terça-feira, 19 de outubro de 2010

Reflexão do dia:: Chico de Oliveira

"Lula, é mais privatista que FHC. As grandes tendências vão se armando e ele usa o poder do Estado para confirmá-las, não para negá-las. Então, nessa história futura, Lula será o grande confirmador do sistema. Ele não é nada opositor ou estatizante. Isso é uma ilusão de ótica. Ao contrário, ele é privatista numa escala que o Brasil nunca conheceu. Essa onda de fusões, concentrações e aquisições que o BNDES está patrocinando tem claro sentido privatista. Para o país, para a sociedade, para o cidadão, que bem faz que o Brasil tenha a maior empresa de carnes do mundo, por exemplo? Em termos de estratégia de desenvolvimento, divisão de renda e melhoria de bem-estar da população, isso não quer dizer nada. "

(Chico de Oliveira, entrevista na Folha de S. Paulo, domingo, 17/10/2010)

Minas decide:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Tanto o governo quanto a oposição estão convencidos de que a eleição no segundo turno será decidida em São Paulo e Minas, os dois maiores colégios eleitorais do país. Desde a redemocratização, nenhum presidente foi eleito sem vencer em Minas. Mais uma vez o resultado do primeiro turno da eleição para presidente em Minas Gerais coincidiu com o resultado oficial geral.

A candidata Dilma Rousseff teve em Minas 46,9% dos votos, o mesmo percentual que obteve no Brasil, e o tucano José Serra teve 30,7%, contra 32,6% no país. Também a candidata verde Marina Silva recebeu em Minas 21,2% dos votos, contra 19,6% no plano nacional.

Não se trata de mera coincidência, mas de uma representação das diversas regiões do país que já havia sido detectada por um mineiro ilustre, Afonso Arinos de Mello Franco, e foi confirmada pelo presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, que constatou em muitos anos de pesquisa eleitoral que os resultados em Minas refletem cada vez mais a média nacional.

Isso porque Minas tem sua parte Nordeste na região do Vale do Jequitinhonha, e por isso faz parte da Sudene; ao mesmo tempo, é a segunda economia do país (disputando com o Rio) com uma região fortemente industrializada, grande influência paulista na divisa com São Paulo; Juiz de Fora é muito ligada ao Rio de Janeiro; e o estado tem no agronegócio uma parte influente de sua economia.

Em alguns casos, o resultado local foi praticamente igual ao nacional. E quando isso não acontece, é certo que a tendência fica definida nas urnas mineiras: Lula teve 50,80% (48,6% no país), contra 40,6% (41,6% no país) de Alckmin.

Em 1989, Collor teve 36,1% em Minas (30,5% no país) contra 23,1% (17,2%) de Lula; em 1994, Fernando Henrique teve 64,8% em Minas (54,3% nacional) contra 21,9% de Lula (27%); em 1998, FH teve 55,7% em Minas (53,1% nacional) contra 28,1% de Lula (31,7% nacional).

Em 2002, Lula venceu com 53% (46,4% nacional) e Serra teve 22,9% (23,2%).

O ex-governador Aécio Neves, a grande liderança política mineira em cujo empenho o PSDB deposita a esperança de reverter o quadro do primeiro turno, gosta de citar Afonso Arinos para explicar a centralidade de Minas no processo político nacional: “Minas é o centro, e o centro não quer dizer imobilidade, porém peso, densidade, nucleação, vigilância atenta, ação refletida, mas fatal e decisiva”.

Afonso Arinos explica em linguagem poética o que os números frios das urnas definem: “As suas terras tocam os climas do norte. Participa dos climas úmidos e florescentes da orla litorânea. A oeste, da civilização do couro. Ao sul, confina com a riqueza paulista. Daí a sua posição histórica, que é um imperativo geográfico, econômico, étnico”.

No primeiro turno, repetindo o que aconteceu com Lula em 2002 e 2006, a candidata do PT Dilma Rousseff teve 5.067.399 votos e venceu Serra por uma diferença de 1.750 mil votos.

O fato é que a situação em Minas já está mudando em favor de Serra. Na capital Belo Horizonte, onde Marina teve a maior votação no primeiro turno (39,8% dos votos), Dilma teve 30,9% e Serra, 27,7%, segundo o Instituto Vox Populi, que faz pesquisas para o governo do PSDB no estado, a eleição já virou: Serra estaria com 45%, contra 35% de Dilma.

Pelas contas do PSDB, o candidato tucano tem um potencial de agregar cerca de 3 milhões de votos, que foi a diferença da votação de Serra para a de Anastasia para governador.

Além do voto Dilmasia, provavelmente grande parte dos votos de Marina nesse primeiro turno foram também para o candidato oficial ao governo do Estado, já que o candidato do PV ao governo, José Fernando, teve apenas 234.125 votos.

Em São Paulo, Serra teve cerca de 2 milhões de votos a menos do que Geraldo Alckmin recebeu para governador, eleitorado que pretende recuperar neste segundo turno.

Além do mais, Marina Silva teve nada menos que 4.865.828 votos para presidente.

A diferença a favor de Serra em São Paulo foi de meros 700 mil votos, longe da vantagem histórica que os tucanos sempre tiram na eleição presidencial, mesmo quando perdem em nível nacional.

Geraldo Alckmin, em 2006, venceu Lula em São Paulo por 3,8 milhões de votos, e Fernando Henrique chegou a colocar 5 milhões de votos na frente na eleição de 1998.

Quando Serra estava na frente das pesquisas, os estrategistas do PSDB consideravam que seria possível garantir a eleição com uma vitória em Minas, o que representaria uma virada no voto de quase dois milhões de pessoas em relação às votações petistas dos últimos anos.

E que poderiam chegar à marca de 5 milhões de votos de diferença em São Paulo, pois o PSDB estava mantendo sua hegemonia paulista com o favoritismo de Geraldo Alckmin.

Os tucanos estão otimistas, achando que pode acontecer no segundo turno o cenário idealizado por eles para vencer no primeiro turno.

É por isso que o presidente Lula ficará dedicado nos últimos 10 dias de campanha a comícios em São Paulo e Minas, para garantir a vantagem de Dilma Rousseff.

Ao contrário do que escrevi, em 2006 a Record realizou debate presidencial, no segundo turno, no dia 23 de outubro.

Conversa de surdos:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Muita gente pergunta quem foi melhor no debate de domingo na Rede TV! Independentemente de ter visto ou não o programa. Isso acontece sempre, as pessoas querem saber a opinião do outro, mas, sobretudo, querem conferir se a sua própria "está certa".

Há dois tipos de avaliação: o conjunto do debate e o desempenho de cada um dos candidatos. Em ambos as respostas são tão óbvias que chega a ser um tanto constrangedor externá-las como fruto de análise especializada.

Se comparado com os de "antigamente", até a década dos 90, o debate foi ruim, como todos os outros, à exceção do anterior, na Band. Naquele, Dilma Rousseff deu um choque de animação ao ser mais incisiva nas cobranças ao adversário.

No domingo a candidata amenizou o tom e a falta de novidade levou o debate para o terreno já bastante conhecido do público: aquela coisa aborrecida, arrastada e com discussões muitas vezes absolutamente ininteligíveis para a maioria das "pessoas humanas".

Serra quer explicar as coisas da forma "correta", raramente faz a tradução política do assunto, o que prejudica o entendimento de quem acompanha as cenas como um campeonato de sacadas e tiradas. É assim que a gente vê esse tipo de programa, avaliando quem desferiu o melhor golpe, instante a instante.

Nenhum dos dois é bom nisso. Mas se o defeito do candidato do PSDB é excesso de apego ao "concreto" daquilo que está sendo abordado, o de Dilma é sua total incapacidade de se fazer acompanhar no desenrolar do raciocínio.

E olhe que melhorou muito desde que fazia plateias inteiras cochilarem durante suas apresentações de projetos do governo.

Dilma Rousseff simplesmente não fecha os raciocínios. Tampouco inicia um pensamento de maneira a se conectar em linha reta com a questão posta.

No domingo, nem ela nem Serra responderam ao mediador Kennedy Alencar quais eram os defeitos e qualidades de cada um e do adversário. Foi uma tentativa de sair da ladainha sobre saúde, educação, infraestrutura, assuntos cujas abordagens são completamente previsíveis.

Ambos correram para a segurança da saída pela tangente. Tradução possível: nenhum dos dois acha que tem defeitos ou qualidades nem sabe avaliar sob esses critérios o oponente.

Daí em diante foi a obviedade de sempre: o tucano infinitas vezes superior em todos os quesitos, o que de resto seria diferente apenas se a petista fosse um fenômeno de talento natural para a política e conseguisse com isso superar as diferenças de vida, experiência e perfil existentes entre dos dois.

Trata-se de um artificialismo retórico destinado exclusivamente a alimentar o mito da neutralidade, apontar equilíbrio de desempenho entre os candidatos.

Nesse último debate, para a petista ainda pesou a desvantagem do efeito do resultado do primeiro turno e aí Serra, reanimado, joga com vontade de acertar; Dilma, abatida, joga com pânico de errar.

Roupa nova. José Serra gostaria muito de ter o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga no ministério caso seja eleito presidente.

Mas não para cargo na área econômica: Serra daria a Armínio a pasta da Educação.

A origem. Os rapazes e moças do PSOL vão desculpar, mas "voto crítico" não quer dizer nada. Apoiam Dilma e ponto final. O adjetivo visa a justificar o partido por causa da posição crítica em relação do governo Lula.

Mas a urna não aceita meio termo: voto é voto e o PSOL não precisa de justificativa para escolher em quem recomendar apoio. Ponto fora da curva seria o alinhamento ao PSDB com quem não guarda qualquer identidade.

Na gangorra. Sergio Cabral está para Dilma no segundo turno como Aécio Neves esteve para Serra no primeiro: jura que apoia, mas não prova.

Murro em ponta de faca :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Se dependesse do Palocci, era porrada pura. Com essa cara de bonzinho, ele faz e a gente leva a fama".

A frase, publicada como nota na Folha de ontem, é do marqueteiro de Dilma Rousseff, João Santana. E diz muita coisa.

Primeiro, confirma a velha impressão de que, por trás do médico bonachão, Palocci esconde um ser indecifrável. Depois, mostra que a estratégia da pancadaria não foi dos experts na área, mas de políticos aflitos com as tendências das pesquisas. É aí que viceja o vale-tudo, no qual a campanha de José Serra se jogou voluptuosamente.

No debate Folha/Rede TV! de domingo à noite, Dilma esteve incisiva, não agressiva. Ou mais Santana, menos Palocci. Mas, de qualquer forma, ela optou por dois temas que não deram certo. Vai ter de rever no próximo encontro.

Um foi a privatização, que parece ter esgotado seu poder de fogo ao abater Alckmin em 2006. Além disso, Dilma se concentrou na tal Gas Brasiliana, enrolou-se, confundiu o telespectador e não chegou a nada. Um colega cochichou: "Ih! Lá se foi metade da audiência...".

O outro tema foi São Paulo, onde, simplesmente, o PSDB ganhou todas as últimas eleições. Ou seja: Dilma tentar bater na gestão paulista é como Serra tentar bater em Lula. Nos dois casos, é como "dar murro em ponta de faca".

Serra recebeu bem as cortadas e devolveu a bola, mas só o suficiente para as pesquisas darem que ele foi melhor no debate. Isso não significa, porém, que tenha sido grande desempenho, grande vitória.

Se os dois deixaram o aborto pra lá e optaram por propagandear promessas para combater as drogas, investir em treinamento de pessoal e cuidar da saúde e da educação de todos (principalmente de todas), faltou combinar o resto com o "adversário": a imprensa. Foi aí que Paulo Preto e Erenice Guerra entraram em campo, animando a partida. E a audiência bombou.

Um jogo sem bala perdida :: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

PT teme fatos novos sobre ex-ministra às vésperas da eleição

Erenice Guerra é o fantasma que assombra o PT na reta final das eleições presidenciais. Em condições normais de pressão e temperatura, a campanha de Dilma Rousseff avalia que a candidata pode ainda perder alguns votos, o candidato do PSDB, José Serra, ganhar outros tantos, mas ela vence a eleição do dia 31 por uma diferença considerável, inquestionável. A menos que ocorra um fato novo. Este fato, imagina-se no arraial petista, tem tudo para ser de novo Erenice.

Se a diferença entre os dois candidatos cair para algo entre três ou quatro pontos, entre os dois candidatos, a expectativa do comitê de Dilma é que o PSDB lance mãos de todas as cartas de que dispuser para ganhar a eleição. Até por entender que esta é a última disputa presidencial de José Serra, muito mais pelas questões internas do PSDB que pela idade do tucano, que está com 68 anos, boa forma física e terá 72 anos em 2014. Serra, no entendimento petista, estaria jogando sua última cartada para conquistar um objetivo fixado desde a infância, segundo reza a lenda.

O PT já sabe que, se o PSDB for atrás, acha mais informações sobre a prática de tráfico de influência por Erenice e seus parentes e amigos. Seria só uma questão de tempo. O partido e o próprio governo fizeram um rastreamento. Descobriram o dedo da sucessora de Dilma na Casa Civil e de seu aldeamento familiar em mais de uma área. Especialmente no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e na Petrobras. O levantamento mais detalhado ocorreu depois das especulações segundo as quais a queda no preço das ações da Petrobras ocorreu em função de supostas novas denúncias que seriam publicadas contra Erenice.

Mas o PT sabe também que o PSDB está realmente atrás de Erenice - ou de qualquer coisa que vincule a candidata a irregularidades. Mas o alvo é mesmo Erenice e os seus. Os tucanos teriam deixado impressões digitais. Uma delas, numa investigação sobre o pagamento das despesas da festa de casamento da filha de Dilma, celebrado em abril de 2008, a qual compareceram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nove ministros de Estado e nove governadores, em Porto Alegre (RS). A investigação se destinava a apurar se empresas ou empresários com negócios com o governo federal pagaram alguma conta da festa. Nada digno de registro teria sido encontrado.

Em conversas reservadas, petistas com acesso a esse tipo de informação de campanha reconhecem que Erenice é uma "bomba ambulante", problema capaz de causar ansiedade à candidata, ao governo e ao partido como um todo até o dia 31 de outubro. Mas eles também se dizem convencidos de que nada sobre as atividades de Erenice e seu núcleo familiar surgiu do acaso. Tudo teria sido planejado com o fim de obter um resultado nas eleições. Outra digital que o PT assegura ter recolhido foram reuniões que o empresário Rubnei Quícoli teria feito com tucanos antes de acusar assessores da Casa Civil de cobrar propina pela aprovação de um projeto (a construção de uma central de energia solar no Nordeste) no BNDES.

Dilma e Erenice conheceram-se no final de 2002, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, onde funcionou o governo de transição do presidente Lula, após as eleições daquele ano. Erenice era assessora da bancada do PT na Câmara. No governo de transição foi ela quem "secretariou" a área de Minas e Energia Minas e Energia. Dilma era a encarregada da área. Erenice recebia as demandas, as propostas para o programa de governo e os currículos. Dilma não ficava a semana inteira em Brasília. Ia na segunda e geralmente voltava na quarta-feira para Porto Alegre. Quem ficava tocando as coisas era Erenice.

Quando virou ministra das Minas e Energia de Lula, a candidata do PT levou Erenice para cuidar do departamento jurídico do MME. Entre agosto e setembro de 2003, Dilma recebeu uma denúncia anônima contra Erenice. Dizia que ela estava arrumando emprego para o ex-marido e os filhos. Conta-se hoje, no PT, que Dilma pensou em demitir Erenice. A ex-assessora da bancada na Câmara procurou os deputados petistas, em busca de apoio para permanecer no cargo. Até presidentes de comissões falaram com Dilma.

A então ministra das Minas e Energia teria se dobrado a um argumento comum aos apoiadores da permanência de Erenice: tratava-se de uma carta anônima. Se ela começasse a demitir pessoal por conta de acusações feitas anonimamente, logo haveria uma central de cartas com denúncias sem assinatura . Um dos interlocutores desta mediação conta: "Ela (Dilma) sossegou, acabou se recompondo com a Erenice e a levou depois para a Casa Civil".

Erenice já estava na Casa Civil - e na mira da oposição por causa do dossiê sobre gastos com cartões de crédito do governo Fernando Henrique Cardoso - quando começou a chegar à bancada do PT na Câmara o "zunzunzum" de que ela fora vista, por mais de uma vez, em "más companhias". Deputados do PT viram Erenice num almoço com empresários de péssima reputação, no restaurante do Clube de Golfe de Brasília, localizado a algumas centenas de metros do CCBB, local onde funcionou o governo de transição, em 2002, e para o qual Lula transferira a sede do governo, durante as obras de reforma do Palácio do Planalto

Na reunião de avaliação do primeiro turno realizada entre Lula e os integrantes da campanha de Dilma, o presidente reclamou do "salto alto" dos integrantes do comitê da campanha de Dilma. Disse que ele percebera o risco Erenice e decidiu demitir a ministra da Casa Civil. Se fosse pela campanha, ela teria permanecido no governo. Dilma deixou Erenice ferida na estrada.

O governo agora operou para Erenice não depor antes das eleições. A Polícia Federal, como se sabe, pediu prorrogação das investigações. Definitivamente, não há como descolar Dilma de Erenice Guerra. O PT sabe disto e se pinta para a guerra. Não diz, mas não há dúvida de que também procura uma bala de prata para liquidar de vez a fatura no dia 31de outubro. Neste jogo, não há bala perdida. Já dizia um tucano - denúncia é como pênalti no futebol: errou, perdeu.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Breves reflexões: contra e a favor:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (online)

Em jogo de palavras tanto se ganha quanto se perde, como ocorre em qualquer modalidade (que se preze) de apostar no acaso. O exemplo, registrado eletronicamente nesta eleição, já pode ser considerado clássico e assim passar aos anais das campanhas eleitorais e do marketing político, onde Freud se fez presente pela mão da candidata oficial Dilma Rousseff, quando quis passar de defensora a desafeta do aborto.

Com a preferência das pesquisas de opinião no primeiro turno, dona Dilma Rousseff proclamou já no segundo, escandindo as sílabas como de hábito: “eu nunca disse que sou contra o aborto, até porque sou a favor”. E, mal pronunciara a ultima palavra, se deu conta da barbeiragem e do rombo previsível no seu estoque de votos. Tratou de voltar atrás para salvar uma parte da colheita de intenções de votos: “eu nunca disse que sou a favor, até porque sou contra o aborto”. Como não há saída de emergência nesses casos, nada a explicar.

Qualquer retificação mal alcança uns dez por cento de credibilidade, contra 90 de certeza. Quanto mais se explica um engano, mais desfavorável será o efeito. Já era assim e piorou desde que Sigmund Freud se serviu dessa parte oculta do ser humano, que se chama inconsciente, e não deixa ninguém mentir com proveito. Falar a verdade a contragosto talvez seja a última oportunidade para o ser humano recorrer, mesmo por descuido, à verdade que não lhe convenha, ainda que seja a única.

O segundo turno desta sucessão presidencial, tão cheia de curvas, pode gerar uma versão científica e decifrar o que se passou com dona Dilma, suspeita de pecar ostensivamente contra Freud, ao faltar à verdade em proveito alheio. O mal que a questão do aborto fez à candidata oficial, quando ainda aproveitava sua estréia como avó, mostra que o marketing eleitoral, mesmo em português, não pode fazer pouco de Freud sem macular a sucessão. Dona Dilma corre o risco de ser apontada, quando as conseqüências se apresentarem no próximo ato, como emissária do espírito enganador que orienta os candidatos ao se dirigirem ao eleitor. E que o eleitor é mais do que alguém chamado, de quatro em quatro anos, para escolher o menos credenciado dentre nomes que se consideram superiores aos eleitores, a ponto de querer enganá-los o tempo todo.

Fica evidente que o conceito de melhor saiu de circulação desde que o presidente Lula fechou a História do Brasil para ficar sozinho em cena.

O presidente JK encaminhou ao eleitorado, desde o começo da campanha presidencial de 1955, o compromisso de entregar 50 anos de progresso num mandato de cinco anos, com uma relação de duas centenas de obras – grandes, médias e pequenas – começadas e concluídas no período. Sem sofismar e sem tergiversar, num único mandato, como insistiam os fundadores da República, que não deram ouvidos aos apologistas da reeleição.

Eleição presidencial não é mais tão simples como no tempo em que se entendiam, como meios de comunicação, apenas os jornais que saím à rua pela manhã, ao meio dia e ao cair da noite. Só na década de 50 o rádio se adiantou à mobilização política, estimulou o processo eleitoral e passou a ter peso político.E, na confusão, elegia de cambulhada locutores, cantores e humoristas.

A televisão chegou mais tarde e demorou a encontrar espaço criativo próprio. Cerceada por limitações legais, em nome de uma igualdade apenas restritiva, continua confinada à responsabilidade asfixiante de informar com equidade candidatos desiguais. Só a internet iria compensar a exploração da difícil e inquietante liberdade de manter informado o público ávido de romper as fronteiras da conveniência.

Os debates ao vivo perderam em substância o que compensam com agressividade pessoal, pela qual candidatos não respondem. Não há acesso a providências legais para cobrar respeito, na falta de razões que a razão não desconhece (inclusive as clássicas figuras da difamação, da injúria e da calúnia, das quais se isentam) .Ninguém se lembrou de dizer à candidata oficial que é menos suspeito assumir a verdade do que retificar o engano cometido numa circunstância eleitoral. Pelo menos, até a eleição.

***
PS: domingo à noite, em debate com José Serra, Dilma nem se deu conta do engano, ao perder o rumo e proclamar pelo avesso que “o Brasil foi o primeiro a entrar na última crise internacional e o último a sair”, quando foi exatamente o oposto, pois entrou por último e saiu na frente.

Chile, dignidade* :: Paulo Timm

Quando, no dia 13, altas horas, comecei a ver o resgate dos mineiros da Mina San José, no deserto de Atacama, Chile, não pude deixar de ser tomado espiritualmente pelos meus longos anos vividos naquele maravilhoso país. Lá cheguei, afugentado pelo horror que tomava conta do Brasil, depois do AI-5, no fatídico 13 de dezembro de 1968, no início dos anos 70. Jamais fui exilado. Saí enojado e aterrorizado com o clima que começava a tomar conta da cidade (Porto Alegre) naquela época. Terminara a Faculdade de Economia, me casara, tivera êxito num primeiro pós-graduação da CEPAL realizado aqui e me resolvi caminhar a caminho de mim, embora despido de qualquer segurança, muito jovem.

Indescritível a experiência de chegar, então, num país institucionalizado: Partidos políticos de todas as correntes ideológicos, imprensa de vários matizes, livrarias diversificadas, cursos universitários livres a abertos a todas as correntes. De quebra, a convivência, muitas vezes apenas geográfica, com exilados ilustres, como o Almirante Aragão, acompanhado do indefectível Camacho , doublé de segurança e garçom, supostamente financiado pela União Soviética; com Almino Afonso, José Serra, Plinio Arruda Sampaio, Teotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e tantos outros; ou as vibrantes aulas de Maria da Conceição Tavares na ESCOLATINA, um Centro de Estudos Latinoamericanos vinculado à Universidade do Chile, verdadeiro centro de formação de economistas críticos, para onde afluíam jovens de todos os países das Américas. Muitos de toda essa diversificada gente via-se , às noites, se deliciando num Restaurante , “Las Lanzas”, onde se saboreava o delicioso “caudillo de congrio rosa”.

Aos poucos meses, todos os chegantes já se aventuravam às delicias do Mercado Público, no centro da cidade, onde , todas as manhãs, chegavam os mais deliciosos frutos do mar do mundo, servidos assim, como estavam no seu habitat, ainda meio vivos, numa terrina carregada de limões espremidos, coentro e outros: ostras frescas, ouriços do mar viscosos, picorocos coloridos, locos... E muito vinho...Mas já no primeiro fim de semana, todos iam ao centro da cidade tomar o cafezinho do Café Brazil, um expresso à época raro no Brasil e lá oferecido por belas e joviais moças extremamente bonitas, muitas das quais dali saíam de casamento feito. No balcão, as moedas do nosso reconhecimento. Pelo serviço. Pela beleza estonteante das meninas.

Pela praxe da época em Santiago.

E assim, ao longo dos anos 70, 71, 72 e 73 foram chegando mais e mais brasileiros.

Chegaram perto dos dez mil. Levas deles, falando alto pelas ruas, arrastando com os locais um espanhol sofrível, tentando trabalhar ou estudar. Grande maioria em torno de 20 anos de idade. Jovens expelidos pela prepotência da ditadura brasileira. Resistentes, patriotas, ingênuos, mais deles anônimos, mas colhidos pela brutalidade que os confundia, a todos, como “terroristas”. E os chilenos recebiam a todos com cordialidade. Até um pouco fascinados pelas cores, pela exagero e extravagância de seus movimentos, pelas idéias arrojadas em termos políticos e de costumes. Não tem preço o que este pequeno país espremido ao longo de 4.000 km entre um mar gelado e uma cordilheira impávida fez por estes brasileiros. (E me incluo, pelo que me ofereceu como vivência e formação profissional. Desde então o Chile faz parte, irremediavelmente, da minha vida.) Todos, claro, encantados com a possibilidade de ver a olhos vistos uma experiência socialista erguer-se das entranhas da sociedade sob a liderança de um líder inconteste: Salvador Allende. A via chilena para o socialismo tão sonhado, via pacífica, ordenada, apoiada por cordões caudalosos de trabalhadores de todas as partes do país. Os mineiros sempre à frente...

Mas o que mais nos impressionava, aos brasileiros, nos contatos mais próximos com os chilenos, era a dignidade dessa gente. A dignidade como enteléquia, um valor em si mesmo que cada um sabia se atribuir. E isto começava nas nossas casas. Filhos da classe média no Brasil, estávamos habituadas- sem nos darmos conta - à convivência opressiva com mulheres que trabalhavam em nossas casas, como empregadas domésticas, faxineiras, zeladoras de prédios, babás. E , no Chile, logo nos apercebemos que tais relações lá não cabiam. Por uma perversa tradição vinda da escravidão as mulheres serviçais, no Brasil, não só não tinham qualquer educação formal, maior parte analfabetas, como eram desligadas do mundo, alienadas e não raro, submetidas à degradação moral , quando não ao assédio sexual. Este fato é revelador do cinismo cultural que nos vende como uma sociedade tolerante e cordial. Jamais. Os brasileiros de classe média são autoritários e prepotentes, tendo importado esses padrões, certamente, da boa sociedade escravocrata e latifundiária.

No Chile, desde que chegamos nos demos conta que se lá existia- também - uma sociedade de classes, que impunha às mulheres mais pobres o trabalho doméstico, isto não tinha absolutamente nada de degradante para elas. Elas chegavam bem vestidas e bem tratadas, cuidavam zelosa e responsavelmente pelos seus afazeres, fixavam, elas próprias uma distância cuidadosa com os patrões, num reconhecimento da formalidade das relações que os envolviam, e se retiravam. Orgulhavam-se de seu ofício. Muito comum eram as enfermeiras que cuidavam de nossos filhos lá nascidos, tarefa que desconhecíamos no Brasil. Que profissionalismo! Que dedicação! Que invejável dignidade! Muitas trabalhavam anos com os brasileiros. E transmitiram aos nossos filhos uma predisposição inexplicável ao espanhol. Meus dois filhos, brasileiros, são bilíngües, sem nunca terem morado no Chile, além de uns poucos meses. Algumas até se casaram a acabaram vindo morar no Brasil. Mas deixavam, sempre, um marco de dignidade em suas vidas.

Com os chilenos, não era diferente, nossa admiração, com exceção, claro, de certos “aritocratas” que, mercê de nossas atividades estudantis, acabávamos topando. E aqui uma observação pertinente. O Chile sempre teve mais da metade de sua população em Santiago, e um pouco mais de 10% nas cidades maiores perto da capital – Valparaíso e Viña Del Mar –e Concepción, ao sul.


O resto espalhava-se pelo interior, campo e pequenas cidades. Nesse interior, como pudemos ver entre os mineiros resgatados, a população é majoritariamente de origem indígena. Mas na capital, Santiago, diferente de Lima e La Paz, a população é visivelmente branca, fruto não só da colonização espanhola original, mas de levas migratórias sucessivas de populações européias. O Chile não teve, por certo, um Presidente como o argentino Domingo José Sarmiento, adepto franco e promotor do branqueamento da população daquele país através destas migrações concentradas em Buenos Aires.


Santiago, em menor parte, assemelha-se ao fenômeno “porteño” na medida em que apresentava uma capital diferenciada, na qual pontificava com muito maior peso do que na capital argentina, de uma elite branca extremamente autoritária, racista e conservadora. Foi dessa base social que emergiu o golpe contra Allende e de onde proliferam, ainda, fortes suspiros saudosistas da ditadura de Pinochet, de quem o atual Presidente Piñera é herdeiro mitigado.

Todas estas lembranças me acudiram no episódio dos mineiros.

Veja-se a dignidades destes 33 homens resgatados, todos trabalhadores praticamente braçais, submetidos a condições extremamente difíceis, com o agravante dos riscos que correm. Na China, por exemplo, mais de 25000 morrem a cada ano debaixo da terra. No Chile, trabalham por um salário médio de mil dólares, algo menor do que dois mil reais, morando no deserto de Atacama, onde à intempérie se somam outros contratempos ambientais.

Um a um que saía de “lo más genital do lo terrestre”, como diria o grande poeta Pablo Neruda, dava a entender, em torno de si, uma aura de rara dignidade, discreção e orgulho, que logo se irradiava numa torrente de emoções “a lo largo y lo ancho” de todo Chile, reacendendo o patriotismo de um povo há anos submetido à humilhações da história e da geografia.

As mulheres e filhos que esperavam ansiosas, todas bonitas, algumas, já com certa idade, extremamente belas, fazendo jus à imagem que delas faz o mundo, arrumadas, modestamente elegantes, conversando naturalmente com o Presidente da República, sem qualquer demonstração de subserviência ou acanhamento. Que beleza! Mais uma vez a dignidade como marca de um povo que não confunde a pobreza com a degradação social e moral.

À volta dos mineiros e suas famílias, todo um concerto de trabalhadores, todos disciplinadamente dedicados às suas funções.

Aqui, pois, a constatação de indivíduos cientes de sua dignidade pessoal, famílias integradas nesse espírito e uma nação – a nação chilena – reconstruindo-se, naquele momento, como um prolongamento da cumplicidade em feito histórico. E sobre esta nação constituída, um poder constituído, na presença do Presidente da República, ao qual se reconhece, mas não se dobra.


Veja-se que em todo o resgate e mesmo sob intensa emoção, em nenhum momento se viu qualquer ato de subserviência ao Presidente da República. Agradecimentos protocolares. E um Presidente, ciente da gravidade do momento e das distâncias políticas e ideológicas com os mineiros, com todo o cuidado para não ferir suscetibilidades, muito embora cioso da oportunidade do feito para a sagração de sua autoridade.

Só para se ter uma idéia, Luis Urzua, o chefe da equipe que foi o último a sair, traquilo, sereno, com 31 anos como minerador. Ele é o mais velho de seis irmãos, os quais ajudou a criar. Luis foi uma das vítimas indiretas da ditadura cruel de Pinochet. Seu pai, Luis Urzua, era um líder comunista e foi assassinado pelo regime. Seu padrasto, Benito Tapia, do Partido Socialista, também vitimado pela Caravana da Morte.

"A las nueve de la mañana del miércoles 17 de octubre de 1973, el mayor Carlos Brito del Regimiento Atacama de Copiapó sacó a Ricardo García de la cárcel pública. A las 19:20 de ese día, el sargento Óscar Pastén hizo lo mismo con Benito Tapia y Maguindo Castillo. Los tres fueron conducidos al regimiento".

"Del regimiento se fueron al cementerio. "El fusilamiento de García, Castillo y Tapia lo dirigió el teniente Ramón Zúñiga Ormeño, y lo acompañó el subteniente Fernando Castillo Cruz", declaró hace unos pocos años Díaz Araneda ante el juez Juan Guzmán ".

"Arturo Araya, asistente del médico legista Juan Mendoza, llegó temprano a la morgue de Copiapó aquel día 18. Vio los tres cuerpos tendidos en camillas y tapados con sábanas blancas. Destapó a uno para desvestirlo y preparar la autopsia, pero el administrador del cementerio, Leonardo Meza, se lo impidió. "Esos cuerpos son intocables", le dijo ".

"Los tres cuerpos fueron sepultados sin urnas en una fosa abierta en el Patio 16. En el libro de ingreso a García se asignó el número 13, Tapia el 14 y Castillo el 15. Días después, Bernardo Pinto, trabajador de Cobresal, pagó a un sepulturero para que abriera la fosa y lo que vio no lo olvidó jamás".

(Jorge Barrena -
Este artículo y todos los otros envíos de "other news" están disponibles en http://www.other-news.info/noticias/)

Mas Jaime Tapia, irmão de Benito, presente ao acampamento à espera de Urzua, prefere não falar sobre o assunto. Ainda reina desconfiança nesta região. Perguntado por jornalistas sobre a veracidade destes fatos prefere responder enigmaticamente:

"No puedo contar nada, las cosas se sabrán a su debido tiempo, después de que salgan”
(Idem)

Um bilhão de pessoas que viram os momentos dramáticos do resgate destes mineiros ficaram compungidos. Mas só os que viveram o Chile na sua própria carne sabiam avaliar com precisão o significado daquele momento. Era um instante sublime, no qual toda a nação chilena se reencontrava na tentativa de subir metaforicamente à tona para o reencontro mítico com uma nova realidade. Naquelas imagens da cápsula era o tempo como membrana histórica que se reconstituía trazendo um passado amargo à superfície para inaugurar a possibilidade da reconstrução nacional, demolida pelo regime de Pinochet.


Quis o destino que, na porta de chegada, estivesse ali aguardando um correligionário do odioso general, sobre o qual, aliás, não recaem suspeitas de conivência com seus crimes, tornando-o até ajustado à moldura do evento. Numa nação dividida pelo ódio, pelo ressentimento, pela dúvida, haverá sempre que dispor das duas pontas do dissenso para que se restaure a união. Trinta e três mineiros de um lado, e um sorridente Presidente, de outro, tentavam cumprir este papel, ambos cônscios do que ali estava acontecendo. O futuro, porém, dirá se conseguiram...



*Texto enviado por Sergio Moraes, autor do livro ‘Viver e morrer no Chile’.

Joaquim Nabuco e Balmaceda :: Marco Maciel

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao encerrarmos as celebrações do Ano Nacional Joaquim Nabuco, podemos dizer com toda a convicção que Nabuco continua com uma agenda extremamente atual. Embora seja uma de suas obras menos celebradas, Balmaceda, muito mais que um simples ensaio ou uma arguta análise política, é uma síntese extraordinária das preocupações do autor - quase uma antevisão sobre o destino e os riscos que poderia correr o Brasil sob a República, então recém-proclamada.

Produto dos artigos por ele publicados no Jornal do Comércio, o livro encontra motivação na obra do chileno Júlio Bañados Espinosa intitulada Balmaceda, seu governo e a Revolução de 1891, que foi elaborada em defesa do presidente José Manuel Balmaceda.

Balmaceda, que foi um liberal na maior parte de sua vida política, viu-se na crista de uma crise, em que, apelando para o conflito com o Parlamento, terminou solapando o alicerce de popularidade que tinha alimentado a sua carreira política e parlamentar. O resultado foi a guerra civil de 1891, depois que o Parlamento deixou de aprovar a lei de orçamento para aquele ano e o presidente, ignorando o poder do Congresso, validou o do ano anterior. Quando o Congresso votou e aprovou a sua destituição, o presidente respondeu dissolvendo-o. Da solução pacífica dos votos passou-se ao prélio terrível das armas. Decorridos oito meses de combates, o triunfo do Congresso torno-se inevitável e a Balmaceda não restou alternativa senão entregar-se e asilar-se na Embaixada Argentina, onde, no dia em que deveria findar-se o seu mandato, recorreu ao gesto extremo do suicídio.

As observações de Joaquim Nabuco, no curso de sua análise sobre os infortúnios de Balmaceda, não se cingem aos aspectos circunstanciais da vida do ex-presidente. Como em tantas outras oportunidades no livro, seus olhos veem o Chile e ele pensa no Brasil quando afirma: "Em nossos países, onde a nação se mantém em menoridade permanente, as liberdades, o direito de cada um, o patrimônio de todos vivem resguardados apenas por alguns princípios, por algumas tradições ou costumes que não passam de barreiras morais sem resistência, e que o menor abalo deita por terra."

A crise política provocada por Balmaceda tem pontos em comum com os eventos que, no Brasil, marcaram o trágico 24 de agosto de 1954 e, no ano seguinte, os episódios de 11 de novembro, com a destituição e a consequente renúncia do vice-presidente da República e de seu substituto legal, o presidente da Câmara dos Deputados. Mas caracteriza-se, também, por diferenças marcantes.

No Brasil, o suicídio do ex-presidente Getúlio Vargas e a inquietação decorrente do movimento militar de 11 de novembro marcam a mais significativa diferença com o caso chileno. A saída pacífica fez-se pela eleição de Juscelino Kubitschek, no pleito de 1955, significando a restauração da normalidade democrática e o desestímulo às tentativas de intervenção militar.

No Chile, o drama e a tragédia consumavam-se na medida em que a proclamação da ditadura pelo presidente fechara as portas a qualquer entendimento e, consequentemente, à solução pacífica do confronto que dividira o país, obtendo como resposta o caminho para a violência de ambos os lados.

"Uma vez assentada a solução da morte, é preciso justificá-la, depois utilizá-la politicamente, por último escolher o momento", escreveu Joaquim Nabuco. Assim é que, como também o fez Vargas mais de meio século depois, sua última mensagem Balmaceda a deixou numa carta, chamada hoje de o Testamento de Balmaceda. Nela Nabuco identifica três partes: uma é a revista do procedimento da Junta Revolucionária, para mostrar que não lhe era permitido esperar justiça de seus inimigos e que, por isso, não realizava a sua primeira ideia de entregar-se a eles; outra é a sua defesa dos pontos de acusação que lhe ficaram mais sensíveis; a última é um brado de esperança na vitória ulterior de sua carta.

Nesta última parte está o fulcro das contradições dos sistemas políticos que sempre cercaram o exercício do poder pessoal em nosso continente. "O regime parlamentar triunfou nos campos de batalha, mas esta vitória não prevalecerá. Ou o estudo, a convicção e o patriotismo abrem caminho razoável e tranquilo à reforma e à organização do governo representativo, ou novos distúrbios e dolorosas perturbações terão que reproduzir-se entre os mesmos que fizeram a Revolução unidos e que mantêm a união para garantia do triunfo, mas que por fim acabarão por se dividirem e se chocarem", alerta Nabuco.

A grandeza dos textos, sua perenidade e o alcance moral de seus ensinamentos fazem de Nabuco, mais que um autor, um mestre vocacionado não para ensinar, mas para educar.

O texto seguinte, mais que ilustrativo, é esclarecedor de sua maneira de pensar e da precisão em exprimir o que pensava: "O direito das Câmaras de negar os méis a um Gabinete que ela supunha fatal às instituições é um direito perfeito. As Câmaras são a Representação Nacional; a ficção é que elas são o país, ao passo que o Presidente não é senão um magistrado. Entre a Representação Nacional, de um lado, e o Presidente, de outro, presume-se, havendo conflito, que a nação está com os seus representantes e não com o seu delegado, tanto assim que à Representação Nacional, em certos casos, é deixado exclusivamente a seu critério o direito até de suspender e o de depor. É o Poder mais alto de todos."

A busca da onipotência do poder sempre ameaçou o futuro da democracia na América Latina (AL). Logo, a lição que Balmaceda escreveu com seu próprio sangue, e a assinou com sua própria vida, precisa ser aprendida por todos os que exercem ou venham a exercer o poder em nosso continente.


Senador, é membro da Academia Brasileira de Letras

Petrobras muda prazo e passa a explorar o pré-sal na eleição

DEU EM O GLOBO

Início da atividade comercial de Tupi será antes do segundo turno

O presidente Lula e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, anunciaram ontem, num evento em São José dos Campos, que a estatal começará a exploração comercial do pré-sal na área de Tupi, na Bacia de Santos, entre 27 e 29 de outubro, a poucos dias do segundo turno das eleições.

Tupi é a área com maior volume de reservas estimadas para o pré-sal. A operação estava programada para acontecer no fim do ano e foi antecipada. Segundo Lula, a data será um novo marco da indústria petrolífera do país. O anúncio ocorre no momento em que a Petrobras está no centro da disputa eleitoral.

Petrobras em ritmo eleitoral

Exploração comercial de Tupi, maior campo do pré-sal, começará às vésperas do 2º turno

Lino Rodrigues Enviado especial

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP) - A exploração comercial do petróleo existente na camada do pré-sal na área de Tupi, na Bacia de Santos, deve começar entre os dias 27 e 29 de outubro — pouco antes, portanto, do segundo turno das eleições para presidente da República, que será no dia 31. O anúncio foi feito ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, durante inauguração das obras de ampliação da Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos (SP).

A previsão anterior era que a entrada em operação de Tupi — área na qual, estima-se, estejam as maiores reservas do pré-sal — iria ocorrer até o fim do ano.

Segundo Gabrielli, a produção em Tupi já havia começado de forma experimental em maio de 2009, com cerca de 14 mil barris de óleo por dia. Com o início da exploração comercial, a estimativa é extrair até cerca de cem mil barris por dia.

— Iniciaremos, pela primeira vez, a produção comercial do piloto de Tupi, que terá a capacidade de produção de até cem mil barris por dia.

É claro que isso não será obtido logo no início, mas é a capacidade — disse Gabrielli.

Feitos da empresa viram palanque

O presidente da estatal explicou ainda que a decisão de dar início à exploração comercial na próxima semana só aconteceu agora porque a Petrobras está passando para a fase de integração dos poços do campo de Tupi e, dependendo das condições do tempo, a exploração deve acontecer mesmo entre 27 e 29 de outubro.

Segundo o presidente Lula, a data vai ficar marcada na história da indústria petrolífera, por representar o futuro dessa atividade econômica.

Lula, em tom de brincadeira, disse que, se a segurança da Petrobras não fosse “cheia de frescura”, tomaria um banho de petróleo para comemorar a retirada do primeiro petróleo de Tupi.

— No dia 28 ou 29, não pode ser antes do dia 28, nós vamos pegar um helicóptero e entrar mar adentro, 300 quilômetros, e vamos pousar o helicóptero numa plataforma que está lá no bloco de Tupi e vamos arrancar o primeiro petróleo. A Petrobras tem um esquema de segurança cheio de frescura, porque por mim eu até tomaria banho de petróleo, mas eles acham que não pode. Eu fico imaginando: a gente vai buscar petróleo a quase sete mil metros de profundidade, uma coisa que estava guardada há 160 milhões de anos, ou seja, é uma coisa quase impensável de a gente acreditar — disse Lula.

Desde julho, o governo tentava antecipar a produção comercial de Tupi. Inicialmente, a ideia era adiantála para setembro, véspera do primeiro turno das eleições. Mas, por questões técnicas, os testes de longa duração que vinham sendo conduzidos no campo não permitiram tal antecipação.

O empenho para adiantar a produção comercial de Tupi se explica por seus números grandiosos.

Com reservas estimadas em cinco a oito bilhões de barris de petróleo — metade das reservas brasileiras atuais —, ele é a menina dos olhos do pré-sal. Foi em Tupi que a Petrobras fez as primeiras descobertas no pré-sal. A estimativa é que lá poderão ser produzidos até cem mil barris por dia de petróleo.

O volume é bem maior que os 40 mil barris de petróleo diários que serão produzidos até o fim do ano no campo de Baleia Franca, na porção capixaba da Bacia de Campos, que oficialmente inaugurou a produção comercial do petróleo do pré-sal em julho passado.

Com a antecipação da produção comercial de Tupi, a Petrobras volta a ocupar papel de destaque na campanha eleitoral. O processo de capitalização da empresa — concluído em setembro e pelo qual a estatal recebeu um aporte de R$ 120 bilhões — foi tema recorrente na campanha da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Na semana seguinte ao primeiro turno, a cerimônia de batismo de mais uma plataforma da Petrobras, a P-57, também ganhou ares de palanque político, ao contar com a presença do presidente Lula.

Já Erenice, ficou para depois

DEU EM O GLOBO

A Casa Civil prorrogou por 30 dias os trabalhos da comissão de sindicância que apura denúncias de tráfico de influência na gestão de Erenice Guerra. Os resultados só saem após a eleição. A PF fez cópias dos arquivos dos computadores de Erenice.

Respostas só após dia 31

Casa Civil prorroga por mais 30 dias conclusão da sindicância sobre tráfico de influência

Chico de Gois

BRASÍLIA - Vai ficar para depois das eleições a conclusão da sindicância do Palácio do Planalto que apura as denúncias de tráfico de influência contra a ex-ministra Erenice Guerra. Ontem, o Diário Oficial da União publicou uma portaria em que a Casa Civil prorroga por mais 30 dias os trabalhos da comissão de sindicância, instalada em 17 de setembro para apurar o suposto tráfico de influência.

Com isso, o resultado do trabalho não será conhecido antes de 31 de outubro, data do segundo turno.

No entanto, a comissão não investiga exatamente a ação de Erenice nos fatos, só a de servidores levados por ela à Casa Civil — Vinícius Castro, sócio de Israel Guerra, filho de Erenice, e Stevan Knezevic. Segundo a assessoria de imprensa da Casa Civil, ministros só podem ser investigados pela Comissão de Ética e pela Polícia Federal, que já abriram processo sobre a conduta de Erenice.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) criticou a prorrogação da sindicância.

Para ele, a medida beneficia a candidatura de Dilma Rousseff (PT), pois a afasta de possível carga negativa com o resultado da sindicância: — Isso é uma blindagem à candidata, porque ela está no epicentro do escândalo. Todas as ações desenvolvidas por Erenice foram ao redor de Dilma. Se houvesse conclusão antes do segundo turno, seria comprometedor para a campanha da petista.

Mantida censura ética à ex-ministra

Erenice Guerra tentou, sem sucesso, derrubar a censura que lhe foi aplicada pela Comissão de Ética da Presidência, no mês passado. Erenice entrou com recurso, mas o relator de seu processo, Fábio Coutinho, indeferiu o pedido e manteve a censura, que havia sido decidida por unanimidade.

Ontem, a Comissão teria uma reunião para dar andamento ao processo que apura suposto tráfico de influência cometido por parentes de Erenice, quando ela era ministra. No entanto, por problema de agenda de seus sete integrantes, a reunião foi adiada. Um novo encontro está marcado para 8 de novembro.

A censura ética é uma forma de punir Erenice por não ter apresentado declaração de informações confidenciais exigida das autoridades quando assumem. Essa declaração deve conter dados como evolução patrimonial, empresas das quais é sócia e parentes com cargos em governo ou estatais.

Os dados não são divulgados, mas servem para que o governo, pelo histórico da autoridade, possa apontar eventuais conflitos de interesse.

Erenice foi instada três vezes pela Comissão de Ética a apresentar a declaração e não o fez. No dia 17, os integrantes da comissão avaliaram que isso se constituía em delito ético, previsto no Código de Conduta da Alta Administração Pública. Erenice pediu demissão em 16 de setembro após denúncia de que Israel Guerra fazia tráfico de influência.

Estatais bancam revista pró-PT vetada pelo TSE

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Publicação que faz campanha para Dilma Rousseff (PT) segundo a Justiça Eleitoral, a edição deste mês da "Revista do Brasil" teve anúncios pagos pela Petrobras e pelo Banco do Brasil, informa Silvio Navarro.

O Tribunal Superior Eleitoral determinou a interrupção da distribuição da revista por ela ser ligada à CUT. Editor vê "censura".


BB e Petrobras custeiam revista da CUT pró-Dilma

TSE proíbe circulação sob a alegação de que sindicato não pode fazer campanha

Na edição deste mês, "Revista do Brasil" traz na capa reportagem que saúda possibilidade de vitória da candidata


Silvio Navarro

SÃO PAULO - Proibida de circular pela Justiça Eleitoral pelo conteúdo favorável à campanha de Dilma Rousseff (PT), a edição deste mês da "Revista do Brasil", vinculada à CUT (Central Única do Trabalhador), teve anúncios pagos por Petrobras e Banco do Brasil.

A estatal e o banco confirmam que são anunciantes da revista, mas se recusaram a informar o valor repassado.

Ontem, o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Joelson Dias determinou a interrupção da circulação da revista, cuja tiragem é de 360 mil exemplares mensais.

O responsável pela publicação, Paulo Salvador, disse, porém, que todas as revistas já foram distribuídas.

O entendimento do ministro é que a publicação faz defesa aberta da candidatura de Dilma. Pela Lei Eleitoral, sindicatos não podem contribuir direta ou indiretamente com campanhas políticas.

A decisão atende a um pedido da coligação de José Serra (PSDB). O mesmo ministro do TSE aplicou multa a Serra e ao diretório tucano na Bahia em julho por propaganda antecipada em maio.

Diz o TSE: "A representante noticia e traz elementos que demonstram a divulgação, por entidade sindical, ou criada por sindicatos, de mensagens de conteúdo aparentemente eleitoral, em publicações que distribuem e também em seus sítios na internet, o que, ao menos em tese, configuraria violação ao inciso da Lei Eleitoral".

A edição barrada traz uma foto de Dilma na capa sob o título "A vez de Dilma - o país está bem perto de seguir mudando para melhor".

Há, inclusive, foto de Dilma cumprimentando Marina Silva (PV) em evento com o presidente Lula. Também inclui reportagem sobre a derrota de oposicionistas da "velha guarda" no Senado.

Em meio à atual polêmica religiosa, a edição traz o bispo de Jales (SP), dom Demétrio Valentini, enaltecendo Lula e lembrando que Dilma é sua candidata.A despeito da decisão do TSE, o conteúdo da revista estava na internet ontem.

O "conselho diretivo" da revista é formado por dirigentes da CUT e filiados ao PT, como o presidente da central, Artur Henrique, e Maria Izabel Noronha, a Bebel, que comandou greve de professores contra Serra.

A revista é produzida pela Editora Gráfica Atitude, administrada em rodízio pelos presidentes em exercício do Sindicato dos Metalúrgicos e do Sindicato dos Bancários.

Já estiveram à frente da empresa, por exemplo, o deputado estadual eleito Luiz Cláudio Marcolino (PT), aliado do deputado federal Ricardo Berzoini (PT), e o vice-presidente da CUT, José Lopez Feijóo, membro do "Conselhão" do governo federal.

Homônimo leva sigla a fazer acusação falsa contra PSDB

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O PT fez uma acusação contra o PSDB que depois se mostrou falsa na entrevista coletiva realizada ontem sobre os panfletos anti-Dilma Rousseff (PT) apreendidos na véspera em São Paulo.

O deputado estadual Antonio Mentor (PT-SP) disse que Paulo Ogawa, o pai de um dos sócios da Editora Gráfica Pana, onde os panfletos foram impressos, havia obtido do candidato José Serra (PSDB) o cargo de assessor do Ministério da Saúde em 2000, quando Serra era o titular da pasta.

Mentor chegou a mostrar, em seu celular, a página do "Diário Oficial" da União da época que trazia a nomeação de Paulo Ogawa.

No entanto, trata-se de um caso de homônimos.

O pai do sócio da gráfica onde foram impressos panfletos contra Dilma tem o mesmo nome de um servidor da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), que é ligada ao Ministério da Saúde.

O funcionário da Funasa se chama Paulo Massacazu Ogawa. Ele é contador e trabalha para o governo federal há cerca de 30 anos. Mora em Curitiba. "Não tenho nada a ver com essa história de gráfica", explicou por telefone.

CONFUSÃO

A nomeação de 2000 foi para um cargo comissionado que ele ocupou, de acordo com o Ministério da Saúde, até 2003. Ele continua trabalhando na Funasa.

O objetivo do PT era mostrar mais um elo entre os folhetos clandestinos apreendidos pela polícia e a campanha presidencial do PSDB. A outra sócia da gráfica, Arlety Kobayashi, é filiada ao PSDB e irmã de um dos coordenadores da campanha de Serra.

A acusação do PT chegou a ser publicada por sites de notícias na tarde de ontem.

Procurado depois pela Folha, Mentor disse que se confundira com os nomes: "Não houve má-fé. Os nomes são quase iguais e os dois são contadores. Minha intenção não era criar constrangimento. Era esclarecer". (RW)

Avião citado por Dilma não voa há 60 dias

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em debate na TV, projeto Vant foi apresentado pela candidata do PT como revolução para patrulhar fronteiras

De acordo com policiais, equipamentos ópticos usados para captar imagens estão em um galpão, desmontados

Mario Cesar Carvalho

SÃO PAULO = Apresentado por Dilma Rousseff (PT) no debate como uma revolução nos modos de patrulhar fronteiras, o único Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) existente no país está parado num galpão no aeródromo em São Miguel do Iguaçu (PR), a cerca de 40 km de Foz de Iguaçu.

O aparelho não voa há pelo menos dois meses, segundo os policiais ouvidos pela Folha sob a condição de que seus nomes não fossem citados. Os equipamentos ópticos usados para captar imagens estão desmontados.

Mais: a aeronave em teste não pertence ao governo brasileiro, mas a uma empresa israelense. O primeira equipamento comprado só deve chegar no ano que vem.

O Vant funciona por controle remoto e possui um sofisticado sistema de captação de imagem, com câmeras e sensores.

Cada avião custa cerca de R$ 8 milhões, tem 9,3 metros de comprimento e a envergadura das asas atinge 16,6 metros. O primeiro teste foi realizado em julho de 2009.

Em dezembro, o Ministério da Justiça gastou R$ 655 milhões no projeto.O pacote inclui a compra de 12 aeronaves, treinamento de técnicos para operá-los e transferência de tecnologia -o plano do governo é produzir esses aparelhos. A implantação do programa está prevista para durar até 2014.

Policiais da fronteira relataram à Folha que cerca de 20 agentes brasileiros foram treinados por técnicos israelenses. Quando os israelenses deixaram o país, há 60 dias aproximadamente, nenhum brasileiro foi autorizado a colocar no ar o avião.

De acordo com esses relatos, o programa de controle aéreo da fronteira está tão incipiente que a PF ainda não criou o que os policiais chamam de doutrina de uso.

Num exemplo hipotético, se um avião avistar um barco carregado de cocaína num rio, o que o técnico em terra deve fazer? Os exércitos que usam Vants têm procedimentos detalhados de uso para evitar problemas.

Não há, também, o detalhamento das bases terrestres para operar os aviões.

Oposição pede apuração sobre Cardeal

DEU EM O GLOBO

Deputados entram com representações na Procuradoria Geral da República para investigar denúncias contra diretor e Erenice

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A oposição pediu ontem à Procuradoria Geral da República (PGR) que apure as denúncias contra o diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, Valter Cardeal, e aprofunde as apurações sobre a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, que já foi alvo de uma primeira representação de PSDB e DEM. Nas duas representações de ontem, a oposição diz que “todas as condutas criminosas possuem, em sua gênese, estrito vínculo com a candidata Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia e, posteriormente, ministra da Casa Civil”.

Acompanhado de sete parlamentares, o líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA), disse que as denúncias apontam a existência de diferentes “balcões de negócio” no governo Lula: — As evidências são de que existem balcões de negócio controlados por Erenice e agora, também, controlado no sistema elétrico, na Eletrobras, pelo senhor Cardeal. São duas pessoas da mais absoluta confiança de Dilma, que as escolheu e que vem lhes dando proteção.

Na primeira representação enviada ao Ministério Público Federal, PSDB e DEM pedem a apuração da denúncia publicada pela revista “Época”, de suposto envolvimento de Cardeal em fraude envolvendo o banco alemão KfW. Segundo a denúncia, o KfW procura reparação na Justiça, alegando que teriam sido dadas garantias fraudulentas para que duas empresas privadas obtivessem empréstimo de 157 milhões de euros, a fim de construir sete usinas de biomassa e de geração de energia no Rio Grande do Sul. O banco acusa Cardeal — presidente do conselho de administração da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) — de saber das irregularidades.

Almeida lembrou que Cardeal foi citado na Operação Navalha, da Polícia Federal, e que o Ministério Público pediu seu afastamento da estatal por isso, sugestão não aceita pelo governo Lula. Ele lembrou ainda que, segundo reportagens, o irmão de Valter, Edgar Cardeal, oferece serviços a empresas com negócios no setor que o irmão coordena. Faziam parte do grupo os deputados tucanos Luiz Carlos Hauly (PR), Otávio Leite (RJ) e Rita Camata (ES).

A Eletrosul informou ontem, em nota, que não tem parceria com a Energias Complementares do Brasil, empresa que contratou Edgar Cardeal para viabilizar um empreendimento de energia eólica em Pinheiro Machado (RS). A prefeitura do município confirmou que a suposta parceria foi discutida, mas não prosperou devido à resistência de um fazendeiro local.


Colaborou: Leila Suwwan

Ligações estreitas com Dilma

DEU EM O GLOBO

Diretor da Eletrobras acompanha candidata desde os anos 90

Gustavo Paul e Fabio Fabrini

BRASÍLIA. Homem de confiança da ex-ministra Dilma Rousseff desde o final dos anos 90, Valter Luiz Cardeal foi o responsável por executar boa parte da estratégia de retomada do poder estatal no setor elétrico. A relação entre os dois é tão estreita que, de janeiro de 2007 a março de 2008, a então chefe da Casa Civil o manteve na direção interina da Eletrobras, mesmo contrariando a pressão do PMDB, que reivindicava o cargo. Só com a pressão do senador José Sarney (PDMB-AP), o cargo foi finalmente entregue a seu conterrâneo e protegido José Antonio Muniz Lopes, ex-presidente da Eletronorte no governo de Fernando Henrique.

Na ocasião, além de querer manter Cardeal no comando da estatal, Dilma aceitou os argumentos contra a indicação do PMDB, feitos por Erenice Guerra, então sua secretária-executiva.

Ex-funcionária da Eletronorte, Erenice resistia à indicação de um ex-dirigente da gestão tucana.

Sarney venceu, mas Muniz Lopes só pôde assumir após dois meses de disputa política, e depois de ser sido absolvido, por unanimidade, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) da acusação de superfaturamento numa obra da Eletronorte.

Ele ainda é o presidente da estatal.

Dilma também condicionou a saída de Cardeal da presidência à sua indicação como diretor da estatal. Ela admitiu que o PMDB indicasse os presidentes das empresas do setor, mas as diretorias estratégicas não entraram no rateio político. Foi a fórmula que o Palácio do Planalto encontrou para dar ao PMDB a pasta de Minas e Energia, sem perder o controle.

Fontes do setor de energia dizem que projetos estratégicos levados por empresários à Casa Civil sempre foram levados a Cardeal.

— Na área de mineração, há um termo chamado paragênese: onde há a presença de um mineral, há a de outro. É assim com Dilma e Cardeal — diz um consultor do setor energético.

Na presidência da estatal, e depois como titular da poderosa Diretoria de Planejamento e Engenharia, Cardeal tocou o fortalecimento da empresa, como desejava Dilma. No início de 2008, coube a ele comandar a tramitação de uma medida provisória que transformava a Eletrobras numa superestatal do setor elétrico.

Relatada na Câmara pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) — que tem ligações políticas com empresas do setor, inclusive Furnas —, o texto permitia à Eletrobras e a suas subsidiárias atuarem no exterior. Também autorizava que a Eletrobras controlasse empresas em sociedade com empreendedores privados. A estatal passou a ter as mesmas prerrogativas da Petrobras.

Como diretor da estatal, Cardeal assumiu a condução de projetos estratégicos, como a formatação do leilão da usina de Belo Monte. A ligação entre Cardeal e Dilma vem dos tempos em que ela era secretária de Energia do Rio Grande do Sul, no governo Alceu Collares (19911995). Cardeal era diretor da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE). Os dois romperam com o PDT para integrar o governo do petista Olívio Dutra (19982002). Em 2001, foram para o PT e, em 2003, para o governo Lula. Quem os acompanha desde os tempos de Collares é Giles Carriconde de Azevedo, que ocupou a Secretaria de Minas e Metalurgia do Ministério das Minas e Energia; depois foi assessor de Dilma na Casa Civil, e hoje é um dos principais aliados na campanha.

FH: nunca foi cogitada privatização da estatal

DEU EM O GLOBO

Ex-presidente diz que Gabrielli mentiu e lançou "injúrias" ao falar que Serra quer privatizar Petrobras

Flávio Freire

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem que o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, mentiu e cometeu injúrias quando declarou que o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, teria interesse em desmembrar e depois privatizar a estatal. Fernando Henrique considerou lamentável o envolvimento de Gabrielli em questões políticas.

— É totalmente eleitoreira (a declaração). Não tem base nenhuma.

É lamentável que o presidente de uma estatal que, ademais, é mista, se envolva em política dessa maneira, com injúrias e mentiras — disse FH, antes de um evento promovido por uma ala do PV, em São Paulo, que declarou apoio a Serra. — Nunca esteve em cogitação a privatização da Petrobras. Fui processado, perdi uma cátedra quando lutava pela Petrobras.

Depois quebramos o monopólio e mantivemos a Petrobras como uma grande companhia.

Fernando Henrique assegurou que, em seu governo, nunca foi cogitada a hipótese de privatização da Petrobras. Segundo o expresidente, em sua gestão, o que aconteceu foram a quebra do monopólio e a manutenção da Petrobras como estatal.

— A produtividade do petróleo aumentou mais no meu período do que hoje — disse.

FH ainda criticou o debate sobre o aborto na campanha.

Para ele, os países devem enfrentar a discussão do tema, mas não numa campanha.

— Acho que a discussão do aborto em todos os países vai ocorrer. É como a questão da droga, não pode ser eleitoral. É uma questão de outra natureza — declarou, para quem esse tipo de assunto não deveria ser politizado.

— Nunca entrei nesses temas religiosos em campanha.

Acho que as pessoas têm todo o direito (de discutir). E acho que os políticos não devem confundir a questão do Estado com a questão confessional.

Cesar denuncia uso de máquina e PT ameaça processar ex-prefeito

DEU EM O GLOBO

Texto recomendaria usar cadastros sociais para espalhar pânico

Maria Lima

BRASÍLIA. O presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, anunciou ontem a intenção de acionar judicialmente o exprefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia (DEM) para que ele comprove a origem e a autenticidade de e-mails que postou em seu ex-blog, que indicam uso da máquina por pessoas da campanha governista. Maia publicou trechos de supostas mensagens que teriam sido trocadas por “cardeais” da campanha petista, com orientação para que órgãos e gestores públicos burlem a lei para beneficiar a campanha da candidata do PT, Dilma Rousseff.

Segundo o ex-prefeito escreveu, esses textos teriam sido vazados por um desses coordenadores “que quer se mostrar poderoso”, por vaidade.

Cesar Maia foi procurado pelo GLOBO para esclarecer a origem dos e-mails, mas disse que não revelaria a fonte.

Segundo um dos textos publicados por Cesar Maia, um dos e-mails orientava aliados e pessoas que trabalham no governo a “usar a micro-mídia, levando publicidade das empresas estatais que estão fora da proibição às cidades com 100 mil habitantes e menos. O Ibope dá a Dilma ampla vantagem nas cidades com menos de 100 mil habitantes”.

Um dos pontos mais graves, segundo o ex-blog de Cesar Maia, diz respeito a uma ordem para usar programas sociais, como o Bolsa Família, para ameaçar beneficiários e leválos a votar na candidata petista: “Imediatamente usar os cadastros do bolsa-família, pró-jovem, pró-uni, etc., e produzir pânico, informando que sem Dilma esses programas serão cancelados. Usar essa mesma informação nas redes de internet.

Nos programas de TV devese usar essa informação, porém sem agressividade. Dilma deve usar essa comunicação, sem excessos, em suas entrevistas e debates”, dizia o texto do suposto email.

“Órgãos amigos devem ser alimentados” Ainda segundo Cesar Maia, nessa troca de mensagens, os principais responsáveis pela campanha fizeram uma avaliação da participação da candidata petista nos debates e orientavam como isso deveria ser replicado na mídia amiga, contra o adversário tucano José Serra: “O debate, depois do primeiro bloco, deve ser para a imprensa e não para a audiência. E os órgãos amigos devem ser alimentados.

Dar atenção especial aos programas de rádio dos comunicadores, na manhã do dia seguinte, com prioridade aos municípios que centralizam audiência de outros municípios em sua volta”, diz o texto publicado por Maia.

Dutra diz desconhecer origem de mensagens O presidente do PT, José Eduardo Dutra, disse que ninguém da coordenação ou com responsabilidade na campanha de Dilma é responsável pelos supostos e-mails. E que se Cesar Maia não comprovar sua origem, fica parecendo invenção.

— A suposta mensagem não corresponde à nossa orientação.

Não partiu nem partiria da coordenação ou de qualquer pessoa com responsabilidade na campanha da candidata Dilma Roussef. Desconheço sua origem e seu destinatário, desconheço sua autenticidade. Cabe ao senhor Cesar Maia esclarecer do que se trata, coisa que ele não fez. A coordenação jurídica está analisando as providências a serem tomadas diante de mais esta falsa denúncia — disse Dutra ao GLOBO.

Outro e-mail, supostamente da campanha de Dilma, segundo Cesar Maia, orientaria ainda a militância e dirigentes partidários a “listar, estado por estado, região por região, município por município, onde estão os votos brancos, nulos e a abstenção acima da série histórica e ir a estes municípios com comandos do PT e movimento social dirigido por nós.”

Ministros fazem campanha e atacam Serra

DEU EM O GLOBO

Em evento que deveria lançar programa de governo para a saúde, Temporão diz que ações do PSDB tinham muito "marketing"

Cássio Bruno

O que deveria ser a apresentação e a discussão do programa de governo na área da saúde da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, ontem, no Rio, transformou-se em palco para ataques contra o adversário da petista, José Serra (PSDB), e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em encontro realizado na Associação Atlética Banco do Brasil, no Leblon, com a presença do vice na chapa de Dilma, Michel Temer, três ministros do governo Lula centraram fogo contra os tucanos, além de pedirem empenho na reta final da campanha petista a uma plateia formada por servidores públicos, sindicalistas, diretores de hospitais e deputados da base aliada. Dilma não foi ao evento.

— Quem é que sabe o programa de saúde do adversário? É um gigantismo de mutirões de varizes e atendimento ambulatorial.

Até 2002, os programas eram desconexos e de muito marketing — disse o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Temporão afirmou que ainda foi Lula quem fez a licença compulsória, com a quebra de patente, para a produção nacional do medicamento Efavirenz para o tratamento da Aids. O ministro desafiou Serra: — O Serra nos debates diz frases de efeito e não explica nada.

O desafio a comparar qualquer indicador em qualquer nível.

Nós fizemos muito mais.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, seguiu o mesmo tom: — Não são 13 dias de boatos, de mentiras, de campanha rasteira que vão tirar a energia dessa militância.

O tema aborto não estava entre nos 13 itens. Na entrevista, depois do evento, Temporão justificou dizendo que o aborto nunca esteve entre os itens e, sim, a garantia ao acesso da população a métodos anticoncepcionais e informações sobre doenças sexualmente transmissíveis nas escolas para, assim, haver uma visão laica do estado.

— Como no Brasil a questão do abortamento só se dá em dois casos específicos por lei (estupro e gravidez de risco), o SUS tem que estar preparado para atender e acolher as mulheres que, por algum motivo, necessitam de atendimento médico. Disso não vamos abrir mão. É uma questão de saúde pública.

Padilha: “nosso lema é a defesa da vida” Sem citar a palavra aborto, Padilha pediu às cerca de 350 pessoas na reunião que levassem às ruas “o debate em defesa da vida”: — Vamos colocar no local adequado o debate em defesa da vida, que é o nosso lema. Se o importante é nascer, nenhum governo fez mais para que as mulheres e as crianças tenham o direito de nascer nesse país.

A ministra Nilcéa Freira, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, apelou para o convencimento de eleitores indecisos.

Ela se disse “frustrada” em relação ao rumo tomado pela campanha no segundo turno.

Humberto Costa, coordenador do programa de saúde de Dilma, leu surperficialmente 13 projetos da petista para o setor.

A lista prevê melhorias na infraestrutura da rede de atenção à saúde, iniciativas para a prevenção de doenças e a atenção integral à saúde das mulheres conforme as Políticas Nacionais de Direitos Sexuais e Reprodutivos e de Planejamento Familiar.

Costa atacou Serra: — A verdade tem que vencer o ódio. Os adversários rebaixaram a discussão política, Todos defenderam a volta da CPMF. Temer, por sua vez, evitou polêmica, mas fez comparações entre governos Lula e FH em relação à política internacional: — Quando Lula assumiu, o Brasil tinha uma reserva internacional de US$ 29 bilhões.

Agora, são US$ 270 bilhões.

Deixamos de ser devedor para ser credor do FMI (Fundo Monetário Internacional).

O encontro começou às 17h40m. Os secretários estadual e municipal de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes e Hans Dohmann, respectivamente, também participaram. Alguns deputados petistas foram ao local com carros oficiais, como Gilberto Palmares.

— O motorista só me trouxe.

Vou embora de táxi — ressaltou o parlamentar, apesar de o veículo permanecer no estacionamento em boa parte do encontro.

No fim, Dilma mandou por vídeo uma mensagem, que foi transmitida num telão: — Convoco todos vocês a fazer um grande esforço nessa reta final da campanha para não permitir o retrocesso no país e na saúde para que possamos garantir a todos um sistema de saúde digno, que seja um forte instrumento de defesa da vida.

Gabeira e Feldmann dão apoio a tucano

DEU EM O GLOBO

Serra, em busca dos votos de Marina, se reúne com os ex-candidatos do PV aos governos do Rio e de SP

Flávio Freire

SÃO PAULO. Um dia depois de a candidata derrotada do PV, Marina Silva, ter declarado independência no segundo turno, seguindo decisão da direção de seu partido, o presidenciável tucano, José Serra, recebeu ontem apoio de lideranças verdes. Num evento em São Paulo, os candidatos derrotados do Rio, Fernando Gabeira, e de São Paulo, Fábio Feldmann, declararam apoio individual ao tucano. Em reunião da executiva nacional, o PV decretou que manifestações de correligionários no segundo turno devem ser feitas sem qualquer associação com a legenda.

Em busca dos votos de Marina, o PSDB baixou em peso no comitê usado por Feldmann na campanha estadual. Numa pequena sala, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os candidatos tucanos eleitos para o governo paulista, Geraldo Alckmin, e para o Senado, Aloysio Nunes Ferreira, além do prefeito Gilberto Kassab (DEM) se aglomeraram para prestigiar o evento.

Em cima de um palco improvisado com folhas de compensado, todos usaram o microfone.

Com discursos marcados por cortejos mútuos, Serra chegou a dizer que via ali uma “aliança natural” com políticos do PV. Antes de enumerar políticas de meio ambiente em suas administrações de prefeito e de governador de São Paulo, o tucano rasgou elogios aos colegas. Primeiro, a Feldmann: — O Feldmann é o exemplo de uma pessoa determinada e confiável, além de uma referência na questão do meio ambiente — disse Serra.

Quase 15 minutos depois de iniciado o discurso, Serra recebeu um bilhete das mãos de uma assessora. Segundos depois, partiu para os elogios a Gabeira.

— Ter o apoio do Gabeira tem um significado pessoal e psicológico, e me sinto com mais energia para fazer a campanha.

O Gabeira é um homem diferenciado. É um dos melhores quadros da política da minha geração — disse Serra, que também foi festejado.

— Não é segredo para ninguém que sempre apoiei o Serra — disse Gabeira.

Feldmann também não dispensou elogios: — O Serra é um obstinado do bem (…). A adversária dele é quem tem muita dificuldade para entender o que é sustentabilidade — disse Feldmann, assumindo críticas à petista Dilma Rousseff.

O ex-presidente Fernando Henrique também discursou. E aproveitou para pregar a diferença entre Serra e Dilma, que, segundo ele, deve ser levada em consideração pelos eleitores para votar no tucano.

— Dilma encarna a visão antiga do crescimento, o produtivismo, o crescimento a qualquer preço. Serra respeita o meio ambiente. Quem é realmente ambientalista sabe a diferença de votar em Dilma ou em Serra — disse ele.

Uma hora depois, Serra foi recebido por representantes da Associação dos Médicos do Brasil. Esteve ali para receber propostas e para falar de seus planos para o setor. O tucano chegou a sugerir a necessidade de um exame aos moldes do que é feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que estudantes de Medicina possam começar a trabalhar.

Depois, disse que pretende, se eleito, cortar custos para poder investir na infraestrutura do setor.

Compra da Gas Brasiliano depende de aprovação

DEU EM O GLOBO

Petrobras anunciou transação de US$ 250 milhões; Cade analisa impacto no setor

SÃO PAULO. Outro alvo de discussão entre os presidenciáveis José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) no debate na Rede TV! anteontem, a compra pela Petrobras da empresa privada Gas Brasiliano, que distribui gás natural no Noroeste do estado de São Paulo, ainda é um assunto em aberto nos governos federal e paulista. A transação de cerca de US$ 250 milhões anunciada neste ano pela Petrobras depende de aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça. Na esfera estadual, a venda aguarda um posicionamento da Agência Reguladora de Saneamento e Energia (Arsesp), já que a empresa é concessionária de serviço público em São Paulo.

No processo no Cade, a agência alegou preocupação com o impacto sobre a concorrência no setor. O Cade informou que não há data para o julgamento.

Havia uma previsão de que o caso entrasse na pauta do conselho na quarta-feira, mas ele foi adiado pelo relator, o conselheiro Olavo Chinaglia, filho do deputado Arlindo Chinaglia (PT).

Na agência reguladora paulista, um processo sobre a venda também está à espera de uma posição de seus conselheiros.

Trata-se de um pedido de autorização da Gas Brasiliano para a transferência do contrato de concessão para a Petrobras.

Hoje, ele está em nome do grupo italiano Eni, acionista majoritário da empresa.

A Lei Antitruste, de 1994, exige que casos como esse sejam apreciados pelo Cade para verificar se não há risco de formação de monopólio.

No 'JN', petista é obrigada a falar de aborto

DEU EM O O ESTADO DE S. PAULO

Gabriel Manzano

Em entrevista ao Jornal Nacional da TV Globo, ontem, a candidata Dilma Rousseff (PT) voltou a definir-se contra o aborto mas afirmou que "um presidente da República não pode fingir que não existem 3,5 milhões de mulheres que recorrem ao aborto, em situação muito precária". Cobrada pelos escândalos ocorridos na Casa Civil, envolvendo a ex-ministra Erenice Guerra, afirmou que "ninguém controla um governo inteiro". Mas garantiu: se eleita, será "implacável com o nepotismo e o tráfico de influência". Hoje o JN entrevista o tucano José Serra.

Foi um teste duro, com perguntas recheadas de detalhes incômodos - não só sobre aborto ou o caso Erenice, mas também sobre as farpas que lhe dirigiu Ciro Gomes. A candidata conseguiu manter a voz calma, começando as respostas sempre com "veja bem..." Cobrada sobre garantias de que, se eleita, casos como o de Erenice não se repetiriam, desviou-se das críticas jogando-as para o rival José Serra (PSDB), que acusou de não investigar "uma acusação gravíssima" - a acusação contra o ex-diretor da Dersa, Paulo Preto, que teria desviado dinheiro de campanha.

"Há uma diferença entre nós e o meu adversário", avisou. "A PF já tomou 16 depoimentos no caso Erenice. No de Paulo Vieira de Souza, até agora não houve nenhuma investigação."

Aborto. Dilma afirmou ainda que "há muita confusão" no debate sobre o aborto e rejeitou a ideia - sugerida pelo apresentador William Bonner - de que foi a sua mudança de posição que lhe tirou votos e levou ao segundo turno. Definiu-se de novo, como cidadã, contra o aborto mas lembrou que, como presidente, "você não pode prender essas mulheres. Se trata de cuidar delas." E sustentou que não fez nenhuma "concessão excessiva aos religiosos " ao prometer não mexer na legislação sobre o assunto.

Ao final, cobrada pelas críticas de Ciro Gomes - em agosto ele disse considerar Serra mais preparado - disse que tinha "excelente relação com ele. E declarou: "Eu sei como é, a forma pela qual, o temperamento do deputado Ciro Gomes". Esclareceu que foi o ex-deputado que procurou a sua equipe, no segundo turno. "E nós o aceitamos prontamente."

Para Lula, petista deve mostrar 'indignação' em caso Erenice

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Seguro de que Dilma teria de responder perguntas sobre sua ex-auxiliar, presidente orientou candidata no debate

Vera Rosa

BRASÍLIA - Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o autor da estratégia adotada por Dilma Rousseff (PT) no debate de domingo da Rede TV! em relação à ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra. Na semana passada, Lula disse à candidata do PT que ela não demonstrava "indignação" ao falar de Erenice e parecia passar a mão na cabeça da ex-auxiliar.

Dilma treinou várias vezes a resposta sobre Erenice, certa de que seria questionada sobre o assunto. "As pessoas erram e Erenice errou. Considero a questão de Erenice com muita indignação", afirmou a petista, recorrendo até à mesma palavra usada pelo presidente.

A tática foi repetida ontem, em entrevista da candidata ao Jornal Nacional, da TV Globo. Ex-ministra da Casa Civil, Dilma aposta agora no efeito bumerangue para voltar a acusação contra o candidato do PSDB, José Serra, e dizer que, enquanto o governo Lula "investiga e pune", o tucano "acoberta e não pune". Trata-se de uma referência ao ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, suspeito de ter desviado doações da campanha do PSDB.

Nos bastidores, porém, Dilma admite que o escândalo envolvendo Erenice - acusada de nomear amigos e parentes que comandaram um esquema de tráfico de influência no gabinete próximo ao presidente - pesou mais para a realização do segundo turno do que a polêmica do aborto.

Convencido de que a crise na Casa Civil tinha alto potencial de desgaste, o marqueteiro João Santana foi um dos maiores defensores da demissão de Erenice, ocorrida em 16 de setembro. "Aquilo tudo foi muito doloroso para Dilma. Ela confiava em Erenice e ficou muito machucada", contou o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.

Dirceu e São Paulo. Embora a candidata destaque a agilidade do governo na investigação sobre o caso Erenice, a Casa Civil adiou ontem por mais um mês os trabalhos da Comissão de Sindicância que apura as acusações contra a ex-ministra.

Na prática, a ordem no Palácio do Planalto é deixar tudo o que possa alimentar a crise e provocar embaraços a Dilma para depois da eleição do dia 31.

O governo também reforçou o aviso para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu ficar quieto até o fim da campanha. No comitê petista, pesquisas mostram que Dirceu é sempre associado ao escândalo do mensalão, de 2005, e causa desgaste a Dilma.

Levantamentos em poder do PT indicam, ainda, que Dilma está perdendo votos para Serra em São Paulo, o maior colégio eleitoral do País. Não foi à toa que ela deu uma cotovelada quando o tucano disse que os candidatos do PT passavam o tempo todo falando mal de São Paulo.

Na primeira reação, a mineira Dilma - que fez sua carreira política no Rio Grande do Sul - afirmou ter "admiração especial" pelos paulistas e tentou carimbar o adversário como "pretensioso".

Provocada pela segunda vez por Serra, ela adotou tom mais incisivo. "Não confunda o povo paulista com as falhas do seu governo. O povo paulista é honrado e trabalhador. Não merece ser tratado assim", alfinetou.

Serra bateu na tecla paulista de caso pensado. Dilma investirá no Sul e Sudeste, com atenção especial a São Paulo e Minas, nesses últimos dias de campanha.

Lula volta a atacar imprensa e vê 'covardia' na classe política

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Anne Warth

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem uma de suas mais duras críticas à imprensa do País e um chamado aos políticos para que deixem de ser covardes e desafiem o setor. "Enquanto a classe política não perder o medo da imprensa, a gente não vai ter liberdade de imprensa neste País. A covardia é muito grande", disse durante discurso no evento "As empresas mais admiradas no Brasil", organizado pela revista Carta Capital.

Lula disse que se orgulhava de nunca ter almoçado ou jantado em grandes redações, mas fazia isso por independência. "A única coisa que quero que digam é a verdade, sejam contra ou a favor, mas digam a verdade." Durante o discurso, ele disse que a imprensa acusa sem provas. "Neste país ser sério é uma afronta."

O presidente citou o caso do jornal da CUT, que foi proibido de circular nesta semana por estampar uma foto de Dilma Rousseff em sua capa. Sem citar o nome, mas claramente referindo-se à revista Veja, ele disse que a capa da revista era uma "acinte à democracia e uma hipocrisia".

Lula também fez críticas direcionadas ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra, embora não tenha citado o nome do tucano. Mencionou especificamente a proposta de Serra de elevar o salário mínimo para R$ 600. "Como é fácil prometer em eleição. Não vejo as críticas necessárias à irresponsabilidade. Quando eu queria dar um aumento de 2% aos aposentados, eu estaria quebrando a Previdência", afirmou. "Eu vejo na TV alguém dizer "vou dar tantos por cento, eu sei como é que faz e tem dinheiro" e ninguém fala nada, como se valesse a mentira sobre a verdade. Como se valesse a mesquinhez sobre a seriedade". Na avaliação de Lula a propaganda eleitoral de Serra faz um "leilão de benefícios".

O presidente Lula disse ainda que ao deixar a Presidência da República vai abandonar o "comedimento" que tem adotado em seus discursos.

TSE proíbe CUT de distribuir jornal

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ministro considera ilegal declaração de apoio a Dilma em publicação editada em setembro e de revista divulgada pela central sindical na web

Mariângela Gallucci

BRASÍLIA - Por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) está proibida de continuar a distribuir um jornal e de divulgar na internet uma revista que seriam favoráveis à candidatura da petista Dilma Rousseff. O ministro do TSE Joelson Dias atendeu a um pedido no qual a coligação "O Brasil pode mais", que apoia a candidatura do tucano José Serra, acusa a CUT e outras entidades sindicais de produzir material para promover a petista.

"No caso específico dos autos, a representante noticia e traz elementos que demonstram a divulgação, por entidade sindical, ou criada por sindicatos, de mensagens de conteúdo aparentemente eleitoral, em publicações que distribuem e também em seus sítios na internet, o que, ao menos em tese, configuraria violação ao inciso VI do art. 24 da Lei n.º 9.504/97", escreveu Joelson Dias. Esse dispositivo proíbe os partidos e os candidatos de receber de entidades sindicais, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade.

O ministro afirmou que, em julgamentos anteriores, o TSE já concluiu que os sindicatos não podem contribuir direta ou indiretamente para a campanha de um candidato ou um partido. No julgamento definitivo do caso, o tribunal analisará um pedido da coligação de Serra para que sejam impostas multas que vão de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

A decisão de Dias, que é liminar, determina à CUT que pare de distribuir o número 28 do Jornal da CUT, de setembro. O ministro também ordenou à CUT que suspenda a divulgação em seu site da Revista do Brasil número 52, de outubro.

Até a noite de ontem, ainda era possível encontrar na internet links para o conteúdo do jornal, cuja chamada de capa é "Ser mulher não basta". A reportagem de duas páginas foi produzida em setembro, quando as pesquisas projetavam vitória de Dilma no primeiro turno.

Blog. O ministro não aceitou o pedido de suspensão do "Blog do Artur Henrique", mantido pelo presidente da central sindical, Artur Henrique da Silva. "Tenho, ao menos nesse juízo preliminar, que se trata de blog de pessoa natural", anotou o ministro.

Joelson Dias negou o pedido para que fosse determinada a apresentação de documentos referentes à contratação da produção das publicações e da gráfica. O ministro rejeitou ainda o pedido para que fosse realizada uma operação de busca e apreensão das publicações.

"Não obstante, tendo em vista a data de publicação dos referidos jornal e revista, bem assim o fato de que inclusive já se encontram disponibilizados na internet, segundo noticiado pela própria representante, tenho por, ao menos, fragilizado o perigo na demora e, consequentemente, desnecessária a busca e apreensão requerida, razão pela qual a indefiro", disse.