quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – José Serra

"A Nova República completa 25 anos em março, mês em que Tancredo Neves deveria tomar posse na Presidência. Há razões para sustentar que se trata da fase da história do Brasil com o maior número de conquistas de indiscutível qualidade política e humana.

Em primeiro lugar, o país nunca havia conhecido um quarto de século ininterrupto de democracia de massas. É nítido o contraste com a oligárquica República Velha, de eleições a bico de pena, sacudida por intervenções nos estados, revoluções e instabilidade.

O período supera igualmente a fase democrática após a queda de Getúlio Vargas, em 1945. E não só pela duração – o regime da Constituição de 1946 foi desfeito em menos de vinte anos pelo golpe que derrubou João Goulart. A Nova República vai muito além na expansão sem precedentes da cidadania e na eliminação quase total das restrições ao direito de voto, com o eleitorado praticamente se confundindo com o universo da população adulta.

Longe de acarretar maior instabilidade, a ampliação da participação das massas populares coincide com um período de completa ausência de conspirações, golpes militares, quarteladas, intervenções preventivas e epílogos políticos trágicos ou temerários.
Bem diferente do período anterior, que teve Aragarças e Jacareacanga, durante o governo de Juscelino Kubitschek; o movimento do marechal Lott, de 11 de novembro de 1955; o suicídio de Vargas, em 1954; e a renúncia de Jânio Quadros, em 1961".


(José Serra, governador de S. Paulo, em artigo “Vida longa à Nova República”, publicado na revista VEJA, desta semana)

Mexer no coração:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Uma definição do ex-presidente Campos Salles quando, ainda deputado em 1895, preocupado com “os perigos para o regime da liberdade que adotamos”, da regulamentação de texto constitucional que permitiria a intervenção do poder central nos estados, pode resumir a essência dos debates sobre uma eventual intervenção no Distrito Federal.

Se é possível um corpo político ter coração, eu direi que neste momento estamos tocando no próprio coração da República brasileira”, advertiu Campos Salles, ferrenho defensor da autonomia dos estados na República recéminstalada no país.

De fato, a intervenção federal pode ser comparada a uma intervenção cirúrgica no corpo político do país, quando o seu coração está gravemente enfermo. Por isso, a intervenção em qualquer dos estados federados paralisa os trabalhos do Congresso Nacional, que não pode fazer emendas constitucionais enquanto durar a intervenção.

Uma intervenção na capital do país, então, tem a dimensão política dramatizada, e por isso é tão difícil de ser adotada, além das dificuldades técnicas. Mas pode também representar uma afirmação de valores democráticos e republicanos.

A intervenção federal pode ser feita em qualquer dos poderes, Legislativo e Executivo, de acordo com condições rígidas previstas na Constituição. Mas a regra é a não intervenção, tanto que o artigo 34 que fala do tema começa com a advertência: “A União não intervirá nos estados nem no Distrito Federal, exceto para ...”.

No caso atual, como num anterior, em que era pedida a intervenção federal no Espírito Santo, à época dominado pelo tráfico de drogas, o pedido é de intervenção nos dois poderes, Legislativo e Executivo, o que dificulta a execução da medida.

O caso do Espírito Santo em 2002 é semelhante ao de Brasília no que diz respeito ao envolvimento da maioria da Assembleia Legislativa (no caso de Brasília, da Câmara Distrital) com o crime organizado.

No caso atual, se não há envolvimento com o tráfico de drogas, há, no entendimento do procurador-geral da República, respaldado pelos diversos filmes que foram fartamente exibidos, o envolvimento de um grupo político majoritário em atos de corrupção.

De nada adiantará ao atual governador, Wilson Lima, ou a outro que o suceda, conseguir o apoio da maioria dos partidos para ter governabilidade se ela estará comprometida com a cumplicidade com a corrupção endêmica do sistema político local, assim como na ocasião, o apoio da Assembleia Legislativa do Espírito Santo dependia do aval do seu presidente, José Carlos Gratz, que chefiava o crime organizado no estado.

O então presidente Fernando Henrique Cardoso optou por uma “intervenção branca ” , para evitar os transtornos políticos de uma intervenção formal, e uma “força-tarefa” da Polícia Federal foi designada para o estado, o que acabou surtindo o efeito desejado, desbaratando a quadrilha que comandava o estado e colocando Gratz na cadeia.

O governador Paulo Hartung deu prosseguimento à limpeza nos últimos oito anos, e hoje o Espírito Santo é um dos estados que mais se desenvolvem no país.

Enquanto aguardam o desenrolar dos fatos políticos na capital, tanto membros do governo federal quanto do Supremo debatem extraoficialmente o que fazer se a crise política recrudescer como unanimemente se espera, diante da fragilidade política do governador em exercício, deputado distrital oriundo do grupo político de José Roberto Arruda.

A autonomia política do Distrito Federal, concedida pela Constituinte de 1988, dificilmente será revertida pelo Congresso Nacional, o que obriga a que a solução política passe pela Câmara Distrital, totalmente contaminada.

Não é de se esperar, por isso, que ela eleja indiretamente um governador que venha a fazer uma limpeza ética na política.

Um interventor nomeado pelo presidente da República deveria ser um nome independente, suprapartidário, que pudesse comandar uma reforma dos hábitos e costumes políticos de Brasília.

Há entre os que decidem, e que residem em Brasília, a certeza de que, às vésperas de completar seus 50 anos, a capital não tem motivos para comemorações.

A decisão do Supremo Tribunal Federal pode vir a ser um estímulo para a recuperação da autoestima do Distrito Federal e, em consequência, uma sinalização para o resto do país.

Mas tem que ser uma solução que zere a pedra e favoreça um recomeço da atividade política na capital, evitando uma volta ao passado igualmente contaminado.

O Democratas vai ter que revelar uma capacidade política insuspeitada para se recuperar dessas crises todas em que se vê envolvido nos últimos tempos. Vacilou ao não expulsar imediatamente o governador José Roberto Arruda, por não ter condições políticas de fazê-lo ou por um cálculo político equivocado.

E errou também ao imaginar que poderia preservar o vice Paulo Octávio. De qualquer maneira, livrou-se dos dois, ao contrário de outros partidos, que não puniram os seus pares envolvidos em escândalos, sejam os mensaleiros e aloprados do PT — o caso mais recente de retorno aos quadros petistas é o do assessor de Mercadante, Hamilton Lacerda, apanhado com a mala cheia de dinheiro para comprar um dossiê contra o então candidato ao governo de São Paulo José Serra — sejam os envolvidos no mensalão mineiro do PSDB.

Com relação à única estrela do partido que restava, o prefeito Gilberto Kassab, a cassação de seu mandato por um juiz de primeiro instância, pelos motivos que já haviam sido descartados pelo Tribunal Superior Eleitoral quando analisou as contas de campanha do presidente Lula, é claramente uma arbitrariedade.

O estrago político só não é maior porque vários vereadores petistas foram também indevidamente cassados, o que coloca todos na mesma situação.

Mas o partido terá que ser muito assertivo em suas posições para se livrar da imagem pública de envolvimento em escândalos, e recuperar a força política para indicar o vice na chapa do PSDB.

Rio pode perder 2 deputados federais

DEU EM O GLOBO

Projeto em discussão no TSE atualiza dados populacionais e altera bancadas

Chico de Gois e Isabel Braga

BRASÍLIA. O ministro Arnaldo Versiani, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), realizou ontem uma audiência pública para debater a polêmica minuta de resolução que atualiza os dados populacionais para o cálculo do número de deputados federais e estaduais por estado.

Pela proposta do ministro, relator das resoluções do TSE para as eleições deste ano, a bancada de deputados federais eleitos pelo Rio cai de 46 para 44. A Paraíba também perderia dois deputados; outros estados, como o Pará, ganhariam.

A resolução deve ser votada na próxima semana.

Na audiência pública de ontem no TSE, compareceram vários parlamentares, sobretudo do Amazonas, que ganha um, e Piauí e Rio Grande do Sul, que perdem um deputado cada. A minuta mantém o total de 513 deputados, mas a aplicação dos dados populacionais atualizados leva a modificações nas bancadas de alguns estados.

A composição atual se baseia em dados populacionais de 1986. Versiani decidiu propor a mudança na representação dos estados na Câmara, tomando por base a estimativa populacional do IBGE, de julho de 2009, para o censo populacional que será realizado em 2011.

O Estado do Rio, hoje com 46 federais, perderia dois deputados já nesta eleição, segundo a resolução de Versiani.

A validade da medida, porém, é a grande polêmica: os parlamentares entendem que medidas como esta teriam que ser aprovadas pelo menos um ano antes da eleição.

Pará ganharia mais três deputados federais Para o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), a Constituição é tão clara sobre o princípio da anualidade que não será preciso grandes mobilizações para evitar que a resolução tenha validade este ano: — Se por acaso isso passar, é só entrar com mandado de segurança.

Os ajustes na representação são vedados em ano eleitoral. Acho que o debate sobre a redução da representação e o fim dos suplentes de senadores deve ser feito já. Mas tirar do Rio para favorecer outros, como já tentam fazer com os royalties do pré-sal, não há como aceitar — disse Miro.

A Paraíba perderia dois deputados e os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Maranhão, Goiás, Pernambuco e Piauí perdem um cada. Enquanto oito estados perdem vagas, sete ganham e nos demais (12) as bancadas não se alteram, se a resolução for aprovada pelo TSE e vigorar para as eleições de 2010.

O Pará seria o maior beneficiado, com um aumento de três vagas, subindo de 17 para 20. Minas ganha duas vagas e Amazonas, Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Santa Catarina, um deputado cada. São Paulo mantém a maior bancada, de 70.

O ministro Versiani disse que a audiência de ontem vai servir para ajudar os ministros do TSE a formarem opinião.

Ele não quis adiantar como irá votar e nem se defende a validade para este ano.

Para 'FT', tamanho do Estado pautará debate

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Eleitor fará plebiscito sobre intervenção maior ou menor na economia, avalia jornal britânico

Daniela Milanese, Correspondente, Londres

O tamanho do Estado deve dominar as discussões da corrida presidencial no Brasil, avalia o Financial Times. O jornal britânico lembra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já anunciou a estratégia de transformar a votação de outubro em um plebiscito sobre seus oito anos no poder. No entanto, para o FT, o processo ganha a forma de um plebiscito diferente: se o governo deve ter um papel maior ou menor na economia. A publicação lembra que o fortalecimento do Estado é defendido tanto por Lula como pela pré-candidata do PT, Dilma Rousseff. A estratégia é criar grandes empresas de energia e telecomunicações, revertendo a política adotada nos anos 1990.

Em entrevista ao FT, o economista-chefe do Goldman Sachs e criador do acrônimo Bric - iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China -, Jim O"Neill, diz não ver problemas em algumas políticas mais à esquerda do governo. Ele acredita que o fortalecimento de estatais poderia assegurar investimentos em infraestrutura.

No entanto, O"Neill avalia que o aumento generalizado do tamanho da máquina pública não iria funcionar. "Um Estado maior sufocaria o setor privado. Se você quer taxas de juros mais baixas, você precisa reduzir o tamanho do Estado", afirmou em entrevista ao jornal.

O jornal lembra que Lula manteve os pilares da política econômica do tucano Fernando Henrique Cardoso e, agora, muitos investidores sentem que essa política está tão fortificada que "pouco importa quem ganhar em outubro". Para O"Neill, essa avaliação é um erro. "Me preocupa que as pessoas pensem que a eleição não importa."

Conforme o Financial Times, o provável candidato do PSDB, José Serra, deve defender um Estado menor e mais eficiente. Líder nas pesquisas, ele ainda não declarou sua candidatura, o que frustrou membros de seu partido, diz o jornal. "Até a oposição se mostrar, ela (Dilma) terá de debater sozinha sobre o papel do Estado."

DECLARAÇÕES

No Congresso do PT realizado no último sábado, que aclamou Dilma como pré-candidata à Presidência pelo partido, Lula previu em discurso qual será a reação à campanha petista e ao posicionamento do programa de governo com relação ao tamanho do Estado na economia. "Vão dizer que a Dilma vai ser estatizante. Se prepare", afirmou na ocasião, olhando para a ministra.
"Isso não é ruim, não. Isso é bom." Em seguida, o presidente complementou. "Claro que você não vai querer estatizar borracharia, bar, pizzaria, cervejaria. Mas aquilo que for estratégico, não estiver funcionando e precisar colocar para funcionar."

Ex-PFL, cada vez menos importante:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O DEM conseguiu adiar o seu encontro com o passado até 2002, quando rompeu com o PSDB e deixou de ser seu aliado preferencial. De lá para cá, a lufada de ar obtida com a reconciliação com o PSDB, já no governo Lula, não foi suficiente para deter a queda livre da importância do partido na democracia representativa brasileira. Partido com organização muito semelhante à do PMDB - é muito regionalizado, suas lideranças locais são altamente dependentes de verbas de governos para manter a máquina partidária funcionando e não tem lideranças nacionais capazes de viabilizar um projeto próprio de poder -, ganha daquele partido, no entanto, em coesão interna e clareza ideológica. Jamais conseguiu romper, todavia, a contradição entre a convivência entre uma estrutura partidária arcaica na base, que o sustentou enquanto esteve no governo nos Estados mais pobres e atrasados da Federação e foi aliado ao governo federal, e uma unidade ideológica na cúpula.

A radicalização da política em torno do PT e do PSDB tornou a situação do ex-PFL muito delicada. Nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em que houve uma harmoniosa aliança dos tucanos com o liberalismo, o DEM se viu perdendo cada vez mais espaço como representação ideológica dos setores conservadores. O PSDB, mais organizado nas regiões mais ricas do país, teve chance maior de crescer junto a esse eleitor. A retórica, hegemônica no período, de que a modernização do país obrigatoriamente passava pela desregulamentação da economia, colou muito mais no PSDB do que no então PFL. A imagem do partido, afinal, estava muito distante de tudo o que se imaginasse como moderno: era um racha do PDS, partido que apoiou a ditadura militar, e suas lideranças regionais não apenas eram oligarquias estaduais, mas se projetaram nacionalmente como quadros políticos do regime militar.

Ao longo da sua existência, o partido teve formuladores (coisa que o PMDB jamais conseguiu depois da redemocratização) que detectaram essas dificuldades estruturantes de organizar o partido como alternativa de poder. O PFL sempre sobreviveu como apêndice de um projeto político que não era seu. Durante os governos FHC, lideranças mais arejadas tentaram remover esses obstáculos. O político que mais conseguiu andar nessa direção foi o deputado Luiz Eduardo Magalhães, morto precocemente. As tentativas recentes, de guindar a posições de comando políticos jovens, não conseguiram sequer arranhar a imagem consolidada do partido, de arcaismo político. A aliança do DEM com o PSDB em São Paulo, que fez Gilberto Kassab chegar à prefeitura da capital, era a esperança de tirar esse estigma da legenda conservadora e tentar crescer no Sudeste o que decresceu no Norte e no Nordeste, em função da alta popularidade do presidente Lula nas duas regiões. O último ano de governo do prefeito da maior capital do país, no entanto, não foi dos melhores do ponto de vista administrativo. A imagem de "gestão moderna" pode estar se desfazendo na água da chuva, assim como está longe de ser anódina para a sua popularidade e para a do seu partido a sua cassação pela Justiça Eleitoral, mesmo que ela tenha sido suspensa até o julgamento da sentença pela segunda instância.

O escândalo do Distrito Federal, que levou para a cadeia José Roberto Arruda, o único governador eleito pelo partido em 2006, e os problemas enfrentados na capital paulista com a justiça desmontam o recurso político que ainda deu algum gás ao ex-PFL enquanto este se manteve na oposição. A estratégia foi a de tentar compensar as perdas que obteve enquanto purgava na oposição (a estrutura de voto do DEM é dependente do poder público e sobrevive a duras penas em uma conjuntura em que o partido não está no governo federal) com um discurso agressivo e moral, na tentativa de galvanizar um setor ideológico da opinião pública com dinheiro para financiar o partido verticalmente e votos para manter sua importância no quadro partidário. É mais ou menos essa a lógica da formação da UDN, segundo a interpretação da cientista política Maria Victoria Benevides em "A UDN e o Udenismo": sem grande estrutura nacional e sem romper com os métodos tradicionais de fazer política, o antigo partido se articulava como movimento, e foi assim que conseguiu uma unidade interna e uma representação social, a despeito de ser um ajuntamento de lideranças da política tradicional. Foi como movimento, e não como partido político, que conseguiu protagonismo no fim do Estado Novo, em 1945, na queda do governo constitucional de Vargas, em 1954, e na deposição de João Goulart, em 1964.

Sem lideranças nacionais como as da UDN - que teve em seus quadros o "herói" brigadeiro Eduardo Gomes e o jornalista Carlos Lacerda, possibilidades de concretização de projetos de poder autônomos - e numa realidade em que o poder ao qual se opõe não está em declínio, como acontecia com o regime de 1945, o discurso moral do DEM não seguiu seu curso como o modelo do passado. De qualquer forma, antes que conseguisse colocar na opinião pública a imagem de redentor moral da Nação, o DEM foi alvejado pelo escândalo do Distrito Federal. A exposição de irregularidades de captação de recursos de campanha pelo prefeito Gilberto Kassab pela Justiça Eleitoral não é o melhor dos mundos, menos pelo escândalo e mais pelo que ele pode esvaziar do discurso udenista do partido - e isso mesmo que, no mesmo balaio, tenham sido cassados vereadores de partidos da base governista federal.

A capacidade ofensiva do DEM se manteve no Senado, onde tem uma bancada de 14 senadores.
Mas até essa banda de música corre risco. Nessas eleições, vence o mandato de nove deles - isto é, da bancada de 14 senadores, apenas cinco terão mais quatro anos de mandato. Na Câmara, tem apenas 58 deputados dos 65 que elegeu em 2006 (em 1998 chegou a eleger 105). O partido perdeu terreno nas disputas por governos estaduais na eleição passada e zerou sua participação com a saída de Arruda do governo do DF. Agora, corre o risco de ver minguar ainda mais as suas trincheiras no Legislativo.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Clóvis Rossi: Serra, Dilma e o marechal Lott

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Termina nesta semana a novela (ou a agonia) José Serra, jura a cúpula do PSDB. O governador paulista será candidato.

O fim da agonia não será festejado com fogos de artifício. Haverá apenas sinais de fumaça para que o mundinho político, em especial o tucanato e seus aliados, definidos e potenciais, saiba que saiu fumaça branca das chaminés do Palácio dos Bandeirantes.

Só mais tarde é que se fará algo mais festivo para carimbar a pré-candidatura, esse rótulo grotesco que a grotesca legislação brasileira exige que se use embora todo o mundo saiba que Dilma Rousseff, Marina Silva e, agora, Serra são candidatos, não pré-candidatos.

A candidatura tucana nasce sem vice. Não há um nome no DEM de que se fale mais. Nem houve desistência definitiva de ter Aécio Neves na chamada chapa puro-sangue. O governador mineiro decidirá segundo seu tempo, diz-se na cúpula do PSDB. E tempo de político mineiro é certamente diferente de tempo de político paulista.

O tucanato não acredita em candidatura Ciro Gomes, por mais que haja gente no partido que diga que Ciro anda com mais raiva do PT e do PMDB do que de Serra, seu arqui-inimigo. Ciro pode até querer disputar a Presidência, mas o partido está louco para correr para os braços de Dilma, o que o deixaria pendurado na brocha sem escada.

Dá para ganhar de um Lula com a corda toda, ainda que ele seja candidato apenas pela interposta pessoa de Dilma?

Não imaginava outra resposta que um "sim", mas ele vem acompanhado da observação de que Dilma tende a ser o marechal Lott de 2010. O marechal Henrique Lott (1894-1984) foi o candidato do governo (Juscelino Kubitschek) na eleição de 1960 e perdeu para Janio Quadros. OK, mas não convém esquecer que JK não tinha, então, o prestígio que Lula tem hoje nem Serra tem o apelo que Janio tinha.

Debate velho e inconcluso:: Alon Feuerwerker

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE (ontem)

Para a esquerda brasileira, a democracia representativa, com liberdade partidária e alternância no poder, é uma premissa do progresso social? Ou é em última instância um obstáculo?

Num partido de esquerda, e que portanto adora discutir, chama atenção a dificuldade do PT quando vai debater certos temas. Um deles é a luta armada dos anos 1960 no Brasil. Está evidente a esta altura que foi um grave erro político. Mas como restam laços, até afetivos e biográficos, e há também a justa obrigação de homenagear o heroísmo de muitos, ela é deslocada para o terreno da mitologia, onde a política tem dificuldade de trafegar.

Desse balanço inacabado decorre outro problema: o desconforto do PT ao abordar a essência do debate sobre a democracia. A questão esteve no centro das polêmicas que fizeram nascer as organizações guerrilheiras, movimentos derrotados no que se propunham: a conquista do poder por meio da revolução e a abolição do capitalismo.

Em consequência da derrota militar, ao longo dos anos 1970 os remanescentes e sobreviventes da luta armada foram se incorporando à frente parlamentar-institucional. Até que a fundação do PT absorveu na “luta legal” os últimos céticos que resistiam ao “caminho burguês”.

A História é fascinante também por causa dos paradoxos. O PT é o herdeiro principal das vertentes políticas que aderiram ao projeto guerrilheiro (é furado chamar Dilma Rousseff de neopetista; ela já era petista muitos anos antes de o PT existir), mas acabou por comprovar que o melhor mesmo era se organizar para alcançar o governo por meio de eleições. Apoiado sim nos movimentos sociais, mas 100% voltado para a conquista progressiva de espaços de poder com a ajuda das urnas.

É impossível na prática, mas se alguém pudesse fazer hoje a contabilidade acumulada nestes 30 anos para medir quanto tempo o PT, em todos os níveis, gastou discutindo eleição ou outros assuntos a estatística seria autoexplicativa.

Só que a mudança na realidade material costuma vir antes da flexão nas ideias, gerando uma certa tensão, que se prolonga tanto mais no tempo quanto menos o sujeito histórico reflete sobre a própria experiência. Daí que o PT em seu congresso aprove plataformas para o partido, apenas para em seguida garantir que elas não serão aplicáveis no programa de governo. Em teoria, as justificativas são “táticas”, pela ausência de força própria e pela necessidade de alianças.

Mas esse “etapismo” também é bem descrito na literatura: as metas estratégicas ficam como objeto de culto e conforto espiritual, enquanto a tática ocupa todo o espaço reservado à política.

E, assim, no dia em que tiver força suficiente os objetivos partidários também já terão mudado, pois ao transformar a realidade é inevitável que ela também opere uma metamorfose no agente da transformação. Desse jeito caminha a humanidade, também na política.

O debate sobre o valor universal da democracia foi ensaiado no interior do Partido Comunista Brasileiro na passagem dos anos 1970 para os 1980, sob a dupla influência da história do próprio PCB e do assim chamado eurocomunismo, nascido remotamente das reflexões do PC italiano sobre o golpe contra Allende no Chile em 1973 e em seguida adotado pelos comunistas franceses e espanhóis.

A discussão acabou abortada quando o PCB conduziu a polêmica contra as posições de Luiz Carlos Prestes para a ruptura orgânica, à esquerda (contra o prestismo) e à direita (contra o eurocomunismo), e acabou inviabilizado como partido de massas. Deixando completamente aberta a estrada para a construção da hegemonia do PT, que veio a ocupar o vácuo com grande competência, conduzido por Lula.

Mas, como atual gerente do boteco socialista, agora é o PT quem se vê na contingência de lidar com assuntos inconclusos. A dúvida é essencialmente a mesma desde meio século atrás. Para a esquerda brasileira, a democracia representativa, com liberdade partidária e alternância no poder, é uma premissa do progresso social? Ou acaba sendo um obstáculo, dado que nela há sempre a possibilidade de o partido ser removido, pacificamente, do governo?

Lula apoia Crivella e complica disputa no RJ

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Paulo de Tarso Lyra

Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai apoiar o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) em sua campanha de reeleição ao Senado. Lula avisou sua decisão ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB), antes do Carnaval e complicou ainda mais a montagem do palanque estadual para a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff. Cabral já havia concordado em ceder uma das vagas do Senado em sua chapa ao candidato do PT, mas quer lançar o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani, como candidato do PMDB. No PT, a disputa entre a secretária estadual de Assistência Social, Benedita da Silva, e o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, deve repetir a eleição apertada que definiu o novo presidente do diretório fluminense - Luiz Sérgio, apoiado por Benedita.

Lula conseguiu convencer Lindberg a abrir mão de disputar o governo, o que facilita a reeleição de Cabral. Mas o gesto posterior - declarar o apoio a Crivella - complicou novamente o cenário. "O Crivella foi leal comigo, já apanhou muito por minha causa e eu devo muito a ele", disse Lula a Cabral. Também pesou a proximidade de Crivella com o vice-presidente José Alencar, a quem Lula não pretende contrariar.

Para um estrategista político do Planalto, a eleição para o Senado fluminense passou a ser uma das mais difíceis do país após a decisão de Lula. Apesar de toda a máquina estadual, há dúvidas se Cabral terá a mesma facilidade de eleger Picciani se Lula, por exemplo, gravar uma mensagem de apoio a Crivella. Como a outra mensagem a ser gravada por Lula deve ser para o petista, Picciani poderia ficar sem mensagem de apoio em um dos principais Estados aliados do governo.

Cabral, por outro lado, tem dificuldades políticas de abrir mão de Picciani para apoiar Crivella. Mas o simples apoio de Lula ao senador do PRB não significa, na visão de adversários de Crivella, garantia de êxito. Até o momento, a coligação do PRB é limitada, o que garante a Crivella aproximadamente 30 segundos no horário eleitoral. "Se Lula gravar uma mensagem de apoio a Crivella, ele ficará sem tempo de apresentar suas propostas. Se for lançar sua plataforma ao Senado, não terá como mostrar Lula", disse um dos postulantes ao Senado pelo Rio.

Crivella pode aproximar-se do ex-governador do Rio Anthony Garotinho, que vai tentar eleger-se para o Palácio das Laranjeiras pelo PR. Garotinho já deixou claro que quer apoiar Dilma mas não dividirá palanque com Cabral. Políticos fluminenses afirmaram ao Valor que um dos artífices da aproximação entre Garotinho e Crivella seria o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Mas não acho que ele exercerá esta função abertamente, pois no plano nacional Cunha é um dos principais operadores do PMDB na aliança com Dilma", afirmou um observador.

No PT, apesar do apoio de Lula, a situação também não é pacífica. Aliados de Lindberg Farias, asseguram que ele conta com mais de 260 dos 400 delegados petistas, além de ter mais "mais densidade eleitoral" que a ex-senadora Benedita da Silva. "Eu nunca disse que queria disputar outro cargo, sempre me apresentei como candidata ao Senado", disse Benedita ao Valor, uma provocação a Lindberg, que planejava disputar o governo estadual.

Deputado é voto solitário contra gasto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

De Brasília - Na votação nominal do texto-base do projeto que cria o Fundo Social pela Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira, o placar registrou apenas um voto contra: o do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP). Os outros 330 deputados votaram a favor - inclusive os colegas dele da oposição. "Estamos vivendo uma situação kafkiana. Estamos discutindo o fundo de um recurso que nem existe e, quando existir, nem sabemos qual será o montante", disse.

Ontem, na votação nominal de uma emenda do PSB ao projeto do fundo, destinando parte dos recursos do Fundo Social para a previdência social, lá estava Madeira novamente, como único voto contra entre os 357 votantes.

Em seu quarto mandato na Câmara e pré-candidato à reeleição na eleição de outubro, o tucano tem sido o maior crítico das votações de propostas com apelo popular, neste período eleitoral - especialmente as que aumentam o gasto público, como reajuste salarial e criação de cargos.

"Eu estou preocupado com esse conjunto de projetos e iniciativas em ano eleitoral que venham a redundar em gasto público. Não vejo aqui ninguém preocupado em saber como é que vamos pagar, de onde vem o dinheiro e como é que vamos controlar o gasto público para poder, por exemplo, melhorar a situação de câmbio", afirmou.

A discussão "mais surrealista", para ele, foi a de ontem, em torno da emenda do deputado Márcio França (PSB-SP), destinada a compensar perdas de aposentadoria 5% dos recursos do Fundo Social aplicados no combate à pobreza. "É um negócio sem pé nem cabeça. Eu não queria acreditar no que estava vendo", relatou.

Durante a votação, Madeira aproximou-se do deputado Antonio Palocci (PT-SP), relator do projeto do fundo, e disse: "A demagogia do governo de criar um fundo no ano eleitoral levou à demagogia da base do governo e da oposição de querer dar dinheiro para os aposentados."
Ao votar contra o fundo, o tucano assumiu posição diferente da bancada, que estava liberada para a votação. "Está todo mundo a favor no PSDB, porque há medo de que isso possa ser usado contra o partido na campanha. Não posso criticar o PSDB nesse caso, porque se criou um clima no plenário, que todo mundo é a favor eleitoralmente."

Na opinião de Madeira, "há um clima de gastança" hoje no país. Cuidadoso com a análise da posição do PSDB, avalia que falta uma sinalização clara do comando partidário na orientação das votações. "Acho que falta ao PSDB, nessas matérias, a coragem de assumir alguns conceitos. Não tem uma direção que dita o caminho. É a bancada que define como vai votar. E a bancada é formada por deputados preocupados com seu eleitorado."

Para o deputado, há um problema de "gestão de partido", para estabelecer claramente posições em relação a projetos que aumentem os gastos públicos, por exemplo. Madeira disse que entre ser reeleito deputado à custa de trair suas posições e perder a eleição, prefere "ficar coerente" a suas ideias.

O deputado citou, entre propostas que estão na pauta de votações e o preocupam, algumas Propostas de Emenda Constitucional: a que equipara o piso salarial dos policiais militares dos outros Estados com os do Distrito Federal, a que garante titularidade a donos de cartórios e a que transforma a carreira de delegado em carreira jurídica.

"Estamos tratando aqui da análise de projetos que envolvem o futuro da sociedade brasileira.
Essa coisa de criar gasto e determinar aumentos de salários é muito fácil e bonita. Mas quem vai arcar no futuro são os futuros contribuintes. Estamos inviabilizando reduzir imposto, carga tributária. Essa é uma contadição que está claríssima aqui", afirma Madeira. (R.U.)

Modelo démodé:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O governo quer criar três estatais: uma de fertilizantes, uma de telecomunicação e uma de energia. Nenhuma é necessária. Existe um fundo, da época da privatização, de mais de R$ 8 bilhões, para financiar os serviços de comunicação em áreas pouco econômicas. Na energia, o governo controla 70% da geração. O setor de fertilizantes está mais nacional: a Vale acaba de comprar a Bunge.

O presidente Lula disse ao “Estadão”: “Não existe hipótese na minha cabeça de você ter um Estado gerenciador.” A ministra Dilma disse à “Época” que “Nos anos 50, o Estado empresário tinha lá sua função”.

O que será que eles estão fazendo com estas convicções agora que decidiram aumentar a presença do Estado em três frentes ao mesmo tempo? Isso é um divórcio litigioso entre palavras e atos.

Eles perseguem um modelo que passou e é inútil. A ampliação dos serviços de banda larga pode ser financiada pelo Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telefonia) e pode ser induzida por regulação.

A Lei Geral de Telecomunicações criou o Fust para cobrir os gastos de quaisquer novos serviços cuja oferta para população mais distante e de baixa renda fosse antieconômica. O fundo subsidiaria isso. Hoje, ele recolhe em torno de R$ 700 milhões por ano e, em dez anos, já tem um estoque de mais de R$ 8 bilhões que não é usado para nada, exceto para fazer superávit primário.

Ele é capitalizado com parte da receita líquida das empresas de telefonia e uma participação nas receitas das outorgas. Em 2000, o governo passado preparou um programa que instalaria computadores e internet nas escolas. O PT entrou na Justiça e no TCU (Tribunal de Contas da União) alegando que era um programa eleitoreiro.

Conseguiu interromper a licitação. Nunca tocou o projeto, e as escolas brasileiras perderam 10 anos.

Anos atrás se falou em usar o Fust para financiar a disseminação da banda larga.

E agora, no apagar das luzes, o governo Lula passou a falar em ressuscitar a Telebrás, que vai herdar uma rede de fibra óptica de uma empresa que faliu para ampliar a banda larga. A confusão que o governo está fazendo é que a internet de alta velocidade não é um serviço de comunicação à parte.

É parte dos outros serviços de comunicação, seja telefonia fixa, seja TV a cabo. Em São Paulo, dos 645 municípios só 80 têm TV a cabo e há oito anos o governo não oferece novas licenças.

Com o Fust, boa regulação, agilidade na licitação de novos serviços o governo poderia ampliar o número de domicílios com banda larga, que hoje não passa de 16 milhões dos 55 milhões de domicílios brasileiros. Certamente não é com uma nova estatal que se fará isso.

Na época da privatização, a regulação obrigou as empresas a espalharem orelhões pelo Brasil inteiro. Parece incrível, mas eles eram uma raridade. Hoje, os orelhões raramente são necessários, mas naqueles tempos pré-históricos da telefonia estatal, nem isso a Telebrás tinha oferecido ao consumidor.

No setor de fertilizantes é o seguinte: a Fosfértil, Ultrafértil e outras empresas de matéria-prima eram da Petrobrás. Foram privatizadas e o setor passou a ter uma grande participação de empresas estrangeiras. A Vale acaba de comprar a Bunge, que era dona da Fosfértil; a Petrobrás continua importante no setor por controlar matérias-primas de fertilizantes nitrogenados, vindos do Nafta. Assim, as duas empresas brasileiras, uma estatal e uma privada, controlam a maior parte das matérias-primas básicas: fosfato, ureia e amônia. O cloreto de potássio o Brasil nunca teve, por isso sempre importou.

O governo não explicou como será a Fertilizantes do Brasil. O setor tem três estágios: produção de matériaprima, processamento, e os misturadores. As declarações do ministro Edison Lobão são de que seria uma empresa para atuar na produção de matéria-prima e no produto final. Ninguém entendeu muito bem, talvez nem ele. Já o ministro Reinhold Stephanes disse que a empresa teria uma estrutura “pequena, enxuta e simples”.

Acredite se quiser.

No passado, o setor dava prejuízo porque dependendo da época e do cliente o governo determinava que a Petrobras fornecesse o produto subsidiado. Hoje, tem uma grande empresa do setor à venda, a Copebrás. A Anglo American está pedindo um preço alto demais e não conseguiu ainda vender.

No setor elétrico é ainda mais insana a compulsão estatal do governo Lula porque a maioria da geração já está nas mãos das empresas estatais e 56% da transmissão. Das 10 maiores geradoras, oito são estatais.

Elas também têm grande parte do capital de todos os grandes projetos como Santo Antônio e Jirau.

As grandes empresas privadas só foram para este projeto porque as estatais e o dinheiro do BNDES foram juntos. A Petrobras é dona ou grande acionista de inúmeras termelétricas, e é monopolista no fornecimento de matéria-prima.

O presidente da República disse o seguinte ao “Estado de S. Paulo”: “Quero criar uma megaempresa de energia no país. Quero uma empresa que seja multinacional, que tenha capacidade de assumir empréstimos lá fora, de fazer obras lá fora e aqui dentro. Se a gente não tiver uma empresa que tenha cacife de dizer ‘se vocês não forem, eu vou’, a gente fica refém das poucas empresas que querem disputar o mercado.

Então nós queremos uma Eletrobrás forte para construir parceria com outras empresas. Não queremos ser donos de nada.” O governo já é dono da Eletrobrás, Eletronorte, Chesf, Furnas, Itaipu, sem falar na Petrobras. E quer uma empresa forte de energia? E ao mesmo tempo não quer ser dono de nada? O raciocínio do presidente Lula é tortuoso e agride os fatos.

Velhos dogmas petistas revisitados:: Roberto Muylaert

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

E agora, quando ninguém mais tem medo de Lula, eis que o presidente reabre a velha, empoeirada e superada cartilha do PT

Lula conseguiu afastar, desde o início, os temores da sociedade em relação ao respeito aos princípios básicos da governabilidade, para não recuar de um país inserido no século 21 para uma nação retrógrada.

Nesse ponto, o governo não só fez a lição de casa como foi além, sendo fácil elogiar os pontos altos atingidos pelo Brasil de Lula.

Começa pelas importantes conquistas sociais e pela inserção do país no cenário internacional, fruto de infatigáveis viagens e de uma empatia pessoal que abre caminhos internacionais com a mesma facilidade com que influenciou pessoas desde São Bernardo do Campo.

Quem já esteve com Lula sabe que ele é convincente, quase irresistível, ao tratar o interlocutor como se fosse velho amigo. Até Angela Merkel ele conseguiu puxar pelo braço, apesar do estilo não-me-toques alemão.

Sua característica de monoglota, ao contrário do senso comum, facilita a comunicação com gente de todo lugar. Quem se expressa em sua própria língua está sempre em vantagem com relação a alguém que utiliza o idioma do outro, mesmo que fale bem. Em especial nas discussões políticas e de negócios, nas quais a sutileza e a precisão de algumas expressões não admitem interpretações livres.

Os brasileiros sempre acham que devem tomar a iniciativa de quebrar a barreira da comunicação, partindo do princípio, correto, de que ninguém conhece o nosso idioma. Na ONU, há alguns anos, o português não era nem mesmo língua oficial a ser utilizada nas sessões da organização.

Na era Lula, nosso idioma entrou em cena, com os intérpretes cumprindo o seu papel e o presidente descontraído, fazendo piadas à vontade, certo de que a tradução das falas pode até melhorar o seu vernáculo, como acontece com as versões dos livros de Paulo Coelho.Agora, mundo afora, não é mais senso comum que no Brasil se fala espanhol. E já há colegas presidentes de países vizinhos, "cucarachos", tentando ouvir, sem fones no ouvido, as falas do nosso presidente.

Tudo baseado no entusiasmo transmitido ao povo por Lula, num país que só vai em frente se acreditar que tudo pode melhorar, como reza o mantra, às vezes falacioso, do "nunca antes neste país".

Quem tem memória antiga lembra que Juscelino Kubitschek foi o último presidente a fazer o país acreditar de verdade em si próprio, com a indústria automobilística, a construção naval, as hidrelétricas, a vitória na Copa de 1958, além da meta síntese, Brasília, que agora completa 50 anos.

Seu sucessor, Jânio Quadros, destruiu o modelo "50 anos em cinco" de Juscelino em apenas uma noite, com discurso amargo, pesado, transmitido para todo o país, em que bradou contra a inflação catastrófica, as dívidas "impagáveis" do governo, a inviabilidade de Brasília e da "estrada para cobra tomar sol", a Belém-Brasília. Depois desancou os funcionários públicos, ao dizer que o serviço agora seria em tempo integral e terminara a era de "deixar o paletó na cadeira" para fingir que estava trabalhando e sair.

Os corredores das repartições federais ficaram lotados, gente que nunca tinha aparecido, com medo de perder a sinecura, fato inédito para funcionários estáveis sem contrapartida pelo salário recebido.

E agora, quando ninguém mais tem medo de Lula, eis que o presidente reabre a velha, empoeirada e superada cartilha do PT.

A ordem é esquecer reformas essenciais, contratar mais e mais funcionários públicos (100 mil em seu governo), não ver necessidade de economizar, preencher cargos públicos apenas com critério político, tolerar desmandos e considerar intocável a obsoleta CLT, da década de 1940, entre outras coisas. A meta síntese de Lula é estatizar tudo o que for possível, como disse sua candidata, contrariando 9 entre 10 economistas: "o Estado é bom empresário".

Parodiando uma frase do milionário americano Paul Getty, "uma empresa privada mal administrada é melhor que uma estatal bem administrada". Até mesmo a Petrobras, exemplo de estatal imprescindível, melhorou o desempenho depois que foram abertas concessões para empresas privadas abrirem poços de petróleo.

Em princípio, estatal é melhor para o país, já que os resultados ficam para o Estado em vez de ir para o bolso dos capitalistas nacionais ou estrangeiros. O problema é que estatal não tem dono, e os cargos são preenchidos por indicações sujeitas a influências políticas e corrupção. Em vez do lucro, é o prejuízo que fica para o tesouro nacional.

Roberto Muylaert , 74, jornalista, é editor, escritor e presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo FHC).

Lula/Dilma. O controle do radicalismo na campan e a incerteza sobre o PMDB num governo dela::Jarbas de Holanda

O congresso do PT e a consagração de Dilma Rousseff como candidata do partido se processaram de acordo com os cálculos e com o roteiro do Palácio do Planalto. O evento, ademais da deli-
beração básica de constituir a nova executiva – bem afinada com o presidente Lula, a partir de seu principal dirigente, o moderado José Eduardo Dutra -, deveria, como o fez, propiciar a livre manifestação de todas as correntes petistas, tendo em vista a legitimação partidária da candidatura de Dilma e a unidade de todas elas na campanha eleitoral, inclusive das mais radicais. Unidade favorecida pela retomada da velha retórica anticapitalista do PT e sua
atualização com várias propostas autoritárias e restritivas da iniciativa privada, boa parte de inspiração chavista, que têm sido lançadas ultimamente. Como a do controle da mídia, a da institucionalização das invasões de terra, a da criação de um “conselho social’ para participar das definições e aplicação da política externa (a fim de reforçar e garantir a continuidade do abusivo esquerdismo praticado pelo atual comando do Itamaraty).

Mas tais propostas, destinadas ao programa do PT para a campanha de Dilma (e bem acolhidas pelo redator Marco Aurélio Garcia) tiveram grande repercussão na imprensa, avaliadas como um indicador de sensível esquerdização de um governo dela em relação aos dois mandatos de Lula. Com potencial de forte efeito negativo em largos segmentos da sociedade. O que, rapidamente, levou o presidente Lula a adotar uma postura de claro distanciamento crítico das proposições radicais dos petistas, o que ele fez a partir de entrevista exclusiva ao Estadão, publicada no dia de abertura do congresso. Na qual qualificou a reunião como “uma feira de produtos ideológicos”, em que “as pessoas compram o que querem e vendem o que querem”. E rechaçou recomendações feitas para mudanças na política macroeconômica: “Quero crer que a sabedoria do PT é tão grande que o partido não vai jogar fora a experiência acumulada de ter um governo aprovado por 72% na opinião pública. Isso é riqueza que nem o mais nervoso trotskista seria capaz de perder”. Por seu turno, Dilma Rousseff, em declarações à Veja, afirmou: “Censura à imprensa e controle estatal da cultura estão completamente fora das ações do atual governo, como também de nossas propostas para o futuro”.

Cabe assinalar, porém, que a postura crítica dos dois ao viés esquerdista do programa aprovado ao congresso é bem seletiva. De um lado, eles condenam as propostas que sabem ser rechaça-
das pela sociedade, como a de controle da mídia e a de respaldo legal às invasões de terras. Mas, ao mesmo tempo, estão de acordo, quase por inteiro no caso de Dilma Rousseff, com outra dimensão, relevante, desse viés: o conteúdo agressivamente estatizante de várias políticas e medidas recomendadas (em articulação com as de reforço do aparelhamento partidário e sindical da máquina pública). A concordância, além de refletir uma visão
semelhante ou próxima do papel do Estado, serve a um propósito eleitoral importante: contrapor o Estado forte do lulismo às privatizações do governo FHC, um dos ingredientes do plebiscito buscado pelo Planalto entre Dilma Rousseff e o candidato oposicionista, o governador de São Paulo, José Serra.

A incerteza da relação com o PMDB – Cumprido a contento o script de Lula para o congresso do PT – subordinação e mobilização para o processo eleitoral, bem como distanciamento dele e de
sua candidata do radicalismo para a preservação de apoios políticos e sociais fora da esquerda – o desafio à frente dos dois é o relacionamento com a direção central do PMDB centrista. Nas composições, ou inviabilidade delas, para os pleitos estaduais. Na formalização do candidato peemedebista a vice-presidente. E, na hipótese de uma vitória de Dilma Rousseff, na formação do governo, bem como na cooperação ou no dissenso entre o Executivo e o Congresso. Quanto aos dois primeiros itens, percebem-se no Palácio do Planalto e entre lideranças do PT avaliações divergentes sobre o que priorizar: o controle por Lula da indicação do vice (em face da necessidade de nome alternativo a Michel Temer e com o cálculo de que isso será relevante para a garantia da liderança político-institucional da chefe do governo), o que recomenda sacrifício de candidatos petistas a governador em alguns estados, especialmente em Minas; ou, ao contrário, a ampliação da influência política nas bases regionais, com o aumento de número de governadores do partido (ou a ele bem vinculados) e a conseqüente ampliação da bancada federal, inclusive para a disputa do comando da Câmara de Deputados. Desafio a ser enfrentado num contexto em que o objetivo maior das duas alas dirigentes do
PMDB, na aliança com o lulismo, é o exercício de um papel político-administrativo e institucional mais importante do partido – com maior peso num governo de Dilma do que aquele que teve no de Lula e maior autonomia (do que a atual) num Congresso em que mantenha a maioria nas duas Casas. Enquanto o presidente, embora reconheça a essencialidade dos peemedebistas para a campanha de Dilma, projeta para eles um papel bem menor, basicamente, de subordinação ao lulismo.

Jarbas de Holanda é jornalista

Morte de dissidente abre onda de prisões em Cuba

DEU EM O GLOBO

EUA e UE protestam; Lula, na ilha, lamenta, mas critica greve de fome; América Latina se cala

Dezenas de opositores que tentavam ir ao velório do dissidente Orlando Zapata Tamayo, morto após quase três meses de greve de fome, foram detidos ontem ou mantidos em prisão domiciliar pelo governo cubano. O presidente Raúl Castro lamentou a morte do preso político, disse que ele foi tratado "nos melhores hospitais" e culpou os EUA, assegurando que não há tortura em Cuba.
Os EUA, a União Europeia e entidades como a Anistia Internacional protestaram contra a situação que levou à morte de Zapata, e pediram a libertação dos presos políticos. Já o presidente Lula; que visita o país e foi alvo de críticas de dissidentes, lamentou a morte, mas condenou o recurso da greve de fome. Ele negou que tenha recebido carta de opositores. Os demais líderes latino-americanos optaram pelo silêncio absoluto.

Lula critica greve de fome e lamenta por Zapata

EUA e países europeus condenam posição de Cuba sobre direitos humanos. América Latina opta pelo silêncio

Luiza Damé
Enviada especial

HAVANA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem que os dissidentes cubanos tenham pedido para ele negociar com o presidente de Cuba, Raúl Castro, a liberação de presos políticos. Irritado, Lula afirmou que não recebeu carta dos dissidentes nem pedido de audiência.

O presidente lamentou a morte do preso político Orlando Zapata Tamayo, mas evitou avaliar denúncias de desrespeito aos direitos humanos.

—Eu não recebi nenhuma carta. As pessoas precisam parar com o hábito de fazerem carta, guardarem para si e depois dizerem que mandaram para os outros. Se eles tivessem pedido para conversar comigo, eu teria conversado com eles. Nós não nos recusamos a conversar — afirmou. — Se eles já são dissidentes de Cuba e agora querem ser dissidentes do Lula não tem problema nenhum.

Lula lembrou que a Igreja Católica condenou a greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, contra a transposição do Rio São Francisco.

Disse ainda que ele próprio negociou, em 2001, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso para impedir que os sequestradores do empresário Abílio Diniz entrassem em greve seca.

— Nós temos que lamentar, por alguém que morreu. E morreu porque decidiu fazer uma greve de fome. Sou contra greve de fome porque fiz e parei a pedido da Igreja Católica. Depois da minha experiência, pelo amor de Deus ninguém que queira fazer protesto peça para eu fazer uma greve de fome que eu não farei mais — disse.

Pedido internacional por libertação de presos políticos Na sua última visita a Cuba como presidente, Lula encontrouse com Fidel Castro, participou de reuniões de trabalho com o presidente Raúl Castro e jantou na tradicional La Bodeguita del Medio. Lula ficou duas horas e meia com Fidel e fez questão de fotografar seus auxiliares com o cubano.

— O presidente Fidel Castro está melhor do que da outra vez que o visitei. Está fisicamente bem, a cabeça está bem, pensando bem. As questões políticas, conversei com o presidente Raúl. Foi uma reunião de velhos amigos, velhos companheiros.

Lula e Raúl assinaram sete adendos a acordos entre os dois governos. O principal ato foi a visita ao Porto de Mariel, a 50 quilômetros de Havana, cujas obras de ampliação são financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O custo total da obra é de US$ 800 milhões, sendo US$ 453 milhões do governo brasileiro, mas os cubanos querem mais US$ 230 milhões.

A morte de Orlando Zapata Tamayo deflagrou uma série de protestos de governos e de órgãos de defesa dos direitos humanos.

Estados Unidos, União Europeia, Espanha, França, Itália e organizações como a Anistia Internacional e os Repórteres sem Fronteiras pediram a libertação dos presos políticos cubanos.

Em tons mais fortes, EUA e Espanha condenaram Cuba pela morte do dissidente, e a França lamentou que seu pedido para libertar Zapata não tenha sido ouvido.

— Estamos profundamente consternados por sua morte em defesa de seus direitos e para alertar sobre a situação e a opressão dos presos políticos em Cuba — declarou a secretária de Estado, Hillary Clinton, no Senado.

A Anistia Internacional, que tinha Zapata numa lista de presos de consciência, pediu a investigação de sua morte. “Orlando Zapata Tamayo sentiu que não tinha outra saída senão morrer de fome, em protesto. Sem um Poder Judiciário independente em Cuba, os julgamentos são rápidos e não cumprem os requisitos internacionais de justiça”.

Na América Latina a opção pareceu ser o silêncio. Ao GLOBO, Elizardo Sánchez, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, criticou a posição dos países latino-americanos.

— Cuba tem capacidade de intimidar os governos latinoamericanos, com sua política de envio de médicos. O Brasil podia se manifestar.

Deputados do Rio querem criar mais um TCE

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pelo projeto, novo órgão vai fiscalizar municípios, enquanto atual, um dos mais caros do país, cuida apenas do Estado

Motivo alegado é permitir maior controle dos gastos, mas deputados dizem que nova proposta é resultado de uma disputa política

Raphael Gomide
Da Sucursal Do Rio

Apesar de ter um dos tribunais de contas estaduais mais caros do Brasil, a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) planeja criar mais um órgão com as mesmas funções para fiscalizar 91 municípios, com exceção da capital, que já tem seu próprio tribunal.

Com a provável mudança, por emenda à Constituição estadual, caberia ao atual TCE fiscalizar apenas as despesas do Estado, o que o enfraqueceria. É esse essencialmente o objetivo da Assembleia, que investigou o TCE em 2009 em comissão parlamentar de inquérito.

Os gastos atuais são altos. O orçamento de 2010 do órgão é de R$ 419,1 milhões, pouco menor que o do contraparte de São Paulo, que previu R$ 455,2 milhões e cobre o Estado e 644 municípios (sete vezes o número de cidades do Rio).

O TCE de Minas Gerais, que cuida do Estado e de 853 municípios (nove vezes mais que o Rio), custa aos cofres públicos R$ 313,8 milhões anuais. O fluminense é 33% mais caro.

O orçamento do TCE-RJ corresponde a 78% do previsto pela Alerj (R$ 534,8 milhões), que tem 70 deputados (dez vezes o número de conselheiros), com 20 cargos à disposição de cada um.

O motivo alegado para a nova estrutura é permitir maior controle dos gastos. Nos bastidores, deputados afirmam que se trata de disputa entre o presidente da Alerj -à qual está vinculado o TCE- , Jorge Picciani (PMDB), e o órgão fiscalizador.

Em 2009, uma CPI investigou 3 dos 7 conselheiros do órgão, mas não conseguiu ouvi-los, por recursos ao Judiciário. A PF indiciou dois conselheiros e investigou outro.

O novo tribunal teria sete conselheiros, indicados pelo governador e ratificados pela Alerj. É potencial influência e pressão do grupo do governador Sérgio Cabral (PMDB) sobre municípios -conselheiros são vitalícios e podem reprovar contas e fazer inspeções.

O padrão é a nomeação de políticos, secretários de Estado e ex-deputados estaduais.

Prevê-se aumento de 3% para 3,4% da receita corrente líquida para o limite de despesas com pessoal do Legislativo (equivalente a R$ 120 milhões). Os custos de instalação são de R$ 90 milhões, além dos salários dos novos conselheiros, cerca de R$ 2,3 milhões anuais.

"Nosso propósito não é proteger maus gestores, mas desconcentrar o enorme poder que hoje tem o TCE, um órgão em metástase, e ter melhor fiscalização do dinheiro público", disse em nota a deputada Cidinha Campos (PDT).

Para o deputado Alessandro Molon (PT), "o projeto é muito ruim porque reproduz a estrutura do TCE em novo tribunal".

O presidente do TCE, José Nolasco, disse que a medida vai na contramão do enxugamento da máquina, será onerosa e dará um exemplo negativo ao país, além de não resultar em mais fiscalização. A presidência da Alerj não se pronunciou.

Cliente de Dirceu contradiz versão do governo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Marcio Aith
Julio Wiziack
Da Reportagem Local

Ao contrário do que afirma o governo, o empresário Nelson dos Santos, sócio de 25% da Eletronet, diz ter direito a receber um valor que pode passar de R$ 200 milhões independentemente de a companhia ser ou não incorporada à Telebrás, estatal de telecomunicações que deverá ser reativada com o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga).A Eletronet é uma empresa em processo de falência que a União planeja recuperar para usar seu principal ativo -uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas- na oferta de internet a 68% dos domicílios até 2014.

Como revelou a Folha na terça-feira, o ex-ministro José Dirceu recebeu ao menos R$ 620 mil para dar consultoria a Santos. Dirceu nega que tenha sido sobre banda larga.

O governo, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), disse que, independentemente de a Eletronet ser usada como "espinha dorsal" do PNBL, os únicos beneficiados serão os credores. Nenhum outro grupo empresarial privado ou sócios seriam favorecidos, diz a AGU.

Não é o que acredita Santos. O empresário diz que a autofalência da Eletronet não é culpa dos sócios privados. "O pedido de autofalência foi feito pela Lightpar [que representa o governo na empresa] e não pela AES [sócia majoritária na época]", disse Santos à Folha antes da publicação da reportagem. Procurado ontem, Santos não quis se pronunciar.

"A utilização da rede compartilhada entre o governo e as empresas privadas foi o objetivo inicial quando da privatização [da Eletronet] e só foi interrompida devido ao pedido de autofalência pela Lightpar", disse Santos. "A rede, mesmo após a falência, nunca deixou de funcionar, em regime de continuidade de negócios, tendo sido permanente a manutenção da estrutura física."

Por isso, ainda segundo ele, quem deveria negociar com os credores são as empresas estatais que inviabilizaram o funcionamento da Eletronet.

O governo depositou em caução R$ 270 milhões em garantia pelas fibras. Por isso, a Justiça concedeu a transferência por meio de uma liminar. Em janeiro, os credores entraram com uma petição para cassar a liminar, alegando não terem recebido o pagamento. Sem resolver essa disputa, o governo não poderia lançar o PNBL.

Agora, o governo sinaliza que não precisará mais da Eletronet, já que as fibras foram transferidas. Mas, segundo os advogados envolvidos no processo, no estatuto da Eletronet está definido que ela será a única gestora da rede por mais 11 anos. Caso o governo mude de ideia, os sócios privados terão de ser indenizados, incluindo Nelson dos Santos.

O empresário, que contratou Dirceu como consultor entre 2007 e 2009, reforça que o governo tem sócios privados e que, mesmo em posse das fibras, não pode tratar a companhia como estatal. "Se o governo queria transformar a Eletronet numa estatal, teria comprado a parte da AES quando ela decidiu sair da sociedade. A aquisição foi feita pelo valor referencial de R$ 1, registrando que essa participação da AES foi oferecida à própria Lightpar," disse.

Outro cenário é o de que a controvérsia pela posse das fibras seja resolvida e o governo mantenha a Eletronet como "espinha dorsal" do PNBL.

Nesse caso, a Eletronet, saneada, aumentaria sua receita e faria crescer a participação de Santos. Hoje ela não tem valor, mas, diz Santos, pode passar de R$ 200 milhões caso seja reativada com a Telebrás.

A casca de banana do outro lado da rua :: Luiz Felipe Lampreia

DEU EM O GLOBO

O Irã é hoje, sem dúvida, a maior ameaça à paz e à segurança do mundo. Seu programa nuclear avança velozmente, sendo composto por milhares de centrifugadoras enriquecendo urânio a um nível de concentração que já atingiu os 4% necessários para gerar eletricidade.

Seu presidente já afirmou que foi também atingido o nível de 20%.

Dizem os cientistas que é mais difícil chegar a 20% do que aos 90% necessários para confeccionar uma bomba atômica. Não se sabe se é verdade ou bazófia, mas há indicações de que assim é. Em outras palavras, o Irã está próximo do limite da capacidade nuclear.

As negociações diplomáticas para evitar este desfecho gravíssimo avançam lentamente, porém, seja porque o Irã negaceia, seja porque a pressão não é suficientemente contundente. As sanções econômicas que são ventiladas hoje geralmente não funcionam. É também sempre difícil trazer a China, potência com veto no Conselho de Segurança, a concordar com sanções.

Medidas que realmente atinjam interesses iranianos fundamentais — tais como bloqueio de seus depósitos financeiros internacionais ou compra de tecnologias sensíveis — são particularmente difíceis de reunir apoio suficiente para serem implementadas. De todo modo, o efeito de eventuais sanções é difícil de prever, já que, por vezes, não surtem o efeito desejado, e acabam reforçando o sentimento nacionalista e a coesão em torno do governo de que são objeto.

Nas ruas de Teerã e de outras grandes cidades, há uma contestação crescente do regime que se parece cada vez mais com os estados autoritários tradicionais, ou seja, ditaduras nas quais o aparelho de segurança controla o Estado e a maior parte da vida pública.

Na América Latina, já vimos este filme muitas vezes. À medida que a contestação popular aumenta, o resultado é um impasse, que não repercute sobre o progresso iraniano rumo ao armamento atômico.

O cronômetro está avançando nos três tabuleiros acima referidos e, se o caminho do armamento nuclear for o mais rápido, é possível que a Europa, os Estados Unidos e Israel sejam forçados a um dilema terrível, uma verdadeira escolha de Sofia : aceitar um Irã nuclear ou atacá-lo para evitar que ocorra este desfecho. Qualquer das duas alternativas seria nefasta. Um ataque, além de militarmente difícil e incerto, semearia o caos total no Oriente Médio, onde já não faltam tensões e impasses.

A arma nuclear daria ao Irã uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de Israel, que seria compreensivelmente intolerável para um povo que já sofreu o que sofreu.

À medida que este quadro se torna mais grave, a posição brasileira de aproximação com o regime de Ahmadinejad torna-se cada vez mais incompreensível.

Não se trata de “não curvar-se aos desígnios das grandes potências”, como argumentam os porta-vozes do governo.

Consiste em cometer um gesto gratuito, cujo preço é incomparavelmente maior do que qualquer possível retorno comercial ou político.

É errado apoiar um regime que reprime brutalmente nas ruas uma oposição desarmada. Essa política provoca um risco de contágio ao programa nuclear brasileiro, que é respeitado por todos os com promissos que assumimos nos últimos vinte e dois anos de renúncia às armas nucleares.

Não há dúvida que o Brasil tem um programa nuclear exclusivamente pacífico e é considerado internacionalmente como um país sério e sem ambiguidades neste terreno.

A nova intimidade com o Irã cria suspeitas -infundadas, por certo, mas difíceis de desmentir, dado o tom de algumas declarações oficiais de apoio a Teerã — que em nada atendem aos nossos interesses e só podem criar dificuldade de toda ordem para nós.

Em matéria de tal gravidade, à medida que o quadro diplomático e militar se deteriora, persistir nessa linha e, por exemplo, visitar o inefável Ahmadinejad em Teerã só pode trazer-nos prejuízos materiais e políticos incalculáveis, e completamente desnecessários.

Como dizia o grande ministro Antonio Azeredo da Silveira, com seu humor incomparável, apoiar o Irã é atravessar para pisar de propósito em casca de banana na outra calçada.

Ainda é tempo para o governo brasileiro refletir melhor e, discretamente, para não ser forçado a admitir a extensão do equívoco, deixar de atravessar a rua.

Luiz Felipe Lampreia foi ministro das Relações Exteriores(1995-2001).

José Serra lança o ''salariômetro''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Serviço tem salários de todo o País

Carolina Freitas

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), lançou ontem uma página na internet para que os trabalhadores possam consultar os salários pagos em todo o País. O "salariômetro" (www.salariometro.sp.gov.br) reúne em um banco de dados informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho.

Serra classificou a ideia como um "ovo de Colombo" e lembrou que, mesmo com os dados federais existindo desde 1965, ninguém pensou em criar esse serviço.

"Não sei por que não fizeram antes. Nós fizemos", disse o secretário estadual do Trabalho, Guilherme Afif Domingos. "O Caged é muito mais rico do que emprego e desemprego. Estamos garimpando essa riqueza. O dado, só, não vale nada."

Questionado sobre a razão de estender para todo o País uma ferramenta criada e custeada pelo governo de São Paulo, Serra justificou: "Porque tem os dados, não custa nada."

O desenvolvimento do site custou R$ 200 mil e levou três meses. Segundo Afif, o custo de manutenção do serviço está incluso em contrato com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas para projetos da secretaria.

Serra espera que as informações ajudem a melhorar as condições de trabalho. "Com isso, a gente desenvolve o mercado de trabalho em São Paulo e no Brasil", disse o governador. "É um ganho que se dá aos trabalhadores, aos sindicatos e aos empresários."

Para o governador, com base nos dados contidos no site, os trabalhadores poderão reivindicar remunerações maiores ou mudar de cidade em busca de rendimentos mais altos.

O "salariômetro" permite a busca por ocupação, Estado, faixa etária, gênero, cor e escolaridade.
No Estado de São Paulo, as informações são detalhadas por município. Em uma demonstração, para o governador, de como funciona a ferramenta, Afif comparou o salário médio de um mergulhador profissional no Rio de Janeiro e em Santos, litoral paulista. Enquanto o fluminense recebe R$ 1.579, o paulista ganha R$ 949.

Esquerdos humanos

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Quando governos se metem a patrocinadores de cruzadas morais, o risco de desmoralização é latente.

A administração Luiz Inácio Lula da Silva vem de criar um bafafá com o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que pretende ditar regras sobre tudo e para todos, transformando os atuais ocupantes do Executivo em juízes da moralidade.

Mas Lula, sempre tão sortudo, desta vez deu azar.

Poucas semanas depois da polêmica aberta com o PNDH, eis que nosso presidente visita Cuba nos dias da morte, por greve de fome, de um assim chamado “preso de consciência” cubano. O termo designa o sujeito que está detido só pelo que pensa — e por tentar colocar em prática suas ideias sem recorrer à violência.

Claro que Lula não vai se meter nos negócios internos da ilha caribenha, afinal o Brasil respeita a soberania das demais nações e não tem a vocação de ditar regras.

A não ser quando interessa.

Como em Honduras, alvo de diretrizes imperiais emanadas do governo brasileiro sobre como, por que, em que ritmo e rumo a que objetivos os hondurenhos devem tocar seu processo político.

Talvez estejamos diante de uma releitura do célebre bordão malufista: direitos humanos sim, mas para os humanos direitos. No caso específico, para os humanos esquerdos. Categoria generosa que, em último caso, pode abrigar todos os amigos e companheiros de viagem.

Terá gás?

Era mesmo um exagero convocar Dilma Rousseff para falar do PNDH no Senado. Sobre o assunto e seus detalhes, qualquer jornalista pode fazer as perguntas necessárias, se julgar conveniente.

Mas é bom e democrático que o ministro da área explique a coisa toda na Câmara Alta. Resta saber se desta vez a oposição vai se preparar adequadamente para duelar no mérito. Um terreno em que ela costuma perder gás rapidinho.

Um pouco de sangue na crise: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crise grega vai à rua; colchão social mantém Europa calma; mas há risco de recaída na recessão e calote soberano

Como previsto, gregos irados vão às ruas protestar contra o arrocho brutal que seu governo socialista prometeu à Alemanha, o caixa da União Europeia, e aos mercados. Não se trata de revolta geral. Pesquisas indicam que a maioria da população apoia o governo. Pelo menos enquanto não forem sentidos os efeitos do corte de gastos públicos e das mudanças na saúde, em aposentadorias e leis trabalhistas, se é que elas serão aprovadas.

A Grécia, como se sabe, está na beira do cadafalso porque seu governo tem deficit demais e dívida enorme. Porque o país vive acima dos seus meios, importa mais do que exporta. Sua economia não é produtiva o bastante, e os gregos não podem nem desvalorizar sua moeda a fim de venderem mais barato e mais ao exterior (a Grécia adotou o euro, não controla sua moeda nem juros).

O tumulto grego, muito modesto, é a primeira comoção social em país do mundo rico, ainda que a Grécia esteja na extrema periferia desse planeta. Mesmo na França, onde "manifs" são tão tradicionais ou frequentes como greves na Air France, o grito da rua foi muito tímido, quase inaudível. Até agora, pois, houve apenas protestos muito pontuais e de muito mau gosto. No ano passado, por exemplo, trabalhadores britânicos revoltaram-se com a contratação de italianos e portugueses para trabalhar na obra de uma refinaria na Inglaterra; o racismo ficou mais atirado na Itália. Coisas assim.

O nível de bem-estar material, os benefícios sociais, o individualismo crescente ao infinito e a ausência de alternativa política crível evitaram que uma crise medonha pusesse fogo na caldeira social. Houve recessões de 5% pela eurozona. Mas o ambiente político-social está calmo.

Mesmo onde há desemprego de 20%, na Espanha. Portugal, próximo da fila numa crise "à grega", jamais teve filósofos ou revoluções.

Ou melhor, teve a crise social que deu na Revolução de Avis. Mas isso foi no século 14.

Na mídia, diplomacia ou governos europeus, ninguém parece dar a mínima para o risco de tumulto de rua, provavelmente com razão. A insatisfação é só um problema eleitoral. O temor maior mesmo é o de a Grécia não conseguir aprovar seu pacote e levar um piparote do mercado antes que a União Europeia (Alemanha) possa cobrir a conta helena. Então haveria altas gerais de juros na praça, problemas bancários, crise política na eurozona e coisa pior.

Preocupante ainda é que a recuperação econômica, que parecia rápida, não o será, como o reafirmou ontem o banco central dos EUA. Houve uma ilusão otimista, provocada pelo efeito do despejo de dinheiro barato na finança. Cresce o risco de o mundo rico recair em recessão.

O cenário não é de sangria desatada, decerto. Mas ficou de vez claro que não se sai de uma crise como a de 2008-09 sem dor. A conta que a finança deixou para os governos pagarem foi grande. Cobrir essa dívida vai custar anos de crescimento baixo. No pior dos casos, pode custar até alguma quebra de governo.

Na Europa, até na Grécia, as "redes de proteção social" amorteceram os choques causados pelo mercadismo louco (o mesmo mercadismo que queria destroçar o Estado de Bem-Estar Social e por ele foi salvo politicamente). Mas até quando duram as molas desse colchão?

Credenciales cubanas – Editorial

DEU EM EL PAIS – ESPANHA

Ni Europa ni América Latina, especialmente Brasil, pueden ignorar la muerte de un disidente

El presidente brasileño Lula da Silva inició ayer su cuarta visita oficial a Cuba, considerada como la de despedida. Poco antes de aterrizar en La Habana, supo de la muerte del preso político Orlando Zapata a consecuencia de una huelga de hambre mantenida durante 85 días. Su familia denunció malos tratos a lo largo de los años de cárcel y aseguró que no recibió atención médica adecuada hasta que su estado de salud empeoró de manera irreversible. La muerte de Zapata constituye un acta de acusación adicional, y un motivo de enérgica condena, contra la dictadura más longeva de América Latina y una de las más liberticidas de la historia del continente. Pero es también una prueba decisiva para la comunidad internacional y para el presidente Lula, que tiene en su mano ejercer como portavoz tanto por su ascendiente latinoamericano como por el hecho de encontrarse en la isla.

Con esta visita a La Habana, coincidente con la muerte de Zapata, Lula tiene la ocasión de demostrar que el creciente papel internacional de Brasil no significa sacrificar el principal capital político que ha cosechado: la opción por una izquierda capaz de ofrecer progreso y bienestar mediante el fortalecimiento y la gestión de las instituciones y los procedimientos democráticos. El silencio de Lula frente a una dictadura como la castrista -seguido de la timorata reacción de la UE, a empezar por el inane y críptico mensaje de Rodríguez Zapatero en Ginebra- empañaría lo que él representa, tan importante para América Latina y, en la medida en que Brasil afianza su posición de potencia emergente, para el resto del mundo.

Un grupo de disidentes cubanos ha solicitado al presidente Lula que interceda por la suerte de los presos. El compromiso que Brasil ha demostrado con los derechos humanos sería suficiente para justificar esta gestión, pero la muerte de Zapata la hace inexcusable. El trato con La Habana y, sobre todo, con el mito que la revolución castrista sigue representando para parte de la izquierda latinoamericana, sitúa en una difícil posición a cualquier dirigente de la región, pero más todavía al presidente brasileño. Pero las dificultades para gestionar las relaciones con ese mito no pueden llevar a cerrar los ojos ante los atropellos que se cometen en Cuba, y que en este caso se han saldado con la muerte de un preso político. El castrismo ya no puede extender credencial alguna de progresismo. Por el contrario, es su gestión al frente de Brasil la que constituye el ejemplo alternativo.

Sin las cortapisas regionales de Brasil, y sin los equilibrios que exige una visita oficial, es inaceptable que la Europa en la que España ejerce la presidencia se limite a lamentar la muerte por inanición de un preso político. El régimen cubano es responsable de la vida y la integridad de quienes ha condenado a pudrirse en sus mazmorras. Mucho más cuando esa condena sólo obedece a decisiones tiránicas de una saga familiar.