terça-feira, 14 de setembro de 2010

Segundo turno? :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A 20 dias da eleição, há tempo ainda de reverter a vantagem que a candidata oficial, Dilma Rousseff, apresenta em todas as pesquisas de opinião e impedir que ela vença no primeiro turno? As campanhas dos candidatos adversários acreditam mais do que nunca que sim, diante da onda de denúncias que a envolvem diretamente, seja com as claras vinculações de sua campanha com as quebras em série de sigilos fiscais, seja pela atuação de lobista do filho de seu braço-direito Erenice Guerra. Esta foi deixada como ministra-chefe da Casa Civil para que fosse a própria Dilma no controle das ações do governo, assim como Lula inventou Dilma para concorrer por ele como sua “laranja” eleitoral.

Erenice é Dilma assim como Dilma é Lula, e por isso chega a ser patética a explicação dada pela candidata oficial no debate da Rede TV/Folha.

“Eu tenho, até hoje, a maior e a melhor impressão da ministra Erenice. O que se tem publicado nos jornais é uma acusação contra o filho da ministra. (...) Agora, eu quero deixar claro aqui: eu não concordo, não vou aceitar, que se julgue a minha pessoa baseado com o que aconteceu com o filho de uma ex-assessora minha”.

Ora, as denúncias da revista “Veja” referentes ao filho não existiriam se a mãe não fosse ministra; só nesse caso há campo para o “tráfico de influência”.

No mínimo, um filho de qualquer autoridade da República não pode exercer a função de consultor para assuntos que sejam ligados ao governo. O conflito de interesses é óbvio, e não necessita ser definido por uma Comissão de Ética.

Basta que a ministra tenha bom senso para impedir o filho de negociar com qualquer órgão de governos, mesmo os estaduais e municipais.

E não há como separar Dilma de Erenice.

O caso dos sigilos quebrados é de difícil entendimento para a média do eleitorado, mas, segundo o Datafolha, afetou a intenção de votos em Dilma entre os eleitores de nível superior de escolaridade, onde a candidata petista perdeu cinco pontos em cinco dias.

Entre os que têm maior renda, a perda foi de oito pontos.

O caso de tráfico de influência na Casa Civil é mais evidente, e pega diretamente o esquema político montado por Dilma no Palácio do Planalto.

Um assessor envolvido já pediu demissão, e novos desdobramentos devem acontecer nos próximos dias, deixando sob pressão a campanha da candidata oficial.

Os dois adversários viáveis politicamente, José Serra, do PSDB, e Marina Silva, do Par tido Verde, têm esperanças semelhantes nos últimos dias da disputa eleitoral.

A campanha de Serra torce para que Marina cresça nas pesquisas, para ajudar a provocar um segundo turno.

Mas para isso Marina precisaria crescer em cima dos eleitores de Dilma.

Uma análise do Datafolha mostra que isso vem acontecendo de maneira sistemática desde o início dos escândalos.

Marina recebeu a maior parte das intenções de votos perdidas por Dilma entre os mais escolarizados (ganhou quatro dos cinco pontos).

Entre os de renda familiar de mais de 10 salários mínimos, ela ganhou seis dos oito pontos perdidos por Dilma.

Marina vem tirando também espaço de Serra em alguns setores, como os que ganham de 5 a 10 salários mínimos, setor onde ela cresceu oito pontos, o mesmo percentual perdido pelo candidato do PSDB.

Pelo tracking da campanha do Partido Verde, Marina aproxima-se dos 15% de intenções de voto, o que, se for confirmado nas pesquisas eleitorais que serão divulgadas ao longo da semana, pode provocar uma onda, ainda mais se o candidato Serra cair.

O Partido Verde joga ainda suas fichas nas mulheres pobres e nos evangélicos para consolidar uma “onda verde” no final da campanha.

Há uma tendência no mundo todo, analisam os estrategistas do PV, de a eleição se definir mais para o seu final.

É uma tarefa difícil a de Marina, crescer a ponto de superar o candidato do PSDB, mas tirando também votos de Dilma.

Caso cresça apenas em cima de Serra, a soma de votos dos dois não se alterará substancialmente, permitindo que Dilma vença no primeiro turno.

A campanha de Serra acredita que ele tem fôlego ainda para crescer, graças a alterações que dizem registrar no voto em São Paulo.

Eles acreditam que Serra acabará superando Dilma no estado que tem o maior colégio eleitoral, provocando uma alteração na soma final de votos, o que reduzirá a dianteira de Dilma.

Mas estão preocupados mesmo com Minas Gerais, onde a candidata oficial aumenta a dianteira.

O PSDB mineiro está em um dilema quanto ao uso da imagem de Serra na campanha de Anastasia para governador, já que lá também a luta é renhida para superar o candidato da coligação da base do governo federal, Hélio Costa.

Há o temor de que colocar Serra não ajude a campanha presidencial e prejudique a estadual, e essa queda de braço ainda está em andamento dentro do PSDB.

Para derrotar Dilma num eventual segundo turno — que ainda parece ser um objetivo ambicioso demais para os dois adversários —, seria preciso que PV e PSDB fizessem um grande acordo político que entusiasmasse o eleitorado.

Hoje, Marina sozinha parece em condições de receber mais votos que Heloisa Helena e Cristovam Buarque receberam juntos em 2006.

Mas, se com isso Serra for para o segundo turno, corre o sério risco de ver a maioria desse eleitorado voltar novamente para a candidata governista, como aconteceu na disputa de Alckmin com Lula.

No caso de Marina conseguir uma virada tão espetacular que superasse Serra e a levasse para o segundo turno, estaria criado o clima propício para enfrentar a máquina governamental.

Aparência, nada mais:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um dos segredos do sucesso do governo Luiz Inácio da Silva é que não se constrange com nada. Aplica o mesmo truque diversas vezes com a maior seriedade e segue impávido não raro indignado com ofensas à honra e ataques insidiosos de uma gente muito sem classe que vê problema onde vigora a mais perfeita correção.

Agora nesse caso perfeitamente natural em que a ministra chefe da Casa Civil tem um filho que faz tráfico de influência e mais uns parentes pintando e bordando governo adentro, incluindo o uso de laranjas a fim de esconder a participação da própria ministra no negócio, o governo foi rápido - porém repetitivo - na reação.

Pediu a um assessor da Casa Civil que se demitisse, fez o gesto do repúdio à calúnia e, para não restar dúvida quanto ao rigor, acionou a Comissão de Ética Pública para examinar a conduta de Erenice Guerra, a ministra em questão.

Isso depois de deixar bem claro o seguinte: mulher de confiança de Dilma Rousseff, deixada por ela no cargo, Erenice não tem nada a ver com a ex-chefe e agora candidata do PT à Presidência. Inclusive porque, como disse Dilma, isso é um problema de governo. Governo com o qual ela não tem nada a ver, pois não?

A referência ao "governo de Lula e Dilma" na propaganda eleitoral, fica combinado, é só força de expressão.

A Comissão de Ética Pública se pauta pelas melhores das intenções. Na prática é uma das maiores inutilidades da República. Guarda semelhança talvez apenas com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

A comissão tem um código: 19 belos artigos em defesa da melhor conduta das autoridades, conselheiros da melhor estirpe e nenhum poder de fato.

O último caso remetido para lá foi o do então secretário de Justiça Romeu Tuma Júnior, aquele que cuidava de reprimir a pirataria e era amigo íntimo do rei da pirataria em São Paulo.

Ninguém mais ouviu falar do caso. Anteriormente também a comissão cuidou de examinar a conduta do assessor especial Marco Aurélio Garcia, filmado em gestos obscenos no Palácio do Planalto para comemorar uma versão sobre falha técnica que teria ocasionado o desastre da TAM na pista do Aeroporto de Congonhas, em 2007.

Depois disso (ou foi antes?) a comissão cuidou do conflito de interesses na dupla jornada de Carlos Lupi na presidência do PDT e no posto de ministro do Trabalho e foi devidamente desmoralizada por ele em público.

Por essas e algumas outras já se sabe que o envio qualquer caso para a Comissão de Ética Pública não quer dizer nada. Ou melhor, significa que o governo pretende dar o assunto por enterrado.

Sentimento do mundo. Thais Pascoal, 23 anos e que se define como "antenada nas questões do País", escreve para "compartilhar sentimentos com relação ao ano eleitoral".

Diz: "Sinto que estou em um circo onde a cada quatro anos há um novo espetáculo, com candidatos de todos os tipos fazendo concorrência desleal aos programas humorísticos.

"Sempre fui fascinada por política nacional e internacional, mas confesso que tenho vivido com arrepios na espinha.

"Como chegamos a esse ponto em que o Brasil virou uma piada? Se eu pudesse, não votaria neste ano. Em quem votar? Esta é a pergunta que me faço todos os dias na hora de dormir, de tomar banho, de comer.

"Se o voto não fosse obrigatório creio que os partidos e os candidatos seriam mais, digamos, "honestos", mas serei obrigada a votar naquele que nem apresentou boas propostas.

"A política virou um campo de batalha em que falar mal é a principal arma de guerra: usar a filha de um, a conta do outro, o passado da outra."

Para concluir, declara-se "revoltada" e temerosa quanto ao presente e ao futuro. E, pelo que se depreende de sua mensagem, órfã no tocante a representação político-partidária.

Não é a única numa eleição em que o desinteresse se expressa nas coisas mais banais. Por exemplo, na ausência de adesivos nos carros, uma clássica maneira de marcar (e mostrar) posição.

Os braços direitos :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA -
A reportagem da revista "Veja" sobre o novo escândalo diz que o "consultor" Fábio Baracat era obrigado a deixar do lado de fora o celular, a caneta e o relógio sempre que ia conversar e tomar um vinho fora do Planalto com Erenice Guerra e seu filho lobista, quando ela era secretária-executiva de Dilma Rousseff na Casa Civil. Ou seja: ele não podia entrar com nada que pudesse gravar o encontro.

Isso faz toda a diferença entre a história da Casa Civil de Erenice/ Dilma e a da Casa Civil de Waldomiro Diniz/José Dirceu. Se Waldomiro tivesse evitado filmadoras nos seus encontros com bicheiros, não teria sido exposto ao país pela TV pedindo propina quando era da Loteria do Estado do Rio. E, diante de reportagens a respeito, poderia simplesmente se fazer de vítima de um complô maligno das elites (empresários, imprensa, tucanos...).

Valdomiro era braço direito do braço direito de Lula. Quando caíram os dois, Erenice virou braço direito da nova braço direito de Lula. Ela, porém, nunca foi filmada em situações normais ou comprometedoras com bicheiros, nem com empresários, filhos e lobistas.

Assumiu a Casa Civil e estava pronta para continuar poderosa em caso de vitória de Dilma, não fosse o tal Baracat falastrão. Por ora, porém, é a palavra dele contra a dela. Não há filmes nem gravações.

No debate de domingo Folha/ Rede TV!, José Serra chamou a Casa Civil de "central de maracutaias", e Dilma disse que não poderia responder pelo "filho de uma ex-assessora". Renegou sua sólida parceria com Erenice e reduziu a ministra indicada por ela para o principal cargo do governo a mera "ex-assessora". Uma ingratidão.

É improvável que isso tenha efeito nas eleições, mas é um carimbo para um eventual governo Dilma, ainda mais com dossiês, quebras de sigilo e métodos heterodoxos de sufocar adversários. Eleição passa, mas personagens e histórias ficam, assombrando unanimidades.

(Dirceu) Dilma (Erenice) :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - A Casa Civil teve três titulares sob Lula. O destino ruinoso do primeiro deles abriu a porta do paraíso para a segunda. Dilma Rousseff está hoje na posição que José Dirceu sonhava para si, não houvesse o mensalão no meio do caminho. Dado o histórico da pasta, é o caso de perguntar se Erenice Guerra está mesmo no lugar errado.

Mas há diferenças entre eles. Dirceu era da tropa de elite do PT. Caiu, foi enxovalhado, mas preservou algum prestígio no partido, seu porto seguro. Parte da militância cultiva por ele certo amor bandido.

Preste atenção agora no que diz Dilma da sua afilhada, no debate Folha/Rede TV!: "Eu tenho até hoje a maior e a melhor impressão da ministra Erenice. (...) Agora, eu quero deixar claro aqui: eu não concordo, não vou aceitar que se julgue a minha pessoa baseado no que aconteceu com um filho de uma ex-assessora". Se Lula sacrificou Dirceu em 2005, por que Dilma não sacrificaria Erenice em 2010?

A ex-assessora ocupa circunstancialmente o coração do poder, o lugar mais alto da República depois de Lula, mas é um quadro típico do segundo escalão, contra o qual surgiram evidências de que usou sua posição para favorecer a parentela. Além do filho lobista, facilitador do acesso de uma empresa privada a verbas públicas sobre as quais a mãe-ministra tem influência, foram "descobertos" outros irmãos e agregados de Erenice, acomodados no Estado e/ou agraciados por negócios vários com o setor público.

Nepotismo, tráfico de influência, prevaricação, crime de responsabilidade -sabe-se lá o que pode estar implicado neste caso. Mas ele parece condenado a ser apenas isso - mais um caso, o caso Erenice.

Os escândalos foram banalizados e estão desmoralizados porque Lula quis assim.

Não foi obviamente o PT quem inventou o pistolão, o compadrio ou a pilhagem privada do Estado. Mas quando o PT foi criado, a esquerda tinha a veleidade de ser contra o patrimonialismo.

À sombra da tutela do ex-presidente:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Assim como nunca antes um presidente se envolveu tanto na eleição do sucessor, também não há referência, na história recente, de um presidente governando no Palácio do Planalto à sombra do antecessor popular e carismático que o elegeu. É uma novidade com a qual o país terá de aprender a conviver e que ninguém sabe exatamente aonde vai dar.

Em 2002, Lula agradeceu a "neutralidade" de Fernando Henrique Cardoso nas eleições, e a transição foi elogiada por sua "civilidade". É difícil imaginar a mesma cena, depois das de 3 de outubro, se o tucano José Serra vencer a disputa. Como o mais provável é a vitória de Dilma, a expectativa é em relação à autonomia da criatura em relação ao criador.

Lula diz que não pretende "se meter no cotidiano" de um eventual governo Dilma. "Não existe um tutor", tem repetido o presidente aos aliados, evidentemente preocupado com a repercussão de declarações que fez sobre seu papel na hipótese da eleição da candidata que inventou para disputar a sua sucessão.

Talvez no embalo das pesquisas, que indicam a vitória de Dilma no primeiro turno, Lula fez declarações que diminuem a candidata do PT. Em Petrolina (PE), por exemplo, afirmou que continuará viajando pelo país, depois que encerrar o mandato e se mudar do Palácio do Planalto, para ver o que fez e o que deixou de fazer no governo.

"E, se tiver alguma coisa errada, vou pegar o telefone e ligar para minha presidenta (referindo-se Dilma Rousseff, que o acompanhava) e dizer: "Olha, tem uma coisa errada aqui, pode fazer minha filha porque eu não consegui fazer", disse na região do rio São Francisco. Na mesma viagem, o presidente especificou o que pretende fazer após passar a faixa presidencial a Dilma. "Pode ficar certo que vou virar uma casca de ferida para fazer reforma política. É essa a contribuição que um político tem que dar para o País".

Em um comício de porta de fábrica, em São Bernardo do Campo, Lula também disse o que pensava sobre seu papel, após o 1º de janeiro de 2011: "Eu não serei apenas seu ajudante para fazer coisas melhores pra esse pessoal (os sindicalistas)", afirmou, em ato às portas da Mercedes Benz. "Mas também vou ajudar o pessoal a telefonar (para a presidente Dilma Rousseff)".

As declarações de Lula só aumentaram as dúvidas existentes em relação ao grau de autonomia de um governo chefiado por Dilma. Com sua imensa aprovação e popularidade, Lula seria um corpo com alta densidade gravitacional mesmo no caso de vitória do principal candidato da oposição, o tucano José Serra. Imagine-se com Dilma, uma candidata que Lula criou do nada, nunca pensou em ser presidente da República e está agora prestes a ocupar o cargo político mais importante do país.

Lula avançou por um terreno perigoso. Agora trata de reduzir os danos. Atribui seu discurso recorrente ao calor do momento e da campanha - um comício no Nordeste e um ato de porta de fábrica. Seus aliados dizem que o presidente tem "um enorme bom senso" e sabe muito bem que, depois que sentar na cadeira, Dilma pode até hesitar uma ou duas semanas, mas logo veste a roupa de presidente da República. Esta é a ordem natural das coisas.

Aos aliados, Lula disse que não passa por sua cabeça "governar nas sombras". Longe disso - afirma - será no máximo um "conselheiro político" da presidente nas grandes questões políticas. Confirma que seu projeto será então convencer o PT e os demais partidos da base de sustentação do governo a propor e votar a reforma política, no Congresso. Lula também pretende encampar a tese da criação de uma ampla frente partidária com todos os partidos aliados e não só aqueles situados à esquerda no espectro político.

Ideologicamente, a frente partidária imaginada por Lula é algo nos moldes daquela existente no Uruguai - uma ampla coalizão eleitoral de centro-esquerda que elegeu o presidente Tabaré Vázquez e seu sucessor, José Mujica. Na via inversa: transformar o que é hoje uma aliança eleitoral em aliança política permanente.

A convocação de Lula não será só à esquerda tradicionalmente aliada do PT, como o PCdoB, PSB e PDT. O alistamento será aberto a todos os "que estiverem interessados no processo de mudanças", segundo um interlocutor que discutiu o assunto com o presidente. Inclusive ao PMDB ou setores do partido.

Para o presidente, é evidente que, por se tratar de uma legenda maior que as demais siglas da aliança, o PMDB resista a fazer parte da frente ampla . Mas Lula e seus aliados esconjuram a informação de que ele articula um alinhamento de forças para se contrapor ou simplesmente contrabalançar o poder congressual pemedebista, que deve eleger a maioria no Senado e bancada igual ou ligeiramente menor que a do PT, na Câmara.

Em seus oito anos na Presidência da República, Lula não moveu uma palha pela reforma política. Diz agora que foram esses oito anos que o levaram a compreender que se trata de uma reforma "indispensável". Foram dois mandatos em que teria ficado "peitando" o varejo do Congresso, o toma lá, dá cá de deputados e senadores nas votações de interesse do governo. "É um custo peitar o varejo", diz um aliado do presidente.

Lula vai defender o voto em lista fechada e o financiamento público de campanha como os pilares da reforma do sistema eleitoral. Muitos dos aliados do presidente defendem que deve ser convocada uma constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Ele mesmo ainda não indicou a posição que vai adotar. Seja qual for, uma coisa é certa: qualquer movimentação de Lula, fora do governo, terá repercussão dentro do governo e nas alianças congressuais de Dilma. Não há como separar o "cotidiano" do Palácio do Planalto das "grandes questões políticas". Para usar uma frase de uso comum no Congresso: quem pode mais - ou seja, reunir maioria para fazer a reforma política -, pode menos, como influir na nomeação ou demissão de um ministro.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

No vácuo da oposição :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

O Brasil não tem mesmo jeito– é a frase que voltará a ser ouvida assim que se dissiparem as boas expectativas malbaratadas pela campanha eleitoral. Quando o presidente Lula fala que vai se aplicar à reforma política no mandato alheio (já na condição de ex-presidente), abre uma fresta para se perceber o que for possível.

Exceto o primeiro presidente da atual democracia, os demais foram eleitos por voto direto, não mais restrito aos alfabetizados. Tanto mudou a eleição quanto o eleitorado. A maioria absoluta deu lastro à sucessão presidencial. Mudou também a natureza social da eleição e a alta popularidade do presidente Lula, independentemente de qualquer coisa, exerce um efeito imprevisível. Deu-lhe peso suficiente para alterar o equilíbrio político e faz dele uma incógnita no vácuo de uma oposição desativada. Lula dá sinais de converter a popularidade em energia, que o inspira e o movimenta por conta própria. Pode ser que o desajuste entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e a parcela menor da opinião pública, pela forma evasiva das circunstâncias, estejam a caminho de um confronto. É assim que está se desenhando o desencontro entre o ímpeto possessivo do presidente Lula e o eleitorado de uma oposição incapaz de preencher o vazio em que se confina a democracia.

A praticamente duas semanas da eleição presidencial, na qual se dependuram interesses estaduais que Lula atrelou como reboque de sua candidata, um sentimento indefinível paira sobre o espetáculo. Enquanto a Polícia Federal prende governantes acusados de malversação e outras formas inadmissíveis de lidar com dinheiro público, o presidente da República se torna o maior cabo eleitoral de que se tenha ouvido falar. Faz campanha para eleger a sucessora, deputados, senadores e governadores, demonstra que qualquer oposição é supérflua, e até mais do que isso. Não houve, sequer, um ex-governador que levantasse a voz para proclamar que, se não existe a Federação, então tudo passa a ser permitido. É por aí que a História é condenada ao eterno recomeço democrático, sem ponto de chegada.

Desde a volta do Brasil à legalidade em 1985, por eleição indireta para ganhar tempo, os políticos queriam ter um programa de reformas, sem compromisso, apenas como biombo. O Congresso Nacional conseguiu ser o pior na avaliação dos eleitores e se deu por satisfeito enquanto evolui, vertical e perigosamente, na desconfiança popular em que se encontra.

A expectativa em relação ao que está à vista, mas se finge não ver, gira em torno de um personagem que veio para ficar por tempo incompatível com a democracia retomada em 1988. Há algo em comum entre a decadência parlamentar, a desarticulação do Executivo, a falta de consciência federativa, o desapreço pela moralidade pública e outros menos citados. A cidadania se intimidou com a desagregação do sigilo fiscal que pensava ser sua proteção contra desmandos estatais.

Tudo que se encaixa nas expectativas alimentadas pela reeleição facilita ao presidente Lula acelerar o processo. Convém lembrar que nada é inteiramente por acaso na vida brasileira, desde que a esquadra de Cabral deu às nossas costas, e logo na Bahia. Já se desenha com a indispensável falta de nitidez o que vai destacar, mais do que o governo a ser eleito, o governante de saída, pela disposição de resolver a seu feitio o velho problema de ajustar a democracia com o que esteve por trás, por dentro e pela frente da eleição dirigida. O Brasil vai, finalmente, dar-se conta de que popularidade em demasia e democracia frouxa não chegam a acordo sem que uma das duas fique prejudicada.

Cantinflas não é Tiririca :: Marco Antonio Villa

DEU EM O GLOBO

Vez ou outra volta à tona o tema “mexicanização” do Brasil.

Agora vinculado a um provável domínio do Partido dos Trabalhadores da cena política como resultado das eleições de outubro.

O PT seria a versão nacional do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Nada mais falso. O longo período de domínio do PRI esteve vinculado à revolução de 1910, à Constituição de 1917 e seus direitos sociais, à reforma agrária (só a presidência Cárdenas distribuiu 18 milhões de hectares) e às figuras que marcaram o processo revolucionário, especialmente os líderes camponeses Emiliano Zapata e Pancho Villa.

Depois da grande turbulência de 1910-1920 — e das dezenas de milhares de mortos — teve início a primeira tentativa de estabilização com a eleição de Álvaro Obregón para a presidência e, quatro anos depois, de Plutarco Elias Calles. Contudo, as divergências políticas continuaram a ser resolvidas no terreno militar. Basta recordar a guerra dos cristeros, quando houve o confronto aberto entre Estado e a Igreja católica em uma guerra civil com 80 mil mortos. Em 1928, Obregón foi novamente eleito presidente, mas acabou morrendo, vítima de um atentado (na década anterior dois presidentes já tinham sido assassinados: Francisco Madero e Venustiano Carranza).

A fundação do Partido Nacional Revolucionário (PNR), em 1929, teve como mentor o ex-presidente Calles. O objetivo era dificultar a intervenção dos generais nas deliberações governamentais, transferindo as decisões e as divergências do campo militar para o interior do partido. Formado por chefes militares e civis da revolução, o PNR foi um instrumento do Estado para impor a sua vontade: fora dele nenhuma liderança política, por mais expressiva que fosse, poderia sobreviver.

Em 1938, o PNR transformou-se em Partido da Revolução Mexicana, e oito anos depois em Partido Revolucionário Institucional. O PRI funcionou como um verdadeiro partido de Estado, lançando seus tentáculos sobre a sociedade civil, asfixiando a vida política e transformando as eleições em mero ritual confirmatório da imposição partidária.

O caso brasileiro é muito distinto.

Apesar dos pesares, temos uma democracia em funcionamento. Aqui, a sustentação política do governo tem uma base plural. Se os “movimentos sociais” estão sob a tutela do PT, o movimento sindical, assim como os governos estaduais, estão partilhados entre vários partidos. A máquina do Estado, incluindo as empresas estatais, não é monopolizada pelos petistas, mesmo que estes controlem as áreas mais importantes, onde estão alocados os maiores recursos orçamentários, origem de negócios nada republicanos.

Também, diferentemente do México, a mística que vai ser preservada não é a da revolução, mas de Lula. O culto pessoal chegou a um ponto nunca visto no Brasil. E veremos muito mais entre a eleição de outubro e a saída formal de Lula da presidência, a 1 de janeiro de 2011. O queremismo de 1945 vai parecer brincadeira infantil frente ao espetáculo de verdadeira comoção pública.

Lula vai percorrer o país como um verdadeiro Dom Sebastião. Só que, diferentemente do rei português, vai anunciar o seu “desaparecimento” e deixar no ar o “retorno”.

Tudo no melhor estilo Lula: vai encerrar o governo de onde nunca saiu em oito anos — o palanque.

O PT não é o PRI. Não tem como instrumentalizar uma legenda revolucionária.

Não teve líderes históricos, uma história épica, tal qual a Revolução de 1910. Enquanto no México o PRI insistia em dizer que continuava a luta de Emiliano Zapata, para o PT restou ter como referência José Dirceu.

A função do PT é conceder alguma coerência ideológica à ampla base do governo. Produz o discurso que vai ser repetido pelos outros partidos, indo do PP até o MST. O PT solda a ampla aliança governamental, dando organicidade ao saque do Estado.

Ou, na linguagem de Michel Temer, à partilha do pão.

Numa mesa onde aparentemente cabem todos, o governo foi estabelecendo laços de dependência entre figuras tão díspares como Jader Barbalho e José Rainha. Todos tributários do Estado e da boa vontade do presidente para seus múltiplos negócios, desde um ranário milionário até um assentamento improdutivo.

Na eleição de 2000, o esgotamento do modelo econômico e as pressões da sociedade civil mexicana acabaram levando o domínio do PRI à derrocada.

No Brasil o domínio lulista (mais que petista) pretende permanecer longo tempo no poder. Mas, como se alicerça numa base política frágil, tende a ter vida curta.

Marco Antonio Villa é historiador.

Desafio para o novo governo:: Yoshiaki Nakano

DEU NO VALOR ECONÔMICO

As eleições presidenciais no Brasil representam momentos raros na vida política nacional em que a sociedade civil procura expressar as suas aspirações. Daí porque em toda eleição presidencial somos todos levados a refletir sobre os desafios que o novo governo terá que enfrentar. São momentos em que as entidades de classe deixam os seus interesses mais imediatos e específicos, ampliando o horizonte de análise e focam particularmente as questões de natureza mais estrutural.

Nestas eleições não é diferente, mas chamo atenção para o movimento "Brasil Eficiente", apoiado por dezenas de entidades da sociedade civil organizada, englobando, particularmente, as confederações do setor produtivo e federações empresariais.

A proposta fundamental do movimento é uma lei que estabeleça como meta aumentar a taxa de investimento do país dos atuais 19% do PIB para 25% do PIB, com o governo investindo 5% do PIB, para que a economia brasileira possa crescer, em média 6% ao ano na próxima década. Dessa forma, dobraríamos a renda per capita dos brasileiros em 2020. Meta nada ambiciosa se olharmos historicamente para o desempenho da economia brasileira nas primeiras sete décadas do século passado, ou para a média das taxas de investimento e de crescimento dos países emergentes nas últimas décadas.

Como é possível ampliar a taxa de investimento em 6 pontos percentuais do PIB? Se recorrermos à poupança externa dessa magnitude, em poucos anos o nosso passivo externo aumentará de tal forma que assistiremos a uma nova crise de balanço de pagamentos. Se deixarmos de lado a poupança externa, no pressuposto de que no longo prazo não podemos ampliar o nosso passivo externo, que já impõe um elevado encargo em juros e dividendos remetidos para o exterior, não resta outra opção senão a redução do consumo do setor público em relação ao PIB.

O que o movimento "Brasil Eficiente" propõe não é reduzir, em termos absolutos, os gastos de consumo do governo, mas controlar seu crescimento de forma que abra espaço para que a taxa de investimento atinja a meta de 25% do PIB, de forma que o gasto público global, que representa hoje mais do que 40% do PIB, conviria para 30% do PIB em 2020. Com isso, automaticamente, a carga tributária global seria reduzida gradualmente para níveis compatíveis com a nossa renda per capita.

Não há outra opção senão reduzir, relativamente, o consumo do setor público pois, para manter o dinamismo que a economia brasileira adquiriu nos últimos anos, é fundamental manter em expansão pelo menos a mesma taxa de crescimento do PIB, a demanda doméstica de consumo das famílias, que tem sido o nosso grande trunfo e responsável pela aceleração do crescimento nos últimos anos.

É importante lembrar que nenhum país cresceu no longo prazo se endividando, pois endividamento, num período, implica em pagamento dessa mesma dívida num período futuro. Mais do que isso, estudos empíricos apresentam evidências de que quando a dívida pública bruta atinge um certo nível, cerca de 60% do PIB para os países emergentes, ela compromete significativamente a taxa decrescimento da economia. A dívida bruta brasileira já está num patamar elevado e é fundamental lembrar ainda que o Brasil já fez uma enorme dívida pública, não contabilizada, representada pelos futuros déficits da previdência pública.

Outro parâmetro fundamental para a proposta do movimento "Brasil Eficiente" vem de um estudo do Banco Central Europeu (Public Sector Efficiency: Evidence for New EU Member States and Emerging Markets, 2006) que apresenta evidências empíricas de que, para o grupo de países analisados pelo trabalho quando o gasto público ultrapassa 30% do PIB, a taxa média de crescimento declina. Assim, temos, a grosso modo, o "tamanho ótimo" do governo. Infelizmente, pelos dados apresentados, os gastos do governo no Brasil são dos mais elevados desse grupo de países e atingiu no período 1999-2003, a média de 46,6% do PIB, superado apenas pela Grécia (48,6%) e Hungria (50,2%). Da mesma forma, pelos indicadores de desempenho e de eficiência, novamente, o Brasil está entre os piores do grupo, sempre acompanhado de países como Grécia, Hungria e Turquia.

Em suma, o desafio para o novo governo está colocado: como aumentar a eficiência ao gastar e investir do estado brasileiro, abrindo espaço para que caiba no PIB, em crescimento, uma taxa de investimento de 25% do PIB? No atual modelo isso não é possível, pois sempre que a taxa de investimento cresce e quando atinge, como hoje, pouco mais de 18% do PIB, surge a ameaça de inflação ou déficit em transações correntes, o que leva o Banco Central a aumentar a taxa de juros, como fez nos últimos meses. Falar em reduzir a taxa real de juros e ter uma taxa de câmbio mais competitiva, que não destrua a indústria brasileira, sem fazer o ajuste fundamental nas contas públicas, é aritmeticamente impossível. Manter taxas elevadas de crescimento, sem ampliar a taxa de investimento, sem obrigatoriamente uma redução relativa de algum outro componente do PIB, é acreditar no milagre da multiplicação de pães.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Tranca dupla:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

No fim de semana, em Basileia, na Suíça, fechouse um acordo internacional para a terceira rodada de regras de proteção dos bancos contra as crises.

Tudo isso, evidentemente, mexe com o mercado internacional e com o brasileiro. Haverá, agora, colchões de proteção, nova definição do que seja capital, novos limites de alavancagem e os bancos grandes terão de ser mais rigorosos.

Alguém pode considerar que o mundo está trancando porta arrombada, afinal, as duas rodadas de regulação internacional — o Basileia I e o Basileia II — não impediram a assustadora crise que se abateu sobre o mundo financeiro em 2008/2009. Mas melhor é pôr tranca mesmo que seja depois do arrombamento.

O mundo está aprendendo com a crise e adotando regras para aumentar a proteção da economia.

Há várias inovações. Nas definições sobre o capital do banco, o conceito de capital de qualidade ficou mais rigoroso.

Agora é ações e lucros retidos apenas. Outros produtos financeiros que antes podiam ser considerados capital, pelo menos até certo ponto, não podem mais ser.

Os chamados “instrumentos híbridos” têm limitações para serem considerados parte do capital. Essa definição é importante porque vai definir o quanto se pode emprestar, ou seja, a alavancagem.

Há questões que sempre foram tratadas por regras nacionais, e agora, serão objeto de acordo internacional, como as exigências de liquidez.

As instituições financeiras terão de calcular uma janela de um mês de liquidez, necessária num cenário de stress, para criar sua proteção.

Os bancos terão de ter dois colchões: um deles chamado de conservação e o outro de anticíclico. Esses colchões de capital é para serem usados em momentos de crise. É da natureza do mercado financeiro ser prócíclico, ou seja, quando a economia está se expandindo, normalmente, a concessão de crédito aumenta e elevase, por isso, a alavancagem, o volume de empréstimos em relação ao capital.

No Basileia III, os bancos são forçados a um movimento contrário: terão de guardar uma parte maior do capital para formar seus colchões exatamente na parte boa do ciclo, para usar no período de vacas magras.

Quando se olham as novas regras vem a sensação de que elas são redundantes: o conceito de capital de alta qualidade ficou mais exigente, é necessário mais capital, a razão de alavancagem mudou, colchões de liquidez terão de ser constituídos. A ideia é ser redundante mesmo. Passar duplo ferrolho sobre a porta arrombada, aprendendo com a crise que sacudiu o mundo recentemente.

Os bancos brasileiros estiveram no passado, e estão no presente, mais bem preparados que bancos de outros países para enfrentar crises.

Primeiro, porque o país enfrentou com o Proer uma devastadora crise bancária nos anos 90, logo após a queda da inflação, mantendo o sistema funcionando. Segundo, porque o Brasil tem sido mais fechado do que outros mercados e menos exposto ao risco internacional.

Não era permitido, por exemplo, ter aqui no capital dos bancos brasileiros certos produtos financeiros de alto risco que arruinaram instituições pelo mundo afora. Só que alguns bancos brasileiros se transformaram em grandes instituições e isso levará a mais internacionalização.

Vai significar mais risco? O crédito no Brasil se expandiu forte nos últimos anos. Pode-se dizer que no começo da década, o país tinha um quarto da sua economia financiada — o crédito era de 25% do PIB — e agora pulou para quase a metade.

Isso vai significar mais risco? Para evitar que a maior internacionalização do mercado brasileiro represente mais risco, o Brasil tem defendido em reuniões como as desse fim de semana no BIS, na Basileia, regras mais conservadoras para o mundo.

No Basileia II, o requerimento de capital total era de 11% dos ativos; o Brasil, na média, chegou a 17%. Pelo que se entende agora, o conceito de capital é diferente e mais rigoroso.

O que antes era de 2% de capital de alta qualidade, vai para 4,5% de todos os ativos. Há diferenciações no mercado brasileiro, mas a impressão geral é que será mais fácil aqui do que em vários países cumprir essas regras. A nova regulação será menos tolerante com o excesso de criatividade contábil.

Bom, porque o Brasil tem começado a entrar por esse caminho de truques para aumentar capital e alavancagem dos bancos oficiais.

Sobre o crédito, pelos padrões internacionais, o Brasil tem um percentual pequeno de crédito/PIB, mas pelo crescimento recente e por causa das novas regras internacionais, a expansão, daqui para diante, deve ser mais lenta.

Melhor que seja, porque o Brasil é diferente de outros países pelo custo alto de capital que torna mais penoso para as empresas e as famílias carregar alto endividamento.

As novas regras desse fim de semana vão entrando em vigor lentamente nos próximos anos e o prazo final é 2018. Há períodos de transição e alguns começam já em 2011. O mercado financeiro costuma antecipar tudo.

Se uma nova regulação ou tendência parece inexorável, as instituições começam a executar.

Os bancos maiores terão de cumprir exigências ainda mais rigorosas e isso pode evitar que a regulação leve a mais concentração bancária.

O que se quer com essa exigência maior para os maiores é lutar contra o “too big to fail”, grande demais para quebrar.

Mas o mundo aprendeu recentemente que, às vezes, uma pequena instituição pode fazer um grande estrago.

Republiquetização do País - Editorial:: O Estado de S. Paulo

Não é por acaso que o Gabinete Civil da Presidência da República tem estado envolvido em quase todos os grandes escândalos do governo Lula. A começar pelo mensalão, operado por José Dirceu, até a recentíssima denúncia de descarado tráfico de influência por parte da ministra Erenice Guerra e seus familiares, boa parte de todo o malfeito, do ilegal, da pura e simples corrupção que eclode no governo federal tem o dedo do Palácio do Planalto. O dedo de Luiz Inácio Lula da Silva, o grande responsável pelo desenvolvimento econômico dos últimos oito anos; pela incorporação de milhões de cidadãos antes marginalizados ao mercado de consumo; pela ascensão do País à condição de, vá lá, player importante na diplomacia mundial. Se tudo de bom que se faz no governo é de responsabilidade do "cara", por que apenas o que de errado se faz no governo não tem dono?

Por muito menos do que se tem revelado ultimamente de lambanças com as instituições do Estado e com o dinheiro público um presidente da República foi forçado a renunciar há menos de 20 anos.

Mas com Lula é diferente. Embriagado por índices de popularidade sem precedentes na história republicana, inebriado pela vassalagem despudorada que lhe prestam áulicos, aderentes e aduladores das mais insuspeitadas origens e dos mais suspeitosos interesses, Sua Excelência se imagina pairando acima do bem e do mal, sem a menor preocupação de manter um mínimo de coerência com sua própria história política e um mínimo de respeito pelo decoro exigido pelo cargo para o qual foi eleito.

Sempre que os desmandos flagrados pela Imprensa ameaçam colocar em risco seus interesses políticos e eleitorais, Lula recorre sem a menor cerimônia à mesma "explicação" esfarrapada: culpa da oposição - na qual inclui a própria Imprensa. A propósito das violações de sigilo comprovadamente cometidas recentemente pela Receita Federal - não importa contra quem - não passou pela cabeça de Sua Excelência, nem que fosse apenas para tranquilizar os contribuintes, a ideia de admitir a gravidade do ocorrido e se comprometer com a correção desses desvios. Preferiu a habitual encenação palanqueira: "Nosso adversário, candidato da turma do contra, que torce o nariz contra tudo o que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos, resolveu partir para ataques pessoais e para a baixaria." Não há maior baixaria do que um chefe de Estado usar o horário eleitoral de seu partido político para atacar, em termos pouco republicanos, aqueles que lhe fazem oposição. E faltou alguém lembrar ao indignado defensor dos indefesos que entre "tudo que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos" estão a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras iniciativas fundamentais para a promoção social e o desenvolvimento econômico do País, contra as quais os então oposicionistas Lula e PT fizeram campanha e também votaram no Congresso.

Enquanto os aliados de Lula e de Sarney - a quadrilha que dilapidou o patrimônio público do Amapá - vão para a cadeia por conta das evidências contra eles levantadas pela Polícia Federal; enquanto os aliados de Lula - toda a cúpula executiva e legislativa, prefeito e vereadores, do município sul-mato-grossense de Dourados - pelo mesmo motivo vão para o mesmo lugar; enquanto na Receita Federal - não importa se por motivos políticos ou apenas (!) por corrupção - se viola o sigilo fiscal de cidadãos e as autoridades responsáveis tentam jogar a sujeira para debaixo do tapete; enquanto mais uma maracutaia petista é flagrada no Gabinete Civil da Presidência; enquanto, enfim, a mamata se generaliza e o presidente da República continua fingindo não ter nada a ver com a banda podre de seu governo, a população brasileira, pelo menos quase 80% dela, aplaude e reverencia a imagem que comprou do primeiro mandatário, o "cara" responsável, em última instância, pela republiquetização do País.

Está errado o povo? A resposta a essa pergunta será dada em algum momento, no futuro. De pronto, a explicação que ocorre é a de que, talvez, o povo de Lula seja constituído de consumidores, não de cidadãos.

Quando o aparelhamento é movido a DNA – Editorial:: O Globo

A candidata Dilma Rousseff, no debate de domingo à noite, patrocinado pela Rede TV!/“Folha de S.Paulo”, tachou de “manobra eleitoreira” a denúncia publicada pela revista “Veja” de que a sua sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, participara, com um filho, de uma ação de lobby junto aos Correios (sempre eles...). Ao mesmo tempo, Dilma procurou se desvincular da gestão da amiga e assessora direta desde os tempos do Ministério de Minas e Energia, apoiando previamente qualquer medida que o governo Lula venha a tomar em toda essa nova história.

Ela não poderia ter outra atitude. Erenice nega qualquer dolo, assim como refuta a denúncia o empresário Fábio Baracat, embora ele apareça na reportagem relatando encontros com o filho da ministra, Israel Guerra, e a própria Erenice, para tratar de contratos de transporte de cargas dos Correios pelos aviões da MTA, da qual era sócio. As tratativas teriam envolvido o pagamento de uma “taxa de sucesso”, termo elegante para designar suborno — não importa se cobrado para inflar patrimônio pessoal ou arcar com “compromissos políticos”, como teria sido explicado. As negativas poderiam, se não encerrar o caso, pelo menos diminuir sua temperatura, não fossem evidências de que a família de Erenice pratica uma forma específica de aparelhamento e tomada de espaço na máquina pública: aquele ditado pelo DNA.

O filho Israel, antes de supostamente se beneficiar da posição da mãe no governo, no ofício de lobista, foi nomeado para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), junto com o amigo Vinícius de Oliveira Castro, posteriormente convertido em assessor de Erenice na Casa Civil. Ontem, Vinícius entregou o cargo, enquanto a ministra pedia à Comissão de Ética da Presidência para investigá-la.

Outro parente de Erenice, a irmã Maria Euriza de Carvalho, foi advogada e consultora da estatal Empresa de Pesquisa Energética, para a qual trabalhou, contratado sem licitação, o escritório de advocacia Trajano e Silva. Neste, um dos sócios era mais um irmão: Antonio Eudacy Carvalho. Tudo em família, sem contar que outro integrante do escritório é Marcio Silva, advogado do PT e da campanha de Dilma Rousseff.

O caso de Erenice Guerra e o escândalo da invasão criminosa de arquivos da Receita Federal, com objetivos político-eleitorais, traçam em cores fortes um cenário de degradação de uma máquina pública cada vez mais custosa para o contribuinte. E por trás de tudo está o descuido com que os tais cargos de confiança são preenchidos. No governo Lula, em que o aparelhamento ideológico, e, agora se vê, de compadrio, chegou aos píncaros, o contingente desses funcionários contratados sem concurso foi ampliado de 18 mil para aproximadamente 21 mil.

A sociedade, então, vê-se numa situação desconfortável: paga altos impostos para sustentar uma máquina que não para de inchar, e descobre que, enquanto a qualidade dos serviços públicos continua baixa, parte do seu dinheiro é gasta no pagamento de salários a apaniguados de poderosos de ocasião.

Mais ainda: vê o dinheiro público, que é seu, desviado para labirintos da corrupção, e sequer pode confiar em que o Estado guarde com a devida segurança informações de sua vida privada.

Arrogância de sempre – Editorial:: Folha de S. Paulo

Relações de representantes do PT com a imprensa mais uma vez repetem, no caso Erenice Guerra, um padrão inaceitável de conduta

A candidata Dilma Rousseff reagiu com expressões veementes, no debate Folha/Rede TV! deste último domingo, a uma pergunta sobre as recentes denúncias de tráfico de influência envolvendo o filho de sua principal assessora, e atual ministra da Casa Civil, Erenice Guerra.

"Eu não concordo, não vou aceitar, que se julgue a minha pessoa baseado no que aconteceu com o filho de uma ex-assessora minha." Dirigindo-se diretamente à jornalista, prosseguiu. "Você acha correto responsabilizar o diretor-presidente da tua empresa pelo que foi feito pelo filho de um funcionário dele?"

Beneficiada pela regra que proíbe réplicas dos jornalistas, Dilma Rousseff não apenas se esquivou de tratar dos pormenores do caso, como também fez uso de um subtexto frequente nas relações de petistas com seus entrevistadores.

Com efeito, é comum que tratem o jornalista não como alguém investido da função democrática e pública de questioná-los sobre temas incômodos, mas como uma espécie de funcionário a serviço dos donos de uma empresa.

Perguntar sobre um escândalo envolvendo a administração pública e os recursos do contribuinte não seria, segundo essa visão, defender os interesses da sociedade contra os abusos dos governantes, mas simplesmente seguir as ordens de algum chefe.

Todavia, quem segue ordens de um chefe, quem mistura interesses privados a questões de ordem pública, quem age de forma subserviente, quem conspira e quem se esconde não é o jornalista nem os que administram a empresa da qual faz parte.

O comportamento é, isso sim, típico de quem sabe ter à sua volta uma corte invertebrada de assessores, militantes, bajuladores e negocistas, incapazes de qualquer tipo de manifestação crítica.

Quem submete o interesse público às gestões da conveniência privada é o lobista que, valendo-se de parentesco direto com alguém do governo, recebe remuneração para assessorar empresas no intuito de abocanhar algum contrato.

Seria inconcebível, em qualquer país que já tenha abandonado o estágio de republiqueta de bananas, uma situação em que o filho de uma ministra de Estado atende, do seu próprio balcão, aos interessados em fazer negócios com o governo.

Seria também inconcebível, em qualquer país que não vive sob um Estado policial, uma situação em que funcionários do governo violam o sigilo fiscal de familiares de um líder da oposição.

É inaceitável, por fim, que numa estrutura marcada pela indicação pessoal -de que é símbolo a própria invenção, por Lula, da candidata Dilma-, todas as personagens com real poder de decisão sobre o que acontece no governo insistam, como acontece há anos no Brasil, em dizer que "nada sabiam" sobre as atividades de seus mais diretos assessores.

E que repitam, a cada escândalo, a promessa de que tudo será investigado com rigor. Nada seria nem sequer revelado, não fosse a imprensa exercer o papel que lhe cabe e contra o qual se insurgem com a arrogância de sempre.

Para Serra, Casa Civil virou 'foco de escândalos'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em sabatina na OAB, tucano volta a criticar candidata do PT e diz que "na democracia nem sempre se elege o bom"

Christiane Samarco, Eugênia Lopes

BRASÍLIA - Com familiares e aliados alvo de violação de sigilo na Receita Federal e diante do escândalo de lobby envolvendo a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, o presidenciável tucano José Serra aproveitou a sabatina promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ontem, em Brasília, para investir contra a adversária petista Dilma Rousseff e o governo Lula.

Em vez de abrir sua fala tratando do tema do encontro - a reforma política - o tucano preferiu ressaltar o papel da OAB na defesa do Estado de Direito e das instituições para introduzir a questão da quebra do sigilo de tucanos e familiares dele. "Tanto a direção quanto a corregedoria da Receita têm, sistematicamente, mentido ou se omitido."

Questionado sobre a nova denúncia de tráfico de influência envolvendo Erenice Guerra, o tucano disse: "Este ministério virou foco de escândalos."

Depois de admitir que "na democracia não necessariamente se elege o bom; às vezes se elege o ruim", Serra propôs aos conselheiros da Ordem uma aliança pós-eleição. "Em função do fortalecimento da democracia, dos direitos individuais, do respeito ao cidadão e da igualdade de todos diante da lei", explicou.

O tucano destacou que advogados não podem ser submetidos a pressões, quebras de sigilo e intimidação. Se eleito. fará "um governo transparente, que defenda o direito dos cidadãos, não admita a impunidade e não permita o lobby instalado em vários ministérios para arrecadar dinheiro de corrupção".

Na véspera da sabatina, Dilma havia acusado o tucano de fazer "jogo eleitoral" com a quebra dos sigilos da filha e do genro. "Isto é a criminalização da vítima", rebateu ele à plateia, sugerindo que a estratégia de defesa da petista merece ser analisada pelos advogados.

"Quem sofreu o atentado passa a ser o culpado e o responsável, a vítima", disse Serra ao se queixar do que considera tentativa de manipulação da opinião pública.

"Se essas pessoas fazem isto na campanha, imagine o que fariam detendo o poder federal."

Serra e Marina pedem investigações

DEU EM O GLOBO

Candidato tucano afirma que caso envolve "equipe de Dilma"; verde diz que disputa precisa ir para segundo turno

Flávio Freire*, Adriana Vasconcelos, Cristiane Jungblut e Marcelle Ribeiro*

ITAPETININGA (SP), BRASÍLIA e ARAÇOIABA DA SERRA (SP). Os candidatos do PSDB, José Serra, e do PV, Marina Silva, à Presidência cobraram ontem rigor nas investigações sobre as denúncias de tráfico de influência envolvendo Israel Guerra, filho da ministra da Casa Civil, Erenice Guerra. Serra afirmou que o escândalo é gravíssimo e envolve a “equipe de Dilma”. Marina, que classificou o caso de grave, disse que é preciso que as eleições se resolvam no segundo turno para que haja tempo para investigar as denúncias.

Procurando colar o escândalo à campanha de Dilma Rousseff (PT), Serra disse acreditar no surgimento de novos focos de corrupção no governo, desde que o Ministério Público passe a investigar as denúncias. Ele desdenhou do trabalho da Comissão de Ética, designada para apurar o caso, alegando que é preciso “investigação aberta”.

Para Serra, uma teia foi instalada em estatais como os Correios para “encher o bolso” de gente ligada ao governo e ao PT: — Isso é gravíssimo. A Casa Civil virou um foco de escândalos neste governo. Começou com Waldomiro Diniz, passou por José Dirceu e agora atinge toda a equipe de Dilma — disse.

— Tem que acabar com o lobby.

Tem que parar de usar a máquina do Estado com a finalidade de um partido ou um grupo político ganhar dinheiro.

Em Itapetininga, interior paulista, onde fez uma carreata, o tucano enfrentou um grupo de cabos eleitorais de Dilma, que misturouse a militantes do PSDB e começou um pequeno tumulto.

Líder do DEM pede que Ministério Público investigue Mais cedo, em Brasília, Serra aproveitou a sabatina da OAB para condenar as quebras de sigilos na Receita “com objetivo eleitoral”. Serra garantiu que, se eleito, não admitirá a impunidade nem o lobby instalado hoje em diferentes ministérios, a começar pela Casa Civil. O tucano reclamou da demora da Receita para apurar a violação dos sigilos fiscal de sua filha e genro.

Marina, por sua vez, defendeu que as eleições se resolvam no segundo turno, para que as denúncias envolvendo o filho de Erenice sejam investigadas. Ela classificou o caso de grave.

— É um caso para ser investigado com todo o rigor, com urgência, porque está com uma pessoa mais próxima do presidente da República.

Para Marina, a sociedade civil tem que se articular e cobrar explicações: — Só o segundo turno vai nos dar tempo para aprofundar as questões (de programa) e a investigação.

Caso contrário, não haverá tempo de investigar e saber o que de fato está acontecendo em relação a essa denúncia grave da Casa Civil.

A candidata esteve em Araçoiaba da Serra, interior de São Paulo, visitando a ONG Lua Nova, que atende jovens mulheres em situação de risco e que ficaram grávidas precocemente.

A oposição reforçou a mobilização para cobrar explicações do governo sobre as denúncias.

Em nome do PSDB, o senador tucano Álvaro Dias (PR) apresentou ontem à Comissão de Constituição e Justiça do Senado pedido de convocação de Erenice.

E o líder do DEM na Câmara, deputado Paulo Bornhausen (SC), assinou representação pedindo ao Ministério Público Federal que investigue o caso.

(*) Enviados especiais

Mesmo no governo, Erenice foi dona de duas empresas

DEU EM O GLOBO

A ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, foi sócia de duas empresas enquanto ocupava cargos no governo Lula, a partir de 2003. Ela é suspeita de tráfico de influência por causa da ação de seu filho, Israel Guerra, na intermediação de contratos com o governo. Erenice teve participação nas duas empresas, sediadas em Brasília, desde 1994, quando deixou a Eletronorte, até 14 de março de 2007, quando já era assessora de Dilma Rousseff na Casa Civil. Uma terceira empresa, de segurança e arapongagem, foi aberta em 1997 em nome de Israel Guerra e de uma "laranja”. Ontem, o escândalo derrubou um assessor de confiança de Erenice - na Casa Civil, sócio oculto do filho dela, também sob suspeita. 0 presidente Lula cobrou explicações de Erenice, mas decidiu mantê-la no cargo. A conduta da ministra, que continua negando tudo, será analisada pela Comissão de Ética Pública.

Os negócios de Erenice

Ministra da Casa Civil teve duas empresas quando já ocupava cargos no governo

Fábio Fabrini e Jailton de Carvalho

BRASÍLIA - Acusada de escalar uma laranja para o seu lugar numa empresa que atuaria em segurança e arapongagem, a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, foi sócia direta de outras duas empresas enquanto ocupava cargos no governo Lula, a partir de 2003. Paralelamente às funções de consultora jurídica do Ministério das Minas e Energia e de secretária-executiva da Casa Civil, ela foi dona da Razão Social Confecções e da Carvalho Guerra e Representações, firmas com sede em Brasília. Segundo a revista “Veja”, Erenice teria praticado tráfico de influência pela ação do filho, Israel Guerra, na intermediação de contratos entre empresas privadas e o governo.

Erenice foi sócia das empresas a partir da fundação, em 1994, época em que deixou cargo na Eletronorte.

Só se desligou delas em 14 de março de 2007, quando já era braço-direito de Dilma Rousseff na Casa Civil. A participação de altos funcionários públicos em empresas privadas, bem como alterações significativas de patrimônio, devem obrigatoriamente ser comunicadas à Comissão de Ética Pública da Presidência, o que é uma incógnita no caso de Erenice.

Procurada ontem, sua assessoria não disse se ela cumpriu as exigências.

O objetivo é verificar se há conflito de competência na atuação do servidor. Segundo a Comissão de Ética Pública da Presidência, a declaração de informações de Erenice é sigilosa e só cabe a ela revelar o conteúdo.

As duas empresas permanecem ativas na Junta Comercial do Distrito Federal. Atualmente, estão em nome de Gabriela Pazzini e Antônio Eudacy Alves Carvalho, irmão da ministra, que, indicado por ela, ocupou cargo na Infraero até 2007.

Nos registros da Junta Comercial, a Razão Social Confecções faz e comercializa peças de vestuário. Já a Carvalho Guerra atua como representante comercial de cosméticos, medicamentos, calçados, material odontológico e até animais vivos.

Ministra: empresa nunca operou

Ontem, o jornal “O Estado de S. Paulo” mostrou que a ministra teria usado uma laranja para criar uma terceira empresa. Trata-se da Conservadora Asa Imperial, aberta em 1997 em nome de Israel Guerra e da professora Geralda Amorim de Oliveira, cujo nome foi usado só para montar a empresa.

A ministra teria justificado, à época, que estava se separando e não gostaria de registrar a empresa em seu nome. Nos documentos da Junta, a Asa Imperial faz segurança privada e “investigação particular”. Apesar de constar como ativa, Erenice sustenta que a empresa nunca operou.

A Polícia Federal deverá, até sextafeira, abrir inquérito para investigar o suposto envolvimento de Israel, filho da ministra, em tráfico de influência no governo. Israel é acusado de intermediar a renovação de um contrato da Master Top Airlines, empresa de transporte aéreo, com os Correios. A PF apurará ainda se há indícios contra a ministra. Mas, neste caso, a decisão de abrir inquérito caberia ao Supremo Tribunal Federal, a partir de parecer do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Ontem, após reunião com o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, determinou à Corregedoria Geral que analise as denúncias de “Veja”. O corregedorgeral Valdinho Jacinto Caetano deverá ver se há indícios de crime contra Israel, e se o caso é competência da PF. A cúpula da polícia entende que as acusações são fortes e justificam abertura de inquérito. Numa segunda fase, a polícia verá se os indícios atingem Erenice. Então, caberia a Gurgel analisar se os dados são suficientes para propor ao STF abertura de inquérito contra a ministra.
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Lula mantém Erenice no cargo e exonera assessor

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O governo lançou operação para tentar impedir que as acusações de lobby envolvendo o filho da ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, atinjam a campanha de Dilma Rousseff e contaminem o final da gestão Lula. Vinícius Castro, servidor da Casa Civil subordinado à ministra e suspeito de envolvimento, foi exonerado. Erenice foi braço direito de Dilma até ela deixar a Casa Civil para ser candidata.

Governo tenta debelar crise e demite assessor da Casa Civil acusado de lobby

Sucessora de Dilma no governo afirma que vai abrir seu sigilo e pede a comissão de ética que seja investigada

Presidente se reúne com Erenice e pede que dê respostas para acusação envolvendo o filho dela "o mais rápido possível"


Simone Iglesias, Fábio Amato e Valdo Cruz

DE BRASÍLIA - O governo lançou uma operação para tentar impedir que a acusação de lobby envolvendo o filho da ministra Erenice Guerra (Casa Civil) atinja em cheio a campanha de Dilma Rousseff (PT) à Presidência e contamine os últimos meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Um servidor da Casa Civil subordinado à ministra foi exonerado e Erenice disse estar disposta a abrir seus sigilos bancário e fiscal e também de familiares.

Lula determinou que ela apresente respostas "o mais rápido possível". Por enquanto, segundo a Folha apurou, o presidente vai mantê-la no cargo.

Erenice foi braço direito de Dilma na Casa Civil até a ministra deixar o cargo para ser candidata e assumiu a pasta após a sua saída.

Em troca de uma "taxa de sucesso", seu filho, Israel Guerra, teria ajudado a empresa MTA Linhas Aéreas a obter a renovação de uma concessão da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

O relato sobre o lobby foi feito à revista "Veja" por um empresário ligado à MTA e confirmado à Folha pelo mesmo empresário e por um diretor dos Correios.

Com a autorização para voar, a empresa conseguiu um contrato privilegiado de transporte de carga dos Correios, com dispensa de licitação e permissão para carga compartilhada.

Segundo a "Veja", o filho de Erenice foi ajudado por dois funcionários da Presidência: Vinícius de Oliveira Castro, exonerado ontem, e Stevan Knezevic.

A revista diz que foi Erenice quem viabilizou o sucesso da atuação do filho e que a ministra teria dito que o dinheiro pago na intermediação era necessário para "compromissos políticos".

OPERAÇÃO ABAFA

Ontem, Erenice começou a cumprir o que foi determinado por Lula. Pela manhã, entregou à Comissão de Ética Pública da Presidência pedido para ser investigada.

O órgão abriu procedimento padrão, que é de analisar em prazo de dez dias se aceitará ou arquivará o processo.

No pedido enviado à comissão, Erenice informou "disposição" de abrir, "se necessário", os seus sigilos bancário, telefônico e fiscal, assim como os de seu filho.

Em seguida, anunciou a demissão de Castro. Em nota, o servidor declarou que "repudia todas as acusações".

Castro, que trabalhava na Casa Civil desde junho de 2009, disse ter pedido demissão para se defender.

Erenice contratou o escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano & Renault Advogados Associados por sugestão do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. E Anunciou processo por calúnia contra a "Veja".

A Folha não conseguiu contato com a direção da revista ontem.

A Comissão de Ética da Presidência não tem poder de demitir servidores, apenas de fazer recomendações.

Os últimos processos envolvendo ministros ou foram extintos ou geraram apenas um alerta -como no caso em que Dilma se reuniu com o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, para tratar da venda da Varig sem registrar o fato na agenda.

Erenice ficou sabendo da reportagem sexta-feira, quando estava em São Paulo.Sábado, telefonou para o chefe-de-gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, para se explicar. Disse que a reportagem quer atingi-la por ser próxima de Dilma e negou ter feito tráfico de influência.

Domingo, Erenice foi ao Palácio da Alvorada conversar com Lula, que lhe cobrou explicações e recomendou que ela deveria apresentar respostas e provas "o mais rápido possível".

A "Veja" afirma também que Erenice e Israel convidaram Fábio Baracat, procurador da MTA, para conversar em sua casa em abril do ano passado. A Casa Civil não confirmou nem negou o relato até ontem à noite.
O diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, determinou ontem à Corregedoria do órgão que analise a denúncia da revista "Veja" e avalie se é o caso de abrir um inquérito para apurar se houve tráfico de influência no caso

Governo demite assessor de Erenice para conter escândalo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Planalto demitiu Vinícius de Oliveira Castro, assessor da Casa Civil acusado de integrar esquema de lobby no governo. 0 afastamento do funcionário, técnico de baixo escalão, foi a medida de maior impacto tomada pelo Planalto para estancar a crise envolvendo a chefe dele, a ministra Erenice Guerra - que foi braço direito de Dilma Rousseff quando a candidata presidencial do PT estava no governo. 0 assessor negou a acusação de que ele e Israel Guerra, filho de Erenice, receberam propina para direcionar licitação dos Correios. 0 Planalto acionou a Comissão de Ética para analisar o caso.

Denúncia de tráfico de influência na Casa Civil derruba assessor de Erenice

Leonencio Nossa, Tânia Monteiro

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto demitiu ontem - a pedido - o servidor Vinícius de Oliveira Castro, de 30 anos, assessor da Secretaria Executiva da Casa Civil acusado de integrar suposto esquema de lobby no governo federal. O afastamento do assessor, um técnico de baixo escalão do palácio, foi a medida de maior impacto tomada pela Presidência para tentar estancar a crise envolvendo a chefe dele, a ministra Erenice Guerra.

Castro foi nomeado por Erenice para um cargo de confiança com remuneração de R$ 6,8 mil em junho do ano passado. Em nota divulgada pela assessoria de imprensa da Casa Civil no começo da tarde, o assessor afirmou que repudiava "todas as acusações".

A nota informava que Castro pedira demissão. É tradição do governo "cortar cabeça" de assessores e ministros envolvidos em escândalos e publicar que apenas atendeu a um pedido de exoneração do próprio suspeito. O Diário Oficial costuma publicar, nesse tipo de caso, que a exoneração foi a "pedido".

Antes de ser nomeado para a Casa Civil, Castro atuou ao lado de Israel Guerra, filho de Erenice, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em 2007. Mas teria sido num escritório de lobby, Capital Assessoria e Consultoria, com sede em Sobradinho, na periferia de Brasília, que os dois mais ganharam dinheiro. Eles teriam recebido, segundo reportagem da revista Veja, uma propina de R$ 5 milhões para ajudar a direcionar uma licitação dos Correios.

Vinícius Castro é filho de Sônia Castro, sócia de Israel e de Saulo Guerra, outro filho de Erenice, no escritório de lobby. A denúncia foi feita pelo empresário Fábio Baracat, do setor de transporte de carga aérea, que teria contratado o escritório para garantir um negócio de R$ 84 milhões com os Correios.

Segundo uma segunda nota, divulgada no início da noite, Castro teria se afastado para melhor se defender das acusações publicadas pela revista. "Nunca pratiquei quaisquer das condutas caluniosas relatadas na matéria", destacou na carta.

"Sempre pautei todas as minhas ações com ética e probidade."

No início da noite, Erenice Guerra divulgou outra nota para informar que processaria a revista Veja pela denúncia do suposto esquema de lobby. Procurada ao longo do dia, a ministra evitou dar declarações à imprensa. Ela recorreu aos assessores para divulgar uma série de notas curtas. Castro também não deu entrevista.

Anastasia bate Costa no 1º turno em Minas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em dez dias, tucano cresceu 9 pontos porcentuais e chegou a 41% das intenções de voto, enquanto o peemedebista oscilou de 33% para 32%

Daniel Bramatti

O candidato do PSDB ao governo de Minas Gerais, Antonio Anastasia, abriu nove pontos porcentuais de vantagem sobre o peemedebista Hélio Costa, segundo pesquisa Ibope/Estado/TV Globo. Se a eleição fosse hoje, o tucano venceria no primeiro turno.

Há dez dias, havia um empate técnico entre Costa, apoiado pelo PT e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e Anastasia, que assumiu o governo mineiro depois que Aécio Neves (PSDB) renunciou para concorrer ao governo do Estado.

No período, o tucano cresceu seis pontos porcentuais, e tem hoje 41% das intenções de voto. Já o peemedebista oscilou de 33% para 32%. A maior vantagem de Anastasia é registrada em Belo Horizonte, onde ele tem o dobro de votos de Costa (53% a 27%).

Em todo o Estado, descontados votos brancos e nulos, além dos eleitores indecisos, Anastasia tem 54% dos votos válidos - para vencer no primeiro turno, são necessários 50% mais um.

Na pesquisa espontânea, modalidade na qual os eleitores manifestam sua preferência antes de ler a lista de candidatos, o tucano também aparece com vantagem de nove pontos (28% a 19%).

A arrancada de Anastasia na corrida pelo governo estadual contrasta com a estabilidade do quadro na disputa pelo Senado. Aécio e Itamar Franco (PPS) mantiveram os mesmos índices da pesquisa anterior - 67% e 41%, respectivamente. A soma dos porcentuais excede 100% porque, como há duas vagas em disputa, os eleitores podem citar até dois nomes na pesquisa.

Se a eleição fosse hoje, Aécio e Itamar estariam eleitos. Mas o candidato do PT, Fernando Pimentel, está em ascensão. Ele tinha 21% no final de agosto, passou para 23% no início de setembro e, agora, chegou a 28%.

Os números da disputa presidencial mostram que, entre os mineiros, a candidata do PT, Dilma Rousseff, não perdeu pontos por causa do escândalo da violação do sigilo fiscal de tucanos - entre eles a filha do presidenciável José Serra (PSDB), Verônica.

Dilma tem 52% das intenções de voto em Minas - houve oscilação positiva de um ponto desde o dia último dia 3. Já Serra oscilou para baixo, de 25% para 23%.

PT quer tirar do ar apoio de Lula a Waldez no Amapá

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Fala do presidente pedindo votos no candidato pedetista ao Senado, que foi preso na sexta-feira, vem sendo exibida na TV

Bruno Paes Manso ENVIADO ESPECIAL MACAPÁ

A Executiva Nacional do PT vai pressionar os coordenadores da campanha do candidato ao Senado Waldez Góes (PDT), preso na sexta-feira durante a Operação Mãos Limpas da Polícia Federal, no Amapá, para tirar do ar as inserções em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece pedindo votos para ele.

Reprodução

Nos dias que se seguiram à prisão, a fala de Lula pedindo votos ao senador continuou sendo mostrada exaustivamente na TV no Amapá. A campanha do governador Pedro Paulo Dias (PP), candidato à reeleição - outro detido na operação de sexta-feira - também continua no horário eleitoral apresentando a ligação política com a campanha de Dilma Rousseff (PT) à Presidência.

"O presidente Lula apoiou o candidato do PDT ao Senado, não as falcatruas que ele fez", afirma Jorge Coelho, secretário Nacional de Mobilização do PT, que desde sexta-feira estava no Estado. "Por isso cobramos hombridade do senador para retirar a peça publicitária do ar."

Segundo Coelho, a pressão para a retirada da peça também vai ser reforçada em Brasília pelo presidente Nacional do PT, José Eduardo Dutra. A campanha do candidato tucano à Presidência, José Serra, já vem explorando nos últimos dias o apoio dado por Lula aos candidatos presos.

O tucano Jorge Amanajás, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado, que concorre ao governo, também foi chamado para depor na Operação Mãos Limpas. Amanajás afirma que a convocação ocorreu para que ele apresentasse números sobre funcionários e despesas da Assembleia, que conta com cerca de mil empregados em cargos de confiança. "Não sabemos ainda o teor do inquérito, que é sigiloso. Fica difícil, portanto, fazer qualquer análise sobre as investigações", diz Amanajás.

O professor Marcos Roberto Marques da Silva, candidato ao Senado pelo PT no Amapá, não recebeu apoio gravado de Lula. Segundo integrantes do PT no Estado, a gravação do presidente em apoio a Waldez Góes no Amapá ocorreu a pedido do senador José Sarney (PMDB) que, além de Góes, apoia a candidatura de Gilvam Borges (PMDB).

O candidato João Capiberibe (PSB), partido coligado com o PT no Estado, também não recebeu o apoio de Lula na TV. "Uma coisa é o apoio do presidente, sobre o qual o partido não tem controle. Outra coisa é o PT, que não está com Waldez", afirma a petista Dora Nascimento, candidata a vice-governadora na chapa de Camilo Capiberibe (PSB).

Ascensão. Segundo sondagens feitas pelo PMDB depois da Operação Mãos Limpas, a prisão de integrantes do governo no Amapá vai beneficiar principalmente a candidatura ao Senado do PSOL, a única a fazer oposição aberta tanto a Sarney como ao presidente Lula. Os dados da ascensão da oposição a Lula e a Sarney chegaram às mãos da equipe de campanha do candidato Gilvam Borges (PMDB), que concorre à reeleição ao Senado com o apoio de Lula e de Sarney. "Mudaram os ânimos dos eleitores e agora a candidatura do PSOL (Randolfe Rodrigues) está no jogo. Essa candidatura de oposição deve ser a grande surpresa dessas eleições", analisa Borges.

De fato, na pesquisa divulgada ontem pelo Ibope no Estado (leia ao lado), Randolfe, que antes aparecia em quarto, está empatado tecnicamente com Gilvan Borges (PMDB) no segundo lugar, com 36%. "O 11 de Setembro do Amapá foi no dia 10 de setembro. Depois de sexta-feira acredito mesmo que tudo pode acontecer", afirma Randolfe.

Aos 37 anos, professor universitário em direito constitucional e história do direito em universidades privadas do Estado, Randolfe puxou no ano passado movimento popular no Amapá pedindo o afastamento de Sarney do Senado depois das denúncias dos atos secretos. Randolfe participa da campanha do candidato Lucas Barreto (PTB), que lidera as pesquisas ao governo do Estado.

Em 2006, a disputa ao Senado pelo Amapá também foi marcada por surpresas. Concorrendo à reeleição, Sarney quase perdeu a vaga nas urnas para a candidata neófita Cristina Almeida (PSB), que hoje é vereadora em Macapá.

Governo de Cuba cortará meio milhão de empregos públicos até 2011

DEU NA FOLHA.com

DA EFE, EM HAVANA

Mais de meio milhão de servidores públicos de Cuba perderão seus empregos nos próximos meses, ao mesmo tempo em que é anunciada uma transformação radical nos modelos salariais e de trabalho para atenuar a grave situação econômica. A mudança, que há semanas corria como um rumor pela ilha, se tornou pública nesta segunda-feira em um comunicado divulgado pela CTC (Central de Trabalhadores de Cuba), que aprovou a medida para "manter o controle sistemático do andamento do processo".

O comunicado informa sobre a "redução de mais de 500 mil postos de trabalho no setor estatal e, paralelamente, o aumento no setor privado", e detalha que este processo será realizado durante o próximo ano, mais precisamente "até o primeiro trimestre de 2011".

Alguns órgãos do Partido Comunista de Cuba -- único no país -- já foram instruídos para que expliquem aos trabalhadores o que está por vir, enquanto outros já orientaram os funcionários a elaborarem "listas" de pessoas mais ou menos necessárias.

O economista Juan Triana, pesquisador do Centro de Estudos da Economia Cubana, reconheceu que a medida de abrir mão de meio milhão de funcionários é difícil em um país onde a força de trabalho é de três milhões, mas lembrou que já existe meio milhão de trabalhadores no setor privado.

"As contas do Estado já estão saturadas e é muito duro para qualquer governo, mas já não existe mais remédio", disse Triana, além de acrescentar que a absorção desses desempregados deverá ficar a cargo de "pequenas empresas, cooperativas e empresas familiares, pois não acho que Cuba possa inventar nada novo".

O comunicado da CTC não garante uma nova função aos desempregados, mas sugere um "horizonte de opções com novos tipos de empregos não estatais como arrendamento, usufruto, cooperativas e o trabalho por conta própria para onde se deslocarão milhares de trabalhadores nos próximos anos".

CONTROLE

Em Cuba existem centenas de atividades e de negócios que fogem ao controle público, seja em transporte, alimentação, turismo ou quase todos os tipos de serviço, como pode ser comprovado por qualquer visitante "convidado" em plena rua a comprar vários tipos de produtos.

Mas se todas essas atividades não são legalizadas é pela enorme burocracia exigida da iniciativa privada, como lembra o economista dissidente Óscar Espinosa Chepe, que acredita que os problemas poderiam ser resolvidos através do desenvolvimento de um modelo tributário mais eficaz.

Paradoxalmente, o discurso de Chepe e de outros economistas contrários ao regime parece cada vez mais com o do próprio governo: o comunicado da CTC reconhece hoje que há "mudanças necessárias e inadiáveis a serem introduzidas na economia e na sociedade para transformar e tornar mais eficiente o atual processo de trabalho".

Foi o presidente Raúl Castro que insistiu na necessidade de introduzir mudanças e enxugar o governo inchado, o que acabou sendo feito em excesso com mais de um milhão de pessoas.

O presidente, em discurso realizado no dia 1º de agosto, quis tranqüilizar a sociedade: "Ninguém ficará abandonado a sua própria sorte" porque "o Estado Socialista oferecerá o apoio necessário para uma vida digna".

Na semana passada, o ex-ditador cubano, Fidel Castro, surpreendeu o mundo ao declarar a uma revista americana que o modelo cubano não funciona mais nem para Cuba, e embora tenha explicado dois dias que não se referia ao sistema capitalista, muitos em Havana acham que não havia outra interpretação.

Pelo que foi analisado, Fidel --considerado o "ideólogo" frente ao pragmático Raúl Castro-- dava um respaldo a seu irmão nesta nova readaptação do socialismo cubano cuja última atualização passa por dolorosos eufemismos tão frequentes em outros lugares como os "ajustes de emprego".

Não-Coisa :: Ferreira Gullar

subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa

sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa ë fechada
à humana consciência.

O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura — e iluminá-la.

Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
— essa voz somos nós