domingo, 5 de fevereiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Roberto Freire : “laranja”

Em toda parte, o que se observa é a manutenção das novas e velhas oligarquias com o auxílio luxuoso dos governos do PT, logo depois das denúncias do “mensalão”, quando se adotou a estratégia de consolidar sua base parlamentar, oferecendo, para tanto, a estrutura estatal, transformada em um condomínio das forças aliadas, sob a administração da Casa Civil.

Assim, o Brasil não é apenas o país da jabuticaba. O governo do lulopetismo deu à luz um novo “instituto jurídico”. Além da pessoa física e pessoa jurídica, temos a pessoa cítrica, o “laranja”, do nosso desconforto moral, escoadouro dos desvios de verbas públicas, nos escaninhos de nossa estrutura estatal.

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS. O “laranja” estatal. Brasil Econômico, 3/2/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Rio tem 4.696 obras com problemas mas não pune
Salvador tem um morto a cada hora

FOLHA DE S. PAULO
Fotógrafo da morte de Herzog diz que ditadura o usou
Brasil vira polo de imigração de trabalhadores na América Latina
Policiais em greve na Bahia fazem bunker na Assembléia

O ESTADO DE S. PAULO
Incentivo fiscal busca salto tecnológico

CORREIO BRAZILIENSE
Chagas, o retrato do atraso
Presídio federal para PMs da Bahia
Fuja dos juros do cartão

ESTADO DE MINAS
Entre o medo e a morte
As duas faces do PAC
Bahia: Violência aumenta e governo intervém

ZERO HORA (RS)
Secretário já admite a Arena como opção
O cotidiano da crise europeia
Muda o controle do consumo de energia

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Transposição em xeque

Crer e perseverar :: Fernando Henrique Cardoso

É a velha lição: "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura"

Nas duas últimas semanas apareceram alguns artigos na mídia que ressaltam o silêncio das oposições como um risco para a democracia. É inegável que está havendo uma "despolitização" da sociedade não só no Brasil, mas em geral. O "triunfo do mercado" levou às cordas as colorações políticas. Parece que tudo se deve medir pelo crescimento do PIB. Nos países bem-afortunados, ainda que cheios de "malfeitos", não há voz que ressoe contra os governos. Nos que caem em desgraça sem terem feito a "lição de casa" — sem terem gerado um "superávit primário" —, aí, sim, os governos em exercício pagam o preço. Caem porque são vistos como incapazes de assegurar o bom pagamento aos mercados. Não importa ser de coloração mais progressista ou mais conservadora.

Caem sem que tenha havido um debate político-ideológico que mostre suas fraquezas eventuais, mas porque o rancor das massas gerado pelo mal-estar econômico-financeiro se abate sobre os líderes do momento.

O Brasil esteve até agora ao abrigo da tempestade que desabou sobre os mercados dos Estados Unidos e da Europa. Por mais que nossos governos errem, os decibéis das vozes oposicionistas são insuficientes para comover as multidões. Pior ainda quando essas vozes estão roucas ou preferem sussurrar.

Como entramos em céu de brigadeiro a partir de 2004, tanto pela virtude do que fizemos na década anterior como pelos acertos posteriores e graças à ajuda dos chineses, fazer oposição se tornou um ato de contrição.

Mas que importa? Também era assim no período do milagre dos anos 1970, durante o regime militar. A oposição nada podia esperar, a não ser censura, cadeia ou tortura. Não obstante, não calou. Colheu derrotas eleitorais e políticas, resistiu até que, noutra conjuntura, venceu. Hoje a situação é infinitamente mais fácil e confortável. Só que falta, o que antes sobrava, a chama de um ideal: queríamos reabrir o sistema político.

Hoje, o que queremos? Ganhar as eleições? Mas para quê? Eis o enigma. Não faltam candidatos. Ainda recentemente, em conversa analítica que fiz com uma jornalista da "The Economist", ressaltei que há vários e não só no PSDB. Neste, o mais conhecido e denso, José Serra, amadurecido por êxitos e derrotas, não conseguiu deixar claro em 2010 sua mensagem, embora tenha obtido 44% dos votos. O isolamento no qual sua campanha ficou, dadas as dissonâncias internas do PSDB e as dificuldades para fazer alianças políticas, impediu a vitória. Se o candidato tivesse expressado com mais força suas convicções, mesmo desconsiderando o que as pesquisas de opinião indicavam ser a demanda do eleitorado, poderia ter sensibilizado as massas.

Quem sabe por esse caminho se decifre o enigma: falar à sociedade, com força e veemência, tudo o que se sente, inclusive a indignação pela corrupção, pela incompetência administrativa e, sobretudo, pelo escândalo de uma sociedade que se faz mais rica com um governo que distribui muito pouco, que faz propaganda do que não concretizou inteiramente e coloca no altar os "vencedores", mesmo quando esses ganham à custa do dinheiro do povo que paga impostos cada vez mais regressivos.

Outro, mais óbvio provável candidato, graças à posição eleitoral dominante em seu estado e ao seu estilo de fazer política, Aécio Neves, está em fase de teste: transmitirá uma mensagem que salte os muros do Congresso e chegue às ruas? Encarnará a mudança com a energia necessária e o desprendimento que é o motor da ousadia, arriscando- se a dizer verdades inconvenientes, e aparentemente custosas eleitoralmente, para que o povo sinta que existe "outro lado" e confie nele para abrir perspectivas melhores? Refiro-me aos dois por serem os mais cogitados no momento. Não são os nomes que importam agora, mas a disposição de correr riscos e de sair da armadilha da briga partidário-eleitoral para entrar na grande cena da opinião pública e, façamos a distinção, da opinião popular.

É evidente que o governo, qualquer governo, leva vantagens, principalmente desde quando o lulo-petismo instalou a regra de que tudo vale para manter o poder: clientelismo, propaganda abusiva, uso continuado da máquina pública, etc. Entretanto, também no regime militar o governo levava vantagens.

Mas nós lutávamos não para ganhar no dia seguinte, mas para criar um horizonte de alternativas.

A elucidação do enigma requer perseverança e coragem. Eu ganhei duas eleições no primeiro turno contra Lula porque tinha uma mensagem: a da estabilização da economia com o Real e o início da distribuição de rendas. Mesmo sem propagandear, a pobreza deixou de atingir mais de 15 milhões de pessoas com a estabilização dos preços e a política de aumentos reais dos salários mínimos, que começou em 1994. Não foi fácil ganhar os apoios para pôr em ação o Plano Real, precisei brigar muito. Lula ganhou porque pregou, no início no deserto, ser ele o portador da mensagem que levaria a um mundo melhor.

Perseverou, rodou o Brasil, abandonou a tribuna parlamentar e, no começo, desprezou a mídia.

Mostrou-se audacioso, desprendido e generoso. Se sinceramente ou não, é outra questão: a Carta aos Brasileiros está à disposição dos historiadores para que julguem. Mas o povo acreditou.

É esta a verdadeira questão da oposição e deveria ser a preocupação dos pré-candidatos: mergulhar nos problemas do povo, falar de modo simples o que sentem e o que se pode fazer. Sem meias palavras e sem insultos.

Sem falácia, com muita convicção. Politizar a cena pública para assegurar a democracia. Dizer quem é bom, ou melhor, o que é bom e o que é mau. Mas dizer nas universidades, nas organizações populares, nas associações profissionais, nas pequenas e médias cidades. Preparar nelas a mensagem — o discurso — para mais tarde falar com credibilidade na grande cena nacional.

Quem o fizer terá chances de ser o candidato da oposição e, eventualmente, ganhar as eleições. Isso independe de manobras de cúpula, simpatias e interesses menores.

Não se pense que nossa realidade será sempre o que hoje parece ser: uma sociedade conformada, legendas eleitorais disputando mordomias no dá-cá-toma-lá entre governo e congressistas e a voz do governo a tonitruar como um trovão divino, a que todos se curvam prestimosos. É só mudar a conjuntura, e a cena muda, se a oposição apresentar alternativas.

Mesmo que não mude, nada deve alterar nossos valores e convicções. Continuemos com eles, pois "água mole em pedra dura tanto bate até que fura".

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

As ilhas da fantasia :: José Serra

O governo brasileiro existe em duas dimensões, duas frequências diferentes.

Em uma delas, corre a retórica; na outra, os fatos. As duas programações pouco ou nada têm em comum, mas cada uma serve a um propósito específico. Tomem-se os direitos humanos, que, a presidente anunciou, seriam uma prioridade nas relações internacionais.

O discurso continua ali, chiando como um disco velho, mas, na prática, nada mudou em relação ao período pré-Dilma. Na recente visita presidencial a Cuba, não houve um só gesto, uma só manifestação, que revelasse alguma preocupação do governo brasileiro com relação às violações dos direitos humanos na ilha. Violação simbolizada pela morte recente de um prisioneiro político em greve de fome.

Nosso governo diz que a cooperação econômica é o melhor caminho para promover mudanças democráticas naquele país. Cooperação que, na prática, tem por objetivo dar sobrevida à ditadura que o PT reverencia e que muitos dos seus integrantes lamentam não poder implantar por aqui. Dizia-se que a ditadura em Cuba era apenas um instrumento necessário para evitar a volta do capitalismo. Curiosamente, hoje é a volta do capitalismo que entra na equação para ajudar a manter a ditadura do partido único, que os amigos cubanos do PT defendem e justificam.

Além da alegação sobre as mudanças democráticas e da intenção de dar sobrevida à ditadura, outro fator que explicaria a "cooperação" seriam os bons negócios para as empresas brasileiras que venderão bens e serviços para Cuba.

Tudo coberto, obviamente, pelos empréstimos do BNDES ao governo cubano, que não costuma ser bom pagador em razão da pobreza fiscal e cambial da ilha. Ou seja, tais empréstimos são candidatos a virar doação dos contribuintes brasileiros, que, se fossem indagados a respeito, provavelmente prefeririam destinar esses recursos a fundo meio perdido para alavancar o desenvolvimento das regiões mais pobres do nosso país, criando também demanda para nossas empresas.

Não é demais lembrar que temos o 84, IDH e a 77+ renda per capita do mundo. Na Síria, o Brasil é cúmplice da barbárie praticada contra o povo pelo ditador Bashar al-Assad, que, anos atrás, assinou um acordo de cooperação com o PT. Não se sabe no que exatamente Assad está cooperando com o partido (seus dirigentes deveriam explicar), mas os petistas vêm honrando o compromisso, pois cooperam com Assad para tentar aliviar a pressão internacional contra o tirano. O governo do PT coopera também com o Irã para que o regime dos aiatolás ganhe tempo e se aproxime do objetivo de construir uma bomba atômica.

A presidente da República corteja a comunidade judaica com discursos, mas, na diplomacia, ajuda quem sonha promover um novo Holocausto do povo judeu.

O PT é muito sensível nos direitos humanos quando lhe convém.

Sempre que pode, promove um circo, com a ajuda do governo federal, contra adversários políticos que procuram cumprir a lei.

Mas a violência policial nos governos do PT e de aliados do PT é como se não existisse.
Quando um governador é aliado do PT, pode mandar a polícia bater à vontade, ferir, lesionar, quem sabe matar...

Mas, se é de um partido adversário e tem responsabilidades na segurança pública e na defesa da ordem, saiba que os aparatos petistas irão persegui-lo implacavelmente, ainda que faça tudo certo.

As duas dimensões e duas frequências diferentes do governo brasileiro não se restringem aos direitos humanos. Em relação à economia, por exemplo, no chiado do disco velho, o PT continua pregando contra o "neoliberalismo".

Mas, diante da própria incapacidade de resolver o problema aeroportuário, vai privatizar os aeroportos e oferecer o dinheiro subsidiado do BNDES para as concessionárias fazerem os investimentos.

Financia calúnias contra o processo de privatização dos anos 90, mas inaugura outra modalidade: a privatização do dinheiro público, como nunca antes na história deste país...
Talvez seja esse o tal socialismo para o século 21. Ainda na economia, o governo continua falando em "PAC", o programa que, na teoria, se destinava a coordenar e acelerar o crescimento.

Mas o Brasil tem crescido menos que todos os principais emergentes. O que deveria ser coordenado ficou cada vez mais enrolado, e o que deveria ser acelerado parou ou andou em marcha lenta. Acelerada mesmo, só a propaganda da suposta aceleração.

São dois mundos distintos, o da retórica e o dos fatos, mas que caminham paralelamente, cada um com sua função.

José Serra foi deputado federal, senador, prefeito e governador de São Paulo, pelo PSDB.

FONTE: O GLOBO

Casa arrombada: Eliane Cantanhêde

Todo mundo sabia que Luiz Felipe Denucci estava sendo investigado ao ser nomeado presidente da Casa da Moeda e que algo vinha dando errado na estatal, no mínimo, desde o ano passado. Menos a Luíza, que estava no Canadá.

Agora, com a casa (da moeda) arrombada e Denucci demitido de forma inédita -preventivamente, antes que a Folha publicasse reportagem sobre ele- ninguém mais sabe de nada. Virou um empurra-empurra.

O PTB diz que só avalizou a indicação de Denucci para "fazer um favor" ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que seria o verdadeiro mentor da nomeação. E acrescentou: o partido já vinha avisando que havia irregularidades na Casa da Moeda.

Mantega só abriu sindicância cinco dias depois da queda e só rompeu um silêncio seis dias depois, por ordem de Dilma. Jurou que nem sabia quem era o cara, que lhe foi indicado pelo PTB e tinha um "currículo adequado". O "pente-fino" -mas não tanto- falhou?

Não há meio-termo: alguém está mentindo. Ou Mantega ou o PTB, à frente seu presidente, Roberto Jefferson, e seu líder, Jovair Arantes.

O partido ganhou o primeiro round quando a Casa Civil confirmou que, em setembro, também já alertara a Fazenda de que havia suspeitas sobre Denucci. Mantega ficou falando sozinho.

Pior: foi jogado na arena onde a oposição e os leões do PTB e do PMDB andam famintos, querendo saber, por exemplo, por que a Casa da Moeda, que não tem nada de política, entra no rateio entre os partidos. Bem, disso todos eles entendem.

A questão política, porém, não deve sobrepor-se ao essencial: como mostrou a Folha, Denucci e a filha são suspeitos de ter duas empresas "offshores" em paraísos fiscais que movimentaram US$ 25 milhões de "comissões". Ele confirma as "offshores", não a movimentação. Ah, bem! A WIT, consultora dessas contas, tem muito a revelar.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dever de Estado:: Dora Kramer

O Congresso aprovou, a presidente da República sancionou e em maio começa a vigorar a lei que obriga o poder público a pôr à disposição da sociedade as informações que lhe forem solicitadas.

É uma lei de difícil execução, implicará a criação de novos mecanismos administrativos, mas colidirá principalmente com a mentalidade do poder fechado em suas razões, na convicção de que o Estado tudo pode e nada deve ao cidadão.

Muito se tem falado sobre essas dificuldades dentro do governo onde ainda reina a incerteza, mas muito pouco ou quase nada tem sido feito na prática em favor da aplicação da lei que tanto pode gerar tensões quanto produzir avanços.

A expressão nítida desse traço de obscuridade e da resistência a ser enfrentada é a maneira como o governo federal vem lidando com as demissões e admissões de ministros e dirigentes de estatais.

Não se obedece ao pressuposto de que é obrigação do governante dar informações e um direito do cidadão recebê-las. Auxiliares presidenciais vão e vêm sem que se saibam exatamente os motivos.

A presidente nunca fala sobre eles. Mário Negromonte, por exemplo, acabou de deixar o Ministério das Cidades, mas do Palácio do Planalto não se ouviu qual a motivação: se saiu por ser incompetente, alvo de suspeita de prevaricação ou o quê.

Da mesma forma, ninguém disse quais são mesmo as qualificações específicas do deputado Agnaldo Ribeiro – além de pertencer ao partido do "saído" – para assumir o comando de uma pasta com previsão orçamentária de R$ 22 bilhões para 2012.

Sobre isso, o que se têm são versões anônimas e as palavras do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e do vice-presidente Michel Temer dando conta da normalidade nesse tipo de ida e vinda.

De fato, o entra e sai de gente no governo é absolutamente normal. Anormal, contudo, é ausência de transparência a respeito.

Nesse quesito da falta de compromisso com a informação pública se inscreve com destaque e escândalo o caso recente da demissão do presidente da Casa da Moeda, o economista Luiz Felipe Denucci.

Consta que saiu por corrupção. Teria recebido propina de fornecedores em contas no exterior. Pode ser e pode não ser. O governo não se pronuncia, não esclarece afinal de contas o que se passou realmente, informando apenas a abertura de uma sindicância para investigar se houve ou não houve o "malfeito".

Mas, então, a demissão pode ter sido injusta? Não se sabe. O que há em tela até agora é um jogo de empurra, de palavra contra palavra, entre o ministro da Fazenda e o presidente do PTB, Roberto Jefferson.

O ex-deputado diz que o partido apenas encampou o apadrinhamento a pedido do governo. Guido Mantega alega que não conhecia o economista e devolve a responsabilidade da indicação para o PTB, afirmando que os políticos é que pressionaram pela saída dele.

A "Casa Civil" manda dizer, por via sem autoria, que alertou a Fazenda desde agosto das suspeitas sobre o presidente da Casa da Moeda.

Uma história estranhíssima envolvendo uma estatal com receita de R$ 2,7 bilhões e lucro líquido de R$ 517 milhões em 2011.

Enquanto isso, os partidos no Congresso discutem a conveniência ou não de convocar o ministro da Fazenda para dar explicações, com os governistas divididos entre considerar a convocação uma inadequada "politização" ou usar essa hipótese como arma de retaliação.

Como se vê, tudo errado nesse episódio emblemático em que o ministro da Fazenda mostra-se sem ingerência sobre um subordinado a respeito de quem ninguém se responsabiliza, demitido não se sabe bem por quem, sob uma acusação cuja investigação ocorre depois do ato consumado.

O mais esquisito é que a cena parece verossímil diante de nossas vistas já acostumadas à obscuridade, embora prestes a se depararem com a entrada em vigor de uma lei que obriga o poder público a franquear a todos o acesso à informação.

Inclusive as razões pelas quais as pessoas entram e saem da equipe presidencial. É de se perguntar se o governo vai se enquadrar ou se optará pela via da ilegalidade institucional.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Além da economia:: Merval Pereira

Um dos painéis mais instigantes do Fórum de Davos discutiu o futuro da economia e incluía dois Prêmios Nobel de Economia – Peter Diamond, do Massachusetts Institute of Technology, e Joe Stiglitz, da Universidade Columbia de Nova York- .Também participaram Robert Shiller, de Yale, e Brian Arthur, do Instituto Santa Fé.

O jornalista Martin Wolff, do Financial Times, foi o mediador do debate , e ele lamentou, no artigo que escreveu, não ter contado com um membro inteiramente comprometido com o pensamento de que os mercados estão sempre certos, da escola chamada "freshwater", particularmente associada com a Universidade de Chicago.

Isso por que três dos participantes, como Wolff descreve, eram da chamada escola de economia "saltwater", céticos da eficiência dos mercados em todas as circunstâncias e que vivem nas costas dos Estados Unidos.

O Professor Brian Arthur, do Instituto Santa Fé, segundo o jornalista do Financial Times, é ainda mais heterodoxo do que eles: se interessa pelo impacto da tecnologia e seus crescentes retornos.

Eu não sou um especialista em economia, mas me interessou muito o olhar amplo com que os economistas passaram a tratar sua ciência, a começar pela definição de que "a economia não é uma ciência exata, por que é feita por humanos".

É uma ciência tão complexa, portanto, quanto complexos são o ser humano e suas motivações.

Nem tudo é computável na vida, e existem mais riscos do que se pode prever.
Houve um entendimento comum de que as inovações rápidas e as alterações do comportamento criaram desafios para os modelos econômicos.

Novas tecnologias também tiveram o potencial de rapidamente desintegrar os sistemas econômicos.

A crítica ao modelo macroeconômico padrão utilizado pelos formuladores de política monetária atualmente, o DSGE (Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico), foi a mesma que vem sendo feita por vários economistas, entre eles o mais destacado é o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, e, no Brasil, em especial por Delfim Netto em seus artigos.

O DSGE ficou tão sofisticado, racional e tão bem absorvido pelos analistas que eclipsou outros modelos.

Os debatedores concordaram que ele falhou em entender a sociedade, na inabilidade de levar em conta o poder político, a cultura e o comportamento das instituições.
Na presente crise econômica, o modelo canônico utilizado demonstrou sua incapacidade de levar em conta fatores como contágio e conexões.

Ficou claro também que o modelo é muito restrito e tem que ser ampliado para avaliar novas fontes de informação e refletir melhor a realidade.

Uma ameaça significativa vem da tendência a ignorar diferenças fundamentais entre presente e futuro.

Outra falha registrada nos debates é não assimilar informações assimétricas e não contemplar a ligação entre instituições e o risco de quebras em cascata.

O desejo dos profissionais de economia de provar que os mercados se auto regulam provocou uma espécie de culto na adoção do modelo DSGE.

Mas a realidade é que os mercados são imperfeitos, como foi demonstrado pela existência de bolhas.

A chegada de novos modelos está ajudando a entender os sistemas econômicos desequilibrados e não harmônicos.

A economia comportamental está trazendo a teoria para mais perto da realidade, e novos campos de estudo, como a neuroeconomia, estão se desenvolvendo rapidamente e prometendo grandes mudanças.

Os participantes recomendaram que se converse mais com cientistas políticos, sociólogos e psicólogos para se avaliar melhor as causas da desigualdade, a economia da felicidade, a importância da cultura, e os efeitos do poder nas decisões.

Felizmente, economistas são pessoas criativas.

Muita imaginação está rolando.

Robert Schiller, por exemplo, diz que lê muito livros de Direito e de História, para poder compreender o que está acontecendo na economia.

A expressão "que mil flores floresçam", da velha tradição chinesa que Mao Tse Tung usou na Revolução Cultural, foi usada também no debate em Davos para definir a necessidade de que não pode existir apenas um modelo geral da economia ou apenas uma abordagem.

Com todas as ressalvas e críticas, os economistas continuam tendo muito a oferecer, e é preciso reconhecer que a economia é muito mais complicada do que parece.
Houve uma advertência no fórum econômico de que ao abandonar os dogmas sobre a infalibilidade dos mercados, há o risco de se abraçar ideias estatizantes, igualmente simplistas.

Em outro painel de Davos, com tema semelhante — a economia do século 21 —, outro grupo de analistas ressaltou a necessidade de rever antigas lições que parecem ter sido esquecidas.

Independente da tendência, os economistas terão que se aproximar do mundo real e se responsabilizar por suas previsões.

Esse questionamento, que já se verifica, segundo os painelistas, nas salas de aula, servirá para que os analistas se obriguem a checar várias vezes seus modelos.
A arrogância dos especialistas foi outra característica abordada nesse debate sobre o futuro da economia.

Esses e outros painéis realizados em Davos deixaram nos que os assistiram a sensação de que uma grande reflexão está sendo feita a nível mundial, abrangendo desde os economistas aos empresários e governantes envolvidos na crise econômica.

FONTE: O GLOBO

O carnaval do governador:: Jânio de Freitas

Jaques Wagner não cuidou de sustar a eclosão da greve; se fez alguma outra coisa útil, e de seu dever, não se sabe

Os feitos da violência na Bahia mostraram, em sua gratuidade na rua e irresponsabilidade no palácio, o mesmo espírito carnavalesco que, como sempre, há semanas invadiu Salvador por antecipação.

A quebra dos limites que levou aos saques e destruição de lojas, a outros roubos e violências, e mesmo a tantos crimes de morte, não foi causada diretamente pela greve da Polícia Militar. Veio da espontaneidade que tem o motivo único e simples de estar liberado. Para vestir o que quiser ou desvestir-se, cantar e dançar nas ruas, assaltar, encher-se de bebida ou de tóxicos, roubar e saquear, agarrarem-se uns aos outros, soltar-se para o sexo ou para o crime: o carnaval autêntico e o carnaval da violência permitidos pela mesma ausência de impedimentos.

A cota mais pesada de responsabilidade pelos distúrbios criminosos na Bahia cabe ao governador Jaques Wagner, o mais prestigiado por Dilma Rousseff. Não é imaginável que a greve da sua polícia o surpreendesse. Ainda que o fizesse, já no começo da semana estava concretizada e, portanto, evidente.

Logo se comprovava que o governador não adotou medidas preventivas. Não cuidou de sustar a eclosão da greve, não preparou o deslocamento de contingentes policiais discordantes do plano de greve, não se articulou com os comandos militares para eventualidades previsíveis, e não se coordenou com o governo federal para o auxílio da Força Nacional. Se fez alguma outra coisa útil, e de seu dever, não se sabe.

Diante disso, nem importa saber onde estava e o que fazia o governador enquanto a sua PM cuidava de deixar a capital do Estado desprovida de policiamento, como também outras áreas. A seu favor (se é), só o fato de que não esteve sozinho na omissão. Os secretários de Segurança e de Justiça, o comando da PM e várias assessorias o acompanharam na ausência de ação. Os fatos o atestam.

Efetivada a greve e iniciadas suas consequências sobre a população, o governo baiano tardou ainda dois dias, ou algumas horas menos, para adotar providências perceptíveis. Só na quinta-feira foi possível perceber algumas delas, sobretudo a pedida presença de militares nas ruas.

Greves de serviços públicos essenciais, em especial os chamados de saúde (a rigor, falta de) e os de segurança da população, sempre serão polêmicas. Não precisam, porém, ficar nesse limbo em que permanecem no Brasil. Entre direito, abuso, consequências públicas e particulares desrespeitadas pelo poder público, e outras muitas obscuridades artificiosas.

Mas convenientes aos governantes e aos parlamentares, que assim escapam aos ônus eleitorais, em qualquer sentido, da posição definida.

Quando escrevo, as indicações do número de mortos continuavam contraditórias. Mais de 20, por certo. Em circunstâncias também mal definidas. Teriam ocorrido, todas, fossem diferentes a greve e o que se passou à sua volta no governo? Ora, isso não importa aos poderes públicos que têm mais o que fazer. E de preferência o que não fazer.

QUEM SABE?

Pergunta sem resposta: por que um deputado federal se movimenta, como Vicente Cândido, do PT paulista, para que se faça aos fabricantes de cerveja a gentileza de liberar bebidas alcoólicas nos estádios? Não só na Copa: sempre e em todos os estádios.

A proibição foi uma batalha áspera. Já a liberação, exigida na Copa pela casa de negócios Fifa, depende.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O Planalto criou os "papagaios de crise":: Elio Gaspari

Planalto se faz de morto até o momento em que pode entrar num conflito, para denunciar o governo do PSDB

O comissariado do Planalto e o tucanato paulista estão namorando uma campanha sangrenta na disputa pela prefeitura.

Pelo lado do PSDB, isso ficou visível quando associou uma administração petista ao surgimento do crack na cidade e com a opção preferencial pela tropa de choque que o governo do Estado mobilizou para espalhar os viciados da Cracolândia e para desalojar os 6.000 invasores da fazenda Pinheirinho.

Pode-se achar que essas iniciativas foram desastradas, mas estavam entre as suas atribuições. Pelo lado dos comissários, a questão parece ser outra.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência classificou de "absolutamente afrontante" a ação policial da Cracolândia e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou um programa federal de combate à droga, em primoroso promissório.

A ideia de o governo federal funcionar como ombudsman é rudimentar. Ou Brasília tem responsabilidade na Cracolândia (e não a tem), ou consumiu nove anos para mostrar a que veio. Entrar como papagaio de crise é outra coisa.

Exatamente isso foi o que Brasília fez no caso de Pinheirinho. Podia ter entrado no caso desde 2004. Ao longo de sete anos, limitou-se a constatar que a prefeitura não estava fazendo sua parte. Falar ao público, ir a Pinheirinho, nada.

Durante quatro meses o tucanato planejou (mal) a operação militar que mobilizou 1.600 soldados. Brasília tinha todos os motivos para saber que a ordem judicial seria cumprida pela Polícia Militar. Poderia ao menos tocar um sinal de alerta.

Só em janeiro, quando a panela já estava no fogo, o Ministério das Cidades apresentou uma vaga intenção de colaborar para o fim do impasse. Depois que apareceram as retroescavadoras e a PM, o comissariado correu para o abraço, criticando o governo de São Paulo.

Primeiro o ministro Gilberto Carvalho ("praça de guerra"), depois, a própria presidente ("barbárie"), finalmente, a Secretaria de Direitos Humanos, que constituiu uma força-tarefa com a Defensoria Pública do Distrito Federal. O que faltou foi precisamente uma força-tarefa federal para evitar o episódio.

A qualquer momento a doutora Dilma ou o ministro Gilberto Carvalho e o Ministério das Cidades poderiam ter alertado a patuleia, mostrando que estavam preocupados com Pinheirinho. Se tivessem gasto assim a décima parte da energia política que consumiram denunciando o impasse, ele não se consumaria.

Quem viu a cenografia da despedida do ministro Fernando Haddad a caminho de sua candidatura a prefeito de São Paulo percebeu que aquilo era uma solenidade para vídeos eleitorais. As papagaiadas de crises também podem sê-lo.

GERÊNCIA

A doutora Dilma é uma grande gerente. Atendendo a ideias de computecas persuadidos por fornecedores, seu governo licitou a torrefação de até R$ 330 milhões num projeto de compra de até 900 mil tablets para escolas públicas.

Desde 2009 o MEC já distribuiu 150 mil laptops para 386 escolas. Até agora, só conseguiu saber o efeito da iniciativa em 52 colégios. Ademais, não existe projeto pedagógico para acompanhar as tabuletas.

É algo como comprar um carro sem saber dirigir.

ESTAVA PREVISTO

A radioterapia a que Lula se submete tirou-lhe quatro quilos em pouco mais de uma semana.

CHINESES

Fala-se muito da ascensão da classe D aos padrões de consumo da classe C, mas o andar de cima de Pindorama atingiu os padrões de despesa dos bilionários chineses.

Um carioca resolveu passar cinco dias num bom hotel de praia no Nordeste. Pagou US$ 1.100 pela passagem e US$ 5.800 por noite no apartamento, sem café da manhã.

Outro, de Miami, resolveu passar cinco dias em Washington. Pagou US$ 500 pela passagem e US$ 320 por noite num hotel a um quarteirão da Casa Branca, com café.

O carioca de Miami marcou uma consulta (sem qualquer recomendação), com o renomado neurocirurgião Barth Green, entrou no hospital às sete da manhã, passou por uma ressonância magnética, fez oito chapas de raio X, foi examinado por três assistentes e teve uma consulta de uma hora com o médico.

Na saída, quitou a conta e trouxe o recibo para emoldurá-lo: pagou US$ 320, ou R$ 545.

GRANDE PERGUNTA

O Supremo Tribunal Federal discutia a prerrogativa dos magistrados de serem julgados em sigilo e o ministro Luiz Fux defendia o privilégio quando o ministro Carlos Ayres Britto perguntou:

"Vossa Excelência acha que fica bem um cidadão ser absolvido em sigilo?"

CÔNSUL AMERICANO

O cônsul dos EUA no Rio, Dennis Hearne, escreveu que o signatário "fez referência a um tempo de espera de 105 dias para os que solicitam pela primeira vez agendamento para entrevista de vistos no Consulado-Geral dos EUA no Rio de Janeiro. Esta informação pode confundir os brasileiros (...)".

O doutor ganha uma viagem a Pyongyang se achar onde apareceu essa referência. No dia 22 de janeiro, neste espaço, havia a seguinte afirmação: "Quando Obama esteve em Pindorama, a espera para entregar a papelada era de 134 dias em Brasília, 107 em São Paulo e 105 no Rio". Obama esteve no Brasil em março do ano passado e 105 dias era o tempo de espera para marcar a entrevista. Em agosto, a fila no no Rio chegou a 120 dias. (Na semana passada a demora estava em 17 dias.)

Nos últimos 100 anos, os Estados Unidos mandaram ao Brasil 23 embaixadores. Pela escala de proficiência linguística do serviço exterior americano, pode-se estimar que poucos, como o atual titular, Thomas Shannon, tenham chegado ao topo, no índice 5. Só uma meia dúzia era incapaz de entender o que lia.

(O signatário também ganhou uma viagem a Pyongyang, por ter escrito que os brasileiros gastam US$ 6.000 por dia nos EUA, quando essa cifra se referia à média das despesas dos viajantes.)

O SANTO NOME DA BIBLIOTECA NACIONAL

O PSDB tem todo o direito de protestar contra a resenha do livro "A Privataria Tucana" publicada pela "Revista de História", da Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional. Terá também, todo o direito de ir à Justiça.

O presidente da sociedade achou que devia pedir desculpas e o fez com rapidez.

Não deveria ter retirado o texto, que estava no portal privado da revista. Poderia ter colocado dez outros, novos, rebatendo-o. A medida foi contraprodutiva, porque, não demora, e a resenha aparecerá em algum lugar da internet.

A revista "História" pertence a uma sociedade de direito privado e tem a maior parte de sua circulação subsidiada pela Viúva, que a distribui em escolas. Enquanto isso, desde 2008, a Biblioteca Nacional não publica seus notáveis "Anais", que começaram a circular no Império. Na internet, parou em 2001.

Tudo ficaria melhor se ela (ou qualquer outra instituição cultural pública) não permitisse que suas sociedades de amigos usassem o santo nome da Casa em iniciativas privadas.

FONTE: O GLOBO

Flechado no coração :: José de Souza Martins

Novas imagens de índios isolados resgatam a trágica morte de Nicolás "Shaco" Flores na Amazônia peruana

A morte do índio peruano aculturado da tribo matsigenka, Nicolás "Shaco" Flores, flechado no coração por um índio mashco-piro, isolado, repõe o problema da dimensão trágica do encontro de culturas. A etnia de Nicolás vive no parque indígena do Rio Manu, na Amazônia peruana. Os mashco-piro, que são entre 100 e 200 indivíduos, mantinham-se isolados na mata e começaram a aparecer nas praias do rio, onde foram fotografados, aparentemente empurrados pela penetração das madeireiras, das petroleiras e das mineradoras. Estão se deslocando, portanto, para uma área devassada pela frequência de missionários, turistas e empregados das empresas nela interessadas.

Entidades de defesa dos povos indígenas, como a Survival International, têm chamado a atenção para a questão dos povos isolados nessa parte da Amazônia e da Amazônia brasileira. No lado brasileiro da fronteira do Acre com o Peru, uma tribo foi descoberta recentemente e vem sendo acompanhada. Como lembrou o sertanista José Carlos Meirelles, em entrevista à BBC, durante sobrevoo na área acreana, é preciso antecipar-se aos grupos de motivação econômica, que põem em risco a vida e a sobrevivência dos grupos indígenas isolados. Localizá-los e fotografá-los para atestar sua existência e revelá-la aos governos e à sociedade é o único modo de antecipar-se ao contato destrutivo.

Nicolás e Meirelles são personagens dessa rara estirpe que compromete a própria vida no estabelecimento de pontes de civilidade que permitam a travessia dos seres humanos que estão confinados não só na selva, mas também num outro estágio da história da humanidade. A Amazônia ainda tem 50 grupos isolados, vítimas potenciais da pouco generosa e pouco civilizada concepção que os brancos e civilizados têm de si mesmos e têm do outro, do diferente, no caso, do índio.

Há indicações de que os mashco-piro tiveram contato no século 19 com seringalistas, que deixaram em sua história marcas da violência genocida. O antropólogo Glenn H. Shepard Jr., amigo de Nicolás de muitos anos, escreveu sobre a ocorrência. O índio matsigenka conseguia comunicar-se com os mashco-piro porque era casado com uma mulher piro e com ela aprendera o suficiente da língua para estabelecer uma comunicação verbal com eles. Sua morte faz refluir o contato para estágios primitivos da complicada relação entre civilizados e indígenas.

Nicolás fizera roças à beira do território de perambulação dos mashco-piro para que eles encontrassem alimentos e foi numa dessas roças que levou a flechada . Outras mortes desse tipo ocorreram entre cidadãos dessa pequena e generosa humanidade de tecedores dos liames da condição humana, os indianistas que nos revelam ao outro para que o outro se revele a nós. Darcy Ribeiro dizia que a sociedade branca, em nossa história, tem se apresentado ao índio através dos seus piores representantes, assassinos, estupradores, bêbados, os agentes da penetração da chamada civilização nas novas terras.

Há na memória social e mítica de muitas dessas tribos isoladas evidências de problemáticos contatos anteriores. Eles criaram uma peculiar e significativa imagem dos civilizados, inscrevendo-os em suas classificações da natureza - gentes, animais e plantas. Os xavantes, do Mato Grosso, escaldados da violência que os brancos lhes impuseram, ao classificá-los em sua estrutura imaginária do cosmos, incluíram-nos na família das onças. O branco se apresentou a eles como um animal predador, que mata por matar.

Muitos habitantes da fronteira étnica entendem ainda hoje que o índio não é gente. Ouvi isso várias vezes no Araguaia, nos anos 70. Em 1911, um bugreiro negro que dirigira o extermínio de uma aldeia inteira de índios kaingang, na região noroeste do Estado de São Paulo para passagem da estrada de ferro, disse com espanto ao oficial do Exército que o interrogou:""Até parecia gente, senhor tenente!"

Não é estranho que um cacique suruí, de Rondônia, nos anos 1970, ao deparar-se com o grupo de indigenistas que procurava sua tribo para o primeiro contato, aterrorizado, ergueu a mão em gesto de paz e exclamou: "Branco, eu te amanso!"

Em 1982, Nicolás e alguns índios piro capturaram um velho mashco-piro e seu filho e os levaram à sua aldeia para mostrar-lhes os benefícios da civilização. O velho disse apenas, antes de ser devolvido à mata:

- Deixem-me em paz.

José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros, de Fronteira - a degradação do outro nos confins do humano (Contexto, 2009)

FONTE: ALÍAS/ O ESTADO DE S. PAULO

Cidades partidas

Para urbanista, desabamentos no Rio alertam para os sinais de exaustão das estruturas de nossas metrópoles

Ivan Marsiglia

Se a causa foi a famigerada reforma no 9º andar, as inclinações registradas durante as obras do metrô nos anos 70, os três pavimentos extras malandramente incorporados ao projeto original ou o fato de o prédio ter sido construído sobre um terreno alagadiço, cabe aos responsáveis pela investigação esclarecer. Entretanto, há outra reflexão a fazer diante da tragédia do Edifício Liberdade, que desabou no último dia 25, arrastando outros dois prédios no centro do Rio de Janeiro.

Um especialista nas entranhas de nossas grandes cidades vê no incidente o sintoma de um problema mais amplo e perturbador: a exaustão das estruturas e infraestruturas das metrópoles brasileiras. Para o arquiteto gaúcho Vinicius M. Netto, professor adjunto do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), há um problema sistêmico por trás das imagens de engarrafamentos, casas descendo morros, bueiros voadores e bondes desgovernados que vemos nos noticiários do País.

"Temos dificuldade em entender os problemas de nossas cidades, planejar estrategicamente as ações e mobilizar técnicos em número e preparo suficientes para executá-las", diz o pesquisador, que concluiu seu doutorado na University College London (UCL) sob a orientação de Bill Hillier, um dos mais influentes urbanistas contemporâneos, e conviveu com expoentes como David Harvey e Anthony Giddens.

Na entrevista a seguir, Netto - que, de volta da Inglaterra, escolheu o Rio "pela vitalidade encantadora de suas ruas" - alerta para a degradação que afeta indiscriminadamente todas as capitais do País. "Estamos produzindo cidades cada vez menos sustentáveis, baseadas em uma urbanização rarefeita, na forma de condomínios e edifícios fechados à convivência pública." E chama a atenção para as oportunidades e riscos que eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada trazem para uma necessária mudança na mentalidade brasileira em relação ao tema.

Que lições devemos tirar da tragédia?

Precisamos colocar o problema em perspectiva, como parte de um contexto. O desabamento do edifício como problema estrutural é tema para especialistas em engenharia, mas está provavelmente associado a uma série de outros fatores, como modificações acumuladas no tempo sem avaliação precisa de consequências possíveis e sem controle técnico desses procedimentos. Esses fatores nos permitem relacionar esse grave incidente com outros no histórico recente da cidade. O Rio está mostrando sinais de exaustão de suas estruturas e infraestruturas: casas descendo morro abaixo, bueiros explodindo evidenciando redes de gás em ponto crítico, bondes com falta de segurança ao longo de suas linhas. São sinais claros de uma precariedade que atravessa instâncias bastante diversas. Isso nos faz supor que ela se inicia na forma de lidar com essas infraestruturas, sem um modo sistemático de reconhecer problemas e antecipar danos que podem vir a ocorrer. A tragédia nos lembra que riscos existem e que monitoramento, manutenção e planejamento devem ser constantes.

Não há manutenção sistemática nas cidades brasileiras?

Nossa cultura tem sido a oposta: esperamos que os problemas não aconteçam ou que se resolvam por si só. Temos dificuldade em pensar e agir de modo sistêmico: entendendo que as partes da cidade se afetam entre si. Um exemplo: construímos viadutos e elevados que terão em seguida impactos negativos sobre comércios e serviços no entorno imediato, criando áreas inseguras, impactando o valor de imóveis e a atividade microeconômica nesses espaços - por décadas. Resolvemos momentaneamente o problema do tráfego, mas ao não olhar o problema sistemicamente, contemplando outras variáveis, criamos problemas para outros componentes da cidade.

A hipótese inicial, de que uma reforma no 9º andar possa ter abalado a estrutura do Edifício Liberdade perdeu força diante da descoberta de que a planta original, de 1938, previa nele três andares a menos. Os problemas de fiscalização e manutenção no Rio são antigos?

Há dificuldades em se lidar com a complexidade de uma cidade: elas são parte baseadas em rotinas, parte em imprevisibilidades. Por isso, planejar e preparar estruturas e infraestruturas é tão importante: elas dão resiliência às cidades. O cenário hoje é de dificuldade para se entender os problemas e suas ramificações, e ao entendê-los, planejar estrategicamente, com senso de todo. Mesmo quando se sabe o que fazer, surgem problemas de execução, sobretudo em municípios de menor porte onde não há técnicos em número e preparo suficientes.

Que outros sinais de exaustão das estruturas são visíveis em nossas cidades?

Lembremos que sequer fizemos o básico: há cidades inteiras no País sem boas redes de esgoto. Como vamos tratar esses resíduos e reduzir impactos ambientais? O Brasil é um país fortemente urbano: enquanto a população do mundo só se tornou majoritariamente urbana em 2010, ultrapassamos essa linha ainda em 1965. Hoje, cerca de 85% da população brasileira vive em cidades. Só que os níveis de infraestrutura em muitas delas é semelhante ao de nações africanas pouco urbanizadas. Precisamos reverter essa desatenção histórica. O caso do trânsito é exemplar. Apoiamos nossa mobilidade em uma forma de transporte pouco eficiente: o automóvel. E ainda não investimos suficientemente em sistemas de transporte de massa. Buenos Aires construiu sua rede de metrô no início do século 20, enquanto nossas maiores cidades mal contam com duas ou três linhas. Além disso, não há no País controle efetivo da expansão urbana. A expansão sem fim das metrópoles, envolvendo baixíssima densidade e loteamentos sem provisão de infraestrutura, dificulta ainda mais a cobertura do transporte de massa, pois demanda mais e mais extensão de linhas. Nossos sistemas viários são como colchas de retalho, sem continuidade interna. São fatores que vão transformando nossa mobilidade em um pesadelo logístico cotidiano.

A divisão de atribuições entre prefeituras e governos estaduais é parte do problema?

Creio que o problema não está na definição das atribuições de cada instância, mas na coordenação entre elas a partir de um projeto conjunto. Atuar em cooperação, como em um time, não em ações pontuais. Há também uma questão cultural, eu diria. Culturas como a alemã mantém forte senso de individualidade, mas racionalidade suficiente para ver que o bem individual depende de ações cooperadas. O caso japonês é outro exemplo. Percebo, infelizmente, certa permissividade em nosso modo de agir. Uma cultura do deixar para se preocupar depois, de achar que as coisas vão se ajeitar por si sós. Elas nunca vão: cidades são construções que demandam cuidado.

O que pode ser feito para reduzir a precariedade das construções no Brasil?

Precisamos de reforço técnico e programas de capacitação em escala nacional. Nossas graduações em arquitetura e urbanismo não constroem planejadores: há necessidade de formação específica em função da complexidade das cidades e das decisões envolvidas. Outro problema é a cisão entre a esfera técnica do planejamento, nas prefeituras, e estudos na academia. Técnicos e academia afastam-se mutuamente e quem perde é a sociedade. Finalmente, a população também tem papel importante: deve estar atenta a intervenções nos espaços urbanos e alertar o poder público sobre irregularidades. A preocupação com a cidade tem que fazer parte do cotidiano das pessoas.

Até a década de 40, era possível notar certa uniformidade no desenho urbano carioca. Hoje, o crescimento se dá de forma tão improvisada que começa a lembrar o de São Paulo. É uma impressão correta?

Sem dúvida. O Rio tem qualidades urbanas além da sua paisagem natural: partes dela, ainda visíveis, foram produzidas sob regras de desenho urbano e senso de conjunto. Não por acaso são apreciadas esteticamente. Planos diretores a partir dos anos 1940 tenderam a abrir mão desse valor em nome da busca por condições de ventilação - em tese garantidos por afastamentos entre edificações variáveis conforme a altura de cada edifício. Isso gerou uma fragmentação da forma urbana e induziu à descontinuidade das fachadas. Há no Brasil um descaso sobre a questão urbana de tal ordem que problemas tão sérios quanto a falta de infraestrutura, mas mais sutis que ela, nos passam batidos. Estamos produzindo cidades cada vez menos sustentáveis: uma urbanização rarefeita, na forma de condomínios e edifícios que se fecham para a rua. Essa forma de urbanização traz dificuldades ao pedestre, ao aumentar as distâncias na cidade e eliminar comércios e serviços de seus térreos, e erode a vida microeconômica e social de nossos bairros. Com ela, vai-se também a segurança de nossas ruas. Por medo ou status, nos encerramos atrás de muros e, com isso, contribuímos exatamente para o esvaziamento das ruas, o que aumenta a insegurança no espaço público.

O crescimento econômico dos últimos anos no País trouxe forte expansão da construção civil - com grandes projetos imobiliários e ampliações nas residências de classe média e baixa. O "progresso" melhorou as edificações de nossas cidades?

Não. Essas construções têm reproduzido práticas bastante limitadas tecnologicamente. Estamos presos a uma forma de construir semelhante à dos anos 1920 e 1930, com a entrada do concreto armado no Brasil. E essa limitação independe de classe social ou dimensão do empreendimento. No caso das habitações em áreas precárias, o problema requer atenção urgente. Vemos favelas em grandes cidades se verticalizando em edificações de quatro ou cinco andares - pavimentos sobrepondo-se em estruturas que não foram construídas com condução técnica. Elas também podem entrar em colapso. A densidade, acompanhada de boa condição de habitação, tende a ser boa para as cidades: reduz deslocamentos, dá suporte ao pedestre, melhora o desempenho urbano. Mas é preciso inspecionar as construções para que se evitem novas tragédias. Já no caso da cidade formal, vemos um cenário de produção imobiliária escravizado por pesquisas de opinião - feitas com um público que não está habituado a pensar sobre o espaço arquitetônico e urbano, e em como ele pode fazer diferença na nossa forma de atuar como sociedade. O mercado está obcecado por um tipo de arquitetura segregada, fechada atrás de muros, aspirando à autossuficiência quando é dependente da cidade em torno para a maioria das atividades dos seus moradores. A Barra da Tijuca, no Rio, inóspita ao pedestre, é um ícone dessa tendência equivocada. Mas pequenas "barras" estão sendo construídas nas cidades Brasil afora, substituindo formas de edificar mais eficientes como suporte à vida urbana. Esse tipo insustentável de arquitetura tem sido prescrito em planos diretores mesmo em municípios pequenos.

A Copa do Mundo em várias capitais do País e os Jogos Olímpicos no Rio devem atenuar ou agravar esse quadro?

O alívio ou agravamento do quadro dependerá do modo como realizarmos essas intervenções. E do uso das novas demandas para resolver velhos problemas de nossas cidades. Prever e nos prepararmos para esses eventos tem a ver com as dificuldades em nossa relação com a cidade. Note que todas essas questões são atravessadas por algo em comum: a dificuldade de pensarmos em conjunto, de forma sistêmica, conscientes de que nossas ações têm consequências nas estruturas e infraestruturas urbanas. Não apenas quanto aos impactos desses eventos, mas sobretudo quanto à continuidade das rotinas urbanas depois que eles acontecerem, temos muito a fazer para reduzir esses imensos déficits urbanos. É nossa mentalidade que precisa ser transformada imediatamente.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ ALIÁS

Crise com PT opõe Cabral e Picciani no Rio

Divergências entre governador e presidente regional do PMDB atingem formação de chapas para as próximas eleições

Cássio Bruno

A grave crise com o PT, no Rio, estremeceu o PMDB fluminense.

O partido é palco de uma queda de braço entre o governador Sérgio Cabral e o presidente regional do PMDB, Jorge Picciani. Disposto a afastar a qualquer custo os petistas da aliança no estado, Picciani tentou emplacar o filho Leonardo, deputado federal, como vice na chapa do atual prefeito Eduardo Paes (PMDB), que disputará a reeleição em outubro. O posto, por enquanto, é do vereador do PT, Adilson Pires.

Picciani defende a candidatura de Paes para o governo do estado em 2014. Assim, se reeleito, o prefeito teria de renunciar ao cargo na metade do segundo mandato, abrindo espaço para Leonardo. Aliado da presidente petista, Dilma Rousseff, Cabral quer lançar seu vice, Luiz Fernando Pezão (PMDB), como candidato ao governo. Picciani está sem mandato. Ex-presidente da Assembleia Legislativa, ele foi derrotado nas eleições de 2010 para o Senado.

— Picciani perdeu poder.

Ele e o Cabral se encontram sempre, almoçam, mas, na prática, tem cotoveladas — conta um peemedebista.

As "cotoveladas" estão ocorrendo nos principais colégios eleitorais do estado. Os dois travam uma batalha ao apoiarem candidatos diferentes a prefeito em cidades com Niterói, São Gonçalo, Macaé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Itaboraí.

Em Niterói, Picciani fará campanha para o atual prefeito, Jorge Roberto Silveira (PDT). Cabral, por sua vez, prefere caminhar com seus secretários Rodrigo Neves (Assistência Social) ou Sérgio Zveiter (Trabalho e Renda). Picciani já chamou Neves de "puxa-saco".

Em Caxias, Picciani quer eleger Washington Reis (PMDB), e o governador sinaliza para Alexandre Cardoso (PSB), secretário estadual de Ciência e Tecnologia.

Em Nova Iguaçu, o presidente do partido apoia o deputado federal Nelson Bornier (PMDB) à prefeitura.

Cabral não gosta de Bornier.

Em 2006, o parlamentar pediu votos para Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência e , em 2010, para o também tucano José Serra.

O governador — que ficou ao lado de Lula e Dilma nas duas campanhas, respectivamente —, ensaiou apoio a Vicente Loureiro, subsecretário estadual de Projetos de Urbanismo. Loureiro foi secretário no município justamente na gestão de Bornier.

O ápice do embate aconteceu com as recentes declarações de Picciani. O presidente regional do PMDB disse que Cabral poderia renunciar ao mandato em 2014 para disputar novamente o Senado. Com isso, abriria brecha para que o filho, Marco Antônio, fosse candidato a deputado federal, e Pezão, ao governo do estado.

Cabral ficou irritadíssimo.

Diante da crise, o PT recorreu ao diretório nacional. Os petistas devem apoiar o PMDB em pelo menos 20 cidades. O partido de Cabral e Picciani selou acordo para caminhar com os petistas em apenas quatro municípios.

Procurado pelo GLOBO, Picciani preferiu o silêncio. Cabral, em nota, evitou polemizar: — O presidente Picciani é amigo e companheiro.

FONTE: O GLOBO

Improviso fatal:: Míriam Leitão

O Brasil continua improvisando nas políticas industrial e comercial. Ao tentar encontrar saídas de afogadilho para o déficit que apareceu na balança, e para o magro número da indústria em 2011, tudo o que se consegue no governo é repetir o cacoete: protecionismo, vantagens para lobbies e corporações. O Brasil precisa de uma política atualizada, modernizante.

Elevar barreiras, quebrar acordos, distribuir dinheiro barato e descontos nos impostos é o que se fazia no Brasil pequeno, fechado e pouco sofisticado dos anos 1970. Não é possível que quatro décadas depois só saiam dos ministérios de Brasília exatamente as mesmas propostas.

Moderno é entender a lógica da integração das cadeias produtivas pelos países para tirar maior proveito delas, apostar nas vocações, incentivar inovação, investir pesadamente em educação, retirar os obstáculos que reduzem a produtividade e competitividade da economia como um todo.

Na ameaça de romper o acordo automobilístico com o México, pelo crescente déficit na balança comercial setorial, ocorreu algo curioso. Normalmente, o governo atende a todos os pedidos das montadoras. Foi assim com a redução do IPI para os automóveis, a elevação do IPI para os carros importados por montadoras não instaladas no Brasil e os frequentes benefícios que são concedidos ao setor.

A indústria automobilística pressionou o governo pedindo vantagens para eles e barreiras para os concorrentes, exibindo para isso os números das importações de automóveis. Falso argumento, porque os maiores importadores são eles mesmos. Estabelecida a barreira e o princípio de que importar é prejuízo, o feitiço voltou-se contra eles mesmos. Agora, o governo quer barrar as importações de carros vindos do México, só que a indústria se organiza de forma integrada no mundo inteiro, distribuindo os modelos por países diferentes e importando de suas próprias fábricas.

A indústria soltou nota e esperneou, agora que o protecionismo que sempre pede volta-se contra suas próprias estratégias. A maioria dos carros importados é das próprias montadoras, como tantas vezes o governo foi alertado pelos que criticaram a elevação do IPI contra o carro importado. A medida foi formatada exatamente para barrar os carros que concorriam com os das montadoras brasileiras, mesmo que representassem uma fração dos que vêm de fora.

Aí fica provada a improvisação. Queriam tanto agradar à indústria automobilística que acabaram desagradando-a fortemente, e ela até soltou nota de protesto.

Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford no Brasil, e coordenador do Centro de Estudos Automotivos (CEA), explica como a indústria se organizou:

- As empresas nos países são ramos de um mesmo tronco que obedecem à estratégia global das companhias, e isso não é decidido no Brasil. Por estratégia, as empresas decidiram produzir carros diferentes no Brasil, Argentina e México. No Brasil, especializaram-se em produzir carros pequenos e básicos e passaram a importar carros maiores que não são produzidos aqui.

Durante os primeiros anos a estratégia deu superávit para o Brasil no comércio com o México; no último ano virou um resultado negativo de US$ 1,7 bilhão em carros e autopeças. No comércio de derivados de petróleo o Brasil teve um déficit de US$ 10 bilhões. Com o superávit no petróleo bruto, o saldo negativo no setor como um todo cai para US$ 2,3 bilhões. Mas este, pelo visto, não incomoda o governo porque até agora não provocou rompantes de rompimentos de acordos, ou medidas punitivas para a empresa importadora.

O episódio mostra que falta a Brasília uma visão geral, integrada e estratégica de como atuar para enfrentar a perda crônica de competitividade da indústria brasileira, que resultou na fraca produção industrial de 2011 e no enorme déficit comercial da indústria. Distribuir pomadas e curativos a alguns setores não resolve o problema. Escolher campeões - empresas que recebem subsídios para comprar seus concorrentes e sustentar planos de expansão - além de arcaico é indecoroso.

Se o dólar sobe, a indústria suspende a reclamação, os números melhoram e o governo comemora. Quando o dólar cai, como agora, recomeça o choro das empresas, os improvisos do governo e a reabertura do balcão de favores. E é essa gangorra de maior ou menor favorecimento que o governo chama de política industrial.

É preciso, em qualquer taxa de câmbio, enfrentar os gargalos estruturais que atrapalham empresas de qualquer setor, da indústria, inclusive. O custo trabalhista torna onerosa a contratação em qualquer ramo empresarial porque o trabalho é muito tributado no Brasil. Os impostos são muitos, e o cumprimento das obrigações fiscais, um cipoal burocrático. A empresa é punida por pagar seus impostos e contratar trabalhadores. O incentivo é para sonegar e livrar-se da mão de obra através de algum artifício. A logística é deplorável num país que tem dimensões continentais. A agenda é antiga, conhecida e de difícil execução. Só que é a única saída e precisa ser iniciada em algum momento.

FONTE: O GLOBO

O ritmo das remadas:: Celso Ming

Quando ainda era apenas professor da Universidade de Princeton, o especialista em Política Monetária Ben Bernanke afirmou, em entrevista agora sempre relembrada, que um banco central tem de agir como patrão de barco a remo numa competição: deve cantar o ritmo das remadas e indicar o rumo para garantir eficiência máxima dos remadores e da embarcação.

A instituição do regime de metas de inflação anunciada por Bernanke na semana passada foi mais um passo importante do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) na direção da tal eficiência máxima.

O comunicado divulgado logo após a reunião do Comitê de Política Monetária (Fomc, na sigla em inglês) de terça-feira avisou que o Fed passaria a perseguir a meta de inflação de 2,0% ao ano. A novidade não é propriamente a meta em si, mas a oficialização de uma meta já conhecida informalmente.

Na medida em que o patrão do barco, com a credibilidade que lhe é imputada, canta em voz alta o ritmo de uma inflação de 2,0% ao ano, formata-se a expectativa dos fazedores de preços à medida que acionam seus negócios. Em termos mais técnicos, expectativas de inflação ficam "ancoradas" também em 2,0% e toda a economia passa a trabalhar em sintonia com o Fed. Sempre que ousasse remarcar seus preços em níveis mais altos, o homem de negócios correria o risco de ser punido com o encalhe de sua mercadoria. Em contrapartida, esvaem-se também temores de que sobrevenha deflação (queda constante de preços), igualmente desastrosa para a economia, porque afugentaria investimentos e provocaria transferência de capitais.

O efeito da ancoragem não morre aí. Desdobra-se em duas outras consequências: (1) os juros praticados na economia acabam sendo proporcionais aos praticados pelo banco central; e (2) a atividade econômica tende a funcionar com o nível máximo de eficiência.

E aí está a mais importante sutileza teórica subjacente à execução do regime de metas pelo Fed, tal como apontada por Bernanke.

Diferentemente de outros bancos centrais, o Fed cumpre mandato duplo imposto em lei. Não só tem de atacar a inflação, mas trabalhar para garantir o melhor nível de emprego, nas circunstâncias.

O que Bernanke está dizendo é que o cumprimento do regime de metas de inflação por um banco central de grande nível de credibilidade e, ao mesmo tempo, transparente, tende a garantir o máximo de eficiência de uma economia e, portanto, assegurar o máximo de empregos.

O anúncio do Fed da semana passada corrói antiga pretensão de certos economistas brasileiros que defendem para o Banco Central do Brasil o mesmo regime duplo do Fed. A proposta desses especialistas é de que, em vez de cuidar somente de enquadrar a inflação no centro da meta, a política monetária tratasse de estimular o crescimento econômico e o nível de emprego.

O que Bernanke acaba de dizer é que o que conta mesmo é uma firme ancoragem das expectativas dos administradores do setor produtivo à meta de inflação. O crescimento econômico e a criação de empregos dentro do potencial da economia são mera consequência.

CONFIRA

O gráfico mostra um dos efeitos esperados pelo Banco Central Europeu com sua operação de crédito de longo prazo (três anos) para os bancos: a queda dos juros cobrados pelo mercado para absorver títulos de dívida soberana na área do euro.

Procura ainda maior. No dia 29 haverá a segunda operação do tipo. Dessa vez, analistas esperam o dobro da demanda dos bancos: nada menos que 1 trilhão de euros.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Um africano veste Prada:: Vinícius Torres Freire

Crescimento medíocre de um ano dos Estados Unidos equivale a alta de 25% do PIB da África Subsaariana

Quase todos os dias, os jornalistas tratamos dos dramas das economias dos ricos Estados Unidos e União Europeia; nos esquecemos um tanto do rico Japão, que parou de crescer faz uns 20 anos e se tornou crise carne de vaca, em relativo oblívio.

Porém é raro se perguntar por qual motivo os países ricos ainda precisariam crescer tanto. O crescimento americano foi medíocre no ano passado? Foi: 1,8%. Caso esse aumento da renda (do PIB) americana fosse adicionado ao PIB da África Subsaariana, digamos, o crescimento africano teria sido de 25%, o triplo do chinês.

O PIB do Brasil é mais de 50% maior que o da África (inteira, e não apenas a Subsaariana). Aqui vivem menos de 200 milhões de pessoas; lá, mais de 1 bilhão.

Sim, se trata de aritméticas ingênuas, uma caricatura grotesca como vestir um somali esquálido de Gucci ou Ralph Lauren. Por ora, pois, passemos.

Sim, não é possível ignorar a crise euro-americana. A lambança promovida pela finança mundial, assessorada e marquetada pelos economistas, ainda pode empestear (mais) o mundo inteiro.

Sim, o lixo nuclear financeiro vai ser enterrado apenas quando a economia euro-americana voltar a crescer.

Isto posto, limpa a sujeira da finança, pergunte-se de novo: por que o mundo rico precisa crescer muito mais? No nível da renda per capita deles, com uma distribuição melhorzinha, a maioria dos problemas materiais não estaria resolvida? Estaria, mas essa é outra tolice ingênua. Não é isso que está em jogo.

Economias de mercado, "capitalismos", são movidas pela acumulação sem sentido. "Sem sentido" não quer dizer "desvairado", mas "sem objetivo determinado", como por exemplo o de fornecer três cuias diárias de comida para todo mundo, além de um abrigo, água limpa e vacinas, afora o tempo para preguiça e dançar forró no terreiro.

O capital se acumula para se acumular, ponto. Economias de mercado foram até hoje as mais capazes de produzir muito e rápido, mas não está no gene delas um plano de distribuição decente ou de paz na terra para pessoas de boa vontade.

Em termos econômicos, para nem falar dos políticos, a pergunta do fim do crescimento dos ricos é ainda tola. Não parece possível manter as economias num "estado estacionário", sem regressão. Não há como, sem mais, transferir poupança e ainda menos investimento do mundo rico para o tumulto africano -nem que houvesse vontade.

O crescimento do mundo rico um dia vai se derramar sobre a África ao sul do Saara, sobre o sul da Ásia etc.? Uhm. Quando? Quantas gerações mais vão viver no lixo até que isso aconteça? Haverá recursos bastantes (físicos)? Qual a "consistência intertemporal" (como dizem os economistas) dessa conversa fiada?

Nenhuma. Assim como nenhuma é a chance de haver coordenação econômica mundial (rir, rir, rir) que realocasse recursos (de capital, políticos, educacionais) de modo a fazer a economia andar mais ali, menos aqui.

A gente discute se os EUA vão crescer 0,3% mais ou menos em 2012 (1,8% ou 2,1%?); esse 0,3% dobraria o crescimento da África deste ano. É uma caricatura. É grotesco, horrendo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Grevistas sob ameaça de prisão

Com a preocupação de conter a violência na Bahia e preservar o governador Jaques Wagner, ministro da Justiça afirma em Salvador que presídios federais se preparam para receber PMs que insistem na greve julgada ilegal. Em cinco dias, houve 56 homicídios

Paula Filizola

Ao lado do governador da Bahia, Jaques Wagner, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deixou claro ontem, ao falar com jornalistas na Base Aérea de Salvador, que não haverá acordo com os policiais militares responsáveis por crimes cometidos durante a paralisação da categoria, que já dura cinco dias. Segundo o ministro e governador petistas, não haverá anistia militar para os grevistas envolvidos em crimes de vandalismo. Cardozo também anunciou que já fez o pedido de reserva de vagas em presídios de segurança máxima, caso seja necessário encaminhar os manifestantes grevistas para esses locais. De acordo com o governo estadual, 12 mandados de prisão já foram emitidos.

A pedido da presidente Dilma Rousseff, Cardozo desembarcou ontem em Salvador por volta das 10h, acompanhado do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general José Carlos De Nardi, e da secretária Nacional da Segurança Pública (Senasp), Regina Miki. O ministro foi à capital baiana para discutir soluções para a onda de violência e insegurança que tomou contas das ruas da capital. Segundo ele, a presidente Dilma autorizou a "operação de lei e de ordem", prevista na legislação brasileira. Com isso, foram mobilizados 400 homens da Força Nacional de Segurança e cerca de 3 mil militares das Forças Armadas, sob o comando do Ministério da Defesa. Segundo o ministro da Justiça, a Polícia Federal já está orientada a apurar e punir transgressões à lei. "Nós estamos dando ao Governo da Bahia apoio incondicional para que seja possível cumprir a missão na defesa da ordem e do Estado de direito", afirmou o ministro.

A onda de violência e insegurança que tomou conta das ruas de Salvador e da região metropolitana da cidade deixou novas vítimas nas últimas horas. Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia havia registrado — do período de sexta-feira à tarde a manhã de sábado — 32 mortes na região. Nesse período, foram 20 tentativas de homicídio e 69 roubos a carros.

Mesmo com o Exército Brasileiro patrulhando as ruas, estabelecimentos e bares tradicionais fecharam as portas com medo de saques e assaltos. Levantamento feito pela SSP da Bahia já contabilizou 56 homicídios desde o início da greve, na terça-feira. A média estimada pelo órgão é de cerca de 4 assassinatos por dia. Dados da pesquisa Mapa da Violência 2012 indicam que as cidades baianas de Simões Filho e Porto Seguro integram a lista das mais perigosas do mundo. Já Salvador aparece no ranking em 22º lugar com a taxa de 56.98 homicídios para cada 100 mil habitantes. A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de que o número não passe de 10.

Com objetivo de tranquilizar a população, o governador da Bahia, Jaques Wagner, fez na sexta-feira um pronunciamento oficial em rede de rádio de TV, de cerca de três minutos. No texto, ele afirmou estar tomando todas as providências necessárias para assegurar proteger os moradores. "A democracia é o império da lei. Não podemos conviver com esse movimento já considerado ilegal pela Justiça baiana. Não aceito que um pequeno grupo, de forma irresponsável, cometa atos de desordem para assustar a nossa população", afirmou. Segundo ele, parte dos crimes tem o objetivo de criar um clima tenso e desestabilizar a população. "Não tenho dúvidas de que isso é mandado por aqueles que se intitulam líderes sindicais", avaliou o governador.

Reivindicando melhorias salariais, cerca de um terço da corporação da Polícia Militar está acampada na Assembleia Legislativa de Salvador, desde terça-feira. O juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública, Ruy Eduardo Almeida Brito, já expediu um mandado que considerou ilegal o movimento dos PMs grevistas, ligados a Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra). Ontem, a Justiça da Bahia expediu um mandado de reintegração de posse das 14 viaturas apreendidas ilegalmente pelos manifestantes. Enquanto isso, a Polícia Civil lacrou, por ordem da Justiça, a sede da Aspra.

Deu no...

Clarin.com

O jornal argentino El Clarín publicou na primeira página de seu site uma matéria sobre a greve dos policiais militares baianos. O texto destacou o alto número de homicídios em poucas horas, os saques às lojas e o pânico entre os moradores. O jornal esclareceu que até o momento não há turistas entre os mortos.

lanacion.com

A violência em Salvador também foi destaque em outro jornal argentino. O La Nación criticou a insegurança na cidade, reconhecida internacionalmente por seu concorrido carnaval. A reportagem também trouxe dados da Secretaria de Segurança da Bahia com o número de militares que foram convocados para reforçar a segurança nas ruas da cidade.

El Mundo.com

lA violência causada pela paralisação parcial de policiais militares na Bahia foi destaque no jornal internacional El Mundo, com a manchete "Noite de terror em Salvador da Bahia devido a uma greve de policiais". No texto, o repórter relembrou os dados alarmantes do Mapa da Violência 2012. A Bahia tem dois dos municípios mais violentos do país.

El pais

Ao relatar os últimos acontecimentos na Bahia, o espanhol El País reforçou que o fato acontece às vésperas do carnaval e em ano de eleições. A matéria ainda destacava o número de mortes na cidade. Segundo o texto, o homicídio, na quinta-feira, do músico do Olodum Denilton Souza foi um dos que mais comoveram a população.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE