terça-feira, 19 de julho de 2011

Opinião – Luiz Werneck Vianna: Centralização e democracia

"Por toda parte: centralização, verticalização. Pré-sal, Petrobras, o sistema financeiro estatal brasileiro, a Vale, grandes empreiteiras da construção civil, complexo industrial-militar, cooptação da intelligentsia, dos sindicatos e movimentos sociais. Não é um bom presságio para a democracia brasileira se apresentar sob a retórica de significar uma comunidade fraterna quando se encontra envolvida em uma política de vocação grã-burguesa. Como também não é o fato da sociedade, em sua diversidade, se deixar subsumir ao Estado, conferindo à liderança de um chefe de governo carismático a tarefa de cimentar a unidade dos seus contrários. Estamos conscientes dos riscos aí envolvidos? A pergunta deve incluir como destinatários os principais atores políticos que estão a dirigir esse processo."

Luiz Werneck Vianna, porfessor-pesquisador PUC-Rio. Tópicos para um debate sobre conjuntura. Rio, 30/10/2009.

Das verbas desviadas, 70% são de Saúde e Educação

Setores que têm os maiores orçamentos da União e estão diretamente ligados aos cidadãos, Saúde e Educação são também os que mais sofrem com a corrupção no Brasil. Segundo o Departamento de Patrimônio e Probidade da Advocacia Geral da União (AGU), de 60% a 70% dos recursos públicos desviados no país são dessas duas áreas. É, por exemplo, dinheiro destinado a reformas de escolas e hospitais, compra de merenda escolar e de medicamentos, construção de quadras esportivas e procedimentos do SUS, mas que acaba indo para o ralo por causa da corrupção. Auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) constataram, apenas entre 2007 e 2010, desvios de R$ 662,2 milhões nesses dois setores. E quase metade dos acusados de improbidade em todas as áreas da administração pública, segundo a AGU, é de prefeitos ou ex-prefeitos. Um dos problemas é a falta de fiscalização, mas também a pulverização dos recursos

Roubo contra crianças e doentes

Educação e Saúde respondem por até 70% dos desvios de verba pública, aponta AGU

André de Souza*

Educação e Saúde, os dois maiores orçamento do governo, são também os principais focos de corrupção no país e responsáveis por cerca de 60% a 70% dos desvios de recursos públicos. Irregularidades em reformas de escolas e hospitais, verba de merenda, construção de quadra esportiva, compra de medicamentos, procedimentos do SUS, entre outros, estão entre os principais ralos dos desfalques dados no Erário. O levantamento é do Departamento de Patrimônio e Probidade da Advocacia Geral da União (AGU).

O foco da corrupção está nos repasses de valores geralmente inferiores a R$100 mil, mais difíceis de serem identificados e, portanto, menos detectados pela fiscalização. No caso da Saúde, estão incluídas também obras de saneamento. Para o diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade da AGU, André Luiz de Almeida Mendonça, as obras menores dão mais trabalho para fiscalizar e evitar o dano:

- Quando você trata de uma grande obra, naturalmente várias pessoas estão em torno dela. Quando você pulveriza o dinheiro público, dificulta a fiscalização e a percepção de que tem que fiscalizar. Nas pequenas obras e nos pequenos repasses é que encontramos o maior fluxo de casos de desvios.

Um fator que contribui para os desvios nos ministérios da Saúde e da Educação é o tamanho do orçamento das duas pastas. Os dois têm mais recursos que qualquer outro ministério (com exceção da Previdência, que incorpora os gastos com custeio no pagamento aos aposentados). No Orçamento de 2011, são R$77,15 bilhões para a Saúde e R$63,71 bilhões para a Educação.

"O SUS virou balcão de negócios"

Para Francisco Batista Jr., ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, o grande problema é o SUS:

- O SUS hoje virou um grande balcão de negócios com o setor privado do país. Está sem controle.

Na Educação, Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que é comum o uso de recursos da área para pagar folha de outros setores. Além disso, segundo ele, é comum a contratação de empresas privadas para fornecer serviços que já são prestados pelo poder público.

- Outro problema corrente, bastante grave, é a contratação de serviços de empresas privadas que não deveriam ser contratados. Isso porque as necessidades já são supridas por programas nacionais, caso dos livros didáticos - diz Cara.

André Mendonça diz não ser possível apontar exatamente onde, nos serviços de Saúde, ocorrem mais desvios. Isso porque o volume de recursos para o sistema é muito alto e com várias divisões. Há casos, diz ele, em que médicos atendem pelo SUS e, ainda assim, cobram por fora do paciente, embolsando duas vezes.

Mendonça diz ainda que a fiscalização na Educação é mais falha que na Saúde. Em março, O GLOBO revelou que só 5% do dinheiro repassado pelas chamadas transferências fundo a fundo - diretamente aos cofres de estados e prefeituras - caem na rede do controle, pelo programa de sorteio de municípios da Controladoria Geral da União (CGU). Apenas as tomadas de contas concluídas entre 2007 e 2010 somavam desvios apurados de R$662,2 milhões nas duas áreas.

Faltam mecanismos para verificar como o dinheiro federal foi gasto em estados e municípios. O Ministério da Saúde não consegue checar a veracidade dos relatórios dessa prestação de contas. Outro problema é a falta de autonomia dos conselhos municipais de Saúde e Educação para fiscalizar as prefeituras. Relatório da CGU apontou que metade dos conselhos está desestruturada ou não funciona adequadamente.

Há menos de um mês, a presidente Dilma Rousseff fez um decreto para tentar frear as irregularidades na Saúde e na Educação. O principal mecanismo é a restrição dos saques em dinheiro na boca do caixa, com a garantia de que o dinheiro sairá das contas dos fundos municipais e estaduais de Saúde e Educação diretamente para a conta do prestador do serviço ou do fornecedor. Essas medidas foram tomadas após recomendações de CGU, TCU e Ministério Público.

Colaboraram: Joelma Pereira e Roberto Maltchik

FONTE: O GLOBO

Em SP, nova obra suspeita do Dnit

O Dnit quer pagar R$ 16 milhões para recuperar uma obra concluída em 2006, em Barretos (SP), e que custou R$ 10 milhões. Para o TCU, o Dnit deveria recorrer ao termo de garantia, que obriga a construtora a fazer os reparos. Mas fez nova licitação, vencida por uma doadora do PR

 Valdemar e Fred fazem lobby para doadora do PR

 Empreiteira que financiou campanhas do partido poderá receber R$16 milhões do Dnit para reforma de obra recente

 Fábio Fabrini

 BRASÍLIA. O Dnit quer pagar R$16 milhões para uma empreiteira - doadora de recursos para campanhas do PR - recuperar e complementar o Contorno Ferroviário de Barretos (SP), obra implantada há menos de cinco anos e a um custo 40% menor. Sob suspeita do Tribunal de Contas da União (TCU), a reforma foi liberada graças ao lobby do deputado Valdemar Costa Neto, secretário-geral do partido, e de seu amigo Frederico Augusto de Oliveira Dias, assessor que trabalhava junto à diretoria-geral do Dnit, sem ter cargo comissionado ou efetivo.

 Segundo auditoria do TCU, o Contorno Ferroviário foi construído pela Prefeitura de Barretos, em convênio com o Ministério dos Transportes, que repassou R$5,7 milhões dos cerca de R$10 milhões gastos na ocasião. A implantação do trecho, com 11km, foi concluída em 2006 e, segundo o prefeito Emanuel Carvalho (PTB), ficou a cargo da construtora Spel. Dois anos depois, o Dnit alegou que seria necessário projeto executivo de uma nova obra devido à situação crítica da linha.

 Em vez de recorrer à garantia do empreendimento para que a Spel fizesse os complementos necessários, o Dnit fez nova licitação, diz o TCU. O Código Civil diz que, por cinco anos, o construtor responde pela "solidez e a segurança" dos serviços.

 A vencedora da nova licitação foi a Egesa, que em 2010 doou R$314,7 mil ao diretório nacional do PR e R$850 mil a oito candidatos da sigla. Ela apresentou proposta de R$16.096.350 para a reforma, com desconto de 1,18% sobre o orçamento-base.

 As obras não começaram porque o Dnit não contratou uma empresa para supervisioná-las. O TCU constatou que não há estudo de viabilidade técnica e econômico-financeira da reforma. Além disso, o material a ser empregado corresponde a quase o total necessário para refazer a linha. "A planilha orçamentária (tanto a licitada quanto a vencedora) prevê troca de 100% dos dormentes de madeira, de 100% da brita de lastro, além de apresentar quantitativos de escavação, carga e transporte de terra, aplicação de geotêxteis, construção de valetas de drenagem e plantio de grama que também cobrem a quase totalidade do trecho", informa o relatório.

 O site do PR regista que a recuperação "só está sendo possível devido ao empenho" de Frederico Dias, do superintendente do Dnit em São Paulo, Ricardo Madalena, e "da força política do deputado Valdemar Costa Neto".

 O Dnit informou que a garantia contratual não foi acionada por se tratar de obra inacabada, executada pela prefeitura. E que será necessária a realização de novas obras, como viadutos.

 O prefeito de Barretos disse que a obra foi executada pela gestão anterior e que, quando pediu verba para continuá-la, o Dnit decidiu assumi-la. Nem o órgão nem o município recorreram à garantia da obra. A Egesa explicou que venceu a licitação por oferecer o menor preço.

FONTE: O GLOBO

Contrariando Carvalho, Dilma demitirá diretor do Dnit

Saída de Pagot é decidida apesar da pressão de ministros ligados a Lula, como o secretário-geral da Presidência

A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, foi encarregada pela presidente Dilma Rousseff de anunciar que o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, atualmente em férias, não retornará mais ao cargo, em meio a escândalo de corrupção. O vice Michel Temer e ministros ligados ao ex-presidente Lula defendiam a permanência de Pagot. Numa reunião no Planalto, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) tentou introduzir na conversa a necessidade de manter Pagot. Dilma afirmou que, se fosse para traze-lo de volta, teria de reconduzir outros seis que ela tinha demitido e isso não vai acontecer. Dilma orientou ainda o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, a finalizar rapidamente a "limpeza" no setor.
Dilma contraria grupo de Lula, reitera saída de Pagot e pede "limpeza" total
Presidente rechaça abordagem de Gilberto Carvalho e ainda orienta ministro Paulo Passos a concluir, se possível esta semana, afastamento de todos os supostamente envolvidos em denúncias de corrupção na pasta; indicado do PT é o próximo da lista

Tânia Monteiro e Leonencio Nossa / BRASÍLIA e Júlio Castro / FLORIANÓPOLIS

A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, foi encarregada ontem pela presidente Dilma Rousseff de anunciar que o diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, atualmente em férias, não retornará mais ao cargo.

Dilma orientou ainda o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, a concluir, se possível esta semana, a "limpeza" na pasta, com o afastamento do petista Hideraldo Luiz Caron, diretor de Infraestrutura Rodoviária do Dnit, e de Felipe Sanches, presidente interino da Valec, e outros supostos envolvidos num esquema de corrupção que abala o governo desde o início do mês.

Logo pela manhã, a presidente deu o primeiro recado. Numa reunião no Planalto, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, tentou introduzir na conversa a necessidade da permanência de Pagot. Dilma afirmou que, se fosse para trazê-lo de volta, teria de fazer o mesmo com os outros seis que ela havia demitido, e isso não ocorrerá. Gilberto Carvalho, braço direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vocalizava, no atual governo, a defesa da permanência de Pagot.

A presidente observou ainda, na conversa com o petista, que Pagot tinha responsabilidade sobre a direção do órgão e, portanto, esse assunto é página virada.

Numa entrevista em Santa Catarina, a ministra Ideli Salvatti ratificou oficialmente a demissão de Pagot. "Tudo indica que sim, até pelas reiteradas vezes que ela (Dilma) tem se comportado dessa forma", afirmou. "Operacionalmente, com alguém de férias, você não pode tomar essa medida." Após a declaração, auxiliares diretos confirmaram que Dilma mantém a decisão de afastar o diretor do Dnit.

Mudanças. Em uma conversa, antes do almoço, com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, Dilma o avisou que Pagot, mesmo com as pressões e apoio dentro do governo de auxiliares muito próximos a Lula, é carta fora do baralho. Informou também que é preciso promover, o quanto antes, as mudanças necessárias em todos os órgãos da área de transportes.

Ela também deseja que o ministro apresente os novos indicados para substituir os afastados. Dilma quer um olhar com lupa sobre os nomes escolhidos.
Resolução publicada ontem no Diário Oficial da União permite ao ministro Paulo Passos designar o novo diretor interino do Dnit. O objetivo é evitar que o órgão fique acéfalo com o afastamento de José Henrique Sadok de Sá e durante o recesso parlamentar. Os diretores já são escolhidos pelo ministro, mas os nomes precisam ser sabatinados pelo Senado.

Por determinação da presidente, as mudanças já estão sendo articuladas por Passos, que ontem avisou Hideraldo Luiz Caron, diretor de Infraestrutura Rodoviária do Dnit, que se preparasse para deixar o cargo. Caron, militante do PT gaúcho e indicado pelo partido para o ministério, não aceita sair sob suspeição. Mas a decisão de tirá-lo da pasta já havia sido desenhada com o Planalto na sexta-feira e era esperada para o fim de semana.

Nesse acerto com o Planalto, além de Caron também está fora do governo Felipe Sanches, que ocupa interinamente a presidência da Valec e entrou no lugar de José Francisco das Neves, afastado na primeira leva.

As mudanças deverão incluir ainda cargos de diretorias do Ministério dos Transportes. A saída do petista Caron já estava sendo articulada porque o governo entendia que era preciso "fazer um gesto" para os aliados, especialmente ao PR, que viam nele o foco do "fogo amigo" para atacar os demais integrantes da pasta sem que fosse atingido. Com o afastamento de Caron, o governo entende que está dando uma demonstração de "cortar a própria carne".

Apoio. O vice-presidente Michel Temer e ministros ligados a Lula defendiam a permanência de Pagot no cargo. Temer chegou a pedir que Dilma só tomasse uma decisão no início do próximo mês, quando se encerram as férias do diretor do Dnit. Os auxiliares da presidente que defendiam um recuo de Dilma em relação a Pagot chegaram a usar relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) para destacar que o diretor do Dnit não era citado em processos de investigação. Um dos temores é que a saída de Pagot prejudique a aliança do PT com o senador Blairo Maggi (PR) em Mato Grosso.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Sem solução:: Merval Pereira


Está ficando claro que a tentativa da presidente Dilma de resolver o caso do Ministério dos Transportes "por dentro", sem romper com o PR, mantendo um ministro, Paulo Sérgio Passos, que faz parte do esquema do partido desde 2004 mas se transformou em seu homem de confiança, não vai dar certo. O ministério está todo corroído, a cada dia surgem novas denúncias, inclusive envolvendo o próprio ministro atual, numa briga de grupos dentro da estrutura funcional que se assemelha a brigas de gangues por um mercado de falcatruas.

Se a presidente Dilma estivesse mesmo disposta a fazer o que seria uma "limpeza" do setor, teria de fazer uma ação vigorosa, nomeando um interventor com plenos poderes para acabar com a influência do Partido da República.

Só começando tudo de novo haveria condições de sanear esse setor de transportes que, há oito anos nas mãos do PR, se transformou em um antro de ladroagem e incompetência.

Mas os sinais não vão nessa direção, pois no próprio Palácio do Planalto há uma disputa política, com o ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, atuando a favor da manutenção de Luiz Antonio Pagot à frente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), defendendo a posição política de Lula, que tem interesse em preservar o PR.

A questão ética mais uma vez perde para a questão política. Mesmo que seja verdadeira a vontade da presidente de livrar-se dessa "herança maldita", ela não tem condições políticas de fazê-lo declaradamente.

Por isso, sua atitude errática. Negar que tenha recebido uma "herança maldita" até é compreensível para a manutenção da relação direta com o ex-presidente Lula, mas anunciar que quer fazer uma limpeza no setor e, ao contrário, deixar que o mesmo partido continue à frente do ministério é demonstração de fraqueza política.

Para não restarem dúvidas sobre seu comprometimento, a presidente Dilma disse em recente encontro que o PR mora em seu coração.

A frase é tão exagerada quanto uma de Lula, que, depois de ter sido obrigado a ouvir um recital do então deputado Roberto Jefferson na casa do próprio, disse que tinha tanta confiança no presidente do PTB que seria capaz de dar-lhe "um cheque em branco".

Dias depois, estourou a bomba do mensalão, com uma entrevista do mesmo Roberto Jefferson abrindo toda a sordidez que rolava por baixo dos panos na base aliada do lulismo.

Sempre que um presidente é obrigado a fazer esse tipo de malabarismo, com frases de efeito comprometedoras, é porque o grau de risco que seu governo corre se abandonar aquele aliado político é muito grande.

Ninguém consegue dizer no governo, por exemplo, se Luiz Antonio Pagot está ou não demitido do Dnit. Sabe-se, por informações indiretas, que a presidente Dilma está resolvida a demiti-lo, mas mesmo assim a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, não tem certeza para garantir nada: "Tudo indica que sim, até pelas reiteradas vezes em que ela tem se comportado dessa forma" é o máximo que consegue dizer, jogando a batata quente para a presidente Dilma.

Por enquanto, Pagot está de férias e, tecnicamente, não pode ser demitido, o que não impediria que sua demissão, logo na volta das férias, fosse anunciada.

O que o governo procura é ganhar tempo para negociar o silêncio de Pagot, que já foi comparado a um "homem-bomba" pelas informações que teria acumulado sobre as atividades ilegais do Dnit e o dinheiro desviado, também, para as campanhas eleitorais do PT, inclusive, dizem, para a presidencial que levou Dilma ao Palácio do Planalto.

O caso mais emblemático do estado de desorganização funcional que impera no Ministério dos Transportes, especialmente no Dnit, é o de Frederico Augusto de Oliveira Dias, o Fred, "assessor do diretor-geral" desde 2008.

Ele na verdade é o "representante legal" da eminência parda do ministério e do PR, o deputado-mensaleiro Valdemar Costa Neto.

Com sala própria e direito a fazer parte de comitivas oficiais - acompanhou Paulo Sérgio Passos, quando este era ministro interino, em uma viagem à Bahia -, Fred negociava com prefeitos e vereadores, e encaminhava suas reivindicações aos órgãos competentes.

Quando a presidente Dilma, como sempre alertada por denúncias da chamada grande imprensa, decidiu demiti-lo, descobriu que não poderia fazê-lo porque ele simplesmente nunca havia sido nomeado.

A presidente, para cumprir seu desejo, precisaria seguir o exemplo de famoso patriarca de um império jornalístico.

Reza a lenda que, no auge do prestígio do seu grupo, subiu no elevador do prédio recém-construído, projeto de renomado arquiteto, e não gostou de ver um homem que comia um sanduíche de mortadela sujando-o com as migalhas do pão.

Irritado, chamou a atenção do "funcionário", que não ligou para a admoestação, no que foi sumariamente demitido pelo "patrão".

Acontece que o sujeito era um visitante, não um empregado do grupo.

Decepcionado com a ineficácia de seu gesto, o patriarca não pestanejou: deu ordens para que o porcalhão fosse contratado, para que pudesse demiti-lo em seguida.

FONTE: O GLOBO

Mil e uma utilidades:: Dora Kramer

Em projetos bem delineados de poder não há coincidência nem acaso. Descontados eventuais erros de cálculo, predomina a estratégia. Cada passo é pesado e medido de acordo com o objetivo pretendido.

Quando surgiu em meio ao episódio Antonio Palocci combinando atritos em toda a base por causa da desatenção da presidente Dilma Rousseff em relação ao Congresso, o ex-presidente Lula mais atrapalhou que ajudou.

A despeito das pesquisas de opinião mostrando que a maioria vê com bons olhos atos do antecessor que venham a compensar deficiências da sucessora, naquele momento não estava em jogo esse tipo de avaliação.

Mais importante era a percepção do mundo político, e a parcela mais bem informada da população permanentemente engajada no acompanhamento do desempenho governamental.

Para esse setor o resultado foi o oposto do pretendido, pois contribuiu para a fragilização da imagem da presidente como responsável pela condução do barco.

Refeito o cálculo, Lula recolheu-se e ficou na retaguarda.

Semana passada, em meio ao pesado charivari político-policial no Ministério dos Transportes, Lula reapareceu. Mas o fez em nova roupagem.

Já não mais se apresentou como o interlocutor dos partidos da base governista, no que foi criticado por, na prática, usurpar o poder de Dilma.

Ressurgiu em seu mais competente personagem: o de líder de massas, animador e exímio criador de cenários paralelos capazes de dividir, quando não desviar, as atenções do que requer foco e seriedade.

Enquanto em Brasília a presidente se via às voltas com a recalcitrante crise no PR, com atitudes ora elogiáveis, ora condenáveis, ora incompreensíveis, Lula atraía para si boa parte do noticiário com shows onde o sucesso é garantido: congressos da União Nacional dos Estudantes e da União Geral dos Trabalhadores, no Rio e em São Paulo.

Não fez nada de extraordinário. Apenas repetiu o que costumava fazer quando presidente. Na UNE redesenhou um conflito com a imprensa, a fim de levantar o estandarte do inimigo a ser combatido (qualquer um, menos o governo).

Na UGT levou ao delírio o auditório atacando as elites que "não se conformam" que o trabalhador possa comprar carro, eletrodomésticos e andar de avião.

Sem dizer quem é contra a inclusão de brasileiros no mercado de bens e serviços nem esclarecer que o estímulo desenfreado ao consumo sem planejamento e investimento em estrutura para sustentá-lo, produz desconforto urbano e serviços de baixa qualidade. Para todos.

Lula não pode ser criticado por continuar a atuar politicamente depois de deixar a Presidência, embora não confira o mesmo direito a outros que, para ele, devem se recolher ao ostracismo como sinal de boa vivência na condição de ex-presidente.

Mas os movimentos de Lula podem e devem ser analisados à luz de suas intenções. A maioria interpretou que ele está em campanha. Parece pouco: ele nunca deixou de fazer campanha, dado que sua lógica é sempre eleitoral.

Disseram também que já abriu a temporada de caça de votos para 2014. Parece precipitado: tanto que quando Dilma ou Lula fazem referência à hipótese de a presidente concorrer à reeleição as análises sobre a certeza da volta em 2014 imediatamente adotam o pressuposto contrário e não param mais em pé.

A eleição presidencial será definida mais à frente. O que se tem agora é um governo representativo de uma etapa a ser cumprida em nome do projeto de poder referido lá no início.

É a essa etapa que Lula se dedica agora. Tocando esse projeto no papel que desempenha melhor: o de ilusionista. Enquanto o governo se debate com dificuldades reais, Lula rodopia País afora criando uma realidade paralela de ufanismo e reforçando nas mentes que ele está firme no papel de garantidor do Brasil por ele inventado.

Assegura o eleitorado de sempre, não deixando espaço para a oposição se aproveitar das deficiências da sucessora. Dilma, de seu lado, faz o que pode no sentido oposto, de um jeito meio atrapalhado, mas ao gosto de quem não gosta de Lula.

Na hora da eleição, será somar dois mais dois, e se der cinco, como ensina o livro do MEC, melhor ainda.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Ela ou ele? :: Eliane Cantanhêde:

Enquanto Dilma tenta desinfetar o Ministério dos Transportes e tem de se preparar para nuvens carregadas no horizonte da economia mundial, com os EUA afundando em incertezas e a Europa fazendo água por todo lado, Lula vai nadar de braçada na onda da eleição municipal de 2012.

Ele brilhou no congresso (pago com dinheiro público) da nova UNE, em Goiânia, e no dia seguinte, num encontro da União Geral dos Trabalhadores, já em São Paulo. Enquanto ele brilhava e ia de um a outro no jatinho do deputado Sandro Mabel, mandachuva do PR, Dilma se esfalfava justamente para varrer o partido dos Transportes, herança de Lula.

A carona com o PR, porém, não é nada demais ou, pelo menos, não tem nada de novo, já que o último ato de Lula ao descer a rampa do Planalto em janeiro foi convidar o senador José Sarney para ir no seu avião até São Paulo, apesar do constrangimento: a família Sarney é investigada pela Polícia Federal.

Depois dos encontros dos estudantes e dos sindicalistas, quando aproveitou para lançar o ministro Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo à revelia do PT, Lula comunicou que vai viajar pelo país inteiro, de Estado em Estado -ou seria de palanque em palanque?

Ao deixar a Presidência, Lula disse que estava "desencarnando". Pois reencarnou muito cedo, e continua vivíssimo. Além das viagens, ele tem o Instituto da Cidadania, está criando o Instituto Lula e anunciou que vai ter um site, com seus vídeos, fotos, discursos.

Enquanto isso, mantém na cola de Dilma um seleto grupo de ex e atuais ministros e assessores. Nele se destaca Gilberto Carvalho, o mais fiel dos fiéis lulistas, que se tornou uma espécie de mordomo do Planalto.

Onde Dilma vai, lá está ele, como uma sombra.

No mínimo, no mínimo, é muito cedo para apostas sobre quem vai ser o candidato do PT à Presidência em 2014: ela ou ele?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A crise viajou mas as trapalhadas ficaram:: Raymundo Costa

Está seco e um tanto frio em Brasília, mas a crise política aparentemente viajou com deputados e senadores, em recesso parlamentar desde a semana passada. A calmaria pode ser uma boa oportunidade para o governo Dilma rever procedimentos, entre os quais sua relação com a opinião pública. É um jogo que a presidente está perdendo. Nem tudo que é racional é verdadeiro, ensinava mestre Raymundo Faoro. Mas falta racionalidade às histórias como elas são contadas pelo atual governo.

O caso mais exemplar da temporada é o da fracassada fusão dos grupos Pão de Açucar e Carrefour. Tão logo a negociação veio a público, o Palácio do Planalto oficialmente que não se pronunciaria sobre o assunto, apesar de a notícia vir acompanhada da informação de que o BNDES poderia entrar com R$ 4 bilhões na empreitada.

Os assessores de Dilma Rousseff repetiram todos a mesma história: o Palácio do Planalto não se manifestaria sobre a fusão ou sobre um suposto encontro da presidente com o empresário Abílio Diniz, do Pão de Açucar. Deixou a impressão de uma negociação oculta em que nem tudo corria bem nos bastidores.

O BNDES não negocia R$ 4 bilhões sem presidente saber

É conhecida a inclinação do atual governo pela criação de grandes empresas nacionais, de preferência que possam competir no mercado mundial. Um gigante do varejo nascido da união do Carrefour com o Pão de Açucar viria bem a calhar. O final é conhecido: o Pão de Açucar já não era uma empresa brasileira.

Quando foi questionado pela primeira vez, o Palácio do Planalto poderia ter afirmado que a fusão era um assunto em estudo pelas instâncias do BNDES. Era a pura verdade. Mas o que seria uma história redonda ficou quadrada quando, em seguida, o Planalto fez circular a informação de que Dilma não sabia das tratativas até determinada altura da negociação do BNDES. E que sempre fora contraria a ela.

É menosprezar da inteligência alheia: não há negociação de R$ 4 bilhões que transite pelo BNDES sem que o presidente da República seja informado. Não é uma exigência legal, mas equivale à lorota segundo a qual Antonio Palocci, quando era ministro da Casa Civil, passava 24 horas ao lado de Dilma sem dar palpites sobre a política econômica da governo federal - pode-se até dizer que ele não influiu no que foi decidido nos primeiros 100 dias, na política econômica. Mas nunca dizer que não trocava ideias com Dilma sobre o assunto.

Há também o componente da intriga política. Como é do conhecimento público, Dilma Rousseff e Luciano Coutinho, o presidente do BNDES, são amigos de longa data. Na realidade, Coutinho foi professor da presidente na Unicamp. E não é do estilo de nenhum dos dois mandar recados. O temperamento de Dilma, aliás, é conhecido dos brasileiros desde a época em que ela respondia pelo Ministério das Minas e Energia, primeiro, e pela Casa Civil, onde foi preparada para ser a candidata do PT.

A concessão de empréstimos do BNDES evidentemente obedece às diretrizes do governo de plantão, no caso atual, por exemplo, o PAC ou a política industrial. A decisão é das instâncias do banco e na análise de processos como a fusão do Carrefour com o Pão de Açucar se envolvem cerca de 30 pessoas. Mas é ingenuidade pensar que essa roda gira sem que o inquilino de plantão no Palácio do Planalto tenha conhecimento. Cai o presidente do BNDES.

Está mal explicada também a história do pedido de férias do diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot. O pedido teria oposto a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ao secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ele seria o mentor da decisão de Pagot de sair em férias, quando a presidente Dilma determinou o afastamento de praticamente toda a cúpula do Ministério dos Transportes.

Gleisi até agora manteve silêncio sobre o que pensa da manobra de Pagot (em férias, o burocrata não pode ser demitido). Mas Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula no governo passado, não esconde mais de ninguém que considera Pagot inocente das acusações de cobrança de propina nas obras do Dnit. Ao expressar sua opinião, Carvalho se contrapõe à decisão que as versões palacianas dão como certas: que Dilma vai demitir Luiz Antônio Pagot quando ele voltar das férias.

A se considerar verdadeiras as versões de gente credenciada, Pagot está fora do governo. Ou Dilma mudou de ideia e não avisou ninguém. Nem os mais próximos.

O que não falta na Praça dos Três Poderes é padrinho solidário com Pagot. Antes de Gilberto Carvalho, o senador Blairo Maggi (PR-MT) fez a defesa incondicional do afilhado político. Agora, o novo ministro Paulo Passos declara que a presidente Dilma tomará a decisão na volta do diretor-geral do Dnit. Em resumo, o que era antes uma certeza passou a ser uma possibilidade.

Num primeiro momento, Dilma afastou a cúpula dos transportes mas manteve o ministro Alfredo Nascimento, senador pelo Estado do Amazonas que, no governo passado, ocupou a mesma pasta. Caberia a ele fazer a limpeza num ministério tomada de assalto pelo PR, mas com coadjuvantes de outros partidos aliados. Mas o ex-ministro do PR não conseguiu se sustentar por uma semana a mais no cargo, depois disso.

Independentemente da "inocência" - como assegura Carvalho - ou não de Pagot, a presidente ficou na posição de arbitro de uma encarniçada disputa entre os grupos de Alfredo Nascimento + Valdemar Costa Neto, secretário-geral do PR, aliados de ocasião, e Blairo Maggi + Luiz Antonio Pagot. Aparentemente, não há uma saída confortável. A menos que promova uma razia nas posições partidárias no Ministério dos Transportes, o que parece duvidoso desde que ela decidiu promover a ministro o secretário-executivo Paulo Passos, um filiado do PR que Dilma poupou quando afastou a cúpula do Ministério.

O PT se queixa da comunicação do governo. É improvável. A história recente demonstra: sempre que um governo reclama da batida de bumbo, o problema não é o bumbo, é o governo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Por que não reagimos? :: Fernando de Barros e Silva

Por que os brasileiros não reagem à corrupção? Por que a indignação resulta apenas numa uma carta enviada à Redação ou numa coluna de jornal? Por que ela não se transforma em revolta, não mobiliza as pessoas, não toma as ruas? Por que tudo, no Brasil, termina em Carnaval ou em resmungo?

A pergunta inicial não foi feita por um brasileiro -o que é sintomático. Foi Juan Arias, correspondente do jornal "El País" no Brasil, quem a formulou num artigo recente. "

Es que los brasileños no saben reaccionar frente a la hipocresía y falta de ética de muchos de los que les gobiernan?". Y entonces???

Não existe resposta simples aqui. Em primeiro lugar, a vida de milhões de brasileiros melhorou nos últimos anos, mesmo sob intensa corrupção, e apesar dela. Ninguém que leve o materialismo a sério pode desconsiderar esse dado básico.

Além disso, o PT, na prática, estatizou os movimentos sociais. Da UNE ao MST, passando pelas centrais sindicais, todos recebem dinheiro do governo. Foram aliciados. São entusiastas e sócios do poder, coniventes com os desmandos porque têm interesses a preservar, como o PR de Valdemar e Pagot.

Há ainda um terceiro aspecto, menos óbvio, que leva muita gente progressista a se encolher diante da corrupção. É a ideia introjetada de que qualquer movimento político ou mobilização contra a bandalha acaba sendo uma reedição do espírito udenista, coisa da direita ou que serve a seus propósitos. O lulismo soube explorar esse enredo, como se estivesse em jogo no mensalão uma disputa entre Vargas (o pai dos pobres nacionalista) e Lacerda (o moralista a serviço das elites).

Lula nunca moveu uma palha para mudar o sistema político podre que o beneficiou. Com a corrupção sob seu nariz, preferiu posar de vítima da imprensa golpista. Enquanto isso, seus aliados, no PT ou à direita, golpeavam os cofres da Viúva, exatamente como sempre neste país. Está aí a gangue dos Transportes, na estrada há 10 anos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Falência moral da democracia brasileira :: Ricardo Vélez Rodriguez

A sociedade brasileira está em crise. Não sabemos, como povo organizado, qual é o nosso padrão de comportamento. Nas últimas décadas estivemos preocupados com outras coisas, que encheram a nossa agenda, ao ensejo da saída do último ciclo autoritário para a construção da Nova República. Não foi resolvida, no entanto, a questão da moral social, que daria embasamento às instituições. Acontece que sem equacionar essa questão tudo o mais fica no ar: Constituição, Códigos de Direito Civil e Penal, funcionamento adequado dos poderes públicos, pacto federativo, respeito às leis, organização e funcionamento dos partidos políticos, fundamento das práticas econômicas em rotinas de transparência que dariam ensejo ao que Alain Peyrefitte denominava "sociedade de confiança", governabilidade, etc.

Definamos o que se entende por moral: como frisa mestre Antônio Paim no seu Tratado de Ética, ela consiste num "conjunto de normas de conduta adotado como absolutamente válido por uma comunidade humana numa época determinada". A moral tem uma dupla dimensão, individual e social. A primeira se identifica com o que Immanuel Kant denominava "imperativo categórico da consciência". A segunda consiste na definição do mínimo comportamental que uma sociedade exige dos seus indivíduos para que se torne possível a vida em comunidade. A moral social pode ser de dois tipos:
Vertical, quando um grupo de indivíduos impõe ao restante o padrão de comportamento;
social, quando o padrão de comportamento é adotado por consenso da comunidade. A moral social consensual constitui, no mundo contemporâneo, o fundamento axiológico da vida democrática.

No plano da moral social, no entanto, herdamos modelos verticais que não se ajustam aos ideais democráticos. Os arquétipos de moral social sedimentados na História quadrissecular da Nação brasileira ressentem-se do vício do estatismo e da verticalidade que ele implica. É evidentemente vertical o modelo de moral social herdado da Contrarreforma; nele os indivíduos deveriam agir, em sociedade, seguindo à risca os ditames provenientes da Igreja mancomunada com o trono, no esquema de absolutismo católico ensejado pelos Áustrias na Península Ibérica, ao longo dos séculos 16 e 17. De outro lado, o modelo imposto pelo despotismo iluminista de Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, no século 18, não mudou radicalmente as coisas, pois pecava por manter a verticalidade da formulação do código de moral social, ao ensejo da "aritmética política" que passou a vigorar, ao redor dos seguintes princípios:
Compete ao Estado empresário, alicerçado na ciência aplicada, garantir a riqueza da Nação.

É da alçada do Estado fixar a normas que consolidam a moralidade pública e privada.

O cidadão, em razão de tais princípios, ficava desonerado das incumbências de produzir a riqueza e de se comprometer com a definição da moral social, que nas democracias modernas terminou sendo configurada de forma consensual pelas respectivas sociedades. Tudo se resolveria mediante a tutela do Estado modernizador sobre os cidadãos, considerados como simples peças da engrenagem a ser gerida pelo governo. O ciclo imperial, com a preocupação da elite em prol da constituição e do aperfeiçoamento da representação, mantendo a unidade nacional contra os separatismos caudilhescos, num contexto presidido pelos ideais liberais, foi abruptamente rompido pelo advento da República positivista. Frustraram-se assim, talvez de forma definitiva, a aparição e o amadurecimento de um modelo ético de moral social consensual.

Ora, a partir do arquétipo pombalino firmaram-se os modelos de moral social vertical que têm presidido a nossa caminhada ao longo dos dois últimos séculos, de mãos dadas com a cultura patrimonialista, que sempre entendeu o Estado como bem a ser privatizado por clãs e patotas, desde a República iluminista apregoada por frei Caneca, no início do século 19, à luz da denominada "geometria política", passando pela "ditadura científica" positivista, que se tornou forte ao ensejo do Castilhismo, no Rio Grande do Sul, nas três primeiras décadas do século passado, passando pelo modelo getuliano de "equacionamento técnico dos problemas" (elaborado pela segunda geração castilhista, com Getúlio Vargas e Lindolfo Collor como cérebros dessa empreitada, e cooptando, como estamento privilegiado, as Forças Armadas). A última etapa dessa caminhada estatizante foi o modelo tecnocrático efetivado pelo ciclo militar, à sombra da "engenharia" política do general Golbery do Couto e Silva.

Com o advento da Nova República tentou-se retomar a questão da representação política como meio para configurar, no País, a formulação de uma moral social consensual. No entanto, o fracasso da reforma política que levaria ao amadurecimento da representação terminou dando ensejo, no ciclo lulista e na atual quadra do pós-lulismo, à consolidação de modelo vertical de moral social formulado no contexto do que se denomina "ética totalitária", segundo a qual os fins justificam os meios. A cooptação de aliados pelo Executivo hipertrofiado, no seio de uma consciência despida de freios morais, terminou dando ensejo à atual quadra desconfortável de corrupção generalizada, que ameaça gravemente a estabilidade econômica, duramente conquistada nas gestões social-democratas de Fernando Henrique Cardoso.

O Brasil perde o seu rumo, num mundo agressivo e cada vez mais interdependente, assombrado pela ética totalitária petista, aliada, na síndrome lulista do "herói sem nenhum caráter", a desprezíveis formas de populismo irresponsável, que elevou como ideal o princípio macunaímico de levar vantagem em tudo, num sórdido cenário de desfaçatez e incultura. Tudo presidido pela maré estatizante que se apropria da riqueza da Nação para favorecer a nova casta sindical e burocrática que emerge ameaçadora, excludente e voraz.

Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas "Paulino Soares de Sousa", da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Indicado do PT teve contas rejeitadas no RS

Hideraldo Caron luta na Justiça para se livrar de multas de R$ 255 mil quando dirigia Daer

Elder Ogliari / PORTO ALEGRE

Quando foi diretor-geral do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) do Rio Grande do Sul, o atual diretor de Infraestrutura Rodoviária do Dnit, Hideraldo Caron, teve as contas consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado por três anos seguidos, de 1999 a 2001. Desde o julgamento das contas, ocorrido entre 2004 e 2005, ele luta na Justiça para se livrar de multas e ressarcimentos impostos pelo órgão, num total de R$ 255 mil.

O processo de tomada de contas de 1999 apontou, entre outras falhas, divergência entre o valor contábil da dívida e seu montante efetivo; ausência de informações quanto ao valor dos processos trabalhistas em fase final; servidores em atividades distintas dos cargos ocupados, e prorrogação de contrato extinto. Além de emitir advertência pedindo a correção das falhas, o órgão aplicou multa de R$ 1,5 mil e condenou o administrador a repor R$ 261,16 aos cofres públicos pelo pagamento a maior que teria feito de diárias.

Em 2000, o TCE impôs a Caron outra multa de R$ 1,5 mil e a cobrança de R$ 226,4 mil por falhas que identificou como "pagamento excessivo de locação de veículos, pagamento a maior de diárias, concessão de aumento a servidores em porcentual indevido e não aplicação de multa contratual prevista", entre outras.

Em 2001, o órgão aplicou mais uma multa de R$ 1,5 mil e fixou débito de R$ 23,9 mil ao diretor do Daer. Algumas irregularidades apontadas indicaram pagamentos indevidos a dois diretores que acumularam remuneração dos cargos de origem com os vencimentos básicos de dirigentes, ausência de contabilização de dívidas relativas a precatórios e deterioração precoce de trechos da rodovia RS 425.

A reportagem do Estado pediu explicações a Caron pela assessoria de imprensa do Dnit, mas não obteve resposta até o fechamento da edição. O ex-diretor-geral do Daer pagou parte das multas e levou o restante da discussão à Justiça estadual, onde os processos ainda não foram concluídos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PR aceita saída de Pagot, mas exige que petista também deixe o Dnit

Hideraldo Caron, do PT gaúcho, deve ser afastado da Infraestrutura Rodoviária

Gerson Camarotti
BRASÍLIA. A cúpula do PR mandou um recado ao Palácio do Planalto: aceita, sem grandes problemas, a decisão da presidente Dilma Rousseff de afastar em definitivo o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, mas também quer a saída do diretor de Infraestrutura Rodoviária do órgão, Hideraldo Caron, filiado ao PT gaúcho.
 Para o PR, a queda dos dois seria a solução coerente, já que se trata de um órgão de decisões colegiadas. Além disso, o partido do ex-ministro Alfredo Nascimento não ficaria com todo o ônus da crise. A postura do PR, segundo assessores palacianos, é vista como sinal de que a legenda aliada já assimilou a saída de Pagot.

Quanto a Caron, a própria Dilma dissera semana passada a interlocutores que ele seria o próximo da lista a ser afastado do Dnit. No início da atual onda de denúncias contra o órgão, Dilma cobrou de Caron, seu aliado e pessoa de sua confiança no Dnit, explicações sobre a falta de informações internas no governo a respeito das suspeitas de cobrança de propina.

Gleisi e Gilberto Carvalho têm tido posições diferentes

Caron teria dito que tentara, em duas ocasiões no início do ano, avisar a presidente, mas não conseguira passar da chefia de gabinete. É esse mesmo argumento que o PR pretende explorar a seu favor: todos os diretores, inclusive os petistas, sabiam de todas as decisões do Dnit. Dirigentes do PR, embora falando menos em público, têm reclamado do esvaziamento de seus quadros no governo e agora tentam uma compensação.

- Até agora, só afastaram a turma do PR. Trucidaram o partido. Será que o PR vai pagar a conta toda dessa crise? - questionou ontem o vice-líder do governo, deputado Luciano Castro (PR-RR), um dos poucos que verbalizam publicamente a insatisfação do partido.

Ontem à tarde, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, confirmou em Florianópolis a posição de Dilma de afastar Pagot do cargo, assim que ele voltar de férias, no início de agosto. Mas está claro que há posições diferentes dentro do próprio Planalto sobre a condução da crise com o PR.

Na crise nos Transportes, o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, tem atuado como um bombeiro. Já a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, vem adotando postura mais dura, em sintonia com Dilma. Carvalho chegou a conversar com Pagot para tranquilizá-lo. O ministro também chamou em seu gabinete o senador Blairo Maggi (PR-MT), padrinho político de Pagot, para acalmá-lo após uma conversa tensa com Ideli Salvatti.

Na ocasião, o senador reclamou do afastamento de Pagot, considerando o gesto uma injustiça. Carvalho respondeu que quem comprovar a inocência terá direito de voltar ao governo. Comportamento que também é interpretado como estratégia de Dilma para sua tática: "um morde, outro assopra".

Retirada indicação feita na época de Nascimento

Uma mostra da determinação da presidente de mudar toda a diretoria do Dnit foi a decisão, formalizada ontem no Diário Oficial da União, de retirar a indicação, feita em junho, do contador Augusto César Carvalho Barbosa de Souza para o cargo de diretor de Administração e Finanças do Dnit. Ele substituiria outro petista, Hideraldo Cosentino, que pediu afastamento do cargo alegando questões pessoais. Barbosa de Souza fora indicado ainda na gestão de Nascimento, antes das denúncias sobre corrupção no Ministério dos Transportes.

FONTE: O GLOBO

Oposição quer que Passos explique volume de aditivos

Vannildo Mendes

A oposição quer que o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, explique ao Congresso por que o número de aditivos nos contratos cresceu 154% no período em que ele esteve à frente da pasta, em 2010, no fim do governo Lula. Requerimento de convocação será protocolado hoje pelo líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP). Segundo notícia publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, só nos primeiros seis meses de 2009 o Dnit assinou 53 termos aditivos, que ampliaram o valor dos seus contratos em R$ 309 milhões. No mesmo período de 2010, quando Passos respondia pelo ministério, a quantia liberada a mais com os aditivos somou R$ 787 milhões. Em outro requerimento, o PSDB vai solicitar que a Procuradoria-Geral da República investigue os contratos assinados pelo Dnit com a Construtora Araújo Ltda,, que pertence à mulher do diretor executivo do Dnit, José Henrique Sadok de Sá, afastado do cargo. Segundo reportagem do Estado, os contratos somam R$ 18,9 milhões.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilemas do Copom:: Míriam Leitão

A cena internacional recomenda ao Copom uma parada na elevação das taxas de juros; a taxa de inflação acumulada em 12 meses e os riscos à frente recomendam mais elevação de juros. A comparação dos juros do Brasil com os de outros países mostra que as taxas daqui estão altas demais; o sistema de metas determina novo aperto da política monetária.

Provavelmente, os juros vão subir, porque o Banco Central vai olhar para a cena interna, onde há vários riscos. As taxas mensais do atual trimestre estão baixas, mas a inflação acumulada em 12 meses até julho está indo para 6,8% no IPCA-15 que será divulgado amanhã. Se fosse só o passado, o BC não precisaria se preocupar tanto, afinal, ele tem que olhar de 12 a 18 meses à frente para tomar suas decisões. O problema é este horizonte: a inflação está alta; a de serviços, persistentemente alta; o combustível é um problema; o mercado de trabalho está aquecido; o crédito, abundante; e o ano que vem começará com um choque forte nas contas públicas pela elevação do salário mínimo.

Cada um desses eventos sozinho não seria problema; todos juntos, eles mostram que a taxa de inflação poderá continuar alta. O combustível pressionou as taxas no começo deste ano, apesar de a Petrobras manter congelado o que cobra das distribuidoras. Os preços subiram para o consumidor por causa do álcool. O país está produzindo menos álcool nesta safra, o que indica que o período de baixa será mais curto, e o de preços em alta poderá ser mais forte.

Para o ano que vem, está decidido um aumento real forte do salário mínimo, o que vai impactar as contas públicas, principalmente da Previdência. O Banco Central tinha expectativa de que o governo manteria a mesma meta de superávit primário; o que significa que a elevação dos gastos previdenciários iria induzir um corte em outras despesas. O Ministério da Fazenda está dando sinais de que defenderá a tese de que, diante das circunstâncias, o melhor é ter um superávit primário menor. Isso é uma política fiscal de acomodação, o que manterá a pressão sobre os preços.

A cena internacional é uma incerteza só, com os EUA vivendo uma situação impensável de conflito político em torno da elevação do teto do endividamento do governo. Seja qual for o resultado, o certo é que serão feitos cortes fortes nos gastos ou o governo elevará os impostos; ou ambos. Isso significa que a economia americana será mais lenta na recuperação. Na Europa, também o cenário é de baixo crescimento; no Japão, nem se fala. Mas o pior não é o clima de recessão em algumas economias, mas sim a incerteza.

Ninguém sabe ao certo como será a evolução da conjuntura europeia antes de se saber como será resolvido o problema das dívidas dos governos. Em relação aos Estados Unidos, o pior cenário não é levado a sério porque ele é tão ruim que vale aquele bordão de que o país é grande demais para ter um colapso da dívida.

Nesse cenário de sinais contraditórios é que o Copom vai se reunir novamente. De novo, as apostas mais frequentes são de elevação das taxas de juros, que estão no nível inacreditável de 12,25%. É um patamar totalmente estranho à conjuntura atual de juros baixos no mundo.

Os economistas de vez em quando apresentam as notícias boas pelo seu avesso. Emprego é bom, é isso que o mundo inteiro procura. Mas, no Brasil, as notícias sobre emprego crescente, como as que devem ser divulgadas hoje pelo IBGE e Ministério do Trabalho, são apresentadas como risco de encarecimento do trabalho, um dos custos de produção; além do mais, seria mais uma pressão de demanda.

Se o governo tivesse pelo menos um plano de zerar o déficit público, elevando o superávit primário, ele estaria permitindo um aumento do consumo privado.

O governo tem gastado tanto que até alguns investimentos podem trazer só a parte ruim da despesa pública. Como o leilão do trem-bala fracassou, o governo decidiu que vai elevar ainda mais a montanha de dinheiro que já embarcou nesse trem.

Não será fácil a vida do Banco Central se ele optar por subir novamente os juros. O BC vem dando sinais frequentes de que está preocupado com o nível de endividamento. Ontem, exigiu maior reserva dos bancos que oferecem crédito através do cartão consignado. Toda hora, o BC inventa mais uma trava no crédito, aperta mais um parafuso. Isso só pode ter uma leitura: ele acha que as famílias estão se endividando demais. Enquanto o mercado de trabalho estiver aquecido e os salários estiverem subindo, nenhum problema. Mas qualquer freada mais forte pode produzir um aumento da inadimplência.

O BC terá que ter destreza para reduzir os excessos sem reverter o quadro de mercado de trabalho aquecido. Do contrário, pode ocorrer uma aumento da inadimplência. Tem que elevar os juros, apesar de o cenário internacional estar tão imprevisível. Tem que torcer para que a política fiscal não seja de acomodação com a elevação das despesas, apesar de não poder dar palpite sobre isso, sob risco de recriar o clima de conflito Fazenda-BC. Diante de todos esses dilemas, o Banco Central se reúne a partir de hoje.

FONTE: O GLOBO

Volta de Marx

O cineasta alemão Alexander Kluge realiza o sonho de Eisenstein de filmar O Capital

Antonio Gonçalves Filho

Um maratona de nove horas e meia de duração começa hoje, às 10 horas da manhã, e só termina às 22h30 (com intervalos para almoço e lanche) no Sesc Pinheiros: abrindo a mostra de filmes do cineasta alemão Alexander Kluge, será exibida a megaprodução Notícias de Antiguidades Ideológicas: Marx, Eisenstein, O Capital. Filmado em plena crise econômica de 2008, é o projeto mais radical de renovação do cinema, levado a cabo por um diretor associado à criação do Novo Cinema Alemão, nos anos 1960, e também um dos mais respeitados literatos de seu país, a ponto de ter em seu filme depoimentos de colegas como o poeta e ensaísta Hans Magnus Enzensberger, o filósofo Peter Sloterdijk e o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard, modelo assumido de Kluge, conhecido principalmente por seu filme Artistas na Cúpula do Circo: Perplexos (1967), que integra a retrospectiva do diretor, a partir do dia 26, no Goethe-Institut.
Cineasta Alexandre Kluge

Notícias de Antiguidades Ideológicas sai diretamente da tela para o DVD. A produtora e distribuidora Versátil Home Video lança simultaneamente à mostra uma caixa com três discos (R$ 69,90) contendo a versão integral do filme, adaptação dos conceitos contidos no livro O Capital, de Marx - além dos esboços que deram origem ao livro, ou seja, os Grundrisse, versão inicial da crítica de economia política do pensador alemão traduzida (pela primeira vez para o português) pela Boitempo Editorial.
Fazer um filme sobre O Capital é o mesmo que filmar a lista telefônica, com o agravante de que a última ainda permite certo tipo de representação que o ensaio econômico-filosófico de Marx não suporta. Kluge sabia disso desde o começo, ou seja, desde que decidiu concretizar um projeto nunca realizado pelo cineasta russo Serguei Eisenstein, diretor de clássicos como O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro, o filme mais caro bancado pelo governo revolucionário da ex-URSS. Ao terminar Outubro, em 1927, Eisenstein ficou dois anos com a ideia fixa de filmar O Capital seguindo a estrutura formal literária usada por James Joyce para escrever seu Ulisses. Em 1929, decidido a contar com sua colaboração, procurou o autor irlandês em Paris que, já cego, foi de pouca de ajuda.
Não foi só de Joyce que Eisenstein recebeu um não. Do Comitê Central soviético aos estúdios hollywoodianos, passando pela Gaumont francesa, ninguém quis bancar seu projeto de filmar O Capital usando Ulisses. Se, no livro, Joyce adota o modelo épico homerístico para contar a odisseia de um homem (Leopold Bloom) durante um dia inteiro, Eisenstein, em O Capital, contaria a vida de duas pessoas igualmente perdidas (um casal) num mundo pós-industrial dominado pelo capital. Um dia basta para resumir toda a história da humanidade na vida de um homem, segundo a lógica de Joyce. Ou de duas, segundo Kluge, que parece não ter dúvidas sobre em que cenário esse casal viveria hoje: o do pós-bolha que abalou o crédito das bolsas e instituições bancárias. Enzensberger, a título de colaboração, sugere que Kluge filme as pessoas abandonando suas casas nos EUA por não poder mais pagar as prestações ao banco.
Kluge, assim como Enzensberger, são da escola de Habermas. Em outras palavras: marxista. Naturalmente discorda de quem acha que a modernidade já deu seu último suspiro. Vendo a China comunista avançar e potências capitalistas ocidentais agonizando na UTI, Kluge sente-se mais ou menos como Eisenstein se sentia em 1929 com o quebra da bolsa de Nova York. Mais do que fornecer respostas à crise econômica mundial, seu filme fala de gente que se vê como dinossauro mas que ainda acredita no projeto iluminista da Escola de Frankfurt, como o jovem marxista Fred Walhasch, que escreve para jornais estrangeiros e elabora dossiês. Walhasch diz no filme: "Vivo como o próprio Marx. Ninguém me quer".
Ninguém quer igualmente filmes de 9 horas e meia. Vivemos numa sociedade de espetáculo e filmar O Capital exige coragem e determinação para ir contra essa tendência e reconstruir a arte cinematográfica de autores como Eisenstein, Murnau, Lang e Bergman. Ao desenterrar o projeto do filme do russo, Kluge tinha em mente unir a filosofia de Kant, Adorno e Habermas - naturalmente atento às inovações sintáticas da literatura de Joyce e à montagem por associações do cinema de Eisenstein. Assim, Kluge recorre a versos escritos na prisão, em 1871, por Louise Michael, a poeta da Comuna de Paris, mostrados por meio de cartelas (como no cinema mudo), além de usar fragmentos de óperas de Luigi Nono (Al Gran Sole Carico D"Amore), Max Brand (Maquinista Hopkins) e Wagner (Tristão e Isolda, uma montagem dirigida por Werner Schroeter em que os marinheiros da obra de Wagner saem diretamente do Encouraçado Potemkin).
Kluge ainda se apropria, com apetite antropofágico, de um deslumbrante exercício visual do cineasta Tom Tykwer ( de Perfume e Corra, Lola, Corra) sobre o fetiche da mercadoria. O filme de Tykwe tem 12 minutos e chama-se O Homem na Coisa. O diretor acompanha os passos apressados de uma garota em Berlim e, no lugar de contar sua história, começa a divagar, acompanhando os movimentos da câmera, que focaliza as maçanetas das portas das casas, os interfones, a bolsa e os sapatos da mulher. O olho selvagem da câmera penetra na realidade do processo de produção, enquanto o narrador conta a história dos objetos e demonstra, como queria Marx, que uma mercadoria não tem nada de trivial, que ela está cheia de metafísica, de conteúdo teológico.
O filme de Kluge ainda recorre a fragmentos de uma ópera que estreou justamente em 1929, no auge da crise mundial: Maquinista Hopkins, do austríaco Max Brand, incluído na lista dos "entarted" (degenerados) pelos nazistas. Como em Metrópolis, de Lang, Brand fala de um mundo novo nada admirável que surge das máquinas e da depressão econômica. A ópera se passa nos galpões de uma fábrica e ilustra, no terceiro DVD, como Eisenstein teria incorporado a linguagem operística à sintaxe cinematográfica, além de filmes como Ninotchka, de Lubistch, e peças de Brecht. Kluge realiza o sonho do cineasta russo.
NOTÍCIAS DA ANTIGUIDADE IDEOLÓGICA
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, 3095-9402.Hoje, 10h às 22h30 (com intervalos). Grátis.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO