sexta-feira, 29 de julho de 2011

Opinião – José Serra: Corrupção

"O ex-presidente também afastou pessoas envolvidas em casos de corrupção, mas aquilo que poderia se transformar no início de uma política de transparência acabou em nada.
A corrupção no Brasil não é o único problema e não pode ser tratada como um fator isolado. Ela causa desvios de recursos, acentua a ineficiência e impossibilita o planejamento. Isso é exemplificado no caso do Ministério dos Transportes."
José Serra, ex-prefeito e ex-governador de S. Paulo. Entrevista ao El Pais (Espanha), 28/7/2011

Mulher de novo coordenador do Dnit representa empresas

Promovido a coordenador-geral de Operações Rodoviárias do Dnit, o servidor de carreira Marcelino Augusto Rosa comanda serviços milionários no órgão com empresas representadas por sua mulher, Sônia Lado Duarte Rosa. Ele também responde a processo disciplinar na Controladoria Geral da União (CGU) por suposto favorecimento a empreiteiras. Sônia é procuradora de oito empresas, a maioria responsável por sinalização de rodovias. Graças a aditivos, algumas conseguiram dobrar o valor de seus contratos nos últimos anos. Sônia e Marcelino são chamados de "casal Dnit" em Brasília. Ela nega favorecimento e diz que "é uma coisa comum" parentes de servidores do Dnit atuarem no órgão. Ontem, mais um diretor foi afastado, e a autarquia hoje está sem um diretor sequer

"Casal Dnit" lida com negócios milionários

Mulher de novo coordenador de Operações Rodoviárias representa empresas contratadas pelo órgão

Fábio Fabrini e Roberto Maltchik

Promovido a coordenador-geral de Operações Rodoviárias do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em meio à crise, Marcelino Augusto Rosa comanda serviços milionários do órgão com empresas cuja representante é sua mulher, Sônia Lado Duarte Rosa. De um lado do balcão, o servidor, que responde a processo disciplinar da Controladoria Geral da União (CGU) por suposto favorecimento de empreiteiras, tem ascendência sobre contratos de sua área. De outro, é ela quem leva e traz documentos e pleitos de algumas das contratadas à sede da autarquia em Brasília.

Sônia Duarte é procuradora de oito empresas, a maioria responsável pela sinalização de rodovias. Antes de assumir a Coordenação Geral de Operações - no lugar de Luiz Cláudio Varejão, exonerado pela presidente Dilma -, Marcelino já era interino do cargo e coordenava o setor de Segurança e Engenharia de Trânsito, responsável pela sinalização horizontal e vertical, entre outras atribuições. Graças a aditivos, algumas das clientes de Sônia conseguiram dobrar o valor de seus contratos nos últimos anos.

Só a SBS, que se vale dos serviços de Sônia há pelo menos três anos, esticou o valor de seu contrato em 164% (de R$4,3 milhões para R$11,4 milhões), após seis aditivos. A CAP tem dois contratos, um com aumento de 121% (de R$4,1 milhões para R$9,1 milhões) e outro de 86,5% (de R$5,2 milhões para R$9,7 milhões). Já a Sinalmig obteve acréscimos de 112% (de R$5,09 milhões para R$10,6 milhões). Desde 2006, a SBS já recebeu R$9 milhões. Os pagamentos à CAP somaram R$16,3 milhões. No caso da Sinalmig, outros R$8,9 milhões.

Sônia atua no órgão há cerca de 15 anos

Em vez de abrir licitações para ampliar ou dar continuidade aos trabalhos, o Dnit optou por prorrogá-los por meio de aditivos. As três empresas são de Belo Horizonte e também atuam como subcontratadas de empreiteiras que trabalham para o órgão.

Nos bastidores da autarquia em Brasília, Sônia e Marcelino ganharam o apelido de "casal Dnit". Ele é servidor antigo, com mais de 40 anos de crachá, egresso do extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Levada pelo marido, ela atua há cerca de 15 anos no órgão, graças a procurações das empresas, anualmente renovadas. O boca a boca aumentou a clientela. E fez sua fama. Segundo um engenheiro, contratá-la é a garantia de "acelerar" processos internos.

Sônia e Marcelino são sócios na Somart, com sede no apartamento em que moram em Brasília. Nos registros da Junta Comercial do Distrito Federal, a empresa faz representação comercial de material odontológico e cosméticos a madeira e revistas, além de obras de terraplanagem, serviços de preparação de terreno. Eles alegam que a empresa está inativa.

Representante da SBS, Maurício Braga conta que soube de Sônia por dica de uma empresa, mas antes tomou o "cuidado" de consultar as diretorias Geral e Executiva. Segundo ele, cabem a ela apenas tarefas de "despachante", como apresentar documentos das medições das obras para viabilizar pagamentos, completar papéis e informações que faltam, acompanhar os processos, entre outras.

- Ela presta serviços para várias empresas lá dentro. O Dnit é sabedor disso. O serviço que ela me presta, apesar de o marido trabalhar lá dentro, não tem poder nenhum de me ajudar em nada - sustenta.

Braga afirma que a empresa obteve contrato regularmente, porque venceu licitação.

- Ela não tem os poderes para fazer e acontecer, receber, dar descontos, dar quitação.

Sobre os aditivos, diz ser uma decisão do Dnit:

- Não posso responder sobre uma coisa que não sei. Acredito que deve ter sido feito porque o contrato venceu e não houve prazo para que houvesse uma nova licitação.

O Dnit não se pronunciou ontem. Perguntada sobre se há conflito entre suas atividades e as do marido, Sônia respondeu:

- Engraçado, as pessoas pensam isso, não é?

Ela explicou que sua representação é meramente burocrática, sem interferência em contratações e licitações. E que, embora circule no setor de Marcelino, cumprimentando-o "como se não o conhecesse":

- Não sou lobista, não tem nada a ver com essa área assim de influência. Não tenho acesso à diretoria. O Marcelino, estando nessa área, não teria interesse de me facilitar nada. Trabalho com o pessoal de base, pessoal só de apoio - assegurou.

Sônia diz que não há que se falar em favorecimento, pois trabalha para muitas firmas do mesmo ramo, que concorrem entre si:

- Se eu fosse beneficiar alguma, eu estaria ao mesmo tempo contra mim, porque atendo empresas que fazem o mesmo trabalho.

Ela conta que várias pessoas, algumas parentes de servidores, são representantes no Dnit, o que "é coisa comum". E que aceitaria deixar as atividades se a diretoria determinasse:
- Se for uma decisão do órgão, com certeza. Mas eu gostaria que houvesse um documento que expressasse isso. Não sou a única.

Sônia diz que a Somart foi aberta há vários anos em São Jorge (GO), como uma loja dentro de uma pousada, para comercializar artigos da população nativa, e nunca atuou com engenharia. Segundo ela, a empresa está inativa há vários anos. Às empresas que são suas clientes no Dnit, são entregues recibos como comprovação do pagamento. Procuradas, as empresas CAP e Sinalmig não retornaram as ligações do GLOBO.

FONTE: O GLOBO

Em clima de campanha, Lula vai a inauguração no Rio

Bruno Boghossian e Pedro Dantas

Em clima aberto de campanha eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da inauguração de uma clínica construída pela prefeitura do Rio de Janeiro em Del Castilho, na zona norte da cidade. Lula elogiou a gestão do prefeito Eduardo Paes (PMDB), pré-candidato à reeleição em 2012, e destacou a importância da parceria entre o município e o governo federal.

"Valeu a pena, em 2008, a gente eleger esse moço (Paes) prefeito dessa cidade. Eu tinha vivido como presidente com outro prefeito e eu sei quanto prejuízo vocês tiveram pelo fato de o prefeito daquela época não querer conversar com o presidente da República", afirmou Lula, referindo-se ao ex-prefeito Cesar Maia (DEM). Um de seus filhos, o deputado federal Rodrigo Maia, é pré-candidato de oposição à reeleição de Paes.

Lula foi recebido como chefe de Estado e aplaudido por uma claque transportada em dezenas de ônibus pela prefeitura do Rio. Parte do público era moradora de bairros como Madureira, Jacarepaguá e Cascadura - distantes até 15 quilômetros da clínica - e recebeu sanduíches e frutas como lanche. Agentes municipais de saúde relataram que foram orientados por seus superiores a participar do evento. A prefeitura alegou que o público transportado nos ônibus era formado por alunos de um programa de atividade física para a terceira idade, que também passaria a funcionar em Del Castilho.

Em discurso de cerca de dez minutos, Lula elogiou a política de saúde de Paes e defendeu a estrutura das clínicas, cujas paredes são parcialmente metálicas e criticadas por apresentar um custo maior que as construções de alvenaria. No palanque, o ex-presidente disse que está "desaprendendo a usar microfone" e voltou a afirmar que os governos devem priorizar a população de baixa renda. "Todo mundo que é eleito, é pra cuidar da parte mais pobre da população. O rico não precisa de governo", declarou.

Um dos principais cabos eleitorais de Paes, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB), fez coro com o presidente na defesa do governo municipal, ao dizer que "o Rio tem o prefeito mais trabalhador e mais competente de sua história". Cabral também aproveitou o palanque para citar o vice-governador Luiz Fernando Pezão, desconhecido de boa parte do eleitorado fluminense e provável candidato à sua sucessão em 2014.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Prefeitura do Rio enche 30 ônibus de idosos para ver Lula

Italo Nogueira e Gustavo Alves


Idosos e agentes de saúde municipais foram levados por 30 ônibus com logotipos da Prefeitura do Rio a um evento com participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem, no Rio.

Vários ônibus traziam participantes de programas da Secretaria Especial de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, que tem como titular Cristiane Brasil, filha do deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ela, porém, não estava presente.

"Chama o Lula, rapaz", pediu o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao locutor que apresentava a inauguração de uma clínica municipal à tarde na zona norte da cidade. O ex-presidente foi saudado com gritos de "Lula lá".

O governador Sérgio Cabral, que já passara a manhã com Lula - o levou para conhecer o Hospital Estadual de Traumatologia e Ortopedia Dona Lindu [nome da mãe de Lula], em Paraíba do Sul (RJ)-, disse que ele foi o "maior presidente da história do Brasil". Paes afirmou que ele era "a visita mais especial do Brasil e do mundo".

"O professor [da academia da terceira idade] avisou a gente, viemos em grupo de ônibus", contou Ana Maria Sobrinho, 72, moradora de Brás de Pina.

Na visita ao Hospital Dona Lindu, o ex-presidente, mais uma vez, reclamou da imprensa. Disse que "o que é ruim tem preferência no noticiário" e defendeu gastos do governo em publicidade para divulgar "as coisas boas".

Lula também sugeriu a Cabral que invista em publicidade para divulgar os resultados considerados por ele positivos. "Vocês têm a obrigação política de dizer o que estão fazendo aqui."
FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Cesar e Gabeira cogitam concorrer a vereador

Ex-prefeito e ex-deputado analisam possibilidade de serem puxadores de voto e formarem bancadas fortes para DEM e PV
 
Marcelo Remígio e Juliana Castro
 
Sem o controle da prefeitura e da Câmara Municipal, o ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, pretende disputar uma vaga de vereador, nas eleições do ano que vem, para salvar o combalido DEM e tentar enfraquecer a hegemonia do PMDB.
 
Cesar, que por mais tempo governou a cidade, quer recuperar o poder político na capital e pretende ser o puxador de votos do partido, que já foi a bancada majoritária da Casa e hoje ocupa apenas cinco das 50 vagas.
 
O ex-prefeito não estará sozinho na briga. O PV aposta no lançamento da candidatura do ex-deputado Fernando Gabeira para encabeçar a lista de candidatos. Sem descartar o convite, o verde estipulou dezembro como prazo para anunciar se aceita a empreitada.
 
O prefeito Eduardo Paes (PMDB), que controla a Câmara — e tem conseguido o apoio até de vereadores do DEM, principal sigla de oposição — se movimenta para distribuir seu grupo por vários partidos, não necessariamente de sua base.
 
Cesar Maia disse que concorrerá a vereador, desde que as projeções das pesquisas apontem para uma vitória com mais de 200 mil votos. Com essa votação, ele conseguiria eleger pelo menos quatro vereadores.
— Caso nossas projeções eleitorais indiquem a possibilidade de minha candidatura a vereador eleger mais quatro ou cinco vereadores, além dos quatro que o partido pretende, serei candidato. Estar no Legislativo é sempre honroso em qualquer nível — afirmou Cesar, que soma três mandatos de prefeito e, nas eleições do ano passado, conseguiu 1,5 milhão de votos para o Senado, atrás de Lindbergh Farias (PT), Marcelo Crivella (PRB) e Jorge Picciani (PMDB).
Para o cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a estratégia de Cesar pode dar certo:
 
— Tanto Cesar quanto Gabeira têm a possibilidade de chegar a 500 mil votos cada. A ida de ambos, que são bem preparados, para a Câmara, melhora a qualidade da bancada e aumenta o debate político. Hoje temos uma lista de desconhecidos na Casa, que enfrentou problemas como vereadores ligados ao crime organizado, às milícias.
 
FONTE: O GLOBO

Prévias da discórdia:: Merval Pereira


A lenda de que o PT escolhe seus candidatos "ouvindo as bases" não passa disso, uma lenda, que tem origem em um tempo em que chegar ao poder, qualquer tipo de poder, ainda era um sonho, e era possível imaginar-se um partido em que o comando não seria imposto, mas acatado pelo consenso partidário.

A cada movimento que aproximou o partido do poder, inicialmente em alguns municípios, depois em capitais, mais adiante em estados, mais e mais a corrente majoritária tratava de montar suas estratégias para controlar as decisões finais do partido, o que incluiu, quando necessário, a intervenção direta nas direções regionais.

Com exceção de um pequeno período em que Lula e José Dirceu se separaram numa briga interna, o poder nunca lhes fugiu.

Reconciliados, aprenderam que juntos poderiam controlar indefinidamente o PT, e por isso, embora existam ainda no estatuto do partido, as prévias foram se tornando cada vez mais um hábito arcaico, que não reflete o estágio de poder a que o partido chegou a nível nacional.

Por acreditarem nas prévias como instrumento de democratização das decisões, os senadores Cristovam Buarque e Eduardo Suplicy caíram em desgraça; o primeiro acabou saindo do partido, o outro permanece lá, azucrinando as lideranças com sua falsa ingenuidade, mas não tem a menor importância dentro da legenda e dificilmente conseguirá apoio para se candidatar de novo ao Senado ao fim de seu mandato, quanto mais a prefeito, como está pretendendo.

A rebelião dos dois senadores deu-se na escolha do candidato do partido à Presidência da República em 2002, depois de Lula ter sido derrotado quatro vezes anteriormente, duas para Collor, no primeiro e segundo turnos de 1989, e duas no primeiro turno para Fernando Henrique.

Os dois lançaram dentro do partido a ideia de que Lula deveria dar lugar a uma candidatura nova e se dispuseram a ser esse candidato. Cristovam acabou desistindo da empreitada, diante da insistência de Lula, mas mesmo assim não foi perdoado.

Convidado para ser ministro da Educação do primeiro governo Lula, acabou sendo demitido por telefone e teve de sair do PT, indo para o PDT, onde foi candidato a presidente contra Lula em 2006.

Mas Suplicy levou adiante seu anseio e foi massacrado. Perdeu por 84,4% a 15,6%. Agora, para irritação do ex-presidente Lula, ele decidiu pedir a realização de prévias no PT para a escolha do candidato à disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2012.

Naquele seu jeito sonso de fazer política, Suplicy declarou-se com vontade de "trocar ideias sobre a importância de realizar prévias" com a direção do PT e anunciou que gostaria que seu nome fosse levado em consideração.

Acontece que Lula tem outros planos para o PT paulista, e também a ex-mulher de Suplicy, a senadora Marta Suplicy. Lula quer que o ministro da Educação, Fernando Haddad, seja o candidato do consenso, enquanto Marta insinua que se colocará como candidata se Haddad for realmente lançado.

Agora são dois Suplicys no caminho de Lula, embora por razões distintas. E poderíamos ver a situação insólita de o ex-casal se digladiando por votos numa prévia partidária, sem que Lula apoiasse nenhum dos dois.

Mas dificilmente isso acontecerá, pois Lula, nos bastidores, já trabalha para inviabilizar as prévias. O 4º Congresso do PT tem como um dos objetivos alterar o estatuto para modernizar a ideia de prévias, que provavelmente continuará lá, pois simboliza as origens do PT que se perderam na poeira da História, mas precisam ser mantidas justamente como símbolos.

Assim como a busca do socialismo, que continua como objetivo político do PT, mas não passa de letra morta.

O ministro Gilberto Carvalho, o mais evidente elo entre Lula e a nova gestão petista comandada pela presidente Dilma, já vocalizou o que Lula pensa: "Seria um desastre ter prévia no PT em São Paulo", disse em entrevista recente, lembrando que o sistema acabou se transformando em trauma para o partido, pois, toda vez em que as prévias foram realizadas, houve enorme dificuldade para juntar o partido e reunificar a base.

"Com a disputa no nosso campo, as prévias oferecem munição para o adversário", é o diagnóstico que predomina na corrente majoritária, que joga uma cartada decisiva nas próximas eleições municipais para tentar tirar do PSDB o domínio da prefeitura paulistana, o que abriria caminho para um projeto mais ambicioso: derrotar os tucanos no governo de São Paulo.

Lula tomou a si a tarefa de dar esse salto qualitativo no poder petista e está negociando em diversos setores para montar uma aliança política forte para Haddad.

Um dado fundamental nesse jogo de xadrez paulista é o PMDB do vice Michel Temer, que surge como provável sucessor de Orestes Quércia no controle regional do partido.

Lula está empenhado em fazer um acordo com ele, mas esbarra na estratégia do PMDB de ter candidato próprio à prefeitura.

Com a ida do deputado federal Gabriel Chalita para o seu partido, Temer ficou com um trunfo político importante e já provoca a ambição do governador Geraldo Alckmin, que se aproximou dele homenageando Quércia com o nome de uma ponte.

Se depender de Alckmin, uma aliança com o PMDB para apoiar Chalita não seria má opção, muito ao contrário. Chalita foi seu secretário e saiu do PSDB, primeiro para o PSB e depois para o PMDB.

No PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, patrocina acordos com o PT de Lula. No PSDB, o ex-governador José Serra não tem Chalita como um dos seus.

Mas, se Serra não aceitar mesmo concorrer à prefeitura, perderá muito das condições políticas para impor um candidato seu, como parece ser o caso do ex-secretário Andrea Matarazzo.

Os pré-candidatos do PSDB estão namorando as prévias, mas a atuação de Alckmin será fundamental para uma decisão consensual que pode levar ao apoio de candidato de outra legenda, como Chalita.

Da mesma maneira que Gilberto Kassab, então no DEM, acabou sendo apoiado pelo então governador José Serra, para derrotar Alckmin.

Sinal de crise que não se acaba.
FONTE: O GLOBO

Um boné na soleira:: Dora Kramer

Intrigante a conduta do ministro da Defesa, Nelson Jobim: está no governo, é governo, mas não disfarça sua insatisfação com a parte que lhe coube no latifúndio do governo Dilma Rousseff.

Quando se aventa a hipótese de que esteja com vontade de sair, diz que não há nada a não ser mal-entendidos, mas, não demora, faz de novo algum gesto de evidente sinal de desconforto.

E aqui não se trata das críticas duras que Jobim faz ao governo nas reuniões internas do PMDB, porque nessa seara está na companhia da maioria dos ministros do partido. Tomemos apenas o que o ministro da Defesa diz em público.

Aparentemente sem a menor necessidade, e por isso é que os movimentos causam estranheza e suscitam dúvidas sobre o intuito do ministro. Ainda mais tratando-se de um homem afeto a exercícios de lógica, que nada faz sem que tenha em mente a tese, a antítese e a síntese.

Qual o papel, por exemplo, que procura desempenhar quando afirma em solenidade de homenagem ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que uma das melhores características dele era saber se relacionar bem com subordinados, "sem nunca levantar a voz"?

Falou por iniciativa própria sem que a ocasião lhe oferecesse contexto para tal, a não ser o propagado hábito da presidente Dilma de se dirigir a subalternos justamente levantando a voz.

Na época Jobim cuidou de explicar apenas uma parte do discurso. Aquele em que citava Nelson Rodrigues para dizer que no governo de FH os idiotas eram discretos, mas hoje "perderam a modéstia". Alegou se referir a jornalistas. Mas aquela outra parte sobre o tratamento de governantes com subordinados ficou no ar, à disposição da óbvia ilação comparativa.

Mas, tudo bem, passou. Até que em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo Jobim discorre sobre o já sabido: que votou em José Serra na última eleição. Nada demais, em tese. O voto é livre, abre a posição quem quer.

Mas, como diria petista de triste memória, determinados tipos de transparência não denotam inteligência. No caso de Jobim, não se pode falar em insuficiência mental. Sobra-lhe.

Então para que trazer o assunto à baila, se poderia simplesmente invocar o sigilo constitucional do voto e seguir em frente? Não, fez questão de reafirmar uma posição que sabidamente provocaria reações no PT e criaria um inútil mal-estar para o vice-presidente da República, representante do partido de Jobim em governo a que aceitou servir como ministro da Defesa.

Por que passar o recibo da infidelidade partidária? Para exercitar a transparência é que não foi.

O que parece mesmo é que Jobim está com o boné pendurado na soleira da porta, testando a capacidade de resistência da presidente diante de insolências em série.

Quem é quem. Houve um tempo em que o Palácio do Planalto dispunha de um sistema de triagem de biografias de indicados para cargos na administração pública. Funcionava, ou era para funcionar, no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência.

Nunca mais se falou nisso. Mas, agora, quando a presidente Dilma Rousseff diz que vai impor a ficha limpa como pré-requisito para os substitutos dos demitidos do Ministério dos Transportes, valeria a retomada da prática do exame de vidas pregressas antes de o governo oficializar nomeações.

Para todos, os novos e os atuais ocupantes de postos na Esplanada, palácio e adjacências.

Por etapas. A pesquisa que mostra 55% da população contra a união estável entre pessoas do mesmo sexo pode até parecer um dissenso em relação à decisão do Supremo Tribunal, mas, se a gente olhar direito não necessariamente.

Além de um tanto recente na pauta nacional, o assunto ainda não foi devida e completamente compreendido: boa parte dos que são contra se manifestam na verdade contrários ao casamento gay, tema que não está (ainda) em questão no Congresso ou na Justiça. Para uma opinião pública tida como conservadora, 55% é um porcentual baixo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A ponte do PMDB :: Fernando de Barros e Silva

"Vossa Excelência teve a sabedoria de não designar uma pequena rua, uma pequena avenida para o nome do Quércia. Isso vulneraria a grandiosidade dele." Parece Odorico Paraguaçu, mas é Michel Temer, o chefe do invulnerável PMDB.
Agradecia ao governador Geraldo Alckmin na inauguração da ponte Governador Orestes Quércia, sobre o fétido rio Tietê.

Sob o glacê da retórica pomposa e cínica, a cerimônia funcionou como ato simbólico de apropriação do espólio quercista por Michel Temer. Foi este o seu significado político.

Depois de promover uma razia nos postos de comando do partido ocupados por quercistas, Temer foi à ponte para discursar e mostrar quem agora é o patrão do território.

Não faltaram as trocas de gentilezas entre Temer e Alckmin nem as insinuações de que ambos podem estar juntos na eleição paulistana. Não seria tão constrangedor se o cacique do PMDB não fosse, também, vice-presidente da República, eleito na chapa com Dilma Rousseff, do PT. Mas esse tipo de escárnio é o que define o caráter do PMDB.

Com o deputado neopeemedebista Gabriel Chalita a tiracolo, Temer começou a fazer o leilão de 2012 sobre a ponte Orestes Quércia. Chalita, por ora, está candidato a prefeito, mas o PMDB ainda pode se acertar com o PT ou com o PSDB. Ou seja, fazemos qualquer negócio, mas o preço do partido subiu.

A dedetização localizada que patrocinou nos Transportes deixa a presidente mais vulnerável ao PMDB. Este raciocínio de Lula é tão republicano quanto o PR que ele adora, mas é politicamente correto.

Por essas e outras, Michel Temer é hoje o principal líder de oposição ao governo Dilma. Ele sabe disso e joga com isso. Aécio, Serra e os pobres Demos não têm, juntos, nem a décima parte do poder de fogo para incomodar o Planalto que Temer e sua patota acumularam nas mãos.

Ministro de FHC, de Lula e de Dilma, eleitor de José Serra: Nelson Jobim, seu nome é PMDB.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Lula e Dilma:: Cláudio Gonçalves Couto

Os primeiros sete meses do governo de Dilma Rousseff, marcados por muitas dificuldades na frente política, tornaram inevitáveis comparações da atual presidenta com seu antecessor e mentor. Curiosamente, algumas das características da nova chefa de governo mais elogiadas pelos críticos acerbos do estilo de Lula têm sido agora apresentadas como causas de suas dificuldades políticas. Enquanto ele seria um presidente loquaz, afável e permissivo, Dilma se caracterizaria por uma grande discrição, pouca disposição para o contato direto com os políticos e uma rigidez muito grande nas negociações.

Diante de tais contrastes, seria fácil compreender o porquê de Lula ter sido tão bem sucedido na construção de uma ampla e segura rede de apoios, enquanto Dilma enfrentaria já de saída severas dificuldades na manutenção da lealdade de sua base. Em alguns momentos, a dureza do estilo da nova presidenta é lastimada de forma severa e até mesmo ameaçadora por membros da coalizão partidária. Foi o que fez, por exemplo, o deputado do PDT paulista, Paulo Pereira da Silva, em matéria publicada anteontem no Valor. Diante da ação implacável da chefa de governo no Ministério dos Transportes, Paulinho afirmou: "Se for assim, se esse tratamento valer para toda crise, teremos que tratá-la [Dilma] dessa forma quando houver uma denúncia envolvendo a presidente".

A ameaça nada velada de Paulinho ganha ainda mais força se, novamente, contrastarmos Lula com Dilma. A maior condescendência do ex-presidente com seus aliados, mesmo quando denúncias surgiam, teve como contrapartida a proteção que em torno dele se criou nalgumas ocasiões, principalmente à época do mensalão. Mesmo Roberto Jefferson, o pivô do escândalo, procurou preservar a figura do presidente do centro das falcatruas, apontando-o muito mais como um líder traído do que como o chefe da conspiração, que teria o (muito mais afeito à imagem de conspirador) apparatchik José Dirceu como seu articulador.

Os líderes petistas de projeção nacional que escaparam à tragédia do mensalão soçobraram pouco tempo depois: Antônio Palocci, com o escândalo do caseiro; Aloizio Mercadante, com o imbróglio dos aloprados. Lula sempre defendeu até o limite do possível seus auxiliares (na maior parte dos casos, petistas), defenestrando-os do governo apenas quando seus próprios problemas os catapultavam para fora dele. Assim, o presidente parecia apenas aceitar resignado a renúncia de auxiliares politicamente moribundos, aos quais não restava mesmo outra alternativa. No caso dos ministros, seu afastamento ocorria ainda com um simbólico ato de reconhecimento dos serviços prestados, mediante as cerimônias de transmissão do cargo.

Ironicamente, contudo, foi a dizimação de líderes petistas a principal causa do surgimento de Dilma como virtual candidata à Presidência da República pelas mãos do preservado e popularíssimo Lula. Ao PT não restava nenhum nome que tivesse projeção nacional, fosse da confiança de Lula e, sobretudo, fosse minimamente consensual no partido - principalmente em sua coalizão interna dominante, o Campo Majoritário. Tarso Genro, o homem para todas as empreitadas difíceis (Conselho de Desenvolvimento, Educação, Presidência Interina do PT, Articulação Política e Justiça), era demasiadamente controverso dentro do partido - principalmente por seu antagonismo com José Dirceu. Assim, embora Tarso desfrutasse de potencial eleitoral e tivesse sobrevivido aos escândalos, sua eventual indicação pelo presidente conflagraria o PT.

Dilma, filiada ao PT apenas no início dos anos 2000 e tendo uma trajetória muito mais afeita à ocupação de cargos governamentais que a lutas intrapartidárias, não tinha maiores vínculos com qualquer corrente petista, não suscitando assim grandes resistências a seu nome. Para um partido desprovido de melhor alternativa (até mesmo porque Lula não alimentou a tese do terceiro mandato consecutivo), a candidata internamente incontroversa e eleitoralmente turbinada pela grande popularidade do presidente converteu-se numa dádiva. Aquilo que opositores denunciaram como um mexicano "dedazo" pode ser melhor descrito como uma salvadora solução arbitrada. Lula era o único que, na situação de vácuo de lideranças do PT, poderia transferir externamente popularidade para um nome e arbitrar internamente a definição sucessória.

Todavia, se o perfil de Dilma foi vantajoso na criação da candidatura no período entre o mensalão e a sucessão, pode agora representar uma debilidade exatamente no âmbito em que funcionou melhor antes: o apoio intrapartidário. Como a presidenta não é uma petista "autêntica", de "origem" e nem possui vínculos estreitos com as diversas frações do partido, a motivação do aparelho do PT para defendê-la incondicionalmente é muito menor. Isto tende a ocorrer sobretudo na medida em que certas decisões de seu governo contrariarem mais fortemente preferências partidárias bem consolidadas - sejam elas programáticas ou fisiológicas. As históricas turras de dirigentes petistas com governantes "excessivamente autônomos" no passado mostram que este risco é real.

Lula podia se dar ao luxo de contrariar impunemente o partido porque era (como ficou provado) sua tábua de salvação e porque a história do PT se confundia com a sua própria. Dilma, ou qualquer outro governante menos enfronhado com a máquina partidária, mesmo que ungido por Lula, não conta com esse mesmo poder. Tal lógica evidencia-se em manifestações como a reproduzida esta semana pela "Folha de S. Paulo", do deputado paulista Carlos Zarattini, criticando o favorito de Lula na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Disse ele: "O Haddad é um bom nome, mas tem pouca interlocução com a base petista". Membro dileto da coalizão dominante do PT paulistano (grupo de Rui Falcão, irmãos Tatto e Marta Suplicy), Zarattini queria dizer: "O Haddad é um bom nome, mas não é um dos nossos". Se Dilma quiser saber melhor o quanto isto pode atrapalhar, poderia chamar a ex-prefeita Luiza Erundina para uma conversa.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Cartas ao presidente Itamar

Arquivo de correspondências enviadas ao ex-senador mostram os anseios da população às vésperas da edição do Plano Real, em 1994

Daniel Camargos

Juiz de Fora (MG) — Ana, de Goiânia, quer notícias do concurso realizado para o Banco do Brasil. Ela foi classificada, mas espera a convocação para a posse. Iara, de Porto Alegre, quer mais segurança, pois foi assaltada e precisa andar acompanhada de dois seguranças armados. Élcio, do Rio de Janeiro, está preso e quer o perdão da pena. Elenilda, de Maceió, é mãe de nove filhos, não tem marido e quer uma aposentadoria aos 45 anos. Outra Elenilda, de Conceição do Coité (BA), precisa de um emprego público. Edvando, de Belo Horizonte, confia na estabilidade do recém-lançado Plano Real, mas deseja que o reajuste das parcelas de sua casa seja revisto, pois não suporta mais os aumentos. Todos são personagens do Brasil entre 1993 e 1994 — período em que Itamar Franco foi presidente — e são remetentes de um arquivo de cartas recebidas pelo ex-presidente que chega a 350 mil correspondências.

O Correio teve acesso com exclusividade às cartas, que estão no instituto que leva o nome de Itamar, localizado em dois andares no centro de Juiz de Fora (MG). As cartas fazem parte do acervo pessoal do ex-presidente, com medalhas, fotografias, livros, objetos pessoais e recortes de jornal que compreendem toda a carreira política do político. O material mostra os anseios da população, em especial durante a turbulência econômica do governo Fernando Collor (1990-1992) e a redenção do Plano Real.

Poucos dias antes da entrada em vigor do plano, em fevereiro de 1994, o engenheiro Egídio Furtado Campos enviou carta para o presidente listando sugestões. Ressaltou que o presidente deveria "mudar verdadeiramente a moeda". O primeiro pedido era para que o símbolo do Real fosse BR$. O segundo, para que trocasse a expressão nas notas de "Deus seja louvado" para "Nós louvamos a Deus". Egídio aproveitou para compartilhar algumas considerações a respeito do espírito do brasileiro às vésperas de mais um plano: "Gerou-se um estado de coisas em que ninguém, ou quase ninguém, acredita, de fato, numa recuperação econômica do Brasil."

Ajudinha

Todas as cartas do período em que Itamar foi presidente foram respondidas à época pelo setor de memória da Presidência. A resposta era padrão, acusando o recebimento e encaminhando o assunto para ministérios específicos. Edvando José Baeta, de Belo Horizonte, enviou carta dizendo estar "confiante na estabilidade do Plano Real". Aproveitou para pedir a redução das prestações da casa própria. Ana, de Goiânia, pediu notícias sobre o concurso do Banco do Brasil. "Passei oito meses estudando a fio, quatorze horas por dia", apelou.

Os pedidos de ajuda se multiplicavam. Da cadeia, um condenado pedia o perdão da pena. Anexou à correspondência vários certificados de boa conduta e até um em que afirma ter costurado bolas de futebol. A relação de Itamar com as cartas era de imenso respeito, de acordo com Neusa Mitherroff, que trabalhou com ele por mais de 40 anos e hoje é a principal organizadora do acervo. Ela mostra com carinho um porta retrato com a foto de Larissa, uma garota de Curitiba, que conheceu Itamar durante visita escolar a Brasília. A criança puxou conversa com o presidente e esticou o assunto ao ponto de se tornarem correspondentes desde 1993 até os últimos dias de vida de Itamar.

Memorial pronto em 2012

O acervo do ex-presidente Itamar Franco será transferido para o Memorial da República — Presidente Itamar Franco, que será construído em Juiz de Fora (MG) até o fim de 2012, ao custo de R$ 3,5 milhões. O Instituto Itamar Franco será incorporado pela Universidade Federal de Juiz Fora. O Instituto foi criado em 2005 e, além da memória do ex-presidente, guarda grande parte da história recente do município mineiro. O prédio terá mais de 815m² e estilo arquitetônico dos anos 1960. No projeto estão previstos espaço para exposições, bibliotecas, hemeroteca e salas de pesquisa. Além das milhares de cartas dos populares, há também um acervo de 5,5 mil livros, fotografias de todos os momentos da vida pública de Itamar e diversos objetos pessoais do ex-presidente.

FONTE: ESTADO DE MINAS

Mentalidade inflacionária e indexação:: Luiz Carlos Bresser-Pereira .

Até 1980 o tema principal de minhas aulas e de meus artigos era o do desenvolvimento econômico. Quando, naquele ano, teve início a alta inflação inercial e desencadeou-se a crise da dívida externa, eu me voltei para a macroeconomia e para as crises de balanço de pagamentos. Assim, não me surpreendi quando, em 1987, ao assumir o Ministério da Fazenda em um momento de crise aguda, verifiquei que os problemas que tinha que enfrentar eram justamente aqueles - o da dívida externa que em 1993 foi em parte resolvido graças ao Plano Brady e o da alta inflação, que em 1994 foi resolvido pelo Plano Real.

Mas a estabilização foi parcial e, desde então, os dois grandes problemas que limitam o crescimento econômico são o alto nível da taxa de juros e uma taxa de câmbio cronicamente sobreapreciada.

Se aprendemos uma coisa nos 15 anos de alta inflação (1980-1994) foi que nada dificulta mais seu controle do que a indexação. É a indexação formal dos preços que habitua as pessoas e as empresas a também indexar informalmente seus próprios preços. Daí decorrem uma rigidez para baixo da inflação, e consequências localizadas absurdas como são as ações na justiça em relação aos planos de estabilização. Neles a mudança na forma de calcular o índice era necessária para sinalizar o fim da inflação, mas não causou prejuízo para os poupadores. Como os preços eram congelados em um determinado dia, e como no cálculo dos índices de preço compara-se a média do mês com a média do mês anterior, era necessário que fosse eliminado o "carregamento" da inflação do mês anterior. Se isso não fosse feito, a inflação, embora zerada, carregaria a metade da alta inflação do mês anterior, sinalizaria que o plano fracassara, e essa seria uma profecia autorrealizada porque, dada essa percepção, os agentes econômicos indexariam informalmente seus preços mais uma vez.

Equívocos como esse são apenas um tipo de distorção que traz a indexação formal. Mais amplamente ela é origem de mentalidade inflacionária e da prática da indexação informal. As empresas aumentam seus preços não de acordo com o aumento da demanda, mas de acordo com o índice de preço mais aceito no momento. Estabelece-se, assim, uma ciranda de aumentos defasados de preços na qual ninguém sabe quem aumentou primeiro, mas que não pode ser interrompida por nenhum dos agentes econômicos porque isso implicará perdas para ele. Por isso a inflação inercial é compatível com a recessão; por isso austeridade fiscal apenas não é eficaz em controlá-la. Para terminar com essa ciranda inercial decorrente da indexação é preciso neutralizá-la em um determinado dia, sem, no entanto, causar prejuízo para os agentes econômicos que naquele mês ainda não haviam aumentado seus preços. A solução para isso é o congelamento de preços com uma tabela que desconte a inflação futura das contas a pagar das empresas, ou então o uso de uma moeda indexada ao dólar durante alguns meses.

A alta inflação inercial terminou em 30 de junho de 1994, mas continuamos a ter uma inflação inercial, porque a instituição da indexação formal continua a existir e, em consequência, se perpetua a indexação informal. Até hoje cerca de 30% dos preços são formalmente indexados (em relação a seu peso no índice). São principalmente os preços dos contratos de concessão do Estado para as empresas, e recentemente decidiu-se, de forma absurda, indexar o salário mínimo. Alimenta-se, assim, a mentalidade inflacionária. E essa é uma das razões pelas quais o Banco Central adota um nível de taxas de juros altíssimo - o maior do mundo em termos reais desde 1994.

Como resolver esse problema? Não proponho a quebra de contratos, mas que o governo envie para a aprovação do Congresso projeto de lei proibindo que o Estado brasileiro assine ou renove contratos com cláusula de indexação em qualquer um dos seus níveis (federal, estadual, e municipal). Isso não significa que os preços contratados não possam ser revisados tomando-se em conta a inflação. Isso continuará a ser feito, mas não de acordo com um índice previamente determinado. No contrato estará previsto que um dos critérios de reajuste será a inflação, de maneira que, no momento da renegociação de preços, o governo possa fazer o que os demais países fazem: discutir com a concessionária do serviço público o reajuste levando-se em conta o aumento dos preços que incidem mais diretamente em sua atividade e o aumento de produtividade.

Essa proibição deverá, naturalmente, se estender aos títulos emitidos pelo Estado. Assim as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), títulos indexados à Selic, deixarão imediatamente de ser emitidas, eliminando-se gradualmente outra causa fundamental das altas taxas de juros.

A solução que apresento não é mágica, não resolverá a pressão inflacionária atual nem desestimulará as ações na Justiça cobrando créditos injustificados, mas os bons governos legislam para o futuro. Aprovada a lei, a indexação formal e a mentalidade inflacionária aos poucos desaparecerão da economia brasileira, e o Brasil poderá ter uma taxa de inflação de padrão internacional. Por outro lado, na medida em que o Banco Central deixe de precisar de altas taxas de juros para controlar a inflação, o nível da taxa de juros baixará, o que contribuirá para que a taxa de câmbio caminhe na direção de um nível de equilíbrio.

Luiz Carlos Bresser-Pereira professor Emérito da Fundação Getúlio

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O governo e a batalha do câmbio:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

No Ministério da Fazenda ninguém tem a menor ideia sobre a caixa de surpresas que foi aberta nesta semana

COM O real chegando a seu momento de maior força em relação ao dólar, o governo Dilma Rousseff cruzou uma nova fronteira em sua confusa e pouco eficiente estratégia de proteger a indústria brasileira.

Pela primeira vez desde que o ministro Guido Mantega cunhou a expressão "guerra cambial", o governo tomou medidas para atingir o mercado futuro de câmbio na BM&F.

Ao taxar essas operações com o IOF e estabelecer um marco legal para fixar --por medidas administrativas do CMN-- o nível de garantias exigidas, o governo --como Cesar-- cruzou o Rubicão.

Não há mais volta, pois, ao interferir em um mercado tão grande e tão interligado com o lado real da economia sem a devida reflexão sobre seus efeitos --e esse é certamente o caso--, o governo criou algo muito perto do caos.

Estou fora do país, mas os relatos que tive sobre a coletiva do ministro Mantega são suficientes para compor esse quadro de desconhecimento profundo das consequências das medidas adotadas.

Posso afirmar isso porque participei em 1986, quando era diretor do Banco Central, de algo muito semelhante. Pressionado para enfrentar a questão das expectativas de inflação embutidas nas taxas de juros dos títulos públicos, o Banco Central mudou a tributação desses papéis sem a necessária avaliação de suas consequências na economia como um todo.

Tudo virou um inferno, e uma sequência de novas medidas foi necessária para tentar enfrentar as maiores distorções que apareceram. E, a cada tentativa de correção, novos problemas se colocavam. No final, tivemos de voltar atrás...

A questão do real forte é ainda mais complexa do que a que o Banco Central enfrentou décadas atrás. E isso ocorre por várias razões.

A mais importante delas está relacionada às complexas relações entre mercados internos e externos que existem hoje na economia brasileira.

E não estou falando apenas de relações financeiras, mas sim da complexa interação entre as cadeias produtivas em setores importantes do tecido produtivo. As importações fazem parte do cotidiano das empresas brasileiras, o que as obrigam a realizar operações de proteção contra a flutuação da taxa cambial.

Também os exportadores, principalmente no setor de produtos primários, precisam de mecanismos de proteção contra as flutuações de grandes proporções que ocorrem hoje nos mercados futuros desses produtos no exterior. E essas operações de proteção trazem, juntas, as flutuações nos mercados de câmbio.

Poderia escrever muito mais sobre as relações econômicas, e, como já disse, não apenas as financeiras, que estão por trás das operações de taxas de câmbio futuro na BM&F.

Mas tenho certeza de que isso não é necessário para mostrar ao leitor da Folha a fragilidade que está por trás das decisões tomadas pelo governo Dilma nos últimos dias.

Quando escrevo esta coluna, os mercados estão paralisados à espera de esclarecimentos do governo sobre as medidas tomadas. Já tenho muito tempo de estrada para acreditar que elas virão. Volto a afirmar que ninguém no Ministério da Fazenda --inclusive o ministro Mantega-- tem a menor ideia sobre a caixa de surpresas que eles abriram agora.

Uma coisa é certa: ao longo dos próximos dias um mercado futuro de taxas de câmbio, tendo o real como uma das pontas das operações, vai aparecer em Chicago ou em outras praças financeiras.

As demandas por operações desse tipo fazem parte hoje do que chamo de metabolismo da economia brasileira. Por isso, elas vão reaparecer em outros lugares. Mas, como sempre ocorre nessas situações, os custos de transação vão aumentar para quem faz negócios no Brasil e com o Brasil.

Um dos pensamentos estratégicos que os chineses, em seus 5.000 anos de história, nos deixaram foi o de nunca usar um canhão para matar uma formiga.

Os efeitos colaterais que ocorrem quando isso acontece são sempre muito maiores do que os eventuais benefícios gerados.
Vamos testar no Brasil de hoje a sabedoria estratégica dos chineses.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO

BC admite que inflação só ficará perto de centro da meta em 2013

BC admite que alvo agora é 2013

Ata da reunião do Copom já não prevê convergência da inflação para meta nem no ano que vem

Martha Beck

O Banco Central (BC) já não está mais comprometido com o plano de fazer a inflação convergir para 4,5% (centro da meta) em 2012. A ata da reunião de 20 de julho do Comitê de Política Monetária (Copom) - na qual a Selic foi elevada em 0,25 ponto percentual, passando para 12,5% ao ano - sinaliza que o foco da autoridade monetária passou a ser colocar a inflação em trajetória de queda, mesmo que o centro da meta só seja atingido em 2013. Além disso, o BC indicou que vai interromper a alta dos juros.

A ata de julho diz que as decisões do BC serão tomadas "com vistas a assegurar a convergência tempestiva da inflação para a trajetória de metas". Já a ata da reunião anterior dizia claramente que os juros seriam calibrados "por um período suficientemente prolongado", o que seria "a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta em 2012".

Ainda assim, o documento de julho afirma que o cenário de inflação hoje é mais favorável e indica que o ciclo de alta dos juros pode ter chegado ao fim. Entre os indicadores que reforçam esse quadro estão uma acomodação parcial dos preços de commodities desde abril e a concentração atípica de reajustes de preços administrados no primeiro semestre de 2011.

Além disso, o BC destaca que as medidas de restrição ao crédito tomadas pelo governo desde dezembro do ano passado para ajudar a conter o consumo e a própria elevação dos juros ainda continuarão tendo efeitos sobre a atividade econômica.

Analistas veem fim da alta dos juros

"No âmbito interno, ações macroprudenciais e, principalmente, ações convencionais de política monetária recentemente implementadas ainda terão seus efeitos incorporados à dinâmica dos preços, processo que tende a se acentuar neste semestre. Embora incertezas elevadas e crescentes que cercam o cenário global e, em escala marcadamente menor, o cenário doméstico, não permitam identificar com clareza o grau de perenidade de pressões inflacionárias recentes, o Comitê avalia que o cenário prospectivo para a inflação mostra sinais mais favoráveis", afirma a ata.

Em outro trecho, o documento destaca que "os desenvolvimentos no âmbito fiscal e parafiscal são parte importante do contexto no qual decisões futuras de política monetária serão tomadas". Para o professor de Finanças do Ibmec Gilberto Braga, a ata aponta que o BC não elevará mais os juros, preferindo usar outros instrumentos, como política fiscal e mais ações para segurar o consumo, para tentar fazer a inflação convergir o mais rapidamente possível ao centro da meta:

- A ata mostra que os juros já chegaram a um patamar que o BC considera como razoável. Ao dizer que vai trabalhar para uma convergência tempestiva da meta, ele sinaliza que vai usar outros instrumentos para chegar a esse objetivo.

Para o estrategista-chefe para América Latina do WestLB, Roberto Padovani, a ata deixou claro que o BC está menos preocupado com inflação:

- Eu acredito que BC não deve mais subir os juros este ano.

Segundo o texto, o cenário de referência do Copom manteve sua projeção para o IPCA em 2012, com o índice ainda acima do centro da meta. Já para 2013, houve aumento da projeção para o primeiro semestre, mas o indicador foi mantido ao redor do centro da meta. Em 2011, o Copom acredita que a inflação começará a convergir para 4,5% a partir do quarto trimestre.

- A retirada de todo o parágrafo que falava da alta (dos juros) suficientemente prolongada e, inclusive, do parágrafo que prevê inflação para o centro da meta em 2012 é crítica, porque indica que a a inflação deve vir para o centro da meta só em 2013 - disse a economista da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro.

A ata ressalta que a política fiscal tem sido importante para reduzir a demanda e segurar os preços: "Desde o início deste ano, importantes decisões foram tomadas e executadas e reforçam a visão de que está em curso um processo de consolidação fiscal".

Mas o Copom alerta para o risco que as negociações salariais que serão feitas no segundo semestre de 2011 podem trazer: "Um risco muito importante reside na possibilidade de concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade e suas repercussões negativas sobre a dinâmica da inflação".

No cenário externo, a ata ressalta uma deterioração adicional dos mercados internacionais por causa da incerteza em torno da recuperação da atividade econômica global. Esse movimento também contribui para o fim do ciclo de alta dos juros. A autoridade monetária não quer correr o risco de ver a economia brasileira desaquecer demais por uma combinação entre o cenário externo ruim e os esforços domésticos de combate à inflação.

O texto, no entanto, não chega a contemplar os riscos de uma moratória na dívida americana em função das dificuldades do presidente Barack Obama em negociar com o Congresso um aumento do teto da dívida do país.

Colaborou Paulo Justus

FONTE: O GLOBO