domingo, 2 de setembro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Rosa Weber: ‘o mensalão maculou a República’ (XXIX)

Quanto à corrupção passiva, não importa o destino dado ao dinheiro, isto é, se foi gasto em despesas pessoais ou (para pagar) dívidas de campanhas políticas individuais, porque, em qualquer hipótese, a vantagem não deixa de ser vantagem indevida.

Rosa Weber, ministra do STF, em voto no processo do mensalão, 28/8/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Deputados candidatos ‘matam’ trabalho
Banco Rural tentou silenciar testemunha
Segredos de quando o Brasil faliu

FOLHA DE S. PAULO
STF define regras mais duras contra corrupção
Dilma confia novas concessões a time de 'espancadores'

O ESTADO DE S. PAULO
União tem 121 imóveis de luxo ocupados de forma irregular
Russomanno é acusado de fraude eleitoral
Oposição a Dilma lidera em 8 capitais
Vereadores de SP usam carros com placa ilegal
Disputa na Guiné liga Vale a massacre

CORREIO BRAZILIENSE
Investidores em alerta
O lobby mora bem

ESTADO DE MINAS
Ministério Público quer coibir violência policial
O candidato passa, mas a promessa fica

ZERO HORA (RS)
Cresceu o estoque de maduros

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Planos de saúde têm cada vez menos especialistas
Nordeste vira filão da vez de cervejarias

Herança pesada - Fernando Henrique Cardoso

A presidenta Dilma Rousseff recebeu uma herança pesada de seu antecessor. Obviamente, ninguém é responsável pela maré negativa da economia internacional, nem ela nem o antecessor. Mas há muito mais do que só o infortúnio dos ciclos do capitalismo.

Comecemos pelo mais óbvio: a crise moral. Nem bem completado um ano de governo, e lá se foram oito ministros, sete dos quais por suspeitas de corrupção. Pode-se alegar que quem nomeia ministros deve saber o que faz. Sem dúvidas, mas há circunstâncias. No entanto, como o antecessor jogou papel eleitoral decisivo, seria difícil recusar de plano seus afilhados. Suspeitas, antes de se materializarem em indícios, são frágeis diante da obsessão por formar maiorias hegemônicas, enfermidade petista incurável.

Mas não foi só isso: o mensalão é outra dor de cabeça. De tal desvio de conduta a presidente passou longe e continua se distanciando. Mas seu partido não tem jeito. Invoca a prática de um delito para encobertar outro: o dinheiro desviado seria "apenas" para o caixa dois eleitoral, como disse Lula em tenebrosa entrevista dada em Paris, versão recém reiterada ao The New York Times. Pouco a pouco, vai-se formando o consenso jurídico, de resto já formado na sociedade, de que desviar dinheiro é crime, tanto para caixa dois como para comprar apoio político no Congresso. Houve mesmo busca de hegemonia a peso de ouro alheio.

Mas não foi só isso que Lula deixou como herança à sucessora. Nos anos de bonança, em vez de aproveitar as taxas razoáveis de crescimento para tentar aumentar a poupança pública e investir no que é necessário para dar continuidade ao crescimento produtivo, preferiu governar ao sabor da popularidade. Aumentou os salários e expandiu o crédito, medidas que, se acompanhadas de outras, seriam positivas. Deixou de lado as reformas politicamente custosas: não enfrentou as questões regulatórias para acelerar as parcerias público-privadas e retomar as concessões de certos serviços públicos. A despeito da abundância de recursos fiscais, deixou de racionalizar as práticas tributárias, num momento em que a eliminação de impostos poderia se fazer sem consequências negativas: a oposição conseguiu suprimir a CPMF, cortando R$ 50 bilhões de impostos, e a derrama continuou impávida.

É longa a lista do que faltou fazer quando seria mais fácil. Na questão previdenciária, o único "avanço" não se concretizou: a criação de uma previdência complementar para os funcionários públicos que viessem a ingressar depois da reforma. A medida foi aprovada, mas sua consecução dependia de lei subsequente, para regulamentar os fundos suplementares, que nunca foi aprovada. As centenas de milhares de recém-ingressados no serviço público na era lulista, continuaram a beneficiar-se da regra anterior. Foi preciso que novo passo fosse dado pelo governo atual para reduzir, no futuro, o déficit da Previdência. Que dizer, então, de modificações para flexibilizar a legislação trabalhista e incentivar o emprego formal? A proposta enviada pelo meu governo, com esse objetivo, embora assegurando todos os direitos trabalhistas previstos na Constituição foi retirada do Senado pelo governo Lula em 2003. Agora é o próprio Sindicato Metalúrgico de São Bernardo do Campo que pede a mesma coisa...

Mas o "hegemonismo" e a popularidade à custa do futuro forçaram outro caminho: o dos "projetos de impacto" como certos períodos do autoritarismo militar tanto prezaram. Projetos que não saem do papel ou, quando saem, custam caríssimo ao Tesouro e têm utilidade relativa. O exemplo clássico foi a formação a fórceps de estaleiros nacionais para produzirem navios tanque para a Petrobras (pagos, naturalmente pelos contribuintes, seja através do BNDES, seja pelos altos preços desembolsados pela Petrobras). Depois do lançamento ao mar do primeiro navio, com fanfarras e discursos presidenciais, passaram-se meses para descobrir-se que o custo não fez jus a tanta louvação. Que dizer dos atrasos da transposição do São Francisco ou da Transnordestina, ou ainda da fábrica de diesel à base de mamona? Tudo relegado aos restos a pagar do esquecimento.

O que mais pesa como herança é a desorientação da política energética. Calemos sobre as usinas movidas "a fio d"água", cuja eletricidade para viabilizar o empreendimento terá de ser vendida como se a produção fosse firme o ano inteiro e não sazonal. Foi preciso substituir o companheiro que dirigia a Petrobrás para que o país descobrisse o que o mercado já sabia, havendo, reduzido quase pela metade o valor da empresa. O custo da refinaria de Pernambuco será dez vezes maior do que previsto; há mais três refinarias prometidas que deverão ser postergadas ad infinitum.O preço da gasolina, controlado pelo governo, não é compatível com os esforços de capitalização da Petrobrás. Como consequência de seu barateamento forçado – que ajuda a política de expansão ilimitada de carros com a coorte de congestionamentos e poluição –, a produção de etanol se desorganizou a tal ponto que estamos importando etanol de milho dos Estados Unidos!

Com isso tudo e apesar de estarmos gastando mais divisas do que antes com a importação de óleo, o presidente Lula não se pejou em ser fotografado com as mãos lambuzadas de petróleo para proclamar a autossuficiência de produção, no exato momento em que a produtividade da extração se reduzia. No rosário de desatinos, os poços secos, ocorrência normal neste tipo de exploração, deixaram de ser lançados como prejuízo, para que o país continuasse embevecido com as riquezas do pré-sal, que só se materializarão quando a tecnologia permitir que o óleo seja extraído a preços competitivos, que poderão se tornar difíceis com as novas tecnologias de extração de gás e óleo dos americanos.

É pesada como chumbo a herança deste estilo bombástico de governar que esconde males morais e prejuízos materiais sensíveis para o futuro da nação.

Sociólogo, foi presidente da República

FONTE: O GLOBO, O ESTADO DE S. PAULO, ZERO HORA

Promotores se empolgam com 'flexibilização' no STF

Integrantes do Ministério Público avaliam que argumentos de ministros na condenação de réus do mensalão vão influenciar ações em 1ª instância

Fausto Macedo, Eduardo Kattah

A tendência do Supremo Tribunal Federal de "flexibilizar" o Direito Penal no julgamento do mensalão, ao condenar por corrupção sem exigir ato de ofício, vai refletir diretamente nas ações penais em curso na primeira instância da Justiça. A avaliação é de procuradores da República, promotores de Justiça e delegados da Polícia Federal que atuam no combate a desvios de recursos públicos.

"O entendimento do STF vai fortalecer grandemente o combate à corrupção no Brasil, agentes públicos vão ter noção de que é corrupção o fato de receberem vantagem indevida, mesmo que não façam nada formalmente, mesmo que não pratiquem ou assinem atos", alerta o procurador regional da República no Recife Wellington Cabral Saraiva, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Convenções Internacionais Contra a Corrupção do Ministério Público Federal.

O ato de ofício é produzido pelo administrador no exercício da função, mesmo quando não provocado. No caso do julgamento do mensalão, o ministro Luiz Fux asseverou: "Não se pratica um crime desses se não se tem autoridade. Esse potencial é que caracteriza o crime. Por isso a doutrina considera que o ato formal já caracteriza o ilícito. O ato de ofício é a prática possível e eventual que explica a solicitação da vantagem indevida ou seu oferecimento".

Saraiva considera que o Supremo "não está dando um cheque em branco para a polícia e para o Ministério Público, nem para o Judiciário; está apenas restabelecendo a força do Código Penal no capítulo da corrupção, conforme o artigo 317".

"A tese do ato de ofício que o STF construiu no julgamento da ação penal do ex-presidente Fernando Collor foi equivocada porque não corresponde ao requisito do artigo 317", afirma o procurador. "Não há nesse artigo descrição de que o agente público tem que praticar ato, a corrupção já se caracteriza quando (o agente) solicita a vantagem em razão da função. Essa é a questão-chave, o STF está resgatando a interpretação tradicional."

Ele prevê que a decisão do STF vai ter um reflexo não só na primeira instância judicial, mas também na administração pública. "Os membros das comissões de licitação, por exemplo, sabem agora que o enquadramento por corrupção poderá ocorrer porque receberam dinheiro, mesmo sem ter subscrito nenhum ato que favoreça determinada empresa. Parece detalhe técnico, mas vai ter uma força enorme em todo o País quando o Ministério Público começar a processar com base nessa nova interpretação, que sempre foi a correta."

A flexibilização foi contestada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado pelo STF. "Os ministros caminham numa linha de profunda flexibilização, tanto do Direito Penal quanto do processo penal, afastando garantias que são caríssimas à própria democracia."

Para o delegado da PF Milton Fornazari Junior, mestre em Direito Penal (PUC), "não há que se falar em flexibilidade de presunção da inocência, pois o entendimento dos ministros do STF não ultrapassa os limites do tipo penal, que é a maior garantia do cidadão, reflexo do princípio da legalidade".

Vantagem. "O tipo penal da corrupção passiva não exige a prova da prática específica do ato de ofício pelo acusado", diz o delegado. "Essa prova só será relevante para que o juiz decida se aumenta ou não a pena de prisão em um terço, conforme o artigo 317. Para que se conclua que o crime existiu e o sujeito possa ser responsabilizado por ele, basta a prova de que solicitou e/ou recebeu vantagem indevida."

O promotor de Defesa do Patrimônio Público de Minas, Eduardo Nepomuceno, disse que não há flexibilização na condenação do petista. "O deputado alegou: "Minha mulher recebeu dinheiro do PT, foi lá sacar para pagar a conta". Essa alegação da defesa é a defesa que tem de provar. Não é a acusação que tem de fazer prova negativa."

O procurador José Carlos Cosenzo, do Ministério Público de São Paulo, adverte que o Supremo "está deixando bem claro que acabou essa história de que precisa de ato de ofício para condenar". "Não vejo risco às garantias. Os juízes vão se sentir mais à vontade. Atos de corrupção são complexos. A partir da decisão do STF, a prova vai ser muito melhor aferida, de forma mais abrangente, examinada com mais amplitude pelos juízes."

Para Cosenzo, "o que o STF está dizendo é que aquele que domina o fato tem condições claras de sumir com provas, maquiar, dificultar. Maior elasticidade no exame da prova não significa prejuízo a quem alega inocência".

A procuradora regional da República em São Paulo, Janice Ascari, sustenta que "para a caracterização do crime a lei jamais exigiu que haja, sequer, a indicação de ato de ofício". "O STF, que já decidira assim antes, só reafirmou o óbvio, o que já está na lei, destruindo as teses criativas de defesa que podem até ter sido acolhidas pontualmente em instâncias inferiores."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

STF define regras mais duras contra corrupção

O julgamento do mensalão no STF estabeleceu teses que deverão levar à condenação da maioria dos réus, além de criar jurisprudência para balizar demais casos de corrupção no país. Os ministros derrubaram argumentos da defesa, fixando a base para futuras condenações. Entre elas, a de que era preciso a existência do chamado "ato de ofício" para configurar corrupção

MENSALÃO O JULGAMENTO

STF define tratamento mais rigoroso contra a corrupção

Primeiro mês do julgamento estabelece teses com impacto em todo o Judiciário

Posições sobre atos de ofício e validade de provas colhidas por CPIs sugerem condenação da maioria dos réus do caso

Felipe Seligman, Flávio Ferreira, Márcio Falcão, Matheus Leitão e Rubens Valente

BRASÍLIA - Iniciado há um mês, o julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) já estabeleceu teses jurídicas que deverão levar à condenação da maioria dos réus do processo e sugerem que casos de corrupção terão um tratamento mais rigoroso no Judiciário daqui para frente.

A importância do caso faz com que as decisões passem a ser referência para toda a Justiça, já que essa é uma das raras vezes em que o Supremo, preponderantemente um tribunal constitucional, analisa fatos e provas penais.

Os ministros do Supremo julgaram até agora apenas o primeiro dos sete capítulos do mensalão. A conclusão é que o esquema de corrupção foi alimentado com dinheiro público, vindo da Câmara dos Deputados e principalmente do Banco do Brasil.

Mais do que isso, os ministros derrubaram boa parte das teses apresentadas pela defesa, fixando a base para futuras condenações.

Entre elas a de que é necessária a existência do chamado "ato de ofício" para que se configurasse a corrupção. A maioria dos ministros entendeu que basta o recebimento de propina para haver o crime, mesmo que o servidor não tenha praticado nenhum ato funcional em troca.

"Basta que o agente público que recebe a vantagem indevida tenha o poder de praticar atos de ofício", disse a ministra Rosa Weber.

Em outro dos pontos, só dois ministros aceitaram até agora um dos argumentos centrais dos réus, o de que o esquema se resumiu apenas a gasto eleitoral não declarado à Justiça -o caixa dois.

Segundo a acusação, o dinheiro foi usado para compra de apoio legislativo ao governo Lula em 2003 e 2004.

Os entendimentos adotados pelo STF são desfavoráveis aos réus políticos -integrantes de partidos governistas que receberam dinheiro, como Valdemar Costa Neto (PR), Pedro Henry (PP) e Roberto Jefferson (PTB), que revelou o esquema em entrevista à Folha em 2005.

Eles argumentaram que receberam dinheiro para gastos eleitorais ou partidários.

Mas para o ministro Celso de Mello, quando existe a corrupção, é "irrelevante" a destinação do dinheiro -tanto faz se foi usado "para satisfazer necessidades pessoais", "solver dívidas de campanhas" ou para "atos de benemerência".

Outra tese da defesa que deve ser derrotada -quatro ministros já se manifestaram contra- é a de que só devem ser consideradas válidas provas colhidas no processo judicial, quando há amplo espaço para a defesa dos réus.

A maior parte dos ministros indicou até agora que provas obtidas em CPIs, inquéritos policiais, reportagens de jornais e depoimentos só não valem quando constituírem o único fundamento da acusação. Dentro de um contexto, dão força ao processo criminal.

"Os indícios não merecem apoteose maior, mas não merecem a excomunhão. Não podemos alijar os indícios. [...] É uma visão conjunta", argumentou Marco Aurélio Mello.

Por fim, a maioria dos ministros também indicou que há crime de lavagem de dinheiro (tentativa de ocultar a origem de um recurso ilícito) quando um beneficiário envia outra pessoa para sacar o dinheiro em seu lugar.

O deputado João Paulo Cunha (PT) e o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Piz-zolato foram condenados por isso. Há outros réus que receberam dinheiro da mesma forma.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Banco Rural tentou silenciar testemunha

De ações de indenização a mandados de busca e ordem judicial para vetar entrevistas, o Banco Rural e seus ex-dirigentes, réus no mensalão, tentaram de várias formas na Justiça impedir o ex-funcionário Carlos Godinho, principal testemunha de acusação, de expor ainda mais a imagem do banco

Pressão máxima para calar testemunha

Ex-diretores do Rural recorreram a pedidos de indenização e mandados de busca para encurralar ex-funcionário

Thiago Herdy, Amanda Almeida

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA e BELO HORIZONTE Réus do mensalão, em julgamento no Supremo Tribunal Federal, os ex-dirigentes do Banco Rural fizeram de tudo para encurralar a principal testemunha da acusação, Carlos Roberto Sanches Godinho, ex-superintendente da área de Compliance do Banco Rural. De ações de indenização a mandados de busca e ordem judicial para vetar entrevistas, o Rural recorreu aos mais variados instrumentos para evitar que Godinho pusesse ainda mais em risco a imagem da instituição.

Desde que saiu do banco, em setembro de 2005, ele não conseguiu mais emprego na área financeira. Hoje, divide seu tempo entre temporadas nas casas da filha, em Belo Horizonte, e do filho Sérgio, em Natal, Rio Grande do Norte.

- Você vê como são as coisas: meu pai resolveu ajudar e foi como se a moeda virasse para o outro lado. Ele só fez o que achava certo. O ex-ministro da Justiça precisava saber disso, né? - diz Sérgio, criticando Márcio Thomaz Bastos, defensor de José Roberto Salgado, ex-diretor do Rural.

Busca e apreensão em 2005

Na sustentação oral no STF, Bastos tratou Godinho como "um ex-funcionário posto para fora" e "um falsário", mencionando perícia particular feita pelo próprio Rural em documento relacionado a um processo trabalhista de Godinho contra o banco, que nada tem a ver com o mensalão.

- (É um funcionário) que traz uma série de intrigas, fofocas, entendimentos errados, afirmando que ocupava cargos de cúpula no banco. Era um funcionário de terceiro escalão - disse Bastos, anunciando estratégia que seria repetida pelos outros advogados dos réus do banco, baseada na tese de que Godinho ocupava posição mediana na empresa, "sem condições de acesso às informações e decisões tomadas por sua direção".

Mas não era dessa forma que o Rural tratava o ex-funcionário quando ingressou com a ação para proibi-lo de dar entrevistas, ou ainda ao pedir um mandado de busca e apreensão na casa dele, em 2005. Na ação, a empresa o trata como "ocupante de um cargo de confiança", um dos responsáveis por "assegurar a ética e detectar as inconformidades com a lei e a regulamentação" e, por isso, detentor de informações sigilosas.

Ao atender ao pedido de liminar do banco, uma juíza disse estar convencida de que o funcionário "ocupou uma posição de destaque na instituição financeira, cargo este que lhe possibilitou o acesso a inúmeros documentos e informações confidenciais, não só do próprio banco, mas também a relação deste com seus clientes".

Processado por três dos quatro réus do Rural - Salgado, Ayanna Tenório e Kátia Rabello - Godinho até agora saiu vencedor. Também conseguiu derrubar na Justiça uma liminar que impunha multa de R$ 100 mil se ele desse declarações públicas contra o Rural. Ouvido no processo do mensalão, Godinho diz ter levado a seus superiores relatórios com indícios de lavagem de dinheiro nas movimentações das contas ligadas a Marcos Valério. Relatos que tinham nome e formato que o próprio banco reconheceria posteriormente: "Conheça seu cliente" e "Movimentação acima dos padrões" eram os relatórios. Foram ignorados pelos dirigentes, segundo ele.

Documentos não chegaram

Depois do depoimento, o relator da ação penal no STF, ministro Joaquim Barbosa, solicitou ao banco que enviasse cópias desses relatórios sobre as empresas ligadas a Valério. Os documentos não chegaram.

Ao GLOBO, o Rural disse ter encaminhado "toda a documentação exigida no curso do processo a quem de direito". Reafirmou que Godinho não teve acesso a detalhes dos empréstimos dados pelo banco e que todos foram concedidos "dentro de critérios bancários normais e classificados pela área de crédito da forma como se reputou adequada". O banco diz que movimentações financeiras "fora do padrão" eram encaminhadas às autoridades.

Sérgio contou ter tentado, sem sucesso, convencer o pai a dar nova entrevista:

- Depois de tudo que aconteceu, o que ele mais quer é permanecer distante.

FONTE: O GLOBO

À espera da nova jurisprudência

Especialistas acreditam que julgamento atualizará doutrinas e terá reflexos nas instâncias inferiores

Helena Mader

O julgamento do mensalão, que completa hoje um mês, vai definir o futuro dos 37 acusados, mas também poderá servir de embasamento para condenar ou absolver réus em futuras ações penais. Até o fim do julgamento, que deve se estender até outubro, os 10 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) poderão mudar a jurisprudência sobre vários temas, o que vai direcionar também decisões de Cortes de primeira instância. Criminalistas de todo o país acompanham com atenção cada voto proferido no plenário para seguir o raciocínio dos magistrados do STF e saber que mudanças poderão advir da análise de um dos maiores escândalos de corrupção da história brasileira.

Na primeira etapa do julgamento, que acabou na última quinta-feira com a condenação de cinco réus, um dos grandes debates ficou em torno do chamado "ato de ofício". Nos crimes de corrupção passiva, os tribunais exigem a comprovação do ato exercido pelo funcionário público para beneficiar o corruptor que pagou a vantagem indevida. Esse entendimento estava pacificado na Justiça brasileira desde 1994, quando o Supremo absolveu o ex-presidente Fernando Collor. Os ministros à época argumentaram que o Ministério Público não conseguiu apontar qual teria sido o ato de Collor para beneficiar o antigo tesoureiro, Paulo César Farias, que teria lhe presenteado com um Fiat Elba. Desde então, a jurisprudência é a de que, sem ato de ofício, seria impossível condenar alguém por corrupção passiva.

Esse entendimento poderá ser alterado ao fim do julgamento do mensalão. Qualquer mudança definitiva de jurisprudência só será firmada depois da publicação do acórdão com a decisão acerca da Ação Penal 470. Mas, desde o início das votações, os ministros já deram vários indícios de que novas doutrinas jurídicas poderão surgir a partir desse caso.

O ministro Marco Aurélio Mello reconhece a relevância do tema. "Todo julgamento implica uma doutrina do tribunal. Esse caso vai revelar doutrina com relação a diversas matérias e isso é muito bom em termos de segurança jurídica", afirmou. Sobre o tema mais discutido até agora, ele acredita que a ação penal trará novidades. "Vai haver uma elucidação para sabermos se o ato de ofício é exigido apenas para causa de aumento da pena ou para definir se, na corrupção simples, também há que se exigir ato de ofício", acrescentou.

O criminalista Nabor Bulhões, que foi indicado pelo Supremo como advogado dativo (nomeado pelo magistrado para defender réu que não tem advogado) no caso do mensalão, acha que o Supremo deve flexibilizar o entendimento nos casos de crimes de corrupção. "Há questões relevantíssimas sendo debatidas, algumas já afirmadas na jurisprudência histórica do tribunal, outras revistas e flexibilizadas. Minha impressão até agora é de que o Supremo teria se afastado um pouco da doutrina que se proclamou na Ação Penal 307", afirma Bulhões, referindo-se ao caso Collor, no qual ele atuou como coordenador da defesa.

Bulhões lembra, no entanto, que ainda é cedo para falar de mudanças de jurisprudência. "Isso só ficará claro com a publicação do acórdão. É só aí que os votos são conferidos com precisão e é possível verificar qual foi o verdadeiro sentido que prevaleceu. Um ministro pode acompanhar o entendimento do relator sobre a condenação sem necessariamente seguir as mesmas premissas", acrescenta o criminalista. No caso da exigência de ato de ofício para condenar um réu por corrupção, o entendimento advindo do caso Collor foi publicado na revista trimestral de jurisprudência e está em vigor desde então. A nova formação do Supremo pode, entretanto, alterar esse entendimento.

Discordância

Rosa Weber, que é a ministra com menos tempo de Corte, já sinalizou que discorda da jurisprudência formada em 1994, quando o ex-presidente Collor foi absolvido. A magistrada afirmou em seu voto que não há necessidade de comprovação do ato de ofício para caracterizar o crime de corrupção passiva. "Se ficar comprovado o ato de ofício, aumenta-se a pena. Mas basta que o agente público que recebe vantagem tenha o poder de praticar atos de ofício para que se possa consumar o crime", explicou a ministra.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Tolerância zero - Dora Kramer

A contundência e o rigor da escolha das palavras têm sido a marca dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal no trato do mensalão, desde o acolhimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República, em agosto de 2007.

Há cinco anos expressões como “esquema escancarado” (Marco Aurélio Mello); “fatos extremamente graves” (Celso de Mello); “denúncia típica de quadrilha ou bando” (Ayres Britto); “mentor supremo da trama”, de Joaquim Barbosa ao apontar a existência de indícios suficientes para que José Dirceu merecesse “ser investigado”, surpreenderam.

Mas, postas no contexto de um processo que apenas se iniciava e da descrença generalizada na Justiça, tendo ainda como única referência de comparação mais ou menos à altura a absolvição de Fernando Collor 13 anos antes, aquelas palavras soavam a mera retórica.

Uma hipótese remota de condenação que vai agora se materializando na montagem de um quebra-cabeça, cuja junção das peças desenha um cenário de punições.

Collor foi absolvido da acusação de corrupção passiva por falta de provas cabais sobre a existência do ato de ofício. O entendimento hoje é outro, com a maioria dos ministros admitindo não ser indispensável a demonstração de causa e efeito.

O que mudou? A audácia foi ao topo e, no exagero, cavou seu fundo de poço. O Judiciário não ficou imune à realidade de exorbitâncias e conivências dos últimos anos descrita no discurso de posse do ministro Marco Aurélio Mello na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em maio de 2006. Ao apontar a "rotina de desfaçatez e indignidade que parece não ter limite", Marco Aurélio ressaltava a urgência de se iniciar um "processo de convalescença e cicatrização" no qual o Judiciário teria necessariamente de "assumir sua parcela de responsabilidade nessa avalancha de delitos que sacode o país".

Tanto a corda foi esticada, tantos abusos foram cometidos sob olhares benevolentes e gestos coniventes de autoridades e sociedade, que ao Supremo só restou a opção da resposta em grau de tolerância zero.

Mal na foto. Se prêmio houvesse para quem disse ou fez algo que parece agora falácia ou manobra à luz da conclusão da primeira etapa do julgamento do mensalão, a medalha de ouro iria para o ex-presidente Lula em seu anunciado intuito de "desmontar" a aludida "farsa".

Dividindo a prata, os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Não pelos votos de absolvição a João Paulo Cunha, mas por seus argumentos terem sido considerados pelo advogado Márcio Thomaz Bastos como uma "vitória" da tese do caixa 2. Convenhamos: não fica bem um magistrado ser apontado como arauto de uma prática que o próprio advogado quando ministro da Justiça havia classificado como "coisa de bandido".

O bronze, por ora, fica com os conselheiros do Tribunal de Contas da União que aprovaram parecer que conferia ares de legalidade aos desvios de dinheiro do Banco do Brasil considerados ilegais pela unanimidade do STF.

Na categoria "hors concours", temos a Câmara dos Deputados, que no dia 5 de abril de 2006 considerou João Paulo Cunha inocente da quebra de decoro – agora motivo de condenação por corrupção passiva – por ter recebido R$ 50 mil do valerioduto e cinco anos depois viria a aceitar placidamente que o deputado presidisse a comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Ponte. Estremecido com o PSB por causa das disputas no Recife e em Belo Horizonte, Lula na sexta-feira mandou sua assessoria telefonar para os governadores Eduardo Campos e Cid Gomes convidando para uma reunião no próximo dia 16. Assunto: participação de ambos na campanha de Fernando Haddad, em São Paulo. Resposta: em exame.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Os bons meninos - Eliane Cantanhêde

João Paulo Cunha nasceu em Caraguatatuba (SP), de uma família como milhões de outras neste país afora, e foi um menino como milhões de outros neste país afora. Mas embicou na vida pública como muito poucos.

Já em Osasco, para onde foi com a família ainda criança, tornou-se metalúrgico e participou ativamente da Pastoral da Juventude, da mobilização de operários, da fundação do PT. Brandia a ética e a igualdade. Bom menino, bom rapaz.

Tudo mudou quando Lula subiu a rampa do Planalto, o PT deixou de ser oposição e se atirou de corpo e alma aos prazeres e às chances do poder. Sem lastro político nacional, sem verniz intelectual, sem liderança parlamentar, João Paulo deu um salto maior que as pernas: assumiu a presidência da Câmara dos Deputados já no primeiro ano de Lula.

O início do fim. Trocou o passado de lutas e o futuro promissor por um vício: a embriaguez do poder, em que "os fins justificam os meios". Quis ser tudo, virou nada. Ontem, o Wikipédia já dizia que João Paulo Cunha "foi" um político brasileiro.

Sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal, por contundentes 9 a 2, entra para a história como o fim de uma era. Vai-se a impunidade, vem a responsabilidade. A Câmara dos Deputados, o Banco do Brasil, a Petrobras, a Presidência da República -as instituições, enfim- não têm donos, ou dono. São do Estado e servem à nação.

Isso vale para o Supremo, até mais do que para todas as demais. Lê-se que Lula está triste, acabrunhado, por sentir-se "traído". Dos 11 ministros (incluindo Peluso), 8 foram colocados ali nos governos petistas e só 2 votaram pela absolvição de João Paulo -por extensão, do PT.

A corte suprema não vota mais com os poderosos, pelos poderosos. Julga com a lei, pela justiça. Inaugura, assim, um novo Brasil.

Bons meninos terão de se comportar sempre como bons cidadãos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Oposição a Dilma lidera em 8 capitais

As pesquisas eleitorais de agosto mostram que os partidos de oposição à presidente Dilma Rousseff lideram disputas em 8 capitais. Em 2008, quando Lula estava na Presidência, prefeitos de oposição foram eleitos em 5 capitais, entre elas São Paulo

Oposição a Dilma lidera em oito capitais

Em 2008, nas eleições municipais realizadas quando Lula era presidente, partidos contrários ao governo saíram vitoriosos em cinco

Daniel Bramatti

As rodadas de pesquisas eleitorais de agosto mostram que os partidos de oposição à presidente Dilma Rousseff (PT) lideram disputas em oito capitais, três delas em importantes polos regionais do Norte e do Nordeste: Manaus, Salvador e Fortaleza.

Em 2008, quando Luiz Inácio Lula da Silva era o presidente, prefeitos de oposição foram eleitos em apenas cinco capitais - mas uma delas era São Paulo, a maior do País, que ficou nas mãos de Gilberto Kassab (PDB), aliado do tucano José Serra, então principal adversário do PT no âmbito nacional.

É o DEM, partido que foi praticamente dizimado ao perder parlamentares nas eleições de 2010 e com a criação do PSD de Gilberto Kassab , em 2011, quem está à frente em duas capitais importantes, Salvador e Fortaleza.

Na capital baiana, ACM Neto lidera com larga vantagem (veja quadro abaixo) sobre o principal adversário, o petista Nelson Pelegrino, que conta com o apoio do governador Jaques Wagner, também do PT.

Opositor. ACM Neto, que se notabilizou como um dos parlamentares mais atuantes em Brasília durante o escândalo do mensalão em 2005, se fortaleceu ao mesmo tempo que Jaques Wagner se desgastou com as greves da Polícia Militar e dos professores da rede estadual baiana, ocorridas neste ano, que tumultuaram o cotidiano da população.

Pelegrino, candidato à prefeitura pela quarta vez - derrotado em 1996, 2000 e 2004 - baseia sua campanha na ideia de que as boas relações com outras esferas de poder são necessárias para se obter recursos para obras. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é figura constante nos programas eleitorais do petista. Já apareceu até prometendo que Pelegrino vai concluir as obras do metrô da cidade, que se arrastam há 12 anos.

Em Fortaleza, Moroni Torgan (DEM), ex-deputado federal, se propõe a acabar com os oito anos de domínio do PT na prefeitura. Mas ele é ameaçado principalmente por Roberto Cláudio (PSB), candidato apoiado pelo governador Cid Gomes (PSB), e Elmano de Freitas (PT), apadrinhado pela atual prefeita, Luizianne Lins (PT).

Assim como Torgan, Roberto Cláudio tem atacado Luizianne na campanha, enquanto Elmano se atrela diariamente ao ex-presidente Lula no horário de propaganda eleitoral.

Derrotado ao tentar se reeleger senador em 2010, quando teve o poderio eleitoral de Lula como obstáculo, o tucano Arthur Virgílio aparece bem posicionado na disputa pela prefeitura de Manaus. Mas sua principal adversária é Vanessa Grazziotin (PC do B) - justamente quem o tirou do Senado há dois anos.

No campo governista, o PSB dá sinais de avanço e disputa espaço com o PT em diversas cidades. Além de Fortaleza, o partido pode acabar desalojando os petistas da prefeitura de Recife - o candidato do governador Eduardo Campos (PSB), Geraldo Júlio, deu um salto nas pesquisas e empatou com Humberto Costa (PT), tido como favorito até então.

Outros Estados. Fora do Nordeste, o partido de Campos - que busca viabilizar uma candidatura presidencial em 2014 ou 2018 - também pode reeleger os prefeitos de Curitiba e Belo Horizonte, além de conquistar Cuiabá, em Mato Grosso.

A dispersão partidária no Brasil fica evidente no quadro de pesquisas publicado nesta página. Representantes de nada menos que 12 partidos aparecem como favoritos nas capitais onde há levantamentos recentes dos maiores institutos - Ibope, Datafolha e Vox Populi.

Nanicos. Há até quatro representantes de partidos "nanicos" bem colocados. Em Belém, o ex-petista Edmílson Rodrigues pode ser o primeiro prefeito eleito pelo PSOL em todo o País.

Em Curitiba, Ratinho Jr., do PSC, está empatado na liderança. O PV pode emplacar Marcelo Lélis em Palmas, e o PRB, de Celso Russomanno, está na frente na principal disputa do País: a capital paulista.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Mensalão usado contra Lula

Senador Aécio Neves defende seu afilhado político, Marcio Lacerda, dos ataques do ex-presidente dizendo que PT não separa o público do privado

Felipe Canêdo

No dia seguinte à participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no comício do candidato Patrus Ananias (PT), o principal padrinho político do prefeito Marcio Lacerda (PSB), o senador Aécio Neves (PSDB), usou o maior escândalo que abalou o PT, o mensalão, para rebater os ataques. Para o tucano, os petistas se apropriam de recursos públicos como se fossem do partido, fazendo referência ao voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que houve desvio de recursos públicos. "O PT se apropria das empresas públicas, como fez agora, e foi comprovado pelo Supremo Tribunal Federal, em relação ao Banco do Brasil. Uma vergonha, uma instituição secular, símbolo do Brasil, atender a interesses do partido"", criticou Aécio, acrescentando que o PT tem "um problema grave: muita dificuldade em separar o que é público do que é privado".

A declaração foi feita durante evento de campanha em que Lacerda e Aécio percorreram toda a Avenida do Contorno, num contraponto ao comício de Lula. O senador se posicionou também em relação ao fim do acordo entre PT, PSB e PSDB m torno da candidatura de Lacerda. "Se tem alguém que tem que justificar e explicar o rompimento da aliança, obviamente não somos nós. Estamos onde sempre estivemos: ao lado do Marcio", afirmou. No comício, Lula culpou o PSB pelo rompimento e disse que os socialistas deviam ao PT a eleição em 2008. "É importante que eles saibam que não estariam no governo se não fôssemos nós", discursou o ex-presidente.

Depois de ressaltar que estava feliz por Lula, a quem chamou de amigo, ter se recuperado do tratamento de um câncer de laringe, Aécio chamou o ex-presidente de "desinformado" ao dizer durante discurso no palanque montado na Praça da Estação que em Minas o estado está "quebrado ". Aécio usou a ironia para frisar que a fala demonstra que Lula esteve "ausente do processo político, especialmente em Minas". O senador frisou que Minas Gerais foi considerado o estado com a melhor educação fundamental do país, a melhor saúde da Região Sudeste e com o grau de investimento elevado recentemente pela agência Standar&Poors. O tucano garantiu ainda que o governo Anastasia está fazendo um extraordinário volume de obras, com mais de R$ 4 bilhões anunciados, e cobrou: "O estado poderia estar melhor se o governo gederal tivesse cumprido suas promessas. A Fernão Dias está aí, sem investimentos. O metrô, nós estamos aguardando até hoje. E estamos aguardando mais investimentos na saúde".

Lula disse anteontem que a maior parte das obras na capital e no no estado estavam sendo feitas com recursos federais ou empréstimos do BNDES. "O PT em viés equivocado ao analisar a questão do investimento, porque trata recursos públicos como se fossem seus. Dinheiro federal, dinheiro estadual é o que menos importa, é dinheiro do povo, são impostos que todos nós pagamos", argumentou.

Provocações Lacerda comentou que pretende seguir o mesmo conselho que Lula deu à Patrus, de não entrar em polêmicas na campanha eleitoral e não quis comentar o que considerou agressões e acusações feitas pelo ex-presidente. Sob sol escaldante, ele destacou a importância do ato de campanha em volta da Avenida do Contorno, como uma "grande demonstração de apoio ao nosso trabalho e às nossas propostas", disse. O evento contou com numerosas chuvas de fogos-de-artifício em diversos pontos da via, centenas de balões amarelos e vermelhos, muitas faixas e cerca de 3 mil pessoas.

Candidatos sem partido à vista

Candidatos de diferentes partidos tentam eleger prefeitos em importantes cidades do país escondendo as cores e símbolos de suas siglas nas campanhas eleitorais. Em Recife (PE), o tucano Daniel Coelho trocou o azul e o amarelo da legenda pelo verde, e ainda fez a ave símbolo do partido desaparecer. As cores do PSDB surgiram em Curitiba (PR), mas na campanha de um socialista, Luciano Ducci (PSB). Em Porto Alegre (RS), Manuela D"Ávila substituiu o vermelho do seu PCdoB pelo laranja e roxo, além de não mostrar a foice e o martelo nas faixas e bandeiras. Em Campinas (SP), onde o PDT teve um prefeito cassado no ano passado, o nome da legenda não aparece na propaganda de TV. Com a estratégia, os candidatos tentam realçar apoios políticos, manter imagens públicas ou minimizar eventuais perdas eleitorais decorrentes do estigma das siglas.

Eleito deputado pelo PV em 2010, Daniel Coelho filiou-se em 2011 ao PSDB, sigla de pouca expressão em Pernambuco e associada à oposição aos dois políticos mais populares no Estado, o ex-presidente Lula e o governador Eduardo Campos (PSB). O PV se aliou aos socialistas, mas o tucano manteve o verde como sua marca. No seu material de divulgação, quase não há referências ao seu verdadeiro partido.

A estratégia causou polêmica, e Coelho dedicou parte de um programa de TV ao assunto. Disse que trocou de legenda para "continuar acreditando" que pode "fazer uma política diferente". Integrantes do PV recorreram à Justiça Eleitoral, mas perderam, por não existir lei que regulamente o uso de cores nas campanhas eleitorais.

Cor do padrinho Sem lideranças expressivas no Paraná, o PSB usa na campanha do seu candidato em Curitiba, Luciano Ducci, as cores do PSDB, partido do governador Beto Richa, seu principal cabo eleitoral. A assessoria do socialista diz que o amarelo também é a cor do PSB, e que o azul faz parte da identidade visual de Ducci "há algum tempo".

Em Porto Alegre, a comunista Manuela D"Ávila, além de não exibir símbolos como a foice e o martelo no seu material de campanha, faz raras menções ao seu partido no site oficial e na televisão. A direção municipal do PC do B nega que a sigla tente, com a estratégia, evitar eventual rejeição do eleitorado aos símbolos do comunismo. Segundo a coordenação de campanha, a intenção é não "partidarizar" uma coligação que é formada por outras quatro siglas. O roxo, afirma, foi escolhido por sua "identificação com as mulheres".

FONTE: ESTADO DE MINAS

Relação PT-PSB em teste de fogo

O desfecho das disputas entre os dois partidos em Belo Horizonte, Recife e Fortaleza será decisivo para definir se petistas e socialistas serão aliados na sucessão de 2014

Manoel Guimarães

Embora PT e PSB sejam aliados no âmbito nacional, os atritos entre essas siglas em três importantes capitais nas eleições deste ano estão longe de serem considerados pontuais da forma que seus respectivos dirigentes pretendem passar para a opinião pública. As confusões não se resumem ao Recife, onde Geraldo Julio (PSB) e Humberto Costa (PT) se enfrentarão nas urnas. Situação similar ocorre em Fortaleza, no Ceará, quinta maior cidade do País em termos de população, e em Belo Horizonte, Capital do segundo maior colégio eleitoral brasileiro, Minas Gerais. Os próximos 40 dias de campanha, pelo menos até o primeiro turno, deverão dizer se as tensões nessas três cidades serão nacionalizadas e de que modo interferirão na sucessão da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014.

O caso de Belo Horizonte é dos mais chamativos, por ser a terra natal do senador Aécio Neves, tido como nome do PSDB para a disputa presidencial daqui a dois anos. Na Capital mineira, PT e PSB romperam uma aliança que durou 20 anos às vésperas das convenções partidárias. O prefeito Márcio Lacerda (PSB), eleito em 2008 na aliança com o PT e com apoio do PSDB, disputa a renovação do mandato contra o ex-prefeito Patrus Ananias (PT), mas apoiado por Aécio. Na última pesquisa Datafolha, divulgada na quarta-feira ((29)), o socialista levou a melhor, obtendo 46% das intenções de voto, ante os 30% do petista.

A vantagem do prefeito tem amenizado o tom da campanha. Porém, os petistas não engoliram a aliança PSB-PSDB em Minas, e vêm fazendo ironias sobre essa aproximação descambar para o âmbito federal, a ponto de o ex-presidente Lula (PT) ir a Belo Horizonte para reforçar a campanha de Patrus – como aconteceu na noite da sexta-feira (31) – e de se cogitar a também visita da presidente Dilma Rousseff para um ato de campanha petista.

Foi a primeira participação de Lula em um comício depois de ter deixado a Presidência da República e de ter recebido alta médica do tratamento de câncer na laringe a que se submete, um indicativo de como o PT investe forte no confronto com o PSB em Minas.

Segundo o presidente do PT mineiro, deputado federal Reginaldo Lopes, a aliança só foi rompida porque “o PSB escolheu Aécio Neves” e o prefeito Márcio Lacerda “descumpriu um acordo que ele tinha assinado com o PT”, que envolvia uma repactuação programática, a vaga de vice na chapa majoritária e a aliança na coligação proporcional. “Ele cedeu a vice, mas não quis a aliança na proporcional. Ele fez uma opção pelo modelo falido do PSDB. Para nós, houve rompimento unilateral da parte dele”, dispara o dirigente.

O deputado federal Julio Delgado (PSB-MG) contesta as alegações do colega de Câmara dos Deputados. O socialista lembra que Lacerda enfrentou uma “oposição violenta” por parte dos quatro vereadores do PT na Câmara Municipal e não queria estar numa chapa para ajudar a reeleger esses desafetos, além de ter tido, desde o início do mandato, uma “relação muito atritada” com seu vice, Roberto Carvalho (PT).

“Houve uma convenção e o Márcio, apoiado pelos candidatos a vereador do PSB, não coligou na proporcional com o PT. Isso foi o estopim para estourar a aliança. O Aécio não tem a ver com isso, ele apareceu depois e ‘surfou’, mas não provocou a crise”, explica Delgado.

Os parlamentares concordam apenas que a disputa em Belo Horizonte não deverá refletir na relação nacional entre seus partidos. “Não tenho dúvida de que o PSB apoiará Dilma em 2014. Só tenho dúvida se o Márcio apoiará”, alfinetou o petista Reginaldo Lopes.

“As questões no Recife, Belo Horizonte e Fortaleza aconteceram ao mesmo tempo e criaram certa indisposição, culminando em declarações de que o PSB queria ter voo próprio em 2014. Houve um princípio de nacionalização, mas a distância da pesquisa faz com que ainda não esteja nesse acirramento”, analisa Julio Delgado.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

De olho em 2014, Aécio visita o NE

Em meio à briga PT x PSB, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) – aliado do governador Eduardo Campos na disputa contra o PT em Belo Horizonte – deverá visitar Pernambuco próximo dia 17. O tucano, também apontado como “presidenciável”, vem trabalhando a data junto ao presidente nacional da sigla, o deputado federal Sérgio Guerra. Segundo o dirigente, a expectativa é que o mineiro visite pelo menos três municípios, dentre eles um do Interior. “Ele começou uma série de visitas aos municípios importantes onde o PSDB tem candidato. Em setembro, viajará pelo Nordeste. Antes do Recife, deverá ir a Maceió e a João Pessoa. A data prevista que ele me falou foi o dia 17, mas ainda falta uma confirmação”, informou Guerra.

Aécio tem feito de duas a três agendas eleitorais diariamente, segundo sua assessoria – excetuando os dias que tem compromissos no Senado. No Recife, ele reforçará o palanque do correligionário Daniel Coelho. O mineiro também deverá dar atenção a outros municípios da região metropolitana, onde a legenda tem nove candidaturas majoritárias. Um dos agraciados será Elias Gomes, que tenta a reeleição à Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes. No Interior, o município mais cotado para receber Aécio é Limoeiro, onde o prefeito Ricardo Teobaldo (PSDB) também busca renovar o mandato.

Esta será a segunda visita de Aécio a Pernambuco neste ano. Em maio, ele participou de um congresso organizado pelo PSDB Mulher. Na ocasião, também visitou o governador Eduardo Campos acompanhado pelo próprio Guerra. Amigos de longa data, Aécio e Eduardo militam hoje em campos opostos, mas têm costurado alianças pontuais em alguns Estados, sobretudo em Minas Gerais. O tucano apoia a reeleição de Márcio Lacerda (PSB), prefeito de Belo Horizonte, que duela com o petista Patrus Ananias.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Em Fortaleza, briga para ir ao 2º turno

A conjuntura em Fortaleza difere um pouco do Recife e de Belo Horizonte por uma peculiaridade. Embora adversários, PT e PSB estão, pelo menos por enquanto, brigando para ver quem irá ao segundo turno. Isso porque, no último levantamento do Datafolha, divulgado sexta-feira (31), os candidatos Roberto Claudio (PSB) e Elmano Freitas (PT) apareceram empatados tecnicamente, com 16% e 15%, respectivamente. O líder, porém, é o candidato do DEM, Moroni Torgan, que apesar de ter perdido dois pontos percentuais enquanto os adversários cresceram, se manteve na ponta, com 25%. Porém, a diferença nos tempos de guia eleitoral pode ser um diferencial que venha a mudar esses percentuais: enquanto o democrata tem menos de dois minutos, Elmano tem quase sete e Roberto ultrapassa os dez minutos.

O petista é o candidato apoiado pela prefeita Luizianne Lins (PT), enquanto o socialista tem como principal cabo eleitoral o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB). Os dois gestores protagonizaram várias divergências até o rompimento definitivo com o anúncio da postulação socialista.

A relação da prefeita já não era boa com o irmão de Cid, o ex-ministro e ex-deputado Ciro Gomes (PSB). E assim como Humberto Costa (PT) no Recife, Luizianne também enfrentou dissidências em seu partido, já que muitos petistas não foram favoráveis ao lançamento da candidatura de um “desconhecido” – Elmano é advogado e foi secretário municipal de Educação, mas nunca encarou as urnas.

Recentemente, Ciro deu duras declarações ao jornal O Globo criticando Luizianne, a quem acusou de querer antecipar a eleição de 2014. A petista teria a pretensão de se candidatar ao governo do Ceará, a contragosto do grupo que defende o deputado federal José Guimarães (PT-CE).

“A prefeita se fixou no seu secretário de Educação, uma das áreas mais desaprovadas de seu governo, e aí virou uma tragédia. Luizianne resolveu jogar 2014 em 2012. Lula lavou as mãos. E Dilma está coberta de razão de não vir aqui. Só essa petezada não vê a situação da base toda fraturada”, atacou Ciro, na ocasião.

Em recente visita ao Recife, para apoiar a candidatura de Humberto, Luizianne lembrou da situação difícil, mas se disse “confiante” na vitória de Elmano e na manutenção da aliança nacional com o PSB. Sobre os irmãos Gomes, nenhum pio.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Serra tenta reagir

Juliana Braga

Em mais uma tentativa de diminuir a resistência entre os eleitores mais novos, o candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, José Serra, se encontra hoje com mais de 300 lideranças jovens na capital paulista. O encontro vai reunir, em uma casa de shows perto da Marginal de Pinheiros, desde militantes do movimento estudantil a skatistas e cantores de hip hop. O tucano vê essas lideranças jovens como multiplicadores de votos. Por isso, o espaço do encontro foi organizado em formato de arena, onde o candidato espera "bater um papo" com a plateia. A ideia é ouvir demandas, sugestões, críticas e comentários sobre o projeto de governo do PSDB para a prefeitura. Durante todo o evento, grafiteiros vão pintar um mural com os temas abordados na conversa.

O evento é mais uma tentativa do comando da campanha serrista para conter a queda do candidato nas pesquisas e arregimentar votos em redutos dos seus adversários, mais associados à imagem de juventude e novidade. Na última pesquisa do Datafolha, o candidato Celso Russomano (PRB) já aparece com alguma folga na frente do tucano, com 31% das intenções de voto. Serra caiu para 22% enquanto Fernando Haddad (PT) alcançou 14%.

Para retomar o papel de destaque na campanha paulistana, Serra também tenta ganhar espaço em bairros da periferia onde, historicamente, o PT costuma conquistar mais votos. Ontem, ele caminhou por Cidade Tiradentes, no extremo leste da cidade. Lá, foi abordado por um eleitor que lhe perguntou se ele planejava "correr da prefeitura" para disputar outros cargos. "Não é verdade que eu corri. Eu fui para o governo do estado. Você sabe o que ia acontecer? O PT, ou outro, ia ganhar o governo, e eu precisava do (governo do) estado para ajudar a cidade", respondeu Serra.

Para tranquilizar o eleitor, o candidato explicou que o governador, Geraldo Alckmin (PSDB), pode disputar outro mandato e que "o governo do estado não está mais aberto". "Não vou deixar a prefeitura. Você vai votar em mim assim?", perguntou. "Então tá bom. Tá amarrado o voto", respondeu o eleitor, que não se identificou.

Os candidatos do PT, Fernando Haddad, e do PRB, Celso Russomano, participaram ontem de carreatas na região de Itaquera, zona leste de São Paulo. Hoje, Haddad participa de outra carreata, no bairro da Saúde.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

É a política, Serra! - Demétrio Magnoli

Uma lenda urbana atribui ao jornalista Gilberto Dimenstein a queda livre de José Serra nas pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura de São Paulo. O pretenso culpado deve gostar da fama produzida por tal interpretação. Contudo, ela é falsa. O desencanto com o candidato não deriva da ruptura de um compromisso fajuto assinado num papelucho, durante a campanha eleitoral municipal de 2004, mas da ruptura de um compromisso verdadeiro firmado com os eleitores paulistanos nas campanhas estadual de 2006 e presidencial de 2010.

O dever profissional dos jornalistas é noticiar e interpretar os fatos. Alguns, porém, operam em frente dupla, atuando como jornalistas militantes e criando os próprios fatos políticos. Dessa distorção do jornalismo nasceu a iniciativa de Dimenstein de solicitar publicamente, em 2004, que Serra assinasse o papelucho no qual prometia cumprir integralmente o mandato de prefeito. O candidato, sem alternativa face às circunstâncias de uma campanha eleitoral, assinou a declaração de intenção. Dois anos mais tarde, entregou o cargo de prefeito ao vice, Gilberto Kassab, e candidatou-se ao governo do Estado. Hoje, os "serristas" plantam o diagnóstico de que a "maldição de Dimenstein" assombra o candidato. A explicação, tão simples quanto errada, cumpre a função de ocultar o fundo político do problema.

O PT ergueu o papelucho como uma lança contra Serra nas eleições de 2006 e 2010, fracassando duas vezes. Serra foi eleito governador com os votos da maioria dos eleitores da capital paulista e, depois, bateu Dilma Rousseff na cidade de São Paulo. Os eleitores revelaram compreender a natureza da política na democracia. Aceitaram o "contrato" proposto pelo prefeito, que não é um funcionário burocrático, um gerente ou um síndico, mas um líder político. No "contrato", acordava-se que o vice-prefeito Gilberto Kassab representaria a continuidade da gestão municipal e que Serra representaria a oposição ao governo federal nos voos mais altos rumo ao Bandeirantes e ao Planalto. A mensagem - correta! - dos eleitores é que esse contrato foi fraudado, nas suas duas cláusulas.

Cláusula um: Kassab, a continuidade. O prefeito realiza uma administração medíocre, mas a rejeição do eleitorado explodiu na hora em que resolveu inventar o PSD - um partido que, nas suas curiosas definições negativas, não seria "de direita, de esquerda, nem de centro", e também não marcharia com a oposição ou a situação pois, "em relação ao governo federal, nossa posição será de independência". O partido de Kassab, todos entenderam, é um segundo PMDB: uma reunião ecumênica de oportunistas ou, mais claramente, um balcão de negócios no varejo e no atacado. Serra e, depois, Kassab, venceram as eleições municipais em disputas contra Marta Suplicy, do PT. A declaração de "independência" de Kassab foi interpretada pelos eleitores como a traição do "contrato" assumido em 2004 e renovado em 2008. Mas o prefeito, ungido originalmente por Serra, continua a figurar como seu aliado político. A aventura kassabista do PSD pesa contra Serra. Alguém aí acha que os eleitores estão errados?

Cláusula dois: Serra, o oposicionista. A aversão registrada pelas pesquisas atuais ao candidato tucano tem suas raízes na campanha presidencial de 2010, quando Serra renunciou ao dever de falar de política. Quando sufragaram majoritariamente seu nome, os paulistanos já agiam movidos pela inércia derivada da carência de alternativa. Ninguém esquecera que o tucano inaugurou o horário eleitoral obrigatório associando fraudulentamente sua imagem à de Lula. Nem que sua campanha, no lugar da crítica política ao governo e da oferta de um rumo diferente, preferiu estabelecer um "concurso de beleza" entre os candidatos, operando nos registros da "experiência" e da "capacidade administrativa" do tucano.

Serra não apenas perdeu eleitoralmente, uma contingência normal na democracia, mas faliu politicamente, recusando-se a representar o eleitorado de oposição. No dia da derrota, evidenciando aguda arritmia política, substituiu os devidos cumprimentos à candidata vitoriosa por um discurso patético de conclamação à "resistência" na "trincheira democrática". Depois, jamais apresentou à opinião pública um balanço da derrocada, escolhendo o caminho da autoilusão. Seu marqueteiro de 2010 conduz a atual campanha à Prefeitura, uma escolha que deveria integrar as novas edições das enciclopédias de filosofia como ilustração do verbete hubris, palavra de origem grega que reúne as ideias de orgulho e arrogância, em grau próximo à desconexão com a realidade.

Há algo de triste, quase trágico, em tudo isso. Serra possui qualidades admiráveis, que se destacam sobre uma paisagem política dominada por espertalhões, salafrários e bandidos. Ele mesmo, contudo, cuidou de ocultá-las minuciosamente, acendendo apenas os holofotes que iluminam a sua hubris. Azar dele, talvez. Mas todos nós, inclusive seus adversários políticos honestos, perdemos alguma coisa.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

União faz a força - Merval Pereira

A "geografia do voto" das últimas eleições para prefeito do Rio mostra que a situação do atual prefeito, Eduardo Paes (PMDB), é relativamente tranquila para a sua reeleição, que pode ocorrer no primeiro turno.

Mas, se houver segundo turno, aumenta o risco de derrota com a união de todas as forças políticas que estão fora da aliança do governo estadual com o municipal, como quase aconteceu em 2008, quando Fernando Gabeira perdeu por muito pouco para o mesmo Paes. Essa é a conclusão de um grupo de analistas da PUC do Rio, comandado pelo professor Cesar Romero Jacob, que lançou um e-book com a análise do comportamento dos eleitores nas eleições para presidente e prefeito no Rio e São Paulo de 1996 a 2010.

Com 150 mapas contendo a votação por zonas eleitorais, o e-book, está acessível gratuitamente na página da Editora PUC-Rio, cujo endereço é http://www.editora.vrc.puc-rio.br/.

Para Cesar Romero, no Rio o elemento novo é que, depois de tantos anos com as forças locais em rota de colisão com o governo federal, há um pacto entre o PT nacional e o PMDB estadual.

Essa situação mudando com o governo Lula e Sérgio Cabral, é favorável a Eduardo Paes porque "há muito tempo não temos tanto dinheiro federal entrando no Rio, especialmente por conta de Olimpíadas, com a reurbanização da área portuária".

Essa aliança nos três níveis de governo está trazendo investimentos para o Rio, e, com tantos eventos internacionais programados - Jornada Mundial da Juventude, Copa das Confederações em 2013, Copa do Mundo e Olimpíadas - tudo faz com que haja muito interesse em que esse caminho tenha continuidade, analisa o professor.

No entanto, não podemos perder de vista que as demais forças políticas, por instinto de sobrevivência (e só isso uniria Garotinho e Cesar Maia), estarão juntas na tentativa de derrotar Cabral.

Ele acha que, além do "instinto de sobrevivência", as forças políticas opositoras não desejam que o governador detenha o poder também na capital.

E se, além disso, o candidato a prefeito é também aliado do presidente da República, o problema torna-se maior para a oposição: se o prefeito de uma capital como Rio e São Paulo for aliado no plano nacional, poderá ter muitos recursos federais, além dos tradicionais.

De acordo com os mapas eleitorais, é possível afirmar que começa a se configurar no Rio uma divisão entre a metade norte e a metade sul da cidade, que tem a ver com escolaridade e renda.

Romero Jacob chama a atenção para o fato de que a votação de Eduardo Paes é fundamentalmente na metade norte da cidade, sendo que no segundo turno de 2008 ele chegou a ter 70% dos votos em Santa Cruz, Campo Grande, Bangu. Na orla, ele não passou de 25% em bairros como Barra, São Conrado, Leblon, Ipanema, Copacabana. Fernando Gabeira chegou a 76% na orla, e, na metade norte, ele não passou de 36%.

Outro aspecto importante no Rio é a religião. A área com mais evangélicos é a metade norte do município, sobretudo a Zona Oeste popular (Bangu, Campo Grande e Santa Cruz). Já o mapa dos católicos inclui a orla, a Zona Sul, a Tijuca e a Zona da Leopoldina.

No Rio, lembra o professor, que tem um estudo sobre a influência das religiões nos votos, conta mais para evangélicos, por que a Igreja Católica já aprendeu que católicos podem ser de vários partidos, e é melhor não levar para a Igreja o que está fora dela. Ela defende valores: católicos não devem votar em quem defende aborto. Mas lembra que os evangélicos levam a política para dentro das igrejas, e isso pode interferir na votação.

Na sua avaliação, no primeiro turno vai haver uma fragmentação eleitoral. "Alguma máquina o Cesar Maia há de ter ainda. O Marcelo Freixo, do PSOL, vai ter voto no que chamo de "a grande Santa Teresa", reduto da esquerda carioca: Laranjeiras, Flamengo, Tijuca,e Vila Isabel e Maracanã. Mas não acredito que vá ter o desempenho na orla que Gabeira teve". Ele adverte que não se deve esquecer que Cesar ganhou quatro eleições seguidas para a prefeitura, e que "é um bom estrategista político". "Na verdade, é a primeira vez na história das eleições que um candidato como Paes ganha derrotando a metade sul do município. Em todas as vitórias de Cesar Maia, ele ganha com o voto da orla".

FONTE: O GLOBO

Rotas da campanha - Tereza Cruvinel

Em defesa da aposentadoria compulsória dos ministros do STF, o deputado Ulysses Guimarães justificou-se: "Meus caros, o Supremo não tem rampa"

A campanha eleitoral agora pegou embalo, tanto na propaganda eletrônica quanto nos atos de rua. Os indicadores das pesquisas se movem, em sinal de que o eleitorado começou a se posicionar. Muita água ainda correrá em setembro, mas, nos últimos dias, pelo menos um axioma, muito repetido, começou a ser desmontado: o de que o julgamento da Ação Penal 470, do chamado mensalão, teria um efeito devastador para os candidatos do PT.

A última semana de agosto, com o primeiro revés sofrido pelo partido no STF, a tripla condenação do deputado João Paulo Cunha, trouxe o empate técnico entre o candidato tucano à Prefeitura de São Paulo, José Serra, e o petista Fernando Haddad. Foi apostando no efeito negativo do julgamento para os candidatos do PT, e na retração da economia, que os tucanos empurraram seu mais notável quadro para a disputa pela prefeitura. A subida de Haddad e a queda de Serra coincidiram também com a divulgação de um crescimento decepcionante da economia no segundo trimestre, de mero 0,4%, indicador de que há recuperação, mas em marcha lenta. Em São Paulo, é Celso Russomanno, do PRB, que lidera a disputa. A busca de novidade pelo eleitor certamente ajuda a explicar esse sucesso. Mas se Russomanno for, como especulam os analistas, um "cavalo paraguaio", desses que disparam na largada mas perdem o galope na reta final, o tucano e o petista vão ao segundo turno. E isso confirmará a intuição do ex-presidente Lula ao bancar o nome de Haddad, alegando que o eleitor estava farto dos nomes tradicionais da política paulista. O julgamento inviabilizou até agora apenas a candidatura do primeiro condenado, o deputado João Paulo, que renunciou em Osasco. De resto, os candidatos do PT cresceram ainda em Porto Alegre, Fortaleza, Campinas e outras cidades médias. Até aqui, portanto, para o eleitor, campanha e julgamento ocorrem em mundos ou tempos distintos.

A importância das eleições municipais, entre nós, ora é superlativizada, ora minimizada. Nem ao céu, nem ao mar. O resultado deste ano não comandará a disputa de 2014, mas terá impactos sobre ela. No bloco hoje dominante, a disputa entre candidatos do PT e do PSB dificultará a manutenção da aliança entre os dois partidos que caminham juntos no plano federal desde 1989. Na sexta-feira, o ex-presidente Lula participou de comício em Belo Horizonte, apoiando o candidato Patrus Ananias contra o prefeito Marcio Lacerda (PSB), apoiado pelo senador tucano Aécio Neves. No Recife, o candidato do governador Eduardo Campos, Geraldo Júlio (PSB), encostou no petista Humberto Costa e estaria para ultrapassá-lo. Lula aterrissa por lá nos próximos dias, seguindo para Fortaleza, onde o candidato do PT, Elmano de Freitas, e o do PSB, Roberto Cláudio, apoiado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, cresceram trocando socos e agora estão empatados. Contados os votos, petistas e socialistas terão um inventário de cicatrizes a separá-los.

João Paulo recorrerá. "A hora é de ficar calado", disse o deputado João Paulo Cunha, depois de renunciar à candidatura municipal em Osasco. Seu silêncio tem razão prática e forte. Ele deve recorrer da condenação por lavagem de dinheiro, valendo-se do artigo 333 do Regimento do Supremo, que admite o recurso quando ocorrem pelo menos quatro votos divergentes. Votaram por sua absolvição, nesse quesito, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. A ministra Rosa Weber optou por externar seu voto mais adiante. Os outros seis votaram pela condenação. Não cabe recurso em relação às outras duas condenações, mas a supressão de uma ajudaria a evitar uma pena que leve ao regime fechado.

O traço feito. Medindo as palavras, o mais falante ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, disse-nos, a alguns jornalistas, no intervalo da sessão de quinta-feira: "Está havendo uma virada importante no tribunal". Cobrado a explicar melhor, referiu-se a uma convergência, entre os ministros, para posições mais rígidas em matéria moral. O pouco que disse confirma o que o preocupa os meios jurídico e político: o papel de justiceiro ético tende a sobrepor-se ao de guardião das garantias constitucionais, levando o STF a flexibilizar dogmas, como o de que o ônus da prova cabe ao acusador ou a exigência de ato de ofício na condenação por corrupção passiva. Por tudo, alguns réus e seus advogados já se preparam para o pior.

Sem rampa. Discutia-se, na Constituinte, o capítulo do Judiciário. Em defesa da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo aos 70 anos, o deputado Ulysses Guimarães justificou-se: "Meus caros, o Supremo não tem rampa". Com frequência, ele usava a metáfora da rampa em referência ao rodízio nos poderes Executivo e Legislativo. Por vontade do povo, a cada quatro anos uns descem e outros sobem a rampa. Não no STF, onde a dureza dos ministros indicados por Lula e Dilma confirma a necessária independência garantida pela ausência da rampa de descida. Nas despedidas do ministro Cezar Peluso, quase todos criticaram a aposentadoria compulsória, que lhes tira a vitaliciedade. Mas no Congresso, se fosse votada hoje a emenda constitucional a respeito do tema, seria para introduzir o mandato temporário dos ministros, admitida uma recondução, como ocorre em alguns países.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Os nativos estão calmos - Vinícius Torres Freire

Pibinho não tem impacto no prestígio de Dilma, que continua a crescer até entre adversários

De quase nenhuma parte se ouve crítica pesada ao governo de Dilma Rousseff, com exceção da facção mais aguerrida, "teórico-ideológica", dos economistas-padrão, e da direita ideológica, nanica.

Os inimigos internos de sua coalizão até que estão comportados, com exceção do sindicalismo público, que acabou, no entanto, domado pelo reajuste salarial sensato e pela firmeza da presidente.

O partido de Dilma Rousseff, ao menos nominalmente, está esquecido de morder, em parte petrificado pela ameaça real de cadeia. Os peemedebismos estão distraídos com a eleição. A oposição realmente existente (PSDB) inexiste.

O desempenho medíocre da economia não suscita revoltas maiores ou menores. Os nativos não estão inquietos: o povo está amaciado pelo consumo que ainda aumenta. Há mais demissões, mas tais avarias no emprego são setoriais.

A economia não cresce porque não se investe e o comércio exterior vai mal das pernas. Não será possível sustentar esse padrão por muito mais tempo, de consumo sem expansão quantitativa e qualitativa do investimento e da mão de obra, mas isso é irrelevante para a política, no curto prazo ao menos.

Dilma marcou pontos com os mais céticos ao bancar uma política econômica heterodoxa, sem lá grande visão de futuro, mas que ficou muito longe de dar com os burros n"água ("descontrole inflacionário" e outras histerias). Em vez disso, vai deixar o país com juros e dívida pública relativamente baixos. No caso dos juros, contou com a "ajuda" da conjuntura internacional (paradeira e tsunami monetário), decerto, mas apenas em parte.

Dilma descobriu tarde, mas descobriu, que precisava privatizar serviços públicos. Vamos ver resultados disso apenas a partir do final de seu governo, mas politicamente a presidente fez pontos e converteu mais "liberais" ao seu governo.

No fim das contas, apesar da problemática e evidente falta de "reformas", Dilma deve entregar um setor público com contas quase equilibradas, juro real por volta de 2% e dívida pública que é um terço da europeia ou americana. A inflação ainda será desconfortável, um problema, mas contida.

Dilma conquistou a maior parte do empresariado com juros básicos menores, muito juro subsidiado, muita isenção setorial de imposto, muito crédito de banco público, câmbio melhor e algum protecionismo.

Acelerou o programa Minha Casa, Minha Vida, para o qual a elite não liga muito, mas que alegra o povo miúdo. Os programas sociais para miseráveis continuam a se expandir e a se aperfeiçoar, assim como os planos de levar a pequena classe média e pobres para o ensino superior, coisa que causa enorme impacto entre essas pessoas.

Apesar da adoção tardia de um plano de governo (uma descoberta, não um projeto), Dilma praticamente não tem responsabilidade pelo Pibinho, que em dois anos fará uma média semelhante à dos anos FHC. Nos três primeiros anos, o crescimento terá sido pouco melhor que o dos anos fernandinos.

Mas o país vem de anos razoáveis de crescimento, distribuiu um pouco mais de renda, cuidou melhor de seus miseráveis e também dos apenas remediados.

Por ora, basta para acalmar os nativos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Os juros, escada abaixo - Celso Ming

O troféu mais valioso que o governo pode ostentar nestes últimos 12 meses é a derrubada dos juros básicos (Selic) em nada menos que 5 pontos porcentuais, de 12,5% ao ano para 7,5% ao ano - o nível mais baixo desde meados dos anos 60.

Essa foi uma decisão pessoal da presidente Dilma, que tem razão quando argumenta que toda uma bateria de políticas foi acionada para que esse resultado tenha sido possível. A mais importante delas foi um razoável nível de disciplina das finanças públicas. Despesas contidas dentro do arrecadado e o cuidado em produzir uma sobra para pagamento da dívida pública (superávit primário) sopraram ventos favoráveis para que o Banco Central pudesse cumprir sua política de expansão do volume de moeda na economia.

Mas o fator mais importante que favoreceu a queda dos juros não dependeu da decisão do governo. Veio de fora. Coincidentemente, também trabalhou contra a atividade produtiva: foi a crise global, que gerou uma disponibilidade de recursos (e juros baixos) nunca vista antes no mercado global, num ambiente de inflação quase desprezível.

O inegável sucesso da presidente Dilma nessa empreitada não significa que o Banco Central tenha cumprido seu principal mandato institucional. A inflação se manteve relativamente na meta, mas a operação do Banco Central se limitou, ao menos temporariamente, a cumprir outro objetivo: derrubar os juros, primeiramente, a um dígito (abaixo de 10% ao ano) e, em seguida, aos mais baixos níveis em termos reais (abaixo de 2% ao ano).

E aí está a principal crítica que se pode fazer ao Banco Central: a de que operou para cumprir uma meta de juros, embora mantivesse discurso centrado no respeito ao cumprimento da meta de inflação.

Paradoxalmente, o achatamento dos juros, que, em princípio, deveria ajudar a expandir a atividade econômica, foi um dos fatores que concorreram para o baixo desempenho da indústria nacional (queda de 2,5% no terceiro trimestre em comparação com o anterior).

Quem explicou esse resultado foi a consultora Zeina Latif. Acostumada a operar com grosso colchão de caixa (em torno de 40% de seus recursos), a indústria foi perdendo importante fonte de renda à medida que os juros despencaram. Sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu esse efeito: "No curto prazo, juros baixos podem, sim, prejudicar a indústria".

Assim, importante desafio será empurrar os administradores do setor produtivo a despejar esses recursos no seu negócio, sobretudo nos investimentos. Como os custos estão subindo e a margem operacional está mais estreita, não vai ser suficiente mobilizar o espírito animal dos empresários. Eles têm de acreditar na retomada iminente, algo que ainda não aconteceu; e precisam, também, ganhar competitividade, o que hoje não têm.

A desvalorização cambial (alta do dólar), que barateou em moeda estrangeira o produto nacional e encareceu em reais o importado, cumpre somente parte desse objetivo. O resto terá de vir da derrubada do custo Brasil, de maior eficiência do governo na condução de um programa de investimentos e do aumento da capacidade operacional das empresas brasileiras.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Depois daquele setembro - Míriam Leitão

A dívida que quebrou o Brasil em 1982 um dia teve final feliz. Foi renegociada e paga, mas essa foi daquelas histórias econômicas brasileiras cheias de emoções e reviravoltas. O Brasil teve que esperar quase 24 anos até o dia em que o Tesouro Nacional divulgou uma nota dizendo que havia terminado a "faxina" da dívida externa. Pedro Malan negociou a travessia do atoleiro.

Quando foi contraída nos anos do milagre, a dívida parecia fácil de pagar. Havia dinheiro abundante no mundo. Após setembro de 1982, ficou impagável. Ela agravou nossa amargura econômica. O país já vivia a disparada da inflação e enfrentou a recessão e a humilhação imposta pelos fiscais do FMI e dos bancos.

Nesse clima, o país festejou o fim do governo militar. A democracia recebeu como herança econômica essa crise. O presidente civil eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, disse que não pagaria a dívida com o sangue do povo brasileiro. O presidente que de fato assumiu, José Sarney, queimou o que havia de reservas e decretou moratória em 1987. Depois, retomou o pagamento, mas voltou a ficar sem dólares para honrar os juros.

Em 1991, o economista Pedro Malan foi nomeado pelo então ministro Marcílio Marques Moreira para renegociar toda aquela dívida que, com seus vários calotes, havia demolido a reputação brasileira. Éramos tratados como párias no mercado internacional. Aqui dentro, o país chegava à hiperinflação, que havia sobrevivido aos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

No dia 9 de julho de 1992, às 4h50m da madrugada, na sala de um escritório de advocacia de Nova York, dois homens se deram as mãos. Eram Pedro Malan, representante do Brasil, e Bill Rhodes, representando os credores. Devíamos a 880 bancos. O Brasil devia até ao Banco do Brasil.

Esse aperto de mãos selou o acordo, em princípio de troca de toda a velha dívida, que explodira 10 anos antes, por novos papéis. Era "em princípio" porque precisava de adesão dos bancos e aprovação do Congresso brasileiro.

Já estava em curso uma operação secreta que foi decisiva. Os novos papéis embutiam uma perda para os credores e eles fizeram uma exigência: o Brasil teria que conseguir do Tesouro americano a emissão de títulos para serem dados em garantia, para a eventualidade de o Brasil não pagar de novo. O Tesouro americano fez para o México, mas não quis fazer para o Brasil. Exigiu que o país fechasse antes um acordo com o FMI. E o Fundo exigiu que o Brasil derrubasse a inflação. Ela estava a mais de mil.

Secretamente, o Banco Central comprou títulos americanos. Quando chegou o prazo fatal o Brasil tinha o suficiente sem precisar pedir. Houve momentos de aflição na renegociação que só terminou em fins de 1994. O Senado quase rejeitou o acordo; o Banco do Brasil teve que fingir ser contra o Brasil para, juntando-se aos contrários à adesão, impedir que a ação deles na Justiça prosperasse.

Toda a velha dívida foi trocada então por sete modalidades de títulos, que eram diferentes em prazo e juros dentro do formato do Plano Brady. Em 1995, o Brasil voltou ao mercado internacional e foi bem recebido, pela primeira vez depois de muitos anos, e as emissões de bônus brasileiros atraíram mais compradores do que precisava.

A maioria dos Brady bonds da velha dívida venceria só depois de 2020. Mas já foram resgatados. O presidente Fernando Henrique recomprou uma parte, o presidente Lula recomprou o resto. E no dia 18 de abril de 2006 o Tesouro Nacional divulgou a nota informado que a "faxina" da dívida externa havia terminado. Isso, 23 anos e sete meses depois daquele doloroso setembro.

FONTE: O GLOBO