salvos da tormenta, os mercados voltam à carga. Os investidores assestam, de novo, a pontaria de suas posições alavancadas na direção dos mercados de risco. Nos países centrais, as bolsas de valores, outrora escoltadas pelos imóveis, repetem, com ímpeto não desprezível, a euforia que nos levou à crise. Diante do frenesi que ora turbina as bolsas e as moedas dos emergentes, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise. Outros falam, de forma desdenhosa e pessimista, do rally dos trouxas, episódios de euforia que, logo ali, na próxima esquina, serão tragados pelo desempenho da economia real.

Há quem prefira uma interpretação mais prudente: contrariando as previsões mais pessimistas, as intervenções do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e do Tesouro conseguiram estancar a rápida deterioração das expectativas. A ação das autoridades afetou positivamente as taxas do interbancário e dos mercados monetários. Na contramão do senso comum, os investidores globais, num primeiro momento, empreenderam uma fuga desesperada para o dólar, ancorado nos títulos do governo americano. Assim como nas crises cambiais dos anos 90, protagonizadas pela periferia (México, Ásia, Rússia, Brasil e Argentina), os papéis do governo dos Estados Unidos ofereceram repouso para os capitais assustados.

A "relativa normalização" dos mercados financeiros, obtida mediante um esforço descomunal do Fed e do Tesouro americano, foi acompanhada do progressivo restabelecimento dos preços dos ativos de acordo com a hierarquia risco/ rendimento. Nesse momento, o dólar reiniciou sua trajetória de desvalorização, agora impulsionada pelas expectativas negativas a respeito da evolução da dívida pública e do déficit fiscal dos Estados Unidos.

A reação quase-fiscal do Federal Reserve foi, porém, ineficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e, sobretudo, impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. A queda de US$ 14 bilhões no crédito ao consumo no último trimestre mostra que os consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de queda do ritmo de atividade e do emprego.

Já no Império do Meio, a desaceleração foi contida pela vigorosa ação anticíclica do governo chinês que manteve em ritmo elevado a expansão do crédito e do investimento em infraestrutura. Assim, a demanda de commodities continuou sustentada, com recuperação moderada dos preços. Para juntar virtude à bonança, a inflação global não consegue erguer a voz, subjugada pela queda de preços dos manufaturados. A política cambial chinesa e o excesso de capacidade são causa e efeito de um regime de crescimento em que a expansão das exportações, associada ao investimento público e privado, tem peso decisivo no dinamismo da economia.

Depois da queda global e diante da debilidade da demanda americana, os descontos nos preços dos bens manufaturados se ampliaram e os produtos "desvalorizados" penetram fundo nas economias emergentes. Mais uma vez, em duas décadas, essas práticas ameaçam desarticular as cadeias produtivas na indústria manufatureira dos incautos que valorizam sua moeda. Não só andam mais baratos os bens finais destinados ao consumo e ao investimento, como também os intermediários produzidos na mancha manufatureira asiática articulada em torno da China.

Nesse ambiente, a política monetária do Banco Central do Brasil promoveu uma redução cautelosa da taxa Selic, mantendo um diferencial elevado diante dos juros externos. A diretoria do BC sugere que a taxa de juros deve ser administrada em função da política de metas de inflação e nunca para apaziguar os movimentos da taxa de câmbio. De fato, cabe à política monetária fixar o ponto focal que permite aos agentes coordenar suas antecipações enquanto estabelecem seus planos de ação. A política de metas trata de definir um espaço de variação das taxas de inflação.

Mas, nosso BC não ignora que a taxa de juro e a de câmbio exprimem, em sua interação, a variação dos preços dos ativos denominados em moedas distintas. Em uma economia aberta, com livre entrada e saída de capitais, as interações entre câmbio e juro determinam alterações no valor dos estoques de riqueza. Essa movimentação pode resultar em alinhamentos indesejáveis da taxa de câmbio real, sobretudo quando as expectativas dos investidores antecipam cenários muito favoráveis para o balanço de pagamentos, como é o caso do Brasil do pré-sal.

São de sobejo conhecidos os casos de empresas brasileiras que deslocaram suas linhas de produção para fora do país. Muitas por virtude, outras por necessidade. Nos setores em que a concorrência é mais dura, os empresários tratam de desligar as máquinas e importar a tralha chinesa de baixo custo. Percorrem o caminho inverso do processo de industrialização. Durante os 50 anos que antecederam a fatídica crise da dívida dos anos 80 do século passado, muitos importadores e comerciantes transformaram-se em industriais. Depois da ignominiosa década dos 90, dão marcha a ré.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Mikhail Gorbatchov:: Mais muros para cair

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A população alemã, com o mundo inteiro a seu lado, celebra uma data marcante na história, o 20º aniversário da queda do Muro de Berlim. Não são muitos os eventos que ficaram na memória coletiva como um divisor de água de dois períodos distintos. O desmantelamento do Muro de Berlim - símbolo cabal de concreto de um mundo dividido em lados hostis - é um desses momentos decisivos.

A queda do Muro de Berlim trouxe esperança e oportunidade para pessoas por todo o mundo e foi um encerramento de verdadeiro júbilo para a década de 80. É algo para se pensar enquanto esta década se aproxima de seu fim - e enquanto a chance para a humanidade dar outro salto importante à frente parece esvair-se.

O caminho para o fim da Guerra Fria certamente não foi fácil nem bem recebido universalmente na época, mas é exatamente por esse motivo que suas lições continuam relevantes. Nos anos 80, o mundo estava em uma encruzilhada histórica. A corrida armamentista entre Leste e Oeste havia criado uma situação explosiva. As armas nucleares dissuasivas poderiam ter falhado a qualquer momento. Caminhávamos para um desastre, enquanto sufocávamos a criatividade e o desenvolvimento.

Hoje, outra ameaça planetária emergiu. A crise climática é o novo muro que nos separa do futuro e os atuais líderes estão subestimando amplamente a urgência e escala potencialmente catastrófica da emergência.

Algumas pessoas costumavam brincar ao dizer que lutaremos pela paz até que não reste nada no planeta; a ameaça das mudanças climáticas torna esse presságio mais literal do que nunca. As semelhanças com o período imediatamente anterior à queda do Muro de Berlim são gritantes.

Como há 20 anos, nos deparamos com uma ameaça à segurança mundial e a nossa própria existência, que nenhum país pode enfrentar sozinho. E, novamente, quem clama por mudanças é o povo. Da mesma forma como os alemães declararam sua vontade de unidade, os cidadãos do mundo de hoje exigem ações para lidar com a mudança climática e reparar as grandes injustiças que a rodeiam.

Há 20 anos, alguns dos principais líderes mundiais mostraram determinação, confrontaram a oposição e as imensas pressões e o muro caiu. Ainda está por ser visto se os líderes de hoje farão o mesmo.

Abordar as mudanças climáticas exige uma mudança de paradigma de tamanho similar à que foi necessária para acabar com a Guerra Fria. Precisamos, contudo, de uma "interrupção", para escapar da abordagem usual que domina atualmente a agenda política. Foi a transformação trazida pela "perestroika" e "glasnost" que preparou o palco para o grande salto à liberdade da União Soviética e do Leste Europeu e abriu caminho para a revolução democrática que salvou a história. A mudança climática é complexa e está intimamente entrelaçada com uma série de outros desafios, mas é necessária uma ruptura similar em nossos valores e prioridades.

Não há apenas um muro a derrubar, mas muitos. Há o muro entre os Estados já industrializados e os que não querem ser contidos em seu desenvolvimento econômico. Há o muro entre os que provocam as mudanças climáticas e os que sofrem suas consequências. Há o muro entre os que prestam atenção às evidências científicas e os que cedem a interesses velados. E há o muro entre cidadãos que mudam seu próprio comportamento e querem ações mundiais sólidas e os líderes que, até agora, os estão decepcionando.

Em 1989, mudanças incríveis, que eram consideradas impossíveis apenas alguns anos antes, foram introduzidas. Mas isso não ocorreu por acidente. As mudanças ressoavam as esperanças da época e os líderes responderam. Nós acabamos com o Muro de Berlim, na crença de que as gerações futuras teriam capacidade para solucionar desafios conjuntamente.

Hoje, observando o profundo vão entre ricos e pobres, a irresponsabilidade que provocou a crise financeira mundial e as respostas fracas e divididas às mudanças climáticas, sinto amargura. A oportunidade para construir um mundo mais seguro, justo e unido vem sendo amplamente desperdiçada.

Ecoando o que me foi pedido pelo meu finado amigo e parceiro de disputas, presidente Ronald Reagan: senhores Obama, Hu, Singh e, novamente, em Berlim, Merkel e seus homólogos europeus, "Derrubem este muro!". Porque este é seu "Muro", seu momento decisivo. Vocês não podem desviar-se do chamado da história.

Apelo aos chefes de Estado e governo para comparecerem pessoalmente à conferência de mudança climática em Copenhague em dezembro e derrubar o muro. A população do mundo espera que vocês cumpram. Não a desapontem.

A crise climática é o novo muro que nos separa do futuro e os atuais líderes subestimam a escala catastrófica da emergência.

Mikhail Gorbatchov, ex-presidente da União Soviética, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu papel de liderança na conclusão pacífica da Guerra Fria. Hoje, como presidente fundador da Cruz Verde Internacional, encabeça a Força-Tarefa Internacional Contra as Mudanças Climáticas (CCTF, na sigla em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2009.

Vinicius Torres Freire:: Muros e mumunhas da história

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Queda do Muro de Berlim tornou-se um marco vulgar para a revisão enviesada da história do pré e do pós-1989

É TEMPORADA de disparates históricos. É o aniversário do fim do Muro de Berlim. É a estação da nostalgia rançosa da propaganda, mais liberaloide que esquerdoide, pois os comunistas desapareceram quase como os hare krishna que vendiam incenso nas esquinas.

Recordam-se tolices que a queda do Muro ensejou, a começar pela frase que se tornou então uma espécie de logoceia histórica, uma explicação do mundo pós-89.Muito texto começava assim: "Com a globalização e a queda do Muro de Berlim...". Daí decorriam o destino inelutável do capitalismo, reformas, a moda do paletó de três botões, dietas novas ou a privatização da atmosfera. Do economista Ph.D ao diretor da associação comercial de Santo Antão de Pitangas, passando pelo deputado do PFL e Francis Fukuyama, o clichê era um "must". O filho temporão dessa família de tolices é a frase "o mundo jamais viveu tanto crescimento econômico", no pós-Muro ou neste milênio.

O chavão pretendeu justificar até o desastre financeiro de 2008. Nesta efeméride, foi ressuscitado para comemorar a "liberação das forças produtivas" antes presas pelo Muro. Trata-se de mentira ou ignorância. Apenas quase China e cia. cresceram mais no período recente que nos anos ditos "gloriosos de 1947-73".

A China é "capitalista"? Na China, a terra não é uma mercadoria (posse e venda ainda são muito reguladas), nem o trabalho (uns 500 milhões de chineses não podem migrar do campo e ganhar a vida onde bem entendem); o grosso da decisão de investimento é estatal. Etc. etc. No Ocidente, há mercados mais ou menos desde o século 13, mas limitações ditas "feudais" aos negócios existiam até na Inglaterra do século 19, que dirá no resto da Europa.

A China é quase tão "capitalista" quanto a França de Colbert (século 17); de resto, começou a mudar 15 anos antes do fim da URSS. Melhor dizer que existem economias de mercado, tão diferentes como Suécia, EUA, França, Japão, Brasil, Rússia e Holanda, e isso está longe de explicar sucessos, fracassos e acordos políticos desses países. É uma vergonha intelectual e moral usar o horror do comunismo para justificar o vulgar mercadismo.

Por falar em autoritarismos, a democracia era rara no "mundo livre" enquanto o comunismo esteve de pé. Na Alemanha, foi implantada à força, sob ocupação militar e protetorado americanos, nos anos 50. No Japão, sob ameaça de devastação nuclear. Até nos EUA se tornou completa apenas com o fim do apartheid nos Estados do sul, nos anos 60. Na América Latina das ditaduras filhas da Guerra Fria, era intermitente e precária. Espanha, Portugal e Grécia foram ditaduras a maior parte desse tempo.

Mesmo a França viveu crises graves, sob ameaça de golpe militar no início dos anos 60 e risco de conflito civil, na revolta da esquerda até o início dos 70. África, Oriente Médio e sul da Ásia eram colônias ou ditaduras mais bárbaras que os colonizadores europeus.

"Com a globalização e a queda do Muro de Berlim", foi o mercadismo que se difundiu. O pensamento social degradou-se no economicismo, a democracia sofre de indiferença no mundo rico, e a eficiência dessa tecnologia social de criar riqueza, o mercado, nem de longe dá conta da iniquidade ainda universal.

José Pastore:: Empregos americanos e brasileiros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

William Ellis, administrador de mão cheia, prestou relevantes serviços ao Brasil por mais de 20 anos. Primeiro, como diretor da United States Agency for International Development e depois como diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Ele acaba de escrever um paper que apresenta um quadro desolador sobre o futuro do emprego nos Estados Unidos. Ellis acredita que os postos de trabalho destruídos na crise, em sua maioria, não voltam tão cedo. Os empregos do setor financeiro caem nesse caso. E não é só. Na indústria de veículos e de aviões a corrida foi perdida para outros países. O mesmo está ocorrendo nos setores de alta tecnologia, como o farmacêutico e o da pesquisa genética. Na defesa e nos serviços militares, na melhor das hipóteses, haverá estabilidade de emprego. Na construção de habitações, a retomada continuará lenta por muito tempo. No varejo, na educação e na saúde surgem poucos empregos, mas de baixos salários. Na administração pública, os orçamentos dos governos têm fôlego curto para promover uma forte expansão da infraestrutura.

Nos últimos 18 meses os Estados Unidos perderam mais de 7 milhões de empregos. O desemprego ultrapassou a casa dos 10% no último trimestre - a maior taxa desde 1983. A festa de consumir 25% da produção mundial com apenas 5% da população parece ter acabado.

Ao comentar o crescimento do PIB de 3,5% no terceiro trimestre de 2009, o próprio presidente Barack Obama revelou que a sua grande preocupação é com o emprego. É isso: a Bolsa vai bem, mas os empregos vão mal.

Vejam esses dados. No terceiro trimestre de 2009 a produtividade do trabalho aumentou 9,5%! É uma cifra estonteante e indicadora de muita substituição de trabalho por tecnologias e de medidas de racionalização das empresas que, de resto, continuam enxugando seus quadros sem nenhum sinal de reversão. Dos 10,2% atuais, a taxa de desemprego pode passar a 11% nos próximos meses.

Por isso convém interpretar com muita cautela o referido aumento do PIB. Um país só sai da recessão - de facto - quando a oferta de emprego atende à demanda. Não é o caso. Além de um desemprego crescente, a renda familiar americana caiu 3,4%. O consumo subiu, é verdade. Mas isso foi artificialmente propelido pelos estímulos governamentais para a compra de automóveis novos e de imóveis residenciais. As famílias, que viram os empregos e os salários minguarem, continuam com pesadas dívidas para pagar.

Parece não haver dúvida de que o mercado de trabalho americano passará por uma profunda transformação estrutural. Isso já está afetando a massa salarial, o poder de compra dos consumidores e a capacidade de o país importar - o que acaba prejudicando os exportadores, dentre eles, o Brasil.

De fato, o quadro sombrio do emprego americano sinaliza uma longa caminhada para a retomada da exportação dos nossos bens manufaturados. Os dados estão aí: entre janeiro e setembro de 2009, as vendas externas do Brasil para os Estados Unidos despencaram 47% em relação ao mesmo período em 2008. A participação das nossas exportações caiu de 15,5% para 9,5%.

Além disso tivemos um grave empobrecimento da pauta das exportações. Depois de 29 anos em que os manufaturados lideraram o fluxo, eles foram ultrapassados pelos produtos básicos. Para os Estados Unidos café e petróleo bruto foram os dois principais produtos vendidos neste ano.

É claro que os constrangimentos internos (câmbio, tributos, encargos sociais, infraestrutura precária e outros) também pesaram nesse desempenho. Mas não podemos desconsiderar a fragilização da capacidade de compra daquele país determinada pelo alto desemprego e elevado endividamento das famílias.

Os setores exportadores de commodities geram empregos de baixos salários, com raras exceções. É neles também que ocorre a maior informalidade. Se adicionarmos a tudo isso a forte concorrência dos chineses e de outras nações emergentes, vemos que o nosso mercado de trabalho corre o risco de ser empurrado para empregos de menor qualidade.

A vingar as previsões do meu amigo Bill Ellis, amargaremos esse quadro por vários anos. Por mais que o mercado interno alavanque a economia, a qualidade dos empregos brasileiros estará intimamente atrelada ao que vai acontecer com a economia dos nossos compradores.

Miriam Leitão:: Mundo plural

DEU EM O GLOBO

Milan Kundera escreveu no ensaio “O homem do Leste” que nos anos 60 ele teve que deixar sua pátria e ir morar em Paris. Lá, atônito, descobriu que era considerado “um leste europeu exilado”. A República Checa, diz ele, sempre esteve geograficamente na Europa Central e suas origens nunca foram russas. Nem sua cultura ou história.

Seu alfabeto nunca foi o ciríli

O Muro erguido em 1961 fez mais do que fraturar a joia europeia, Berlim. Fez pior que dividir o mundo em dois, criar uma lógica bipolar, separar famílias e um país. O Muro criou uma simplificação grosseira que transformou numa massa uniforme todos os que ficaram do lado de lá, todos os países submetidos ao poder soviético. Ainda hoje, vinte anos depois da queda do Muro, e da Revolução de Veludo, que separou pacificamente a República Checa da Eslováquia, o mundo ainda se refere a todos eles como países do Leste Europeu.

Ficou como um cacoete que simplifica o complexo e eterniza o fantasma do mundo soviético.

Hoje, dez deles já estão na União Europeia, mas ainda há quem repita a mesma divisão arbitrária do mundo, feita após a Segunda Guerra Mundial. Kundera diz no texto que se ofendia duplamente no exílio: seu país estava ocupado por uma potência estrangeira, e ele se sentia cultural e geograficamente expropriado.

O mundo bipolar, além de tudo, emburrecia. Hoje, há quem se lembre que nem todos os sonhos se cumpriram, que Alemanha Oriental e Ocidental ainda são desiguais, que a época de ouro que se sonhou possível, após a queda do Muro de Berlim, não foi exatamente como se imaginava.

Toda insatisfação é verdadeira.

Não há mundo perfeito, há apenas mundos melhores que outros. E o atual é melhor, a despeito de todos os problemas.

Houve momentos terríveis após a queda do Muro.

O pior deles, sem dúvida, se passou na antiga Iugoslávia, que era considerada pelo mundo capitalista como uma versão suavizada do comunismo, um país multiétnico e multicultural que tinha conseguido organizar as suas diferenças num mesmo espaço. Os dez anos de guerras étnicas deixaram 140 mil mortos para mostrar ao mundo que não se faz uma unidade à força e que o ódio se manteve intacto dentro de um regime de opressão.

A revista inglesa “Economist”, no texto sobre o assunto, lembra que agora um europeu pode dirigir do Mar Báltico ao Mediterrâneo sem ter que exibir seu passaporte em fronteiras que antes eram marcadas por minas terrestres. Lembra também que até a Albânia hoje faz parte da Otan. O que leva a pensar como é ultrapassado o tratado do Atlântico Norte, que se opunha ao Pacto de Varsóvia.

O ano 1989 também se desdobra em múltiplos acontecimentos pelo mundo.

No Brasil, foi a primeira eleição direta depois de 25 anos da ditadura imposta dentro da lógica da Guerra Fria. Na China, foi o ano em que o sonho de liberdade foi massacrado na Praça da Paz Celestial. O governo acelerou a abertura econômica produzindo duas décadas de crescimento forte, como se isso compensasse.

Mas a muralha política permanece oprimindo. Tanto que no aniversário de 20 anos do levante estudantil, o Partido Comunista ainda teve que usar a força para evitar comemorações indesejadas.

Na Rússia, o poderio de Vladimir Putin, que se eterniza governando diretamente ou através de interpostas pessoas, lembra em tudo o velho mundo soviético com seus ditadores longevos. Está ainda muito longe de poder ser chamada de democracia. O assassinato da jornalista Anna Politkovskaya, em 2006, não deixou qualquer dúvida sobre a natureza do regime, apesar das eleições regulares no país.

Na economia, a Rússia encolheu e hoje é quem tem mais dificuldade entre os BRICs de atravessar a crise econômica, por erros internos.

Ao contrário da China, Índia e Brasil, a Rússia tinha sub-prime: as empresas estavam superendividadas. Isso sem falar na excessiva dependência do petróleo.

O mundo pós-Muro de Berlim está longe de ser perfeito. Mas há pontos de esperança. A unificação alemã não tem sido fácil. O déficit público aumentou muito, os gastos do governo, com o lado que era a antiga Alemanha Oriental, foram tão altos, que deixaram os moradores do lado ocidental com a sensação de que eles pagaram uma conta pesada demais.

O desemprego no lado oriental é o dobro da taxa do lado ocidental, alimentando as diferenças. Berlim não voltou a ter os investimentos e o peso econômico que já teve no passado.

A Alemanha terminará este ano com o PIB negativo, por causa da crise internacional. Há várias dificuldades, mas a Alemanha é a maior economia da Europa, um país renovado, onde fábricas poluidoras foram fechadas, a infraestrutura foi refeita. É um país que se reencontra a cada dia. E, o melhor: não há mais o Muro, aquele aleijão, aquela fratura no meio de uma história comum, como uma cicatriz da guerra que rasgou o perdedor em dois e o submeteu, por décadas, a lógicas estrangeiras.

Milan Kundera diz, no seu ensaio, que seu país teve referências ocidentais como o renascimento, as artes gótica e barroca; e processos históricos comuns com a Alemanha. Um dos símbolos nacionais é o teólogo Jan Hus, que o alemão Lutero reconhecia como seu precursor na reforma protestante.

Segundo o escritor, se a verdade histórica e cultural da antiga Boêmia não for reposta nunca, Hus, que foi reitor da Universidade de Praga, terá que passar a eternidade junto com Ivan, o Terrível, com o qual nada tem em comum. O mundo bipolar, além de tudo, apagava a beleza da pluralidade cultural.