sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Reflexão do dia – Noberto Bobbio

“Uma segunda estratégia é a que parte da constatação de que existem muitos Marx e de que, à distância de mais de um século, não dá para salvar a todos eles nem para jogá-los todos fora. É a estratégia que eu chamaria de “dissociação”. Há um Marx economista, um Marx historiador, um Marx sociólogo, um Marx filósofo. Estas diversas faces do mesmo e único personagem servem à estratégia da recuperação mediante a dissociação. Marx morreu como filósofo? Pode-se dizer o mesmo do Marx economista? E assim por diante. Marx foi até agora o crítico mais radical do capitalismo. O capitalismo venceu sua batalha contra a primeira tentativa de organizar um sistema social fundado não na economia de mercado mas na economia de comando. Mas a vitória do capitalismo é definitiva?”


(Noberto Bobbio, no livro “Nem com Marx, nem contra Marx”, pág. 304 , Editora UNESP, São Paulo, 2006)

Merval Pereira:: Décadas

DEU EM O GLOBO

Se não houver alterações substanciais na política econômica, o próximo governo vai marcar 20 anos da implantação de um projeto econômico a partir do Plano Real, com um círculo virtuoso de medidas que permitem a continuidade no controle da inflação, a busca do equilíbrio fiscal, melhor distribuição de renda e redução gradativa da desigualdade. Tudo alcançado com a alternância no poder de dois grupos políticos adversários entre si, embora com pontos comuns suficientes para tocar um projeto de Estado, mais do que de um governo específico.

A de 2010 será também a primeira eleição em vinte anos que não terá na cédula o nome de Lula e, embora ele queira participar mais diretamente, transformando-a em um plebiscito sobre seu governo, seria bom, como disse a senadora Marina Silva, que o debate fosse sobre o futuro do projeto de país, e não sobre o passado , que Lula representará dentro em pouco, e que Fernando Henrique já representa.

Não é por acaso que, de tempos em tempos, aparecem grupos políticos fazendo planos de ficar no poder por 20 anos.

Além do grupo de Collor, que tinha esse projeto por razões que nada tinham a ver com a política, também o PSDB e o PT assumiram informalmente essa meta, na tentativa de cumprir um ciclo de desenvolvimento.

O falecido ministro das Comunicações Sergio Mota, o trator do PSDB, comandou o projeto de reeleição com o objetivo de o partido permanecer no governo além dos dois mandatos do Fernando Henrique.

E o PT também planejou uma permanência no poder estendida para além dos dois mandatos de Lula, projeto que começou a ser planejado quando José Dirceu chefiava a Casa Civil, e foi abortado em termos partidários com a crise do mensalão e a gradativa mudança do petismo para o lulismo.

A mesma lógica que leva à tese do plebiscito, que é diferente da polarização entre as duas forças partidárias que comandam a política nacional também há 20 anos, faz com que alguns pensem ser possível, e quase natural, que um presidente tão popular como Lula volte a disputar a Presidência em 2014, mesmo que a sua candidata se eleja em 2010

Se Lula vier a querer voltar à disputa eleitoral, o que considero discutível e mesmo improvável, seria ingenuidade imaginar que ele pudesse decidir com tanta antecedência o destino de um eventual governo de Dilma Rousseff.

O caráter personalista do “lulismo” será superado pela própria eleição, mesmo que a candidata oficial dependa mais dele do que de suas próprias pernas para vencê-la.

Segundo Maquiavel, os “príncipes novos” podem chegar ao poder por força própria, quando o mais difícil é conquistar o poder vencendo a resistência do antigo ocupante, ou alheia.

No primeiro caso, uma vez chegando lá, já não restam rivais à vista. Lula chegou ao poder em 2002 a bordo de um projeto político do PT, vencendo a resistência do adversário imediato, o PSDB, que ficara no poder por oito anos com Fernando Henrique, que o derrotara duas vezes seguidas no primeiro turno.

Mas quando o príncipe novo chega ao poder por força alheia, adverte Maquiavel, “é outro que derrota o antigo ocupante, para oferecer o principado (governo) a quem considera seu protegido e que se transforma, de certa forma, em seu dependente”.

Chegando ao poder, só resta ao príncipe novo se livrar do seu protetor. No nosso caso, Dilma vencedora da sucessão presidencial deverá a Lula a vitória e se tornaria sua dependente caso aceitasse dar seu lugar a ele na eleição de 2014, abdicando da possibilidade de se reeleger.

Na história recente, temos o exemplo do general João Figueiredo, o ultimo dos militares-presidentes, posto na Presidência por uma manobra política do general Golbery do Couto e Silva com o presidente Ernesto Geisel, que pensavam poder controla-lo.

Quando deixou o governo, derrotado pelos novos aliados de Figueiredo, Golbery comentava que qualquer um que subisse a rampa do Planalto com aqueles soldados batendo continência, ao chegar ao topo, já estaria convencido de que estava ali por méritos próprios e que não devia nada a ninguém.

É muito difícil, quase impossível, imaginar o que será um eventual governo da ministra Dilma Rousseff. Inclusive por seu temperamento, não aceitará facilmente tutelas se investida do cargo.

Mas, ao mesmo tempo, por sua inexperiência política, ela terá que depender do apoio do PT, embora não tenha nenhuma liderança dentro do partido e só tenha vingado como candidata oficial graças ao empenho do presidente Lula.

Ou então continuar contando com Lula para a intermediação partidária, o que pouco provável que aconteça, a não ser que aceite ser uma fantoche do ex-presidente. E o PT aceite continuar tendo um papel secundário diante de Lula. Sem contar que o PMDB aumentará suas exigências à medida que ficar claro que a governabilidade depende dele.

Entre os cenários possíveis, uma crise de comando político pode afetar a governabilidade de uma administração sem apoio partidário.

No caso do PSDB, também é difícil imaginar uma convivência pacífica entre o governador José Serra eleito presidente e o governador Aécio Neves tornado o coordenador da área social do governo.

E é mais difícil ainda imaginar que possa dar certo um plano que prevê oito anos para Serra e mais oito para Aécio. Sem falar na probabilidade grande de o PT e os chamados “movimentos sociais” quererem emparedar o governo tucano, provocando também crises institucionais.

Tanto o PSDB quanto o PT fazem programações de longo prazo sem contar com os imprevistos, como se fossem os únicos protagonistas da história política brasileira.

O eleitor pode querer mudar essa história.

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Feliz Ano Novo a todos. A coluna volta a ser publicada na primeira semana de janeiro.

Serra tem palanque de candidato na Baixada

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma semana depois de Aécio Neves ter anunciado sua desistência de disputar a candidatura do PSDB à Presidência, o governador José Serra foi recebido ontem em palanque na Baixada Santista como virtual candidato à sucessão do presidente Lula.

O deputado Beto Mansur (PP) e o prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa (PMDB), saudaram Serra em discurso como "a melhor opção para cuidar dos destinos do País".
Em entrevista à imprensa, contudo, o governador negou-se a falar de eleições e repetiu que não antecipará a campanha.

Alberto Carlos Almeida:: A estratégia da oposição em 2010 - II

DEU NO VALOR ECONÔMICO (23/12/2009)

Não imaginei que fosse escrever sobre o mesmo tema do último artigo. Isso se tornou inevitável depois do resultado eleitoral do primeiro turno das eleições chilenas. Alexis de Tocqueville, o grande pensador francês do século XIX, um dos pais fundadores da sociologia e da antropologia, escreveu, entre várias importantes obras, duas que se destacaram sobremaneira: "O Antigo Regime e a Revolução", análise profunda das causas e consequências da Revolução Francesa, e, a mais famosa de todas, "A Democracia na América", estudo igualmente profundo sobre a grande novidade social e política que representavam os Estados Unidos.

Surpreendentemente, a princípio, é saber que "A Democracia na América", ou ao menos todo o seu arcabouço analítico, já tinha sido escrita antes de Tocqueville viajar e conhecer os Estados Unidos. O leitor poderá se perguntar: como é possível alguém escrever sobre um país sem antes conhecê-lo? Em 1831, Tocqueville, ao lado de Gustave de Beaumont, percorreu os Estados Unidos durante nove meses com o objetivo de conhecer o sistema penitenciário do país para que essa experiência fosse utilizada na sua França querida (http://www.tocqueville.org/). "A Democracia na América" está recheada de observações, fatos, evidências empíricas, catalogadas por Tocqueville durante essa viagem.

Porém, toda a parte analítica e teórica de seu monumental trabalho já estava escrita antes de Tocqueville colocar os pés no Novo Mundo. Afinal, repetimos a pergunta, como isso foi possível?

Tocqueville considera que há dois princípios que regem as relações sociais: o aristocrático e o democrático. Em sociedades aristocráticas as pessoas se consideram diferentes em tudo; ao contrário, nas sociedades democráticas as pessoas se veem como iguais. A França era aristocrática e os Estados Unidos eram democráticos.

Em países aristocráticos os pronomes de tratamento variam conforme o status social das pessoas. Alguns são chamados de doutores, outros de senhores e a ralé é tratada por um simples você. Em sociedades democráticas há somente um pronome de tratamento para todos. Em sociedades aristocráticas os homens são independentes e as mulheres em tudo, ou quase tudo, dependem dos homens. O oposto ocorre nas sociedades democráticas.

Baseado nesse princípio básico Tocqueville mostrou como era a educação das mulheres na América em comparação com a França. De fato, a mulher puritana é mais independente do que a francesa católica, o flerte é diferente, o uso dos pronomes de tratamento é diferente, os monumentos públicos, as estátuas, são diferentes. Tocqueville tinha em mãos um princípio básico e mostrou que ele funcionava para entender as relações sociais na América. Ele não precisou ir aos Estados Unidos para saber como provavelmente funcionava a vida diária daquele país baseada na igualdade e em relações sociais democráticas. Mas precisou ir lá para rechear com fatos o seu brilhante livro.

O que isso tem a ver com o meu último artigo e as eleições chilenas?

Há duas semanas escrevi que a estratégia da oposição, no Brasil de 2010, teria de adotar um discurso de continuidade ao que vem dando certo no atual governo. O que o candidato de oposição fez no Chile? Exatamente isso. Sebastián Piñera, oposicionista, fez uma campanha eleitoral governista. Não precisei ir ao Chile para saber que ele colocou na televisão fotos suas ao lado da presidente Michelle Bachelet. Não precisei ir ao Chile para saber que ele prometeu ampliar os programas sociais do governo ao qual foi o candidato de oposição. Para obter essas informações bastou-me ler os jornais brasileiros. Muitos observadores de eleições que foram ao Chile, sem o devido instrumental analítico, viram tudo na eleição, menos o que realmente interessava para o sucesso eleitoral de Piñera.

Não adianta, portanto, você coletar fatos empíricos se não for capaz de separar o que importa do que não importa. O que importa em uma eleição presidencial na qual o governo tem um índice muito elevado de aprovação? Resposta: disputar o legado do governo. Mesmo se você for o candidato de oposição. Entre as promessas de Piñera consta a ampliação da licença-maternidade de três para seis meses. Convenhamos que se trata de uma proposta estatista para um candidato de direita que se opõe a uma aliança governista de esquerda.

Qual é o objetivo de Piñera ao fazer essa proposta? Mostrar que ele, apesar de ser um bilionário, se importa, e muito, com a vida das pessoas comuns. Mostrar que ele, apesar de ter sido o candidato derrotado por Michelle na última eleição presidencial, compartilha com ela muitas de suas visões de mundo e políticas públicas. Mostrar que ele tem o social como prioridade. O Piñera oposicionista do Chile propõe duplicar o tempo da licença-maternidade.

Há algumas semanas, sugeria que a nossa oposição deveria defender duplicar o valor do Bolsa Família. Argumentei que no Brasil há um fator atenuante: foi a atual oposição, quando era governo, quem elaborou e deu início a esse programa. Piñera nem isso tem, não foi ele que instituiu a licença-maternidade no Chile.

Alguns oposicionistas andam interpretando o resultado do primeiro turno no Chile como um sinal de que um presidente muito popular, no caso Michelle Bachelet com seus 80% de aprovação, não consegue transferir votos para o candidato de sua aliança, Eduardo Frei, ao menos o suficiente para que ele chegue em primeiro no primeiro turno.

Essa interpretação não é incompatível com a minha análise. Sim, uma presidente bem avaliada poderá perder as eleições. Eu apostaria que Frei será derrotado no segundo turno por Piñera. Se isso realmente ocorrer, a principal causa terá sido a estratégia acertada de Piñera ao se posicionar como um candidato governista. O grande problema é se essa interpretação da eleição no Chile, a de que um governo bem avaliado não elege necessariamente o sucessor, levar ao corolário de que a oposição não precisa se preocupar com isso no Brasil porque o Brasil será o Chile amanhã.

O que importa, portanto, é saber por que Michelle não fez que Frei tivesse um desempenho eleitoral melhor no penúltimo domingo. Isso ou porque Piñera se posicionou como um candidato de governo ou porque não é imediata a transferência de votos de um governo bem avaliado para o seu candidato? De fato, a transferência não é imediata. Eu diria que ela, a princípio, não existe. Franklin Delano Roosevelt afirmou que quando apoiava um candidato ele transferia apenas um voto para o candidato apoiado, o seu voto. Ninguém vota em um candidato simplesmente porque o líder ou o presidente popular pediu.

Se alguém idolatra Lula e Lula pedir para votar em Dilma Rousseff, isso não necessariamente ocorrerá. Esse eleitor vai perguntar a Lula o seguinte: o que eu ganho votando na candidata em quem o senhor me pede para votar? Lula provavelmente vai responder: ela dará continuidade ao que vem sendo feito de bom pelo meu governo. Aí começa o processo daquilo que é chamado, erroneamente, no meu entender, de transferência de votos.

Parte de nosso eleitorado acha que José Serra é quem mais tem condições de dar continuidade ao governo Lula. Desses eleitores, 89% declaram ter a intenção de votar em Serra, 5% em Dilma e 7% branco, nulo ou não responderam a essa pergunta. Por outro lado, daqueles que consideram que Dilma é quem mais tem condições de dar continuidade ao governo Lula, 68% declaram a intenção de votar em Dilma, 18% em Serra e 14% branco, nulo ou não responderam. Para o bom entendedor meia palavra basta. O dado é claro: o voto está fortemente correlacionado com a percepção do eleitor acerca de quem tem mais condições de dar continuidade às coisas que vêm sendo bem avaliadas no governo Lula.

Façamos o exercício intelectual de imaginar essa mesma pergunta aplicada em uma pesquisa realizada hoje no Chile. Qual seria o resultado mais provável? Muito possivelmente algo parecido com o resultado para o Brasil. Michelle e Lula são bem avaliados. Reza a cartilha da aversão ao risco que o eleitorado, quando gosta de um governo, quer ficar com aquele que o mantenha e o melhore. No Chile, embora pareça paradoxal, quem mais tem condições de dar continuidade ao governo é o candidato de oposição. Vale repetir: meia palavra basta.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).

Congresso Revisor :: José Genoino

DEU EM O GLOBO

A crise política tem que ser resolvida pela política. As sucessivas crises em nosso sistema político-eleitoral demandam uma profunda reforma, sob risco de enfraquecimento da democracia e do princípio de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Não é possível que a atividade política continue a ser vista como uma sucessão de escândalos. Tampouco pode se tornar prisioneira da técnica e da judicialização.

O caminho para a superação desse quadro é a transformação do Parlamento eleito em 2010 em Congresso revisor. Ao longo de 2011, seria feita a revisão constitucional centrada nos artigos da Constituição restritos à organização dos poderes e ao sistema político e eleitoral.

O Congresso se reuniria em sessões conjuntas, com matérias aprovadas nas duas Casas, respeitando o quórum de três quintos para a decisão de cada uma, debatendo e votando em conjunto.

Na campanha de 2010 debateríamos a reforma política com a população e submeteríamos as mudanças a um referendo nas eleições municipais de 2012, para que valessem nas eleições de 2014. Dá-se assim à população a perspectiva de debater e depois referendar uma reforma política institucional que dê ao país condições de governabilidade, de aprofundamento da democracia, de transparência e de confiança do eleitor nas instituições políticas. Os candidatos terão de deixar claros seus pontos de vista sobre a reforma, sem vinculá-los aos interesses dos mandatos.

Após 24 anos de consolidação da democracia, passa da hora de se redesenhar o sistema político institucional brasileiro, com base nas premissas da democratização na relação com o eleitor, na funcionalidade das instituições e na relação entre o dinheiro e a política. É preciso redefinir o papel da Câmara e do Senado, mudar o sistema eleitoral, instituir o financiamento público de campanha etc. Sem rupturas, poder-se-á oxigenar o debilitado sistema político e eleitoral. Temos de aprofundar a relação e o funcionamento dos três poderes, e aumentar a participação popular em iniciativas de leis. A permanecer a situação, o Legislativo, em todos os níveis, continuará desacreditado, enfraquecendo a democracia

Mauro Santayana:: As convenções do calendário

DEU NO JORNAL DO BRASIL

A convenção do calendário nos adverte de que demos mais uma volta em torno do sol, é costume fazer do ano a vir pequena e temporária utopia. Por mais pessoal que seja, nos limites das próprias aspirações, sabemos que não a edificaremos sem a contribuição dos outros. Não há ser que possa viver absolutamente só. Para ganhar na loteria, esse sonho de alforria econômica e social, é preciso que outros apostem. É assim com tudo: o êxito das nossas empresas, a paz familiar, a alegria do reconhecimento alheio de nossas possíveis virtudes. E não é preciso falar nos sentimentos da amizade e do amor. Indivíduo é aquele quenãopode ser dividido por outro, mas que pode e deve dividir-se, para multiplicar-se em seus atos e em seus sentimentos. Ele se faz a partir dos outros, e sua inteligência, quaisquer que sejam os limites dos próprios atos e do conhecimento adquirido, irá influir sobre as pessoas com as quais conviva ou possa comunicar-se.

É raro pensar nessas coisas óbvias, exatamente porque são tão óbvias.

De forma quase natural aproveitamos estes dias de renovação da esperança para a confraternização. É o retorno à utopia maior, a da paz.

Quando passarem estas horas, voltaremos à guerra de todos contra todos, ou de quase todos contra todos, porque felizmente há quem resista, quem mantenha na alma a chama da solidariedade.

Em magnífico estudo sobre a filosofia do Iluminismo, Ernst Cassirer recorre ao verbete redigido por Rousseau na Éncyclopédie para definir a Economia Política: “Resumamos, em quatro palavras, o pacto social dos dois estados. Você tem necessidade de mim, porque sou rico e você é pobre; façamos então um acordo entre nós: eu permitirei que você tenha a honra de me servir, sob a condição de que você me dê o pouco que lhe resta, pelo trabalho de comandá-lo”. Cassirer observa que, de acordo com Rousseau, a forma de contrato que tem dominado a sociedade até hoje pode implicar uma obrigação jurídica, mas se encontra nas antípodas de todo laço moral autêntico.

Rousseau retorna ao ideal grego republicano. A ordem social só pode ser construída na liberdade. São os homens, no exercício pleno de sua vontade, que devem estabelecer as leis, e essas leis obedecem a duas fontes de legitimidade, a de sua origem e a de seu fim. Elas não podem, a menos que percam a natureza essencial, violar o fundamento da igualdade na construção da ordem. No pensamento grego, a inteligência ética é que deve fixar os limites entre a liberdade individual e a liberdade coletiva, republicana (política, segundo o étimo).

Essa consciência ética só pode ser adquirida mediante a razão.

Falta ainda um pensador vigoroso que se detenha a redigir tratado completo sobre a natureza das utopias. Há, e muitos, estudos sobre uma ou outra elaboração utópica, de Platão a James Hilton (com sua ficção sobre Xangrilá), isso sem falar na obra clássica de More. A partir do princípio de que cada um de nós é construtor de utopias – mesmo aqueles que desprezam planejá-las, mas as edificam na esperança, como Epimeteu, o irmão dissidente de Prometeu é de se constatar que a esperança é atributo inseparável do espírito humano. Há a esperança de realização individual, que move a sociedade de produção e consumo, exacerbada a partir da tecnologia do desperdício. E há a esperança da realização coletiva. Dois têm sido os caminhos em busca da realização coletiva. Um é o da política, da disseminação das idéias, de que o Evangelho é belo e insubstituível exemplo. Outro, o da força. Quando a situação se torna insuportável para os oprimidos, eles costumam rebelar-se da forma que podem, usando o direito reconhecido pelos humanistas de todos os tempos.

A mais simbólica das rebeliões sociais, a de Espartaco contra o Estado Romano, foi liquidada por Crasso e Pompeu, com a crucificação de seis mil escravos ao longo da Via Appia – 72 anos antes de Cristo. No início, o grande gladiador queria apenas que os escravos pudessem escapar do jugo e refugiar-se em seus países de origem. Mas seus comandados queriam mais, queriam o poder para construir uma sociedade igualitária – e por isso foram massacrados.

Mas as utopias são necessárias. Ao tentar realizá-las, as sociedades avançam. Assim foi possível abolir a escravidão, universalizar-se o ensino, melhorar o nível de vida e da saúde para grande parte da humanidade. Antes que o homem faça, é necessário que sonhe.

Aécio lidera e Arruda despenca no ranking

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aécio Neves (PSDB) é o mais popular entre os dez governadores avaliados pelo Datafolha, em pesquisa feita entre os dias 14 e 18 deste mês. Ele obteve nota média de 7,5. O mineiro já liderava o ranking na sondagem feita em março, quando alcançou 75% de aprovação e nota 7,6.

José Serra, de São Paulo, subiu da quinta para a quarta posição no ranking. A nota média do tucano é 6,6.

Os que tiveram a pior avaliação foram José Roberto Arruda (sem partido-DF), na nona posição, e Yeda Crusius (PSDB-RS), que se manteve em décimo.

Aécio é líder no ranking de governadores; Arruda é o 9º

Mensalão do DEM faz governador do DF despencar da sexta para a penúltima posição

Serra, Luiz Henrique e Cabral têm melhora em avaliação; Yeda segue última colocada, e 50% consideram governo da tucana ruim ou péssimo


Malu Delgado
Da Reportagem Local

O mineiro Aécio Neves (PSDB) é o mais popular do ranking de dez governadores avaliados pelo Datafolha, em pesquisa realizada entre os dias 14 e 18 deste mês. O governador, que no dia 17 anunciou a decisão de retirar seu nome da disputa presidencial, obteve nota média de 7,5 numa escala de 0 a 10. Entre os moradores de Minas entrevistados na sondagem, 73% consideram o governo de Aécio ótimo ou bom, ante 19% que o avaliam como regular e 6% que acham péssima ou ruim sua administração.

O mineiro já liderava o ranking na sondagem anterior, feita em março deste ano, quando obteve 75% de aprovação e nota média 7,6. A alta popularidade de Aécio em Minas, segundo maior colégio eleitoral do país, explica a intenção de parte do PSDB de convencê-lo a disputar a eleição de 2010 como vice-presidente, com o governador José Serra (PSDB), numa chapa "puro-sangue".

Os dois governadores com pior avaliação são José Roberto Arruda (sem partido-DF), na nona posição, e Yeda Crusius (PSDB-RS), que se manteve no décimo lugar. Ambos tiveram os nomes envolvidos em recentes escândalos de corrupção nos Estados que governam.Arruda sofreu o desgaste político mais visível. Apontado como o protagonista de escândalo que supostamente arrecadava propinas de empresas que tinham contratos com o governo do Distrito Federal -esquema batizado de mensalão do DEM-, Arruda caiu da sexta posição na sondagem feita em março para a nona.

A nota média obtida pelo governador, que se desfiliou do DEM no dia 10 para evitar ser expulso, foi 4,8. Em março, ele obteve 6,4. Hoje, 40% acham o governo de Arruda ótimo ou bom, enquanto 22% o consideram regular e 37% acham a administração ruim ou péssima.Antes do escândalo, Arruda era apontado como uma das estrelas do DEM com chances reais de ser reeleito. Sem partido, ele não poderá disputar a eleição de 2010 ao governo.

Ascensão e queda

Com o nome consolidado para disputar a Presidência da República pelo PSDB, o governador de São Paulo, José Serra, subiu da quinta para a quarta posição. A nota média obtida pelo tucano é 6,6, a mesma da sondagem feita em março. A avaliação do governo, porém, melhorou: 55% consideram a administração tucana ótima ou boa, 32% dizem que é regular, e 11% que é ruim ou péssima.

Também estão mais bem avaliados os governadores peemedebistas de Santa Catarina, Luiz Henrique, passando da oitava para a quinta colocação, e do Rio, Sérgio Cabral, que foi do nono para oitavo lugar. Já o peemedebista Roberto Requião, do Paraná, caiu da quarta para a sétima posição.

Embora os tucanos possam comemorar as boas posições de Aécio e Serra, a governadora Yeda Crusius, última colocada, é o pesadelo do PSDB.

Com nota média de 3,9, 50% dos entrevistados consideram o atual governo do Rio Grande do Sul péssimo ou ruim. Somente 12% acham o governo Yeda ótimo ou bom, e para 37% a administração da governadora é regular.

Relatório da CPI da Corrupção, instaurada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para apurar denúncias de irregularidades na administração de Yeda, isenta a governadora de participação em atos ilícitos. A Polícia Federal investiga suposto esquema de fraudes em contratos do governo do Rio Grande do Sul.

Nordeste

Os governadores de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e do Ceará, Cid Gomes (PSB), permanecem bem avaliados e ocupam, respectivamente, a segunda e terceira colocação no ranking do Datafolha. Ambos são os pré-candidatos favoritos nos respectivos Estados até o momento e disputarão a reeleição em 2010.

Antes sétimo colocado, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), subiu uma posição. Sua nota média passou de 6,4 em março para 6,5.

Governo gasta R$ 697 milhões para pagar diárias em viagens

DEU EM O GLOBO

Ministro que mais recebeu foi Edson Santos, da Igualdade Racial

O governo gastou este ano R$ 697.075.119,98 só com o pagamento de diárias para ministros e servidores públicos em viagens nacionais e internacionais, segundo levantamento oficial que ainda não inclui as despesas de dezembro. Os 36 ministros receberam, no total, R$ 924.376,45, sendo que o que mais gastou foi Edson Santos, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ele ganhou R$ 67.192,39. Nelson Jobim, da Defesa, ficou em segundo, com R$ 60.584,53. Os gastos com diárias este ano são quase 30% maiores do que o total do ano passado, mas o pagamento da ajuda de custo para viagens nacionais só começou em julho deste ano, depois do escândalo investigado pela CPI do Cartão Corporativo, que derrubou a antecessora de Edson Santos, Matilde Ribeiro. Até então, o governo só pagava diárias para viagens ao exterior. O ministro que menos recebeu foi Alfredo Nascimento, dos Transportes.

Mais de meio bilhão com diárias

Governo federal gastou R$ 697 milhões este ano, um aumento de 30% sobre 2008

Luiza Damé BRASÍLIA

O governo federal pagou este ano mais de meio bilhão de reais em diárias para ministros e servidores púbicos em viagens nacionais e internacionais. De um total de R$ 697.075.119,98 de diárias pagas por órgãos da administração direta e indireta, 36 ministros receberam R$ 924.376,45. A maior parte, mais de R$ 687 milhões, foi distribuída entre cerca de 200 mil funcionários públicos em todo o país. O valor gasto com diárias em 2009 é quase 30% (29,5%) maior do que o total do ano passado, R$ 538.294.084,42.O ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos, foi o que mais recebeu diárias, com R$ 67.192,39, seguido pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, com R$ 60.584,53.

Em julho deste ano, o governo federal instituiu o pagamento de diárias nacionais para os ministros, entre R$ 458 a R$ 581, para cobrir despesas com alimentação, hotel e locomoção nas viagens pelo país. Até então, eles recebiam somente nas viagens internacionais, entre US$ 200 a US$ 300, por dia.

No mesmo ato, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram reajustadas as diárias dos servidores públicos do governo federal, com base na inflação acumulada desde 2003. A menor diária passou de R$ 85 para R$ 178, e a maior de R$ 106 para R$ 224. O impacto da correção e das diárias nacionais para ministros foi calculado pelo Ministério do Planejamento em R$ 100 milhões neste ano.

Para 2010 foram reservados mais R$ 200 milhões para pagamento de diárias, já que os ministros vão receber as nacionais o ano inteiro, e o reajuste terá impacto em 12 meses.

Média de R$ 3,5 mil por funcionário

Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência, vinculado à Controladoria Geral da União (CGU), e se referem aos 11 primeiros meses de 2009. Os gastos de dezembro serão incluídos por volta do dia 15 de janeiro de 2010 no Portal. O total levantado pelo GLOBO foi pago a cerca de 200 mil pessoas dos mais variados órgãos — ministérios, Forças Armadas, universidades federais, delegacias, gerências e unidades regionais, escolas técnicas e agrotécnicas federais, agências reguladoras, fundações e empresas públicas — o que dá uma média de R$ 3.500 por funcionário ao ano.

A assessoria de imprensa da Seppir, do ministro Edson Santos, disse, em resposta ao GLOBO, que ao longo deste ano a secretaria coordenou a 2aConferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que foi precedida de etapas nos 26 estados e no Distrito Federal, além dos encontros municipais. E o ministro participou de muitos deles.

O ministro também teve atuação na revisão da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, igualmente precedida de rodas regionais na América Latina e Caribe, sob a liderança do Brasil. Esse processo se encerrou com uma conferência em Genebra.

Segundo a assessoria, a Seppir não tem representação nos estados, o que obriga o ministro a fazer pessoalmente a articulação das políticas com os estados e municípios, justificando as viagens pelo país. “A Seppir não é um órgão finalístico, não executa programas ou obras.

Sua missão é elaborar as políticas de promoção da igualdade racial, articular sua execução por meio dos órgãos de governo nas três esferas, monitorar e avaliar a aplicação das mesmas”, informa a assessoria, que completa: “Para tanto, é necessário fortalecer os compromissos assumidos com os governos estaduais e municipais. O que torna a presença do ministro necessária em diversas ocasiões”.

A assessoria do Ministério da Defesa disse que o grande número de viagens realizadas por Jobim se deve à “natureza do cargo de ministro da Defesa e ao momento especial pelo qual passa o Ministério”. Para a assessoria, “deve, portanto, ser considerado natural se esse montante estiver acima da média de outros ministérios, que possuam outras características”.

Segundo a Defesa, além de constantes visitas do ministro a unidades militares das três forças, em todos os estados, e a indústrias do setor, houve ainda intenso envolvimento em negociações internacionais.

Entre elas, reuniões do Conselho de Defesa Sul-Americano, visita a indústrias de defesa estrangeiras e visitas diplomáticas à África.

A assessoria da Defesa argumentou que, no primeiro semestre, os ministros com viagens concentradas no território nacional não deverão ter computado o recebimento de diárias, que só foram criadas para uso no Brasil em julho.

No entanto, nesse período o ministro da Defesa já tinha realizado 19 viagens internacionais.

Dos 37 ministros, só o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não tem as diárias expostas no Portal da Transparência. O BC tem um sistema próprio, mas ainda não disponibiliza na sua página os gastos com diárias. Lá consta: “No momento, esta entidade ainda não divulga as informações de diárias e passagens”.

No total referente aos ministros, foram desconsideradas as diárias pagas a Luís Eduardo Adams (Advocacia Geral da União), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Samuel Pinheiro Guimarães (Assuntos Estratégicos) no período em que eles exerciam outras funções no governo federal. Os três ministros que deixaram o governo este ano — Mangabeira Unger, José Múcio Monteiro e José Antônio Toffoli — receberam, juntos, R$ 23.859,04 de diárias em 2009.

Denúncias em série que chegaram a derrubar uma ministra

DEU EM O GLOBO

O pagamento de diárias para os ministros de Estado nas viagens nacionais foi instituído em julho deste ano, seguindo recomendação da CPI Mista do Cartão Corporativo, que investigou, no início de 2008, denúncias de desvios no uso desse mecanismo por servidores do governo federal, incluindo autoridades do primeiro escalão.

Com a volta das diárias nacionais — que existiam até o início dos anos 90, mas foram extintas —, os ministros não podem mais usar os cartões para pagar despesas de alimentação, hotel e locomoção nas viagens pelo país.

Até então, esses gastos nas viagens nacionais eram bancados pelos suprimentos de fundos — dinheiro reservado para gastos não previstos — ou por cartão corporativo.

A CPI instalada no Congresso foi motivada por denúncias de que os gastos com o cartão corporativo em 2007 dobraram em relação ao ano anterior. O escândalo do cartão corporativo derrubou a então ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro, em fevereiro de 2008. Matilde gastou, em 2007, R$ 171 mil no cartão corporativo, sendo R$ 110 mil com o aluguel de carros e mais de R$ 5 mil em restaurantes.

O então deputado federal Edson Santos (PT-RJ), o que mais recebeu diárias este ano, substituiu Matilde.

Ao pedir demissão do cargo diante das pressões, Matilde Ribeiro disse ter cometido um erro administrativo no uso do cartão, mas alegou que foi orientada a proceder assim.

Mas o que mais pesou contra a então ministra foram as compras realizadas por ela em um free shop, num total de R$ 461,16, e pagas com o cartão do governo. Naquela época, ela disse ter usado o cartão corporativo por engano e devolveu o dinheiro para os cofres públicos.

O ministro da Pesca, Altemir Gregolin, também teve despesas com cartão corporativo investigadas pela CPI. Gregolin usou o cartão para pagar almoços em churrascarias para comitivas internacionais. Um jantar custou de R$ 500 e foi oferecido a uma comitiva de representantes do governo chinês em visita ao país. Ele também gastou R$ 70 em uma choperia. O ministro devolveu o dinheiro.

O caso do ministro do Esporte, Orlando Silva, tornou-se folclórico. Ele usou o cartão corporativo para pagar uma conta de R$ 8,30 em uma tapiocaria de Brasília. Também devolveu o valor. Neste ano, Orlando Silva recebeu R$ 27.209,71 de diárias, segundo dados do Portal da Transparência (www.portaltransparência.gov.br).

Luiz Carlos Mendonça:: Economia brasileira: riscos para 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O que pode estragar esse cenário de forte crescimento? Certamente, erros de política econômica pelo governo

Que diferença entre as expectativas que temos hoje para a economia e o mesmo sentimento nos últimos dias de 2008. "Água para o vinho", para usar uma expressão popular que se perdeu no tempo.

Um ano atrás, vivia-se a sensação de que a economia mundial mergulhava em um vazio assustador após a quebra do banco Lehman Brothers. Profetas do Apocalipse ocupavam as paginas principais dos maiores jornais do mundo com profecias aterradoras. Os terríveis dias, meses e anos da Depressão dos anos 30 do século passado eram lembrados na mídia diariamente.
No Brasil, esses mesmos receios eram divididos por empresários, jornalistas, banqueiros e trabalhadores. Sabemos hoje que apenas os consumidores, principalmente os de renda mais baixa, não foram dominados por esse baixo astral em dimensão global. As estatísticas sobre o consumo nos piores dias da crise são claras nesse sentido.

Mas, em uma sociedade moderna, é a sua superestrutura que formata o comportamento da mídia. E a mídia adora explorar um momento de pânico coletivo para aumentar a demanda por seus serviços. Por isso, o sentimento de desespero no Brasil parecia ser geral, quando se lia os principais jornais e revistas.

Durante os primeiros três meses de 2009, o cenário econômico continuou a se deteriorar. A esperança trazida por um novo presidente na maior economia do mundo e epicentro da crise durou poucas semanas. As Bolsas de Valores, termômetro eficiente do sentimento coletivo, chegaram, no mundo todo, ao fundo do poço nas primeiras semanas de março. O índice S&P da Bolsa de Nova York chegou a 666,80 nesses dias -que os investidores certamente gostariam de esquecer. Uma queda de mais de 55 % em relação ao que prevalecia ao se encerrar 2007.

Mas as ações decisivas de governos e bancos centrais -seguindo as lições da Grande Depressão- conseguiram reverter, pouco a pouco, essa sensação de vazio. O pânico foi cedendo lugar a um pessimismo mais racional, o que permitiu que parte do mundo chamado emergente voltasse a crescer de forma sustentada. Com isso chegamos, neste final de ano, a um cenário mais construtivo para 2010 em um grupo importante de economias. O Brasil, junto com a China, é um dos exemplos mais representativos desse universo. Como o comportamento do consumidor brasileiro fugiu à regra geral do pânico, a normalização das expectativas ocorreu de forma mais rápida e consistente entre nós.

Alguns indicadores econômicos já estão em níveis superiores ao que prevalecia antes de setembro do ano passado. O número de empregados com carteira assinada, a massa de salários e mesmo o volume de crédito ao consumo são alguns exemplos relevantes dessa realidade extraordinária.

Como resultado, o crescimento a taxas bastante elevadas deve voltar em 2010. Como resposta ao vigor dos gastos dos brasileiros, os empresários certamente retomarão os investimentos em setores ligados à dinâmica interna. Apenas nos setores mais voltados à exportação de bens industriais deve permanecer uma atividade menos intensa.

O que pode estragar esse cenário de forte crescimento nos próximos anos? Certamente, erros de política econômica por parte do governo. Em recente entrevista, o ministro da Fazenda nos dá uma boa pista sobre a elevada probabilidade de isso ocorrer. Suas palavras foram de "hubris" pura. Ou, como diz minha neta Gabriela: "Ele está se achando..."

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Miriam Leitão:: Balanço externo

DEU EM O GLOBO

A corrente de comércio brasileira deve fechar 2009 com queda de US$ 90 bilhões. De janeiro a novembro, deixamos de exportar 24% em relação a 2008 e importamos 27% a menos. Parte da queda das importações é puxada pelos bens de capital, que são sinônimos de investimento. Eles caíram 18%. E em 2010 a corrente de comércio não voltará ao nível anterior à crise

O ano de 2009 é o primeiro desde 2003 com redução na corrente de comércio (veja no gráfico). É o ano em que trocamos de principal parceiro comercial: entrou a China, saíram os EUA. Para os americanos, deixamos de exportar 44% entre janeiro a novembro, na comparação com 2008.

Deixamos de vender produtos manufaturados, de maior valor agregado, como aviões (-69%); partes de motores e geradores (-40,40%), calçados de borracha (-30,98%). A exportação do principal produto, petróleo, caiu 44,39%. Como a queda das importações foi menor (-21,2%), o Brasil ficou deficitário no comércio com os EUA. Isso não acontecia desde 1999.

A China hoje, sozinha, representa mais para as exportações brasileiras do que África, Oriente Médio e Europa Oriental juntas. Ela compra 13,6% de tudo que vendemos para o exterior. De janeiro a novembro, exportamos para os chineses 21,6% a mais do que no mesmo período de 2008, saltando de US$ 15,9 bilhões para US$ 18,8 bi. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a hegemonia chinesa como principal parceiro do país aconteceu “ao sabor das ondas”, e não por conta de políticas de comércio bilateral entre os países. Isso porque os chineses compram principalmente matérias-primas, como minério de ferro e soja.

— Todo o mundo sabe que o Brasil é grande produtor de minério de ferro, soja, carne de frango e celulose. Então o Brasil não precisou fazer esforço e foi beneficiado pelo apetite voraz da economia chinesa, que precisou estimular o mercado interno para combater a crise — disse.

A queda das importações foi geral. O Brasil comprou menos de todos os blocos econômicos, o que é resultado natural de uma economia que não cresceu. O que preocupa, nesse caso, é que deixamos de fazer investimentos, comprometendo a sustentação do crescimento futuro. A redução de compras de bens de capital foi de 17,9%. As quedas foram generalizadas: partes e peças para agricultura (-46,3%); máquinas e ferramentas (34,2%); partes e peças para indústria (-29,5%); máquinas e aparelhos de escritório e serviço científico (-22,0%); ferramentas (-20,5%); acessórios de maquinaria industrial (-16,2%); maquinaria industrial (-11,5%); equipamento móvel de transporte (-7,6%).

Essas importações vão fazer falta em 2010, quando o país voltará a crescer fortemente.

Para 2010, Castro estima que a corrente de comércio subirá de US$ 281 bilhões para US$ 328 bi. Ou seja, ainda ficaremos bem abaixo do resultado de 2008, quando exportamos e vendemos para o exterior um total de US$ 371 bilhões. As exportações devem crescer 11%, enquanto as importações devem subir 23%. Ele estima que o saldo do balança será positivo em US$ 12 bilhões, praticamente a metade do que ocorrerá este ano.

— Corrente de comércio menor significa menos atividade econômica, menos emprego.

E mais uma vez nossas exportações estarão focadas em commodities. Isso é ruim porque dependeremos da cotação de preços que são negociados em bolsa e que podem estar inflados por conta dos juros baixos no mundo.

Esse é um dos receios para o ano que vem. Com a retirada dos estímulos econômicos pelos países ricos, que acontecerá em algum momento de 2010, os preços das principais commoditities devem sofrer uma correção e isso terá impacto sobre as exportações brasileiras.

Além disso, explica Castro, três de nossos principais produtos têm cenários incertos: aço, minério de ferro e soja.

— Há excedente de mais de 350 milhões de toneladas de aço no mundo e isso se reflete nos preços do minério de ferro. Em relação à soja, há supersafras nos Estados Unidos, Brasil, e Argentina, os três maiores produtores.

Ele considera que há outra ameaça, referendada pelo Congresso e que terá o apoio do presidente Lula: a entrada da Venezuela de Hugo Chávez no Mercosul. Isso tornará mais difícil o estabelecimento de relações comerciais bilaterais do Brasil. Alguém duvida de que Chávez usará seu poder de veto para impedir acordos entre Brasil e EUA?