domingo, 29 de agosto de 2010

Reflexão do dia - Antonio Gramsci


Não é talvez a reação, também ela, um ato construtivo e vontade? E não é ato voluntário a conservação? Porque então seria “utópica” a vontade de Maquiavel, por que revolucionária e não utópica a vontade de quem pretende conservar o existente e impedir o surgimento e a organização de forças novas que perturbariam e subverteriam o equilíbrio tradicional? A ciência política abstrai o elemento “vontade” e não leva em conta o fim ao qual uma vontade determinada é aplicada. O atributo de “utópico” não é próprio da vontade política em geral, mas das vontades particulares que não sabem ligar o meio ao fim e, portanto, não são nem mesmo vontade, mas veleidades, sonhos, desejos, etc.


(Antonio Gramsci, em Maquiavel a Política e o Estado Moderno, pág. 94, 3ª edição Civilização Brasileira,- Rio de Janeiro ,1978)

Um espectro anacrônico:: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um espectro do passado ainda parece rondar o pensamento da esquerda, influenciando não só posições pessoais de intelectuais e políticos, mas até mesmo a orientação diplomática oficial de vários países, especialmente na América Latina. Um fantasma persistente e, como todo ser da sua natureza, não destituído de velhas e boas razões históricas: trata-se do antiamericanismo sistemático, considerado como princípio e recurso mobilizador de massas, muitas vezes em torno de soluções caudilhescas e autoritárias, contra a realidade impalpável do "império".

Dispensamo-nos assim de uma visão articulada da realidade americana, dos seus enormes desafios e contradições, dela só conservando a dimensão intervencionista decorrente do sabido papel hegemônico dos Estados Unidos no sistema internacional: o papel de "potência indispensável", que muitas vezes, na percepção autoirônica certa feita publicada na Foreign Affairs, torna aquele país o mais perigoso do mundo, mais do que qualquer membro de qualquer "eixo do mal" que se imagine...

Atua também na permanência do fantasma antiamericano um legado do século 20. Um século que foi também o do comunismo histórico, formado em torno da antiga União Soviética, e que nos acostumou a ver o mundo dividido em campos contrapostos: por um lado, exatamente, o império e sua rede de lacaios e prepostos; por outro, as forças do progresso, cujo centro era a URSS e o socialismo real, mas que abrangia outros sujeitos, como os partidos comunistas no Ocidente e os movimentos de libertação nacional, motores de uma "via não capitalista de desenvolvimento".

Essa contraposição de campos não existe mais, mas o mesmo não se pode dizer das categorias que gerou. Situação paradoxal, que, por isso mesmo, nos intima ao estudo minucioso da realidade norte-americana: uma democracia cruzada por tensões como qualquer outra, talvez vivendo um momento de declínio histórico e de crescentes desigualdades - e, apesar de tudo, a mais antiga democracia política em vigor, com valores que merecem atenção e mesmo resgate.

De fato, da cultura americana provêm impulsos potencialmente catastróficos, como os que teorizaram esta infinita e insolúvel "guerra contra o terror", expressão prática do "choque de civilizações" e da recusa unilateral em identificar e explorar produtivamente valores comuns entre as democracias ocidentais e o Islã. Também provêm, na mesma direção, expedientes patentemente falsos, como os que levaram a presidência bushiana a invadir o Iraque sob o pretexto da existência de "armas de destruição em massa". Para não falar do pesadelo em que se transforma a cada dia o Afeganistão, que comprova os limites da "linguagem" dos mísseis e da guerra, mesmo quando o inimigo são fanáticos taleban ou, pior ainda, terroristas da Al-Qaeda.

Mas os Estados Unidos não são apenas isso. A presidência Obama, mesmo em meio à hostilidade implacável de uma direita republicana que combate todas e cada uma das suas iniciativas, e também em meio às suas próprias incertezas, expressa, às vezes com força, "uma outra América". Apela aos pais fundadores da velha República, à letra e ao espírito dos seus textos, revigorando-os da forma possível e mostrando à esquerda (de todos os matizes) que o liberalismo clássico não é um legado "burguês" imprestável ou uma forma de vida e de pensamento cuja contestação autoriza a aliança com tiranias teocráticas e outros fundamentalismos.

Em recente ocasião, comemorando em plena sede do governo uma cerimônia muçulmana - o fim do jejum do Ramadã -, o presidente Barack Obama reanimou o espírito dos fundadores ao exaltar não apenas a tolerância, mas o respeito à liberdade religiosa como elemento constitutivo do país. Concordando, em conjuntura pré-eleitoral muito difícil, com a construção de uma mesquita nas proximidades do Marco Zero, que assinala em Nova York o local do brutal atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, Obama realça uma América que nasceu em oposição às guerras religiosas europeias e, portanto, tem também, entranhada em si, ao lado da belicosidade imperial em que tantas vezes viria a incorrer, uma corrente profunda de pacifismo - de resto, presente em todas as democracias, por mais imperfeitas ou defeituosas que sejam.

Obama, neste pronunciamento, tem clareza sobre o fato de que, se a religião floresceu na América do Norte, é porque os cidadãos tiveram o direito de escolher em que ou em quem acreditar, ou mesmo o direito de não acreditar em religião alguma. E, coerentemente, diferencia o Islã da Al-Qaeda, reconhecendo que o terror fundamentalista assassinou mais muçulmanos do que membros de qualquer outra religião, referindo-se até mesmo àqueles muçulmanos que morreram no 11 de Setembro.

Seria deliberada ingenuidade ignorar a incoerência da inútil e por demais prolongada guerra americana no Afeganistão em relação a esse conjunto de valores de tolerância e respeito. A ameaça do terror e das variadas formas de fundamentalismo, inclusive quando assume o poder de Estado, como no Irã teocrático da lapidação de mulheres e do sistemático enforcamento de opositores, é real e merece, da parte dos democratas de todo o mundo, respostas só muito subordinadamente baseadas na força. O essencial sempre é construir formas de intercâmbio e tradução recíproca entre culturas, estimulando a emergência dos elementos de convivência e universalismo presentes em cada uma das "civilizações" humanas supostamente em choque.

Sobretudo, no plano prático, as incongruências do Estado americano, no Iraque, no Afeganistão ou em qualquer outro ponto, devem ser contrabalançadas e corrigidas por vigorosos movimentos da sociedade civil, como os que, há uma geração ou pouco mais, contribuíram para liquidar a aventura imperial no Vietnã.


Ensaísta, é tradutor e um dos organizadores das obras de Antonio Gramsci em português
(www.gramsci.org)

Tsunami governista:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Dada como perdida a eleição presidencial, a tentativa da oposição agora é não desmobilizar as campanhas regionais e resistir ao verdadeiro tsunami governista que vem tomando conta do país, subvertendo a geografia do voto com base na popularidade do presidente Lula.

Com a reviravolta da corrida pelo governo de Minas, com o candidato do ex-governador Aécio Neves tomando a dianteira, a oposição vai garantindo a manutenção do poder nos dois maiores colégios eleitorais do país.

Embora seja pouco provável que o presidente Lula se empenhe na defesa da candidatura de Hélio Costa em Minas, é certo que em São Paulo ele aumentará sua ação política para tentar uma reversão que leve a eleição para o segundo turno.

É em São Paulo que está o centro da disputa pela hegemonia do poder político nacional entre PT e PSDB, e a vitória da candidata Dilma Rousseff sobre o tucano José Serra é um indício de que o PT encontra um ambiente político propício para tentar quebrar o domínio de 16 anos do PSDB no governo estadual.

O crescimento de Mercadante, mesmo que tenha se dado mais sobre os votos do candidato do PP Celso Russomano, deve estimular ações mais agressivas por parte de Lula, que está se empenhando pessoalmente em alguns estados até mesmo na disputa pelo Senado.

Serra está tendo um desempenho na corrida presidencial mais próximo do que teve em 2002, quando perdeu em São Paulo e venceu apenas em um estado, Alagoas, obtendo 23,5% dos votos, do que do de Geraldo Alckmin em 2006, quando o então candidato tucano fechou o primeiro turno com 43% dos votos, tendo derrotado Lula em São Paulo por 3.800 milhões de votos.

Ambos foram para o segundo turno com poucas chances de vitória sobre Lula, e perderam pela mesma diferença: 61% a 39% dos votos válidos.

Não por coincidência, a mesma proporção que a candidata Dilma Rousseff vai abrindo sobre Serra já nesse primeiro turno, o que mostra que a antecipação da disputa prevista por Lula está se concretizando.

Mais grave para Serra é que os 40% de votos válidos que parecem ser o teto dos eleitores oposicionistas terão que ser divididos com a candidata do Partido Verde, Marina Silva, que vem tendo cerca de 10% dos votos válidos.

A disputa eleitoral passa a ser em torno dos nichos de voto oposicionistas nos tradicionais estados azuis, como São Paulo e Minas Gerais, cujo controle político será vital para que a oposição tenha voz num futuro governo Dilma.

Mas também em torno do Senado, onde está em disputa o controle de uma bancada que, até o momento, é o principal freio às investidas do governo federal.

Embora tenha uma maioria teórica nas duas Casas do Congresso, foi no Senado que o governo Lula encontrou maiores resistências, devido não apenas à atuação da oposição como ao posicionamento de senadores independentes.

Uma avaliação mais realista da correlação de forças partidárias num provável governo Dilma, portanto, depende desses dois fatores que darão a medida do nível de fragilidade da atuação da oposição.

Uma eleição de Antonio Anastasia como está se desenhando reafirmará a posição do ex-governador Aécio Neves como principal expoente da oposição no país, mesmo que Alckmin confirme sua hegemonia em São Paulo.

O mais importante estado onde a oposição vence, fora do sudeste, é o Paraná, onde Beto Richa tem possibilidade de vencer no primeiro turno. As vitórias de Marconi Perillo em Goiás e do peemedebista dissidente André Puccinelli no Mato Grosso do Sul serão importantes para garantir a influência política da oposição no CentroOeste do país.

A composição do Senado por enquanto está garantindo a permanência de oposicionistas de peso, que Lula gostaria de derrotar, como Tasso Jereissatti no Ceará, Artur Virgílio no Amazonas, e dos democratas José Agripino Maia no Rio Grande do Norte, Marco Maciel em Pernambuco, Demóstenes Torres em Goiás e Cesar Maia no Rio.

Há ainda eleições prováveis, como a de Germano Rigotto, do PMDB antipetista do Rio Grande do Sul, Itamar Franco, do PPS de Minas, e Cristovam, Buarque, do PDT de Brasília.

Algumas vagas estão em disputa acirrada e a partir delas se poderá ter uma idéia de como ficarão as bancadas no Senado. Em São Paulo, a petista Marta Suplicy permanece em primeiro lugar e dois candidatos disputam a segunda vaga: Orestes Quércia, do PMDB dissidente, e Netinho, pelo PCdoB.

Em Brasília, a tucana Maria Abadia está empatada tecnicamente com Rodrigo Rollemberg do PSB; no Rio de Janeiro, o bispo Marcelo Crivella está despencando, embora permaneça na primeira posição, e Lindberg Farias, do PT, e Jorge Picciani, do PMDB, estão crescendo, mas continuam longe de Cesar Maia, que apresenta estabilidade de votação.

Em Pernambuco, o presidente Lula decidiu fazer campanha contra o ex-vice de FH, Marco Maciel, para apoiar Armando Monteiro, do PTB, que está crescendo na disputa pela segunda vaga.

Dependendo da correlação de forças, é possível que o PSB tente uma aproximação com o PSDB para dar ao governo uma alternativa para equilibrar o poder que terá o PMDB, fazendo as maiores bancadas tanto na Câmara quanto no Senado.

Aécio Neves pode ser o centro numa aliança PSB, PT, PSDB, que já foi tentada em Belo Horizonte na eleição do prefeito Marcio Lacerda.

Na ocasião o PT vetou essa aproximação, mas diante do aumento de poder do PMDB é possível que reveja essa posição.

Este é um processo ainda em curso, faltando pouco mais de um mês para a eleição, e está sujeito a reviravoltas devido à onda governista que está assolando o país do Oiapoque ao Chuí, para usarmos a imagem inaugural da propaganda da candidatura oficial.

Usurpação de cidadania:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

De todos os casos cabulosos ocorridos no governo Luiz Inácio da Silva, o da quebra indiscriminada de sigilo fiscal na delegacia da Receita Federal em Mauá é o mais angustiante.

De Waldomiro Diniz à arquitetura de dossiês na Casa Civil na Presidência da República para atrapalhar o trabalho da CPI dos Cartões Corporativos; das urdiduras da direção do PT envolvendo empréstimos fraudulentos e desvios de recursos em empresas públicas (mensalão), à quebra do sigilo bancário de uma testemunha das andanças do ministro da Fazenda em uma casa de lobby de Brasília, todos tiveram objetivos específicos.

Pretendiam algo: Waldomiro, o homem encarregado pelo então chefe da Casa Civil, José Dirceu, de organizar as relações com o Congresso, cobrava propina de um bicheiro.

O dossiê com os gastos da Presidência quando ocupada por Fernando Henrique Cardoso pretendia (e conseguiu) inibir a atuação dos oposicionistas na comissão parlamentar de inquérito criada para elucidar as razões do aumento nos gastos dos cartões corporativos do governo todo e também para pedir acesso às despesas secretas da Presidência.

Os empréstimos simulados visavam a "lavar" dinheiro que financiava as campanhas eleitorais dos partidos aliados e mantê-los, por esse método, como integrantes da base parlamentar governista.

A quebra do sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa na Caixa Econômica Federal deu-se com a finalidade de tentar desmoralizá-lo como a testemunha que desmentia o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no caso da casa de lobby. Palocci negou no Congresso e em pronunciamento que frequentasse a tal casa e Francenildo, caseiro do local, atestava que o via sempre por lá.

Os personagens eram conhecidos e os episódios por mais nebulosos que fossem eram compreendidos. Dava para entender sobre o que versavam. Era corrupção e/ou política.

Agora, o que assusta é inexistência de uma motivação específica claramente definida, a amplitude das ações, a multiplicidade de alvos e a tentativa do governo de abafar o caso dando a ele uma conotação de futrica eleitoral.

Evidente que Dilma Rousseff sabe do que se trata quando ouve dizer que 140 pessoas tiveram o sigilo fiscal violado numa delegacia da Receita em cidade das cercanias de São Paulo.

Sabe que estamos diante de algo que pode ser qualquer coisa, menos o que alega: mero factoide, "prova do desespero" da oposição.

Como "mãe do povo", coordenadora do governo e responsável por tudo de maravilhoso que há no Brasil, Dilma deveria ser a primeira - depois do presidente Lula - a se preocupar com o fato de 140 cidadãos terem tido sua segurança institucional violada numa dependência do Estado.

No lugar disso, só faz repetir o mantra da candidata ofendida. Pode ser conveniente, mas não é um acinte?

Assim como soa a provocação ao discernimento alheio a proteção da Receita Federal aos investigados e a tentativa de "vender" a versão fantasiosa sobre a venda de sigilo no mercado negro de informações.

A atitude do governo alimenta a suspeita de dolo. Natural seria que as autoridades se levantassem em defesa da preservação dos direitos e garantias individuais.

Nesta altura, embora seja relevante, não é realmente o mais importante a filiação partidária dos agredidos.

Eduardo Jorge, Ana Maria Braga, Ricardo Sérgio, a família dona das Casas Bahia, tanto faz.

Foram eles, mas poderia ser qualquer um de nós. Quem, aliás, garante que não seremos os próximos a constar de um rol de pessoas vilipendiadas nas mãos de um Estado leviano?

A questão vai muito além do ato eleitoral, é um caso grave de insegurança institucional, pois não se sabe de onde vem isso, aonde vai parar, quem são os responsáveis, como agem e o que pretendem com essa manipulação que cassa a cidadania e espalha insegurança.

Digno. Aloizio Mercadante indigna-se com os modos - de fato indignos - de Tiririca no horário eleitoral, mas convive sem indignação com as indignidades de companheiros de "base" no Senado.

Ideia fixa:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - De Lula: "Eu acho que o empresariado aprendeu muito, o governo aprendeu muito, os sindicalistas aprenderam muito. Acho que a imprensa vai precisar aprender um pouco ainda, porque nunca vi gostar tanto de notícia ruim".

Tradução: ele "deu um jeito" nos que poderiam incomodar. Deveria ter incluído bancos, movimentos sociais, a direita e a oposição. Botou uns no bolso e todos no seu devido lugar: o lugar de dizer amém.

Só não conseguiu ainda "ensinar" a imprensa. Mas avança nessa direção, depois de arrastar Dilma para a Presidência e os aliados em massa para os governos estaduais e para o Congresso, onde a previsão é de uma maioria como nunca antes neste país. Exceto com a Arena, na ditadura.

Os escândalos contra tudo e todos surgiram da parceria do Ministério Público, da imprensa, de funcionários exemplares (ou contrariados) e do PT, até desembocarem em CPIs. No poder, o PT tentou explodir os velhos parceiros. E as CPIs?

Já no primeiro ano, 2003, o PT lançou a Lei da Mordaça contra o MP. Depois, o Conselho de Jornalismo contra a imprensa e, por fim, o projeto contra funcionário que fala ou vaza documento. Não vingaram, mas devem estar adormecendo por trás das investidas de Lula.

Ele é um fenômeno sob vários aspectos. Tem 80% de popularidade, sua candidata caminha para comemorar uma votação histórica, e o novo governo vai assumir com a perspectiva de mais de 7% de crescimento econômico. Logo, com tudo para dar certo. Basta não errar.

Em vez de estar leve, feliz, deliciando-se diante da estrondosa vitória que se avista, Lula está armado, atiça os cães da internet e mira a imprensa, para desqualificar o último reduto do contraditório, da crítica, da investigação.

O que pretende com isso? Unanimidade? Nelson Rodrigues dizia que a unanimidade é burra.

Em política, tende a ser perigosa. Bem não faz, e pode fazer muito mal. Inclusive subir à cabeça.

O PC soviético, o PSDB e FHC:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O PSDB age, em relação a Fernando Henrique Cardoso, como o Partido Comunista da extinta União Soviética: lá, os dirigentes caídos em desgraça eram apagados das fotos oficiais, por mais relevantes que tivessem sido os cargos por eles ocupados.

Aqui, a imagem de FHC é apagada (no sentido de não exibida) de toda e qualquer propaganda eleitoral desde que terminou o seu mandato, exatamente o mais relevante jamais conquistado pelo partido.

Parece uma paródia da frase ("esqueçam o que eu escrevi") que se atribui ao ex-presidente, mas que ele nega ter pronunciado. No caso do PSDB, fica "esqueçam que ele existiu" -exatamente como os comunistas de antanho faziam até com amigos de infância quando caíam em desgraça.

Confesso que eu acreditei na sabedoria convencional tucana segundo a qual FHC tira votos. Afinal, se quem é do ramo tem tanta certeza disso, eu, que não entendo nada de disputar eleições, não tenho o direito de duvidar.

Por isso mesmo, fiquei curioso com um dado da pesquisa Datafolha sobre a disputa pelo Senado em São Paulo, divulgada ontem: Aloysio Nunes Ferreira Filho foi o único dos tucanos candidatos a cargos majoritários (Senado, no caso dele) que subiu. Pulou de 5% para 9%.

O que tem a ver Aloysio com FHC? Tudo. Foi o único tucano que desafiou a sabedoria convencional e tascou fala do ex-presidente no horário de propaganda eleitoral. Suspeito até que foi o único a fazê-lo em todo o país.

OK, é um dado muito, mas muito, preliminar para se concluir que a sabedoria convencional é equivocada. De todo modo, está claro que não deu certo "apagar" quem foi parte da história do partido -a mais relevante, de resto.

O PSDB perdeu todas e, agora, corre até o risco de se tornar tão irrelevante como o PC soviético do qual copiou o método.

A Idade de Ouro do Brasil :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Não foi para as manchetes mas estava na primeira página do Globo dessa sexta-feira entrevista do cineasta Cacá Diegues pregando a união PT-PSDB. Para acabar com as eleições? Não, para preservar o que chama de Idade de Ouro do Brasil que vivemos há 18 anos consecutivos desde Itamar Franco. Sem perceber.

É a segunda melhor notícia política desta semana: a primeira foi o voto no Supremo Tribunal Federal (STF) do sisudo e manso Carlos Ayres Brito determinando que seja anulada - até o julgamento do mérito -- a legislação que proíbe o uso do humor nos programas sobre política do rádio e TV. Eleição com riso e sorriso ajuda a todos os candidatos - o humor é obrigatoriamente giratório. Ajuda sobretudo o eleitor livrando-o de uma campanha áspera, penosa.

Cacá Diegues, felizmente, não é uma "celebridade": não assina coluna em jornal, portanto não é dono da verdade, não frequenta as páginas mundanas porque passa o dia construindo pontes. É um militante das aproximações. Como Daniel Barenboim na Palestina. Sua visão do Brasil pós-Collor pode irritar xiitas de diferentes confissões, mas certamente será encampada pelos historiadores de amanhã.

Sua ótica é a de um idealista, não de um idilista, devaneador. Sua avaliação sobre a pacificação das favelas cariocas é rigorosa, realista, antidemagógica, antidogmática: o narcotráfico não entregou as armas, mudou de tática. O que não significa que a política de pacificação das comunidades carentes deva ser abandonada, ao contrário, o Estado deve ser mais inteligente e antecipar-se ao crime organizado.

Quando menciona uma união PT-PSDB não está envergando uma bata indiana, pregando "paz e amor", ou sugerindo uma chapa Serma ou Dilrra, apenas constata convergências. Como filho do antropólogo Manuel Diegues Jr. incorpora no seu DNA uma racionalidade capaz de identificar no Brasil um estofo político e cultural que lhe dá condições para escapar das tentações populistas e autoritárias ora em exibição no continente.

Quando no fim da ditadura localizou as patrulhas ideológicas e investiu contra elas em memorável entrevista no "Estadão", identificava um ressentimento fundamentalista que agora, trinta anos depois, ainda purga, inflamado.

Como nossa república jamais foi parlamentarista (exceto nos quase dois anos seguintes à renúncia de Jânio Quadros), as instituições brasileiras não assimilaram o conceito de continuidade. A cada governo, o brado de "muda tudo", a volta à estaca zero, o desperdício da reconstrução. A percepção de acertos passados é substituída pelo clamor contra a "herança maldita" que apesar do nome nunca é alterada.

As "idades de ouro" são geralmente perceptíveis pelo retrovisor, décadas ou séculos depois, em tratados e tertúlias históricas. Já houve uma, em letra de forma, Idade d"Ouro do Brazil um periódico, o segundo impresso na colônia, o primeiro da Bahia, três anos depois do pioneiro Correio Braziliense. O reinado de dom Pedro II foi uma Idade de Ouro, os anos dourados de JK, imprecisamente definidos, são outra.

Cacá Diegues, o cineasta das favelas, enxergou uma enquanto floresce, no auge. Vale a pena examiná-la.

» Alberto Dines é jornalista

Eterno recomeço na medida do possível:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Para não acabar à margem da sucessão presidencial que adiantou para garantir o essencial e não diluir a popularidade com peso recorde, o presidente Lula trata de manter desimpedido o acesso ao lugar que, a seu ver, não merecia: ex-presidente (a partir do primeiro dia do próximo ano). Fez saber, grosso modo, que, tão logo passe o poder, vai se dedicar à reforma política que deixou falando sozinhos todos os presidentes que namoraram a mesma iniciativa. Desconfia que o padrão moral dos hábitos políticos brasileiros já seja uma bomba de retardamento. E se reserva a função de detonador do recurso alternativo, enquanto espera a eleição de sua candidata e sua própria designação para uma variedade de primeiro-ministro no sistema presidencialista que fez dele o que ele passou a ser.

Deu o tom e solfejou: assim que deixar o poder, vai fazer a reforma política e, se falhar, não se sentirá sozinho na condição de derrotado, depois de eleger alguém que não é do ramo. E, por não ter de que se ocupar até 2014, conta com uma atuação decisiva no governo da sua eleita (por enquanto, pelas pesquisas) na alta conta em que se tem, com toda a razão.

Mas é aí que a reforma empaca. Pela própria natureza de ato político por excelência, reforma não é assunto popular nem rotina parlamentar. Antes de meter mãos à obra, o já então ex-presidente Lula terá aprendido que reforma política é muito mais. Pressupõe uma consulta ampla, mas discreta, à sociedade, sem deixar impressão digital de interesse político. A partir daí se torna possível a negociação em torno do essencial, com razoável margem para acomodar o que ficar de fora dos princípios, e sem afrontar o cidadão cuja arma continua a ser o voto. Pois o que se entende como reforma não tem fôlego de revolução. Também não alcança a plenitude constituinte. Os brasileiros já tiveram, só na República, quatro constituições procedentes de assembleias constituintes.

Não valeram as tentativas com DNA autoritário nem as cartas constitucionais sem a legitimidade que vem das urnas.

É evidente que, mal sucedido na proposta da constituinte exclusiva (como se o pecado não morasse ao lado), Lula teria dificuldades de conciliar diferenças e restringir a volúpia dos casuísmos. A oportunidade histórica autoriza a entrada da classe média na cena histórica. É por aí. Assim como o proletariado saiu de moda, o pequeno burguês veio ao mundo para preencher espaço disponível a quem acreditar nos valores sobreviventes. A solução viável passou a ser o respeito à democracia que, na medida do possível, no Brasil é o eterno recomeço.

Entrevista: Fernando Limongi ::O jogo é jogado

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Seja qual for o resultado das eleições, PT e PSDB continuarão a dar cartas no processo político, diz pesquisador

Ivan Marsiglia

A semana começou com pesquisas colocando a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, 20 pontos à frente de seu principal adversário, o tucano José Serra. E terminou com o tiroteio em torno da sindicância da Receita Federal sobre a violação do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e outras três pessoas ligadas ao comando do partido - com direito até a pedido de impugnação da campanha petista.

O jogo continua, portanto. E, para analisar as táticas e os lances em profundidade dos principais times em disputa pela bola da vez no Planalto, o Aliás convidou Fernando Papaterra Limongi, professor titular da Universidade de São Paulo e um dos principais nomes da ciência política brasileira. Mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1988 e doutor pela Universidade de Chicago em 1993, Papaterra Limongi acaba de voltar de uma temporada de um ano na Universidade Yale, em New Haven, nos EUA, onde ministrou aulas de política comparada das democracias latino-americanas.

Nos últimos anos, o pesquisador se dedicou a uma análise sistemática da série histórica de eleições presidenciais brasileiras desde a redemocratização. Viu, no processo político brasileiro, mais constâncias que incongruências. "De 1994 para cá, as eleições se resumiram à competição entre dois partidos, PT e PSDB", diz Limongi, que crê na continuidade desse quadro de alternância no poder das duas principais agremiações do País. E não corrobora a argumentação do colega Bolívar Lamounier de que, na eventualidade de uma vitória de Dilma, após oito anos de presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, o País corre risco de "mexicanização" - com o PT convertido em uma espécie de versão brasileira do PRI, o Partido Revolucionário Institucional, que ficou por seis décadas no poder no México. "Dizia-se a mesma coisa quando o PMDB saiu vitorioso das eleições em 1986", lembra.

Na visão do professor, a explicação é o tal feel good factor, de que falou a revista britânica The Economist, em uma formulação mais elegante do célebre bordão americano que diz "é a economia, estúpido!" Limongi sustenta: "O eleitor é conservador". E, assim como o foi em 1998, mantendo na cadeira o presidente do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, teme reverter a maré boa do governo Lula. Por isso mesmo, também não assina embaixo dos que criticam a performance de Serra: "Ele fez tudo certinho desta vez".

O sr. estudou os resultados das eleições presidenciais desde a redemocratização. A que conclusões chegou?

Trabalho com a série histórica das eleições em busca de padrões. Alguns são evidentes: de 1994 para cá, as eleições se resumiram à competição entre dois partidos, PT e PSDB. Hoje pode parecer óbvio, mas em 1989 não se adivinhava nada disso: foi uma eleição aberta, fragmentada, com a decisão sobre quem passaria ao segundo turno acontecendo voto a voto. A disputa entre Lula e Brizola foi travada na casa decimal. Outros, durante a campanha, tiveram oportunidade de viabilizar-se. O que se nota ali? Que ninguém fez coalizão. Em 1994, já há uma restrição no número de candidaturas, mas com competição entre vários partidos grandes. Essa competição, vencida de um lado pelo PSDB, fechando a centro-direita do País, e seguida pelo PT, fechando a centro-esquerda, definiu o que aconteceria dali para a frente. A vitória do PSDB está ligada ao Plano Real, mas também à coligação com o PFL - permitindo que o partido, que não tinha penetração no Nordeste, viesse a ter. Do outro lado, o voto no PT de 1989 explica o de 1994, com uma subida pequena, em torno de 5%. Em todos esses anos, qual é a terceira força que participa da campanha? Enéas em 1994, Ciro em 1998, Garotinho em 2002, Heloísa Helena em 2006 e deve ser a Marina Silva em 2010. Não há constância.

O que explica o atual crescimento do PT?

É possível notar um crescimento constante do PT, eleição a eleição, até 2002, quando dá um salto e ganha. Tenho lido análises ressaltando um "aumento significativo" no apoio ao PT entre 2002 e 2006. Mas acho que esse crescimento é de magnitude menor do que se supõe. Houve, sim, adição de votos de outros eleitores em momentos específicos, mas o petismo mantém-se mais ou menos constante, na faixa dos 18%, 20% do eleitorado. Nos últimos anos, ganhou eleitores de baixa renda nas cidades do Nordeste e perdeu parte dos mais educados e ricos do Sudeste. O PSDB, por sua vez, deixou escapar esses eleitores pobres quando sua aliança com os pefelistas se desfez em 2002 e a economia se deteriorou. Em 1994, a argumentação do governo Fernando Henrique era a de que estavam "arrumando a casa" para crescer depois. Tanto que, em 1998, a composição do segundo ministério privilegiou os desenvolvimentistas. Mas aí vem a crise asiática e o eleitor diz "é hora de dar o poder a outro".

O que explica a atual vantagem de Dilma sobre Serra?

Entre 2006 e 2010, o PT está retendo o eleitorado que conquistou e ampliando-o por uma razão simples: o País vai bem. Os estudos sobre eleições presidenciais nos EUA são unânimes: a principal variável para explicar resultados eleitorais é a economia.
Diante dessa demonstração de força eleitoral de Lula, há quem diga que esse predomínio de PT e PSDB no País tem dias contados. É sempre arriscado fazer futurologia. Mas quando você analisa a série histórica, é confrontado com isso: PT e PSDB continuam controlando a eleição presidencial. Para o PSDB perder esse monopólio da oposição, a capacidade de ser o polo de convergência que lança o candidato de oposição, terá que pisar muito na bola. Sobretudo porque a única alternativa existente seria o PMDB. e ele já está muito atrelado ao PT. O PSDB tem potenciais candidatos à presidência com expressão nacional - coisa difícil de se constituir, que não se faz da noite para o dia em um país tão grande e politicamente organizado em torno dos Estados. Alckmin já foi candidato e tem recall. Aécio continua em evidência e seu candidato em Minas, Anastasia, cresce nas pesquisas. O governador do Paraná, Richa, é outra liderança emergente. O que acontece é que a oposição tomou um choque de realidade agora. Mas nada inesperado, diante do tal feel good Factor...

Ou seja, boa parte do eleitorado sente-se satisfeita e tem receio de mudar.

Por que iria? O eleitor é conservador. Foi conservador em 1998, quando poderia ter dito "o Plano Real nos trouxe uma melhora, mas o crescimento não veio". Esperou e só falou "é a vez da oposição" quando a situação ruim se perpetuou - o que, como pessoalmente acho, não teve muito a ver com a gestão do PSDB, mas com as circunstâncias internacionais. Simplesmente, deu azar. o mundo não estava legal (risos). E o mundo agora está legal.

O sr. não vê sinais de mudanças no espectro partidário brasileiro?

Não. Você pode dizer isso: o PT, na oposição, tinha mais consistência no seu voto, soube se comportar e capitalizar como oposição. O PSDB demorou para aprender, e não sei se já sabe. Mas enfrentou um momento mais difícil para ser oposição. O PT lá atrás podia dizer que "faria tudo diferente". Hoje, Serra fala em "fazer melhor". Não tem como evitar. Daí surge esse temor diante da possibilidade de duas derrotas seguidas. Mas os tucanos sempre dependeram mais desse fator coordenação que, por exemplo, de uma base social.

Essa semana circularam notícias de que o PT pretende facilitar a 'transição' para seus quadros de políticos que estão em desconforto na oposição. É um tipo de cooptação?

O que aconteceu quando o PT chegou ao poder? Ele não cooptou para dentro do partido, não inchou por migração partidária. O PSDB sim, atraiu quadros e costuma fazê-lo nas prefeituras de outros partidos em cidades do interior.

Mas no primeiro mandato de Lula, os partidos nanicos da base aliada incharam.

Sim. O que o PT faz é ceder lugar. Mas não atrai quadros, não é um partido-ônibus ou um partido-constelação. Pelo contrário, perdeu quadros descontentes para o PSOL - que não teve sucesso, não conseguiu eleger um vereador sequer na cidade de São Paulo. E perdeu todo um primeiro escalão colhido pelos escândalos, incluindo potenciais candidatos à Presidência: Dirceu, Palocci, Gushiken, Genoino. O que o PT fez para manter a coalizão unida para esta eleição presidencial é notável. Teve estratégia de partido unido. Chegar em Minas Gerais e decidir entregar a candidatura ao PMDB, em uma eleição que Patrus Ananias e Fernando Pimentel tinham chance de ganhar, não é pouca coisa. Lula e o PT privilegiaram a sucessão presidencial. Deu certo.

O sociólogo Chico de Oliveira disse certa vez que Lula é 'uma árvore frondosa em torno da qual não nasce grama'. Essa presença de um presidente glorificado em uma popularidade de 79% inibe o surgimento de novas lideranças no País?

Peço vênia para discordar do Chico nesse ponto. Cresceu a Dilma, o que não é pouco. Quando, no fim do mensalão, no meio daquela crise toda, Lula antecipou o seu nome, muita gente achou que era precipitação, que ele havia escolhido mal ou que Dilma seria um balão de ensaio a ser queimado depois. Mas o plano deu certo porque o verdadeiro jogo era manter o PT e a coligação unidos e chegar fortes à eleição. Foi uma estratégia de partido, que não se deve exclusivamente a Lula.

E a estratégia do PSDB? Tem se falado de erros na escolha do vice de Serra e até seu caráter supostamente 'desagregador'. É uma crítica pertinente?

Ao contrário. Eu compararia isso àqueles comentários de campeonato de futebol, quando quem está vencendo invariavelmente fez "bom trabalho de base" e quem está atrás "não soube planejar". Se você comparar o Serra de 2002 com o de 2010 vai ver que ele deu um show desta vez. Fechou tudo, compôs com o DEM na Prefeitura de São Paulo, reincorporou Alckmin ao governo. Se tivesse conseguido Aécio para vice seria melhor, mas isso se mostrou impossível. Acontece que o cenário, agora, é muito favorável ao governo. Em contrapartida, a estratégia do PT tem seu lado arriscado. Ao jogar exclusivamente na Presidência e abandonar competições estaduais, pode comprometer sua base. O que se refletirá na composição da futura Câmara. É fato que o PT tem tentado compensar dizendo "cedo os Estados mas não abro mão do Senado". Mas, se Dilma ganhar, há risco de o PMDB sair excessivamente fortalecido, o que aumentaria seu peso na coalizão.

A tal 'partilha do pão' de Michel Temer.

A visão que as pessoas têm de um governo de coalizão é de que o partido no poder dá um pedaço do governo para ser consumido pelo aliado. Como se ele recebesse um sorvete para se lambuzar. Não é bem assim. Quando se "ganha" um ministério é preciso desempenhar. Ou não se sustenta. E, no sistema representativo, partido que tem voto tem direito a uma parte do Estado.

Em um artigo no ‘Estado’, o cientista político Bolívar Lamounier alertou para o risco de 'mexicanização' do Brasil caso o PT vença - e se transforme em uma espécie de PRI, que se eternizou no poder no México. Concorda?

É um cenário muito pouco provável. Ainda que o PSDB perca o Planalto, irá controlar Estados importantes, terá recursos e votação nacional superior a 20%. A competição partidária não desaparecerá.

Octavio Paz diz que, no México, o PRI construiu uma fachada democrática para um controle político de um único partido.

É diferente. No México houve uma revolução lá atrás, fraudes eleitorais... E o PRI é fenômeno singular na história latino-americana. Também vale lembrar que, no Brasil, o PT não está sozinho, mas associado ao PMDB, o PP, o PSB. Não é um cenário próximo do que foi o mexicano. Aqui, o PT foi bem-sucedido na Presidência e está sendo retribuído por isso. Nada mais normal no funcionamento da democracia. Veja que já se falou em "mexicanização" do Brasil antes: após as eleições de 1986, quando o PMDB saiu vitorioso e houve quem também o comparasse ao PRI.

O sr. acaba de dar um curso em Yale sobre política comparada na América Latina. A tendência à continuidade no poder em países como a Argentina, a Venezuela e a Colômbia, é um risco para a democracia?

Há um temor exagerado na América Latina com relação ao problema da reeleição e do limite de mandatos. Ele é fruto de uma visão um pouco estereotipada da história política do continente, que enfatiza o caudilhismo do passado. E, aí, perde-se o aspecto comparativo com outras democracias. Há regimes parlamentaristas em que o primeiro-ministro permanece mais de 20 anos no poder. Na maior parte deles, além de não haver limite de permanência, o primeiro-ministro tem liberdade para definir quando será a eleição, antecipando-a para momentos oportunos. Evitar reeleições também tem custo: impede que líderes testados e competentes sejam reeleitos. É evidente que, em qualquer país, o exercício do poder pode ser usado para promover uma desigualdade na competição. Mas isso não necessariamente está ligado à pessoa do governante. Às vezes, forjar uma nova liderança, formar um "poste" do zero, pode ter um custo ainda mais alto para a sociedade. E aí estou pegando carona em um artigo do José Antonio Cheibub, estudioso do presidencialismo, que saiu na Texas Law Review.

A alternância de poder não é um bem em si, com partidos e grupos políticos testando agendas diferentes para um país?

Ela é positiva. O que quero dizer é o seguinte: quem está no governo tem vantagem, mas o fato de um presidente não poder se candidatar não a diminui significativamente. O fundamental é minimizar as vantagens de quem está no poder.

Como se faz isso? Há alguns dias, Lula prometeu articular, fora do Planalto, a reforma política que não fez em oito anos de governo. Que tipo de reforma o Brasil precisa?

Tenho me colocado contra as propostas de reforma política. Em geral, elas são mal fundamentadas do ponto de vista empírico e teórico, baseiam-se em informações incompletas sobre a realidade e são tiros no escuro sobre os efeitos que causariam. O que se tentou até agora, como a verticalização e a cláusula de barreira, deu errado. O maior risco que vejo após a eleição deste ano é PT e PSDB se unirem em torno de uma reforma política. Eles têm todo o interesse em fechar o sistema eleitoral, em uma espécie de bipartidarismo. Claro que o PMDB deve resistir a isso. Mas temo menos um PRI à brasileira do que esse tipo de aliança por cima: a oligopolização do sistema partidário por dois partidos que originalmente competem entre si. Elevar o custo de entrada no sistema político, por exemplo - como faz o modelo distrital ao tornar mais difícil para um político obter a primeira cadeira -, dificulta a oxigenação e a renovação do sistema partidário. Foi o que aconteceu na velha Venezuela, e acabou dando no Chávez.

E a questão do financiamento das campanhas, que gerou escândalos que respingaram em quase todos os partidos brasileiros?

Mexer no financiamento de campanhas é ainda mais perigoso. Se optar-se pelo financiamento estatal, ele será distribuído conforme o voto na eleição anterior. O que irá fechar o sistema integralmente. A parte mais cara das campanhas hoje é o espaço na TV, que já é público. E se alguma coisa o mensalão nos ensinou foi que o problema está no conluio entre agências de propaganda e gastos futuros do governo. Para isso, seria uma boa estabelecer um órgão que controle quem ganha as contas do governo e das estatais. Da mesma forma que há uma comissão regulatória na bolsa de valores. E tirar do sistema político a decisão sobre quem ganha a conta do Banco do Brasil, da Petrobrás, etc. Eu também restringiria o número de nomeações para cargos de confiança, que cria uma pressão desnecessária sobre o governante, passa uma imagem negativa e politiza a gestão. De resto, é dar tempo ao tempo. O Brasil viveu algo que nenhum país do mundo viveu: a transição do bipartidarismo para o multipartidarismo sob democracia. E com o mercado eleitoral funcionando. Ganham-se e perdem-se Copas, mas estamos jogando o jogo.


Será o fim da oposição?

DEU NO ESTADO DE MINAS

Cientistas políticos ouvidos pelo Estado de Minas divergem sobre o risco de mexicanização do país diante do atual processo eleitoral, caso se concretize a vitória de Dilma Rousseff

Bertha Maakaroun

O cientista político Bolívar Lamounier admite: é pequena a probabilidade de José Serra (PSDB) inverter a linha de crescimento de Dilma Rousseff (PT), mudando o curso das eleições. Diante da derrota nacional iminente do PSDB e, ao mesmo tempo, a conquista, na maior parte dos estados, de governos da base aliada de Lula, Lamounier, que tem grande proximidade política e ideológica com o PSDB do sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, declara haver um risco de mexicanização do país, no processo eleitoral em andamento. Lamounier se explica: Isso não significaria a eliminação total da competição política e eleitoral, mas uma absorção dela: para dentro da aliança PT-PMDB e para dentro da máquina pública.

Para o sociólogo, um eventual governo Dilma, com ampla maioria na Câmara dos Deputados e no Senado, terá um controle quase total do processo político e das instituições. Lamounier prega em conferências e em artigos o risco do que chama liquidação da oposição nos estados. Lula e o PT nunca tiveram um traço sequer de visão federativa. A pedra no sapato de Lula é evidentemente o estado de São Paulo, por isso ele já avisou que não medirá esforços para impedir a vitória de Geraldo Alckmin. O cientista político acredita que, para a saúde da democracia, é preciso mais oposição. E uma oposição que, em sua avaliação, passa pelo PSDB.

A tese de Lamounier, entretanto, é contestada pelo cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis, que recupera, historicamente, o que ocorreu no México. O quadro geral no Brasil é totalmente distinto de algo que emergiu de uma revolução armada no México, onde havia um grupo que tomou conta do Estado, fez um partido instrumental e o processo eleitoral foi acomodado dentro de um esquema partidário resultante da revolução, avalia. Reis lembra que as instituições estão em perfeito funcionamento no país, inclusive os partidos políticos e a Justiça Eleitoral.

Depois de classificar a hipótese da mexicanização uma bobagem, além de uma reação histérica, Fábio Wanderley assinala que todo partido político tem um projeto de poder e, nem por isso, a democracia fica ameaçada. O próprio PSDB, tinha um projeto de poder de 20 anos. Se o PSDB podia ter esse projeto, por que o PT não poderia?, indaga, lembrando que em, várias democracias estáveis, houve longa e continuada vitória do Partido Social Democrata, sem que por isso houvesse uma ditadura.

Para o professor, não há motivo para se presumir que o fato de haver hoje um governo bem-sucedido e com apoio popular, daqui a quatro anos, não sofra um refluxo, abrindo a possibilidade para vitórias da oposição. Ele vai além: considera que, para neutralizar a força do PMDB num eventual governo Dilma, seria natural a reaproximação entre o PT e o PSDB. Se é possível falar da composição PT e PSDB, é evidentemente imaginável uma situação em que o PSDB dispute e ganhe em nível estadual e daqui a pouco dispute com chance a Presidência da República, afirma.

Serra faz campanha ao lado de Alckmin

DEU EM O GLOBO

Tucano tenta recuperar votos perdidos em SP; no Paraná, ele critica o MST

Silvia Amorim* e Luciano Barros

RIBEIRÃO PRETO (SP) e CASCAVEL (PR). Para tentar recuperar os votos perdidos nas últimas semanas em São Paulo e levar a disputa para o segundo turno, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, manteve ontem, no interior paulista, a estratégia de colar a sua imagem à do candidato tucano a governador, Geraldo Alckmin. Serra tenta se beneficiar da alta popularidade do colega no estado. Em discurso para militantes, durante a inauguração de um comitê do PSDB em Ribeirão Preto, Serra pediu mobilização nas ruas para conseguir a virada em São Paulo: Vamos fazer no nosso estado mobilização, não só para a vitória, mas para ganhar de muito. Vamos ganhar essa eleição em São Paulo e no Brasil.

No Ibope, Dilma tem 42% em São Paulo e o tucano, 35%. Alckmin tem 47% para governador.

Serra se recusou a comentar o resultado do Ibope.

Sem citar nomes, o tucano sugeriu durante seu discurso que o presidente Lula está pondo em risco a situação financeira do governo federal para fazer o sucessor. Ele elogiou a conduta do PSDB no governo paulista: Ninguém está quebrando São Paulo para eleger sucessor.

Nosso futuro governador, Geraldo Alckmin, entregou o estado para mim arrumado.

Ele não quebrou São Paulo para fazer o sucessor.

À tarde, em Cascavel, no Paraná, Serra elogiou o agronegócio e criticou o Movimento dos Sem Terra (MST). Disse que os assentados recebem subvenções sociais para não trabalhar: No nosso governo, vamos fazer eles produzirem.

* Enviada especial

Falando como eleita, Dilma diz que vai 'estender a mão' a adversários

DEU EM O GLOBO

Candidata propõe diálogo após eleição e tenta evitar perguntas sobre Receita

Gustavo Paul

BRASÍLIA. Mesmo tentando não admitir o favoritismo, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, disse ontem que, depois das eleições, estará à disposição para o diálogo com seus adversários. Ela disse que estenderá a mão para quem quiser ajudar a transformar o Brasil.

As pessoas que concorrem conosco devem ser respeitadas e depois da eleição a coisa muda de figura. A gente desarma o palanque e estende a mão para quem for pessoa de boa vontade e quiser partilhar desse processo de transformação do Brasil.

Questionada se já estaria estendendo as mãos para Serra e Marina, a petista se traiu e discursou como presidente eleita: Estendo a mão para quem quiser partilhar. Não sei se ele (Serra) quer. Você pergunta para ele. Se ele quiser, perfeitamente.

A abertura de diálogo, segundo ela, faz parte do conceito republicano, que, disse, é adotado pelo atual governo e ela promete exercer se eleita. Aproveitou para alfinetar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: Sou do Rio Grande do Sul e lembro que havia um atrito entre o presidente e o governador.

O presidente não ia lá e não dava dinheiro. Eu acho isso um absurdo: República velha é isso. A pessoa não precisa estender a mão para mim para receber dinheiro.

Pode ficar sem estender a mão, como oposição, numa boa, que vai ter dinheiro.

Com possibilidade de ganhar a eleição já em 3 de outubro, ela refutou a afirmação feita pela concorrente Marina Silva (PV) de que a democracia é fortalecida quando a escolha do presidente ocorre em dois turnos.

Se fosse assim por que teria primeiro e segundo turno? A gente não pode contar com a eleição antes do voto na urna.

Seria uma imensa pretensão da minha parte subir no salto alto e dizer que vou ganhar.

Sorridente, mas com voz rouca e demonstrando estar com dores no joelho depois da maratona de comícios nos últimos dias , Dilma tentou evitar o tema da quebra de sigilo fiscal na Receita Federal, que devassou as declarações de quatro integrantes do PSDB.

Não vejo nenhum fato novo para que eu tenha que refazer as entrevistas. A gente tem de apostar no fortalecimento das instituições. Então, maior controle da Receita, não deixar vazar, ter uma atitude de controle irrestrito sobre dados que são sigilos fiscais. Se tiver um esquema, acho que tem de ser punido de forma drástica.

O vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge, voltou a chamar de burocrática a investigação do vazamento de seu sigilo fiscal. Para ele, o importante não é identificar apenas quem é responsável, mas quem utilizou as informações num dossiê com fins eleitorais.

Maciel, Jarbas e Raul rebatem o presidente

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Alvo de ataques no comício da Frente Popular, senador do DEM diz fazer política com P maiúsculo e adverte presidente que o juiz das eleições é o povo. Jarbas diz que Lula pensa que é semideus

Manoel Medeiros Neto

O senador e candidato à reeleição Marco Maciel (DEM) iniciou sua agenda de campanha, ontem, decidido a responder aos ataques do presidente Lula (PT), proferidos no comício realizado no Marco Zero na noite da última sexta-feira. Para ele, o juiz da eleição é o povo. Sempre relembrando o abolicionista Joaquim Nabuco, que fazia política com P maiúsculo, Maciel se apresentou à imprensa portando um pequeno pedaço de papel nas mãos com anotações sobre suas realizações durante os oito anos que ocupou a vice-presidência da República na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). Calmo, porém bem mais incisivo que o usual, Maciel alfinetou o presidente ao afirmar que alguns não conhecem o elenco de ações que ajudou a implementar no Estado.

Tanto Jarbas quanto eu fazemos política com P maiúsculo, ou seja, fazendo política em termos doutrinários, com consistência e trazendo obras, disse. Entre as ações elencadas pelo democrata, estão investimentos no porto de Suape, instalação de uma sede do Banco Central no Recife para atender todo o Nordeste, criação da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), ampliação do aeroporto do Recife e implantação do maior programa de erradicação do trabalho infantil do País. No comício, acompanhado por risos e aplausos do governador Eduardo Campos (PSB), da presidenciável Dilma Rousseff (PT) e do ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT), Lula debochou de Maciel ao afirmar que ele é senador desde o império e não se sabe o que fez.

Outros citados pelo presidente, Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Raul Jungmann (PPS) também reagiram. Ele continua como uma figura extravagante, ferindo a lei. Lula nos atacar tá dentro de um roteiro pré-estabelecido que ele vai fazer até o dia da eleição, afirmou Jarbas, dizendo ainda que Lula pensa que é um semideus (ente imortal, em parte humano e em parte divino). Para Raul, que foi chamado de menorzinho, a fala de Lula demonstra discriminação e é lamentável. Isso aponta para o que vem aí. O presidente não admite críticas. Ele pode ter todos os índices, mas não é democrático, disse. Os três oposicionistas responderam ao presidente após caminhada no Mercado de Casa Amarela.


FHC é isolado por campanha tucana

DEU NO ESTADO DE MINAS

Ex-presidente diz não ser militante, mas está magoado por não ter feitos do seu governo lembrados por Serra

Daniela Almeida

São Paulo. Responsável por levar o PSDB à Presidência da República e uma das figuras mais importantes do partido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passa longe da campanha tucana ao Planalto. Enquanto até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu no programa eleitoral de José Serra, a imagem de FHC restringiu-se aos programas de candidatos a governos estaduais e ao Senado. E, mesmo em aparições públicas de Serra, em debates ou comícios, FHC não está presente.

A blindagem, segundo tucanos envolvidos na estratégia da campanha, teria sido motivada pelos resultados das pesquisas indicando a alta aprovação de Lula pela população (79%, segundo o último levantamento Datafolha), o que poderia significar uma certa rejeição a FHC. A percepção que ficou para a sociedade é a do nosso segundo governo, que enfrentou uma série de crises, e não do primeiro, que foi de grandes acertos, avalia um tucano que prefere não se identificar.

Para interlocutores próximos, o ex-presidente além de demonstrar preocupação com um quadro eleitoral que parece estar decidido muito cedo tem confidenciado estar magoado por não observar os feitos de seus oito anos de mandato na campanha. Ele gostaria de ver as teses do governo dele sendo defendidas, diz outro integrante do PSDB.

A estratégia do partido, segundo especialistas, é tiro no pé. O isolamento de FHC pode significar uma perda política para o PSDB e para Serra, já que ambos correm o risco de sair enfraquecidos. Lula perdeu várias eleições, mas nunca perdeu politicamente. Isso porque ele sempre firmou posição. Em política, você tem que deixar claro quem é você e qual a sua historia. O partido deveria reconhecer que o governo FHC, embora não seja um sucesso de público, foi um sucesso de crítica, diz o cientista político e professor Carlos Melo.

O cientista político da USP Rubens Figueiredo aponta uma lista de conquistas do PSDB quando o partido ocupou a Presidência, entre elas o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que poderiam ser usadas pela campanha de Serra. A mudança frequente de postura e a tentativa de colar a imagem de Serra à de Lula, na avaliação de Rubens, tende a confundir a cabeça do eleitor. O PSDB de dia critica o Lula, à noite o afaga e não defende aquilo que fez. É como uma biruta de aeroporto, que ninguém entende para onde vai.

Sob os holofotes, no entanto, o ex-presidente minimiza sua ausência ao lado do candidato tucano. Esta semana, durante um evento no instituto que leva seu nome, em São Paulo, ao ser questionado se não estaria distante da campanha à Presidência, FHC respondeu com uma crítica ao adversário Lula. Apareço da maneira como acho que um ex-presidente deve aparecer, dando ideias, discutindo, mas não sou militante. Acho que é uma certa incompatibilidade de posturas Cada um defende a sua. Tem uns que defendem como o presidente Lula. Ele é um militante. Esqueceu que é presidente de todos nós para ser (presidente) de uma facção.

O senador e presidente do partido, Sérgio Guerra (PE), afirma que a falta de FHC no programa foi uma decisão do comando da campanha. Segundo ele, a atuação de FHC se dá nos bastidores. Nenhuma decisão importante do partido acontece sem ele. Ele é o que mais colabora com o partido.

Dirceu tenta barrar Palocci em eventual governo Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-ministro quer evitar que seu rival tenha poder de um premiê, com controle da Casa Civil ou da Fazenda.

A 35 dias da eleição, o ex-ministro José Dirceu quer reduzir o poder de Antonio Palocci num eventual governo de Dilma Rousseff (PT), relatam os repórteres Wilson Tosta e Vera Rosa. Após emitir sinais contrários à possível indicação de Palocci para a Casa Civil, Dirceu luta agora para impedir que ele volte a ditar a economia. Se Palocci for para a Casa Civil, o grupo de Dirceu que quer empurrar o deputado para a Saúde espera compensação. Sob o argumento de que um governo Dilma não pode ter a cara do ajuste fiscal de Palocci, aliados do ex-chefe da Casa Civil defendem que Guido Mantega fique na Fazenda em dobradinha com alguém de esquerda no Planejamento.

Dirceu tenta barrar avanço de Palocci

Após combater possível ida do rival para coordenar futuro governo, ex-chefe da Casa Civil quer impedir que ele retorne à economia

Wilson Tosta e Vera Rosa

RIO e BRASÍLIA - A 35 dias da eleição de 3 de outubro e confiantes na vitória de Dilma Rousseff (PT) no primeiro turno, os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci disputam os rumos de eventual novo governo comandado pelo partido. Depois de emitir sinais contrários à possível indicação de Palocci para a Casa Civil, Dirceu luta agora para impedir que ele volte a ditar os caminhos da economia, a partir de 2011.

Os dois "generais" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reeditam a queda de braço que travaram no primeiro mandato do PT para definir a fisionomia do governo. Abatido pelo escândalo do mensalão, em 2005, e cassado pela Câmara, Dirceu vislumbra perda de influência se Palocci - ex-ministro da Fazenda - assumir a Casa Civil sob Dilma.

A preocupação não é à toa: cabe ao ministro da Casa Civil coordenar a equipe, o que lhe dá muito poder e pode torná-lo candidato natural ao Planalto. Foi o que ocorreu com a própria Dilma, puxada para o cargo após a queda de Dirceu. Nove meses depois, em março de 2006, Palocci também caiu, no rastro da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.

Embora se movimente nos bastidores para evitar que o antigo colega vire uma espécie de "primeiro-ministro" de Dilma, Dirceu sabe que pode perder a aposta. Motivo: Palocci é um dos principais coordenadores da campanha e, além de tudo, tem Lula como padrinho. O plano do presidente é reabilitar o ex-titular da Fazenda na cena política.

Se Palocci for para a Casa Civil, o grupo de Dirceu - que quer empurrar o deputado para o Ministério da Saúde - espera uma "compensação". Sob o argumento de que "o governo Dilma não pode ter a cara do ajuste fiscal de Palocci", aliados do ex-chefe da Casa Civil defendem, agora, a permanência de Guido Mantega (PT) na Fazenda em dobradinha com "alguém de esquerda" no Planejamento.

Apesar das críticas ao "conservadorismo" do Banco Central, Dirceu não deverá se opor à manutenção de Henrique Meirelles, na cota do PMDB, desde que Palocci fique distante da seara econômica e Mantega não saia da Fazenda. Meirelles, porém, não pretende continuar no BC.

Mesmo com rachas internos, a corrente do PT Construindo um Novo Brasil (CNB) - integrada por Lula, Dirceu e pelo presidente do partido, José Eduardo Dutra - emplacará as principais indicações do petismo no eventual governo Dilma.

Nem todos da CNB, no entanto, falam a mesma língua. Palocci, por exemplo, também é da CNB, antigo Campo Majoritário, mas atua de forma independente e quase não tem ligação com a cúpula partidária.

Dirceu, ao contrário, procura frequentar todas as reuniões da corrente e do Diretório Nacional. Ex-presidente do PT, mantém um canal de comunicação com os militantes por meio de seu blog e tem papel discreto na campanha.

Queimada

O fogo amigo contra Palocci ganhou força há uma semana, depois de notícias dando conta que Dilma recorreria à tesourada nos gastos logo no início de eventual governo.

"Podemos assumir o compromisso de uma meta de inflação mais ambiciosa, sem um maior custo de política monetária. As condições estão dadas para, gradualmente, baixar a meta de inflação", disse Palocci, em entrevista publicada pelo Estado, na segunda-feira, no segundo caderno da série Desafios do Novo Presidente. "É um compromisso fiscal muito forte, porque Dilma vai se comprometer com nível de endividamento, além da meta de superávit."

Dilma já havia indicado, em maio, o desejo de reduzir a meta de inflação. Fez o comentário durante encontro com investidores promovido pela BM&F-Bovespa, em Nova York. Detalhe: Palocci estava com ela na viagem. Depois que o ex-titular da Fazenda passou a mexer no vespeiro da economia, porém, o grupo de Dirceu intensificou o bombardeio longe dos holofotes.

"O que esse cara quer? Uma nova Carta aos Brasileiros?", perguntou um interlocutor do ex-ministro da Casa Civil, numa referência ao documento divulgado por Lula, na campanha presidencial de 2002, para acalmar o mercado financeiro.

Em conversas reservadas, Dirceu tem dito que vai brigar pela "embocadura" de um possível governo Dilma. Nunca esteve nos planos de sua sucessora na Casa Civil - e nem dele próprio - qualquer tarefa oficial antes do veredicto do Supremo Tribunal Federal no caso do mensalão.

Dilma e Dirceu, de toda forma, se dão bem. Além de deixar com ela o labrador Nego, que apareceu no primeiro programa de TV, o ex-ministro sempre entra em cena quando é preciso desarmar crises, principalmente entre aliados nos Estados.

Quando é perguntado sobre Dirceu, Palocci abre um sorriso. "Mesmo no governo, ele nunca fez todas as maldades que vocês diziam, mas levava a fama", diz.

Quebra de sigilo é fruto de "banditismo", diz Mendes

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MINISTRO E EX-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CRITICA "PARADIGMAS SELVAGENS DA POLÍTICA SINDICAL" E CONDENA USO DE CARGOS PÚBLICOS PARA BENEFÍCIO PARTIDÁRIO

Felipe Seligman

DE BRASÍLIA - Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, 54, afirmou que a quebra de sigilo fiscal de pessoas vinculadas a tucanos é fruto de "banditismo político" e revela "paradigmas selvagens da política sindical".

Em entrevista anteontem à Folha, ele disse que "o servidor público não pode usar button", numa referência àqueles que usam o cargo em benefício de seus partidos.

Mendes criticou o aparelhamento político do serviço público brasileiro, ao dizer que se trata de "uma anomalia que se normalizou". "Os funcionários públicos precisam entender que não estão a serviço de uma instituição partidária", declara.

Segundo ele, o episódio do vazamento da Receita Federal é algo típico de "partidos clandestinos que utilizavam dessas práticas como um instrumento de defesa contra um regime ditatorial".

No comando do STF (2008-2010), o ministro ficou conhecido por críticas que fez ao que chamou de Estado policial e "espetacularização das prisões" pela Polícia Federal, que, segundo ele, estava fora de controle.

Folha - Como o sr. avalia esse vazamento de informações sigilosas da Receita Federal?

Gilmar Mendes - É algo assustador e lamentável. Sobretudo quando ocorre em uma instituição profissionalizada e profissional como a Receita Federal.

O sr. vê alguma relação com o grande número de cargos em comissão?

Claro. O aparelhamento de instituições é algo grave e nocivo ao serviço público do país. Os funcionários públicos precisam entender que não estão a serviço de uma instituição partidária. Quando fazem isso, estão descumprindo o princípio democrático.

Esse aparelhamento é tratado como algo natural no Brasil?

O servidor não pode usar button e isso é algo que se transformou em cultura ao longo do tempo. É uma anomalia que se normalizou.

Mas não existe só na Receita. É algo que se generalizou?

Para atender a interesses partidários, os interesses democráticos são desrespeitados. Isso acontece em qualquer órgão [aparelhado]. É o funcionário da Receita que quebra sigilo fiscal. É o funcionário de um banco que quebra o sigilo bancário.

Como combater isso, já que, como o sr. mesmo diz, se normalizou?

É preciso punir gravemente essa cultura de dossiês no país. Os partidos que se utilizaram disso têm que pedir desculpa. Têm que fazer um mea culpa. Porque isso é típico de partido da clandestinidade e não pode ocorrer em um regime democrático.

O aparelhamento é uma característica genuinamente brasileira?

Em outros países democráticos é pequeno o número de funcionários com ligações partidárias porque existem poucos cargos em comissão.
Aqui costumamos ver funcionários públicos a serviço de siglas partidárias. É coisa de partido clandestino que atuava contra regimes autoritários. Mas é preciso entender que não vivemos mais sob tais condições. Vivemos em um regime democrático e isso é inadmissível.

O sr. atribui o vazamento na Receita apenas à cultura de clandestinidade partidária?

Não. A cultura do vale-tudo da política sindical também pode estar ligada a tudo o que vem acontecendo. Não se pode transpor ao mundo político institucional os paradigmas selvagens da política sindical. Também vejo isso como outra fase do patrimonialismo. Aqueles que estão no poder acham que podem fazer tudo por estarem lá.

E eles podem?

Hoje a Receita Federal pode, por exemplo, quebrar sigilo bancário em procedimentos administrativos sem uma autorização judicial. Isso é permitido por uma lei complementar [a 105 de 2001] que inclusive foi contestada no Supremo [Ação Cautelar 33, atualmente sob um pedido de vista da ministra Ellen Gracie]. Mas quem confiará em um órgão que age dessa maneira?

Por episódios como esse, é possível que o Supremo derrube essa lei?

O Supremo pode discutir isso e deve fazer. Mas, como eu venho dizendo, é preciso que se edite uma lei de abuso de autoridade para punir quem age dessa maneira. Neste caso, porém, o fenômeno é ainda mais grave. É preciso punir tanto aquele que passa as informações como aquele que recebe. Porque quem pega essas informações e as utiliza está estimulando esse tipo de prática.

E como é possível punir aquele agente partidário que recebe as informações?

É como no crime de receptação. Tanto participa do crime aquele que furta como aquele que compra o objeto furtado. Por isso que as agremiações políticas também devem ser responsabilizadas por receber essas informações. Ou então devem ir a público e repudiar esse tipo de prática de banditismo político. Porque isso não tem nada a ver com política partidária.

O sr. vê o PT envolvido nesse vazamento?

Isso eu não posso dizer, mas é preciso verificar quem está por trás disso. Se for partido de governo é algo ainda mais grave. Quando a Receita é aparelhada, os Correios são aparelhados, quem é que vai confiar nessas instituições? E quando elas ficam desacreditadas, abre-se espaço para aventuras antidemocráticas.

Poço sem fundo:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Meia dúzia de pessoas está tomando uma decisão no Planalto que vai mexer com o bolso de incontáveis acionistas, grandes e pequenos, da Petrobras.

O preço do barril a ser cedido à empresa vai definir quantos reais cada acionista terá que pôr na companhia. Essa é definitivamente a forma errada de tomar uma decisão dessa importância, e isso pode provocar muitas brigas na Justiça.

Na época da privatização, eram contratadas duas avaliadoras.

Quando havia discrepância de mais de 20%, uma terceira tirava as dúvidas.

Agora, a divergência é de 100%. Dependendo do preço do barril, o minoritário terá que gastar mais ou menos dinheiro para acompanhar o aumento de capital, ou então ser diluído. A decisão afeta desde os minoritários que investiram com seu fundo de garantia até os grandes investidores brasileiros e estrangeiros.

Não pode ser um chute, ou uma conta de chegar feita por um grupinho a portas fechadas, que tem desde gente que não entende nada do tema, como os ministros Erenice Guerra e Guido Mantega, até quem tem interesse direto, como a Petrobras, ou quem já fez manifesto ideológico em torno do preço ideal, como o presidente da ANP. O presidente Lula disse que esses são os técnicos e que depois ele tomará a decisão política. Nem eles são técnicos, nem cabe decisão política numa questão que mexe com as economias de pessoas e empresas.

A empresa perdeu só este ano 27% de valor de mercado.

A consultora de mercado de capitais da Prosper Corretora, Rita Mundim, lembra que muitos acionistas minoritários usaram o Fundo de Garantia para comprar ações da Petrobras.

A capitalização virou uma novela mexicana com final infeliz para os minoritários.

O governo se esquece que muita gente usou o Fundo de Garantia no anos 90 para comprar Petrobras.

Isso significa que 30% do sonho de muita gente virou água com a queda das ações este ano. Quem quer comprar imóvel pode ter adiado.

Quem fez dívida pode estar em dificuldade. Até agora, só houve trapalhadas e incertezas afirmou.

O analista da Spinelli Corretora, Max Bueno, que acompanha Petrobras, estima que se o barril de petróleo for cotado a US$ 8, o minoritário terá que fazer um aporte de 30,7% do valor das ações que possui hoje. Por exemplo, quem tem R$ 100 mil de ações da Petrobras, terá que comprar mais R$ 30,7 mil para manter a participação atual.

Se o governo decidir que o petróleo vale US$ 12, esse mesmo acionista terá que desembolsar 36 mil.

O analista-chefe da Prosper corretora, Eduardo Roche, acha que o aporte do minoritário terá que ser ainda maior, em qualquer um dos casos, acima de 50%. Os especialistas têm dúvidas faltando pouco mais de 30 dias para a operação. Imagine o acionista comum. As informações continuam truncadas, as decisões são tomadas de forma equivocada e as incertezas são inúmeras.

Para se ter uma ideia, o campo de Tupi ainda não possui reservas provadas de petróleo 10 anos após a primeira licitação. Já foram feitas oito perfurações para pesquisa e só há estimativas.

No campo de Franco, que será usado na capitalização da Petrobras, foi perfurado um único poço.

Só com um poço é muito difícil. É natural que as duas certificadoras tenham chegado a valores diferentes porque as incertezas são muito grandes; as informações, muito poucas. A capitalização jamais deveria ter sido planejada por esse processo afirmou o ex-diretor de exploração e produção da Petrobras, Wagner Freire.

Ele explica que o processo tem que seguir várias etapas.

Com base em dados geológicos e geofísicos, as empresas identificam que áreas são promissoras, e aí se faz a perfuração exploratória. Depois, são feitos poços adicionais para se saber o montante das reservas. Em seguida, a análise econômica sobre custos de exploração, investimentos necessários, volumes recuperáveis. Em Franco, foi feito apenas um poço estatigráfico. Outro, com a mesma técnica, foi feito em Libra, numa área próxima, e provocou um desmoronamento com milhões de reais perdidos.

Especialistas em petróleo, da área financeira e do setor jurídico estão espantados com o grau de improviso deste processo de capitalização.

Desde o começo, tudo está contaminado pela exploração política. O governo tem pressa porque quer fazer um palanque no dia 7 de setembro sobre a capitalização.

A Petrobras, em quem foi concentrada a exploração do pré-sal, está no limite do seu endividamento e terá que fazer um esforço enorme. Para isso foi imaginado esse tortuoso processo em que o governo cede barris de petróleo a cinco mil metros à empresa e assim se faz a capitalização.

Transfere também títulos da dívida, enquanto os minoritários terão que acompanhar com dinheiro vivo.

Se o processo beneficiar muito os acionistas, haverá transferência de riqueza de todos os brasileiros para alguns os que são acionistas porque a Petrobras é uma empresa de capital aberto, que tem 60% de suas ações no mercado. Se prejudicar o minoritário, ele terá perda de patrimônio. A decisão não pode ser tomada por critérios eleitoreiros porque afeta a economia de pessoas e empresas, ou representa transferência de patrimônio público.

A advogada e ex-procuradora da ANP Sonia Agel acredita que após a operação haverá contestações na Justiça.

O minoritário pode entrar na justiça por se sentir prejudicado. Da forma como está sendo feito, o Ministério Público ou até mesmo uma ação popular pode contestar o processo porque estamos falando de um patrimônio que pertence à União. Uma terceira certificadora deveria ser contratada para definir o valor do barril, e não o próprio governo explicou.

Essa é uma questão que tinha de estar longe dos palanques.

Brasil vive desindustrialização :: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mesmo com economistas negando, fatia da indústria no PIB nacional é bem menor do que há 25 anos

NO FINAL DOS anos 1940, a indústria representava 20% do PIB brasileiro, em 1985 chegou a 36%, em 2008 havia baixado para 16%! Não obstante, ainda existem economistas que negam que o país venha sofrendo desindustrialização.

Argumentam que a desindustrialização não seria apenas brasileira, mas de todos os países. Com o desenvolvimento econômico, a participação dos serviços sofisticados aumenta, e, em consequência, a participação da indústria de transformação cai.

Em 1970, a participação da indústria no PIB mundial era de 25%, em 2007 havia caído para 17%. Mas isto acontece aos países ricos que, a partir de certo ponto, passam a deslocar sua mão de obra da indústria para setores de serviços com valor adicionado per capita maior. Não é o caso do Brasil. Nossa desindustrialização é para produzir mais commodities.

O Brasil está se desindustrializando desde 1992. Foi em dezembro do ano anterior, no quadro de acordo com o FMI, que o Brasil fez a abertura financeira e, assim, perdeu a possibilidade de neutralizar a tendência estrutural à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio.

Em consequência, a moeda nacional se apreciou, as oportunidades de investimentos lucrativos voltados para a exportação diminuíram, a poupança caiu, o mercado interno foi inundado por bens importados, e, assim, muitas empresas nacionais eficientes deixaram de crescer ou mesmo quebraram.

Estava desencadeada a desindustrialização prematura da economia brasileira.

Se a desindustrialização é evidente, por que economistas brasileiros insistem em procurar argumentos para negá-la?

Porque são ortodoxos, porque pensam de acordo com o Consenso de Washington, e, por isso, apoiam a política macroeconômica instaurada desde 1992.

Não obstante critiquem o deficit público (como também eu critico), propõem juros altos (para combater a inflação e atrair capitais), deficit altos em conta-corrente (para "crescer com poupança externa"), deficit público compatível com o deficit em conta-corrente, e câmbio apreciado.

Em outras palavras, em nome da ortodoxia, defendem irresponsabilidade cambial, e, não obstante a retórica, a irresponsabilidade fiscal (considerada a hipótese dos deficits gêmeos). E condenam o país a taxas de poupança e investimento baixas.

Quando a ortodoxia percebe que a taxa resultante do mercado é sobreapreciada, defende-se afirmando que administrar a taxa de câmbio é "impossível".

Não é o que mostra a história. Para administrá-la é necessário (1) impor imposto na exportação de bens que dão origem à doença holandesa; (2) usar os recursos fiscais decorrentes para zerar o deficit público; (3) baixar a taxa de juros real para o nível internacional; e (4) estabelecer barreiras às entradas de capitais não desejados.

Neste quadro, a renda dos exportadores de bens primários será mantida porque o imposto poderá e deverá ser compensado centavo por centavo pela desvalorização.
O Brasil já praticou essa política no passado. Outros países a estão aplicando no presente.

Se a adotarmos, o Brasil poderá voltar a ter taxas de crescimento pelo menos duas vezes maiores do que aquelas que prevaleceram desde 1992.

Múltis já optam por dinheiro do BNDES

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O BNDES emprestou a multinacionais R$ 20,4 bilhões em 2009, o dobro de 2007. Até julho, foram liberados R$ 8,6 bilhões. Com isso, a entrada de dólares no Brasil perde fôlego.


Múltis pegam empréstimos no BNDES e trazem menos dólares para o País

Em dificuldade no exterior e com a expansão do BNDES, múltis se financiam no Brasil, agravando o problema das contas externas

Raquel Landim


Com as matrizes em dificuldades financeiras e o mercado externo ainda complicado por causa da crise, as multinacionais estão recorrendo mais ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e trazendo menos dólares ao País para financiar seus projetos.

Os empréstimos do BNDES para empresas de capital estrangeiro dobraram de R$ 9,8 bilhões em 2007 para R$ 20,4 bilhões em 2009, conforme informações fornecidas pelo banco. Em 2008, foram R$ 14,6 bilhões. Entre janeiro a julho deste ano, os desembolsos para multinacionais ficaram em R$ 8,6 bilhões.

Uma consulta ao site do BNDES revela algumas operações. Nos últimos 12 meses, o banco emprestou R$ 300 milhões ao francês Carrefour e R$ 400 milhões à italiana TIM para capital de giro. A alemã Mercedes-Benz também levantou R$ 1,2 bilhão para ampliar sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP). A também alemã Volkswagen recebeu R$ 642 milhões nos últimos 12 meses. Entre 2009 e 2014, a montadora investirá R$ 6,2 bilhões, 38% com dinheiro do BNDES.

A americana Cargill conseguiu R$ 160 milhões no banco estatal - o equivalente a um quarto do que a empresa de alimentos vai investir em novas fábricas em Primavera do Leste (MT) e Uberlândia (MG). Procuradas pelo Estado, as empresas confirmaram os empréstimos, mas não deram entrevista.

O BNDES informou que a legislação não permite discriminação entre empresas de capital nacional e companhias estrangeiras instaladas no Brasil. As multinacionais, no entanto, não receberam tratamento especial. A participação dessas empresas na carteira do banco se manteve entre 15% e 16% nos últimos três anos. De janeiro a julho, está em 12%. A perspectiva da área econômica do banco é de queda este ano em relação aos 16% de 2009.

O fato é que o bolo cresceu tanto que sobrou mais dinheiro para todo mundo, nacionais ou estrangeiros. Graças aos R$ 180 bilhões que recebeu do Tesouro, o BNDES elevou significativamente seus empréstimos e ajudou a blindar o País da crise.

Em 2007, os financiamentos totais do banco estatal estavam em R$ 64,9 bilhões. Saltaram para R$ 91 bilhões em 2008 e para R$ 136 bilhões no ano passado (o dobro de 2007). De janeiro a julho deste ano, foram desembolsados R$ 72,7 bilhões.

Segundo Fernando Pimentel Puga, chefe do departamento econômico do BNDES, a carteira de crédito cresceu porque o Brasil está investindo mais em infraestrutura, que demanda financiamentos de longo prazo, e por conta da ação anticíclica do banco. "Não tem relação com uma eventual maior demanda por crédito das multinacionais."

Vulnerável. Para economistas do mercado, o crescimento significativo de recursos do BNDES garantiu os investimentos, contribuindo para elevar a oferta de produtos e controlar a inflação. Mas teve um efeito colateral, que é ajudar a reduzir a entrada de investimento estrangeiro produtivo, o que deixa o País mais vulnerável ao capital volátil para fechar suas contas.

"A agressividade do BNDES minimiza a necessidade de as empresas buscarem parceiros no exterior para realizar investimentos", disse Julio Callegari, economista do JP Morgan.

"Parte dos investimentos das empresas estrangeiras está sendo feita com recursos do BNDES", disse Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet).

Pelas projeções do Banco Central, o investimento estrangeiro direto não vai cobrir o déficit externo brasileiro, em conta corrente, pela primeira vez desde 2001. O BC estima US$ 49 bilhões de déficit e um ingresso líquido de investimento estrangeiro direto de US$ 38 bilhões.

Isso significa que o País vai depender da entrada de pelo menos US$ 11 bilhões em investimentos em ações e renda fixa para fechar as contas. Nada preocupante, por enquanto, dada a magnitude de capitais especulativos que o Brasil vem atraindo.

Chávez faz escola contra a mídia independente

DEU EM O GLOBO

Em Equador, Argentina e Bolívia, presidentes seguem a trilha do líder venezuelano na tentativa de cercear a imprensa

Janaína Figueiredo
Correspondente

BUENOS AIRES. Além de petróleo, o governo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, exportou nos últimos tempos um modelo comunicacional que prevê uma forte intervenção do Estado na mídia e a implementação de medidas que, na visão de representantes do setor, limitam a liberdade de expressão. A influência chavista é cada vez maior em Argentina, Equador e Bolívia, países que nunca esconderam sua sintonia com a revolução bolivariana. A exportação do modelo construído pelo ex-tenentecoronel que chegou ao poder em 1999 já foi denunciada por diversos órgãos internacionais, entre eles a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

Qualquer crítica é recebida como oposição política A organização acredita que existem claros indícios da deterioração da liberdade de imprensa nas Américas, como ressaltou no relatório de sua última assembleia anual, e apontou o presidente venezuelano como o principal responsável pelo conflito entre governos e meios de comunicação da região. Não é por acaso que vários governos estão agora unidos por uma ideologia exportada da Venezuela pelo presidente Hugo Chávez, que chegou a propor uma lei de delitos midiáticos.

No Equador, a situação é delicada e jornalistas do país coincidem em afirmar que a importação do manual chavista antimídia é real e perigosa. Este ano, a SIP discutiu o caso equatoriano na reunião em Aruba, em março, na qual foi criticada a intenção do governo Correa de aprovar um novo projeto sobre mídia, chamado no país de projeto de lei da mordaça. Entre as propostas, a mais temida pela imprensa estabelece que qualquer pessoa pode solicitar à Justiça a suspensão de uma investigação jornalística, se considerarse prejudicada.

Estamos comprando um modelo estatizante e, junto com ele, a ideia de que é necessário ter um pensamento único disse ao GLOBO Nila Velázquez, diretora da Fundação El Universo de Guayaquil, dedicada à capacitação de jornalistas.

Segundo ela, qualquer crítica é recebida pelos governantes como uma oposição política.
Somos jornalistas, não políticos.

Mas o governo não entende isso; se criticamos, somos inimigos enfatizou Nila.

Apesar da energia que alguns presidentes dedicam a atacar meios de comunicação em discursos e programas de TV transmitidos por canais estatais, como o Alô Presidente de Chávez, aplicar a receita do venezuelano não parece ser um bom negócio. Um recente estudo elaborado pela Faculdade de Ciências Sociais (Flacso) em 18 países da região mostrou que 58,6% dos latino-americanos confiam muito ou um pouco nos meios de comunicação, especificamente nos noticiários de TV. O percentual de confiança nos governos foi de 48%. Para Francisco Rojas Aravena, secretário geral da Flacso, a confrontação constante entre governos e imprensa é negativa porque dificulta um diálogo construtivo.

Um dos mais recentes conflitos entre Chávez e os meios de comunicação de seu país foi provocado pela decisão de um tribunal de Caracas (vale lembrar que a ausência de uma divisão de poderes é uma das principais críticas feitas ao governo chavista) que proibiu os jornais de publicar imagens e informações sobre casos de violência.

A medida foi anunciada após a divulgação nos jornais El Nacional e Tal Cual de fotos de um necrotério.

Em meio ao conflito, o Colégio Nacional de Jornalistas e o Sindicato Nacional de Trabalhadores de Imprensa declararam o estado de emergência do jornalismo na Venezuela. O aumento da violência é uma das principais preocupações dos venezuelanos.

Segundo dados divulgados pelo El Nacional, após um tribunal de Caracas derrubar parcialmente a proibição, no ano passado 19.133 pessoas foram assassinadas no país, o que colocou a Venezuela acima de países como Colômbia e México.

Faltando apenas algumas semanas para as eleições legislativas de setembro, o governo chavista teme perder sua maioria parlamentar hegemônica.

O aumento do controle estatal sobre os meios de comunicação, a suspensão de concessões e a forte intervenção dos governos em empresas do setor são elementos comuns nas políticas de comunicação da região. O capítulo mais recente da disputa entre a imprensa e presidentes latino-americanos ocorreu em Buenos Aires, onde a Casa Rosada denunciou a suposta compra irregular da empresa Papel Prensa, em 1976, por parte dos jornais Clarín e La Nación. A versão kirchnerista, que busca vincular a venda da empresa à perseguição política sofrida por membros da família Graiver, exproprietária da Papel Prensa (empresa que abastece 75% do mercado local de papel), foi derrubada, entre outros, por Isidoro Graiver, que comandou as negociações com ambos diários.

Tanto na Argentina como em outros países da região, vemos fórmulas autoritárias que violam a divisão de poderes comentou o gerente de comunicação do grupo Clarín, Martín Etchevers.

Na Bolívia, ataques aos relatórios da SIP Na Bolívia, o presidente Evo Morales foi criticado após a aprovação da nova Lei de Regime Eleitoral, que limita a cobertura de eleições. Segundo associações de jornalistas, a norma viola a Constituição e convênios sobre liberdade de expressão firmados pela Bolívia. Em sintonia com colegas sul-americanos, o presidente costuma atacar meios de comunicação independentes e organizações, como a SIP, que denunciam atropelos à imprensa no continente.

O Palácio Quemado referiu-se à SIP como instrumento do imperialismo e assegurou que seus relatórios têm o mesmo valor que um papel molhado.

Futuro do Estado de Direito:: Graziela Melo

Preocupada ando eu. De alma murcha, digamos assim. As perspectivas que vislumbro no horizonte, não são alentadoras. Me refiro ao futuro (e presente!!!) das liberdades de pensamento, de expressão, de imprensa, etc. Invasões de privacidade já estão ocorrendo. O caso Receita é estarrecedor e aponta até onde chega o nível de aparelhamento que o PT montou, desmontando assim, as principais características, dever e papel atribuídos ao Estado. Transcrevo para vocês, apenas o primeiro parágrafo do artigo de Mauro Chaves, no Estadão de hoje:

"Há uma perspectiva que todos aqueles para os quais a liberdade de expressão é algo fundamental - à profissão, à realização e à vida - não podem mais fingir que desconhecem. As nuvens cinzentas da repressão censória, vinda de diletos hermanos latino-americanos - como a Venezuela, a Argentina e a Bolívia- , já se acumulam nas fronteiras brasileiras e estão prestes a submeter o pensamento nacional ao que funcionários governamentais, representantes sindicais ou burocratas ideólogo-partidários digam ser propício ou não à divulgação pública."

É! Essa é uma perspectiva que me atormenta. Depois de mais de vinte anos de ditadura, o alívio parece que não veio para ficar. Angústia.