domingo, 20 de agosto de 2017

Opinião do dia – Antonio Gramsci

A filosofia da práxis tinha duas tarefas: combater as ideologias modernas em sua forma mais refinada, a fim de poder constituir o próprio grupo de intelectuais e esclarecer as massas populares, cuja cultura era medieval. Esta segunda tarefa, que era fundamental, graças ao caráter da nova filosofia, absorveu todas as forças, não apenas quantitativamente, mas também qualitativamente; por razões didáticas a nova filosofia se combinou com uma forma de cultura que era um pouco superior à média popular (que era muito baixa), mas absolutamente inadequada para combater as outras ideologias das classes cultas, enquanto a nova filosofia nascera precisamente para superar a mais alta manifestação cultural da época, a filosofia clássica alemã."

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Antonio Gramsci (22/01/1891-27/04/1937), “Concepção dialética da história” p. 104, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978.

A Venezuela não é aqui | Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S.Paulo

Temos à frente a imensa tarefa de reformar um Estado disfuncional e uma sociedade injusta

As coisas – assim como as ideias e os livros – estão no mundo, só que, como no samba, é preciso aprender. E foi assim que nos anos mais duros do regime autoritário abriu caminho, aos poucos e não sem muito atraso, a noção de que nosso país, em tumultuado processo de modernização conservadora, mesmo sem resgatar integralmente as hipotecas do passado, estava fadado a construir estruturas e culturas políticas de tipo “ocidental”, que dariam a todos a régua e o compasso para pensar os problemas e elaborar, com meios propriamente políticos, as hipóteses de sua superação.

Do ponto de vista dos opositores do autoritarismo, a lição da realidade parecia cada vez mais clara. Deveríamos dar um adeus definitivo às ilusões da militarização da política, bem como à tentação de recorrer aos caudilhos terceiro-mundistas monopolizadores de praças e falas – apesar da sedução que a revolução cubana exercia sobre frações relevantes da velha e, paradoxalmente, da nova esquerda, nisso internamente incoerente com a novidade que alegava representar.

Progresso contra civilização | Cacá Diegues

- O Globo

Castigo a ladrões e a empresas que, em detrimento do que é devido ao resto da população, compraram com dinheiro público os serviços desses ladrões é gesto político civilizatório

Ao longo da história da humanidade, o progresso nunca existiu como ideologia social até que se tornou uma invenção do capitalismo produtivo. Ou seja, um mito criado para justificar o lucro, o resultado de sua produção em benefício do bemestar de todos.

Mas como seu rumo não depende de regras morais ou qualquer pressuposto ético, o progresso não pode ser medida justa para o julgamento do estado da humanidade. O que caracteriza o bem-estar de qualquer grupo humano é seu nível de civilização, a medida justa dos valores que valem. A civilização pode avançar através do progresso; mas quando houver conflito entre um e outro, temos que estar sempre com a civilização.

Num regime democrático, essa distinção entre um bem aparente e o próprio sentido da vida tem que ser sempre encarada e respeitada, a qualquer custo. O progresso pode ser um bemvindo produtor de bens para melhor servir à nossa vida; mas o sentido último de nossa vida está na ideia de civilização, de maior bem-estar entre seres humanos que devem coexistir apesar de sua natureza selvagem.

Armas nucleares | Celso Lafer *

- O Estado de S.Paulo

O tratado adotado em julho comunica que não é um padrão aceitável de conduta mantê-las

No mundo contemporâneo, a escala e a intensidade dos conflitos passam pelo potencial destrutivo das armas. Estas vêm adquirindo letalidade crescente por obra da aplicação militar de inovações trazidas pela contínua ampliação do conhecimento científico-tecnológico. O marco inaugural de uma inédita letalidade foi dado pelas armas atômicas.

O emprego da bomba em Hiroshima e Nagasaki evidenciou seu potencial de extermínio, impacto devastador do meio ambiente e terríveis consequências para a vida dos que sobreviveram à catástrofe.

Desta nova realidade se deram conta, desde a primeira hora, os cientistas nucleares, a recém-criada ONU e os pensadores que se debruçaram sobre a matéria, refletindo sobre o seu significado histórico. Em razão do horizonte das armas nucleares, como observou Hannah Arendt, as guerras deixaram de ser “tormentas de aço” que limpam o ar da política, como observara Ernst Jünger à luz da sua experiência como piloto na 1.ª Guerra Mundial – o que ecoa, lembro eu, a crítica de Hegel ao Projeto de Paz Perpétua de Kant. As guerras também não podem ser mais consideradas a continuação da política por outros meios, como avaliou Clausewitz ao pensá-las. Podem constituir-se em tremendas catástrofes, cujo alcance é capaz de transformar o mundo num deserto e a Terra em matéria sem vida.

Conta de nunca chegar | Fernando Gabeira

- O Globo

Quando cheguei à Argélia para o exílio, o pernambucano Maurílio Ferreira Lima já morava lá. Levou-me para um passeio e passou num açougue para comprar carne. Fez a transação em francês mas, ao sair, disse da porta: “pendura”. Fiquei surpreso com a naturalidade e o sorriso do açougueiro. Maurílio revelou que esta era a única palavra em português que ensinou a ele.

Cada vez que o governo vem anunciar uma nota fiscal, lembro-me de Maurílio. É como se dissessem: “mais R$ 20 bilhões, pendurem”. Maurílio pagava suas contas em dia. Ao contrário do governo, tratava apenas do que comprava, e não de projeções para o ano seguinte. O governo pendurou R$ 20 bilhões em 2107 e anunciou que vai pendurar R$ 30 bilhões em 2018.

Quem vai pagar tanto dinheiro? Eles falam em economia nos gastos públicos. Não acredito. Os dados estão aí: deputados e senadores querem alguns bilhões para financiar suas campanhas.

Prorrogação de mandatos disfarçada | Alberto Goldman

- Folha de S. Paulo

Não há outro nome para dar às propostas que podem ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Está em curso uma verdadeira autoprorrogação, disfarçada e covarde, dos mandatos dos parlamentares, articulada por representantes de quase todos partidos políticos. Uma vergonha!

São duas as principais propostas em debate para perpetrar esse verdadeiro crime contra a democracia brasileira. A primeira tenta aprovar o distritão. Com isso, seriam eleitos os mais votados em cada Estado. Não haveria mais a soma dos votos obtidos pelos partidos para saber quantas cadeiras caberiam a cada um deles na proporção de seus votos.

O partido lançará seus candidatos e, naturalmente, se restringirá aos atuais ocupantes das cadeiras, a não ser pela presença excepcional de algum nome de suficiente poder político que possa ter mais votos que os atuais.

Parlamentarismo em 2022 | Merval Pereira

- O Globo

O parlamentarismo pode ser incluído na proposta de emenda constitucional da reforma política, para ser adotado em 2022, quando o voto distrital misto será o sistema eleitoral, substituindo o “distritão”. Essa pode ser uma das novidades da reforma política, discutida ontem em um almoço na casa do presidente da Câmara Rodrigo Maia, no qual estavam presentes o presidente Michel Temer e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro do Supremo Gilmar Mendes, além de outros parlamentares. A aprovação da adoção do parlamentarismo seria também uma maneira de satisfazer o PSDB, que, em recente programa partidário, criticou o “presidencialismo de cooptação” e defendeu a adoção do parlamentarismo, entre outras vantagens, como antídoto contra a corrupção.

O financiamento privado das campanhas eleitorais também foi objeto das discussões, e há a impressão de que já existe um consenso, tanto na área política quanto no Supremo, de que não é aceitável um fundo partidário de financiamento de eleições como o apresentado na versão original da reforma partidária, correspondente a 0,5% da Receita Corrente Líquida, equivalente a R$ 3,6 bilhões para as eleições de 2018.

‘O PSDB errou’ | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S.Paulo

40,3% dos eleitores preferem Doria; só 13,2%, Alckmin; 41,3%, nenhum dos dois

A única coisa que restou da propaganda dos tucanos na TV, além da decisão de esconder seus líderes e do aprofundamento do racha interno, foi um bordão de campanha: “O PSDB errou, o PSDB errou, o PSDB errou”. Um prato feito para adversários, porque o efeito pode ser tudo, menos favorável ao partido. Parece coisa de gênio: do PT, do PC do B, do PSOL ou do Bolsonaro.

Apesar disso, há de se reconhecer que o PSDB errou muito mesmo – e continua errando. Errou, principalmente, quando se acovardou e acabou jogando seus maiores trunfos pela janela nas eleições presidenciais de 2006 e 2010, encampando o selo da “herança maldita” que o então presidente Lula carimbou nos anos benditos de Fernando Henrique Cardoso.

Errou, aliás, sempre que seus principais líderes passaram a rasteira uns nos outros. Inclusive quando, dizem as más línguas, corroboradas pelos fatos, o próprio Fernando Henrique lavou as mãos diante da candidatura de José Serra em 2002 e, até por omissão, contribuiu para a vitória de Lula. “É a vez dele”, diziam FH e seus assessores nos bastidores.

Quem financia a democracia? | Vera Magalhães

- O Estado de S.Paulo

Financiamento público é a melhor forma? A meu ver, não

A proposta de criação de um fundo para financiar as campanhas eleitorais foi rechaçada de forma peremptória pela sociedade, a ponto de levar os deputados a um momentâneo recuo para rever a proposta.

É natural que haja essa rejeição, dados os escândalos envolvendo justamente o custeio de campanhas e as severas restrições orçamentárias para outros serviços públicos. Mas cabe refletir seriamente sobre a pergunta do título desta coluna.

Afinal, não existe democracia grátis. E não é razoável que se crie um impasse em que o Supremo Tribunal Federal julga inconstitucional, de um lado, o financiamento empresarial das eleições, e, de outro, a grita da sociedade impede qualquer outra forma de custear as eleições, que nada mais são do que o veículo para assegurar a democracia.

A memética da Lava-Jato | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

Os fatos revelados pela Operação Lava-Jato são tão surpreendentes que parecem fugir à lógica do instinto de sobrevivência dos políticos. É como se uma epidemia tivesse tomado conta dos partidos

Para quem gosta de analogias para explicar o que está acontecendo no mundo da política, o livro Sapiens, uma breve história da humanidade, do israelense Yuval Noah Harari (L&PM), é um prato cheio. Uma das pérolas do livro é a referência à tese neodarwiniana de que, além dos genes replicadores das espécies responsáveis pela evolução orgânica da Terra, existiria um replicador responsável pela transmissão de informações culturais de uma geração para a outra: os “memes”.

Com base nela, alguns estudiosos já tratam a cultura como uma espécie de epidemia infecciosa, provocada por um parasita mental, sendo os homens seus hospedeiros voluntários. Harari entra nessa seara para explicar o que poderíamos classificar de “pós-fim da história”. Explico: quando acabou a União Soviética e o Leste europeu derivou de volta ao capitalismo, graças a um artigo de Francis Fukuyama (célebre economista e filósofo americano de origem japonesa, que foi um dos ideólogos de Ronald Reagan), que depois virou livro, a velha tese do “fim da História” de Hegel ressurgiu das cinzas. Harari vai além: defende que a História não é feita pelos e para os humanos.

Conversa com Celso | Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Celso de Barros, em coluna nesta Folha na segunda-feira passada (14), demonstrou temor de que o período "Malocci" (Pedro Malan e Antonio Palocci), de rara racionalidade na economia e criação de políticas sociais de redistribuição, seria uma exceção.

Com Fernando Henrique Cardoso, o conflito inerente entre crescimento econômico e melhora redistributiva não existiu. A estabilização macroeconômica, que elevou a eficiência, simultaneamente atacava a desigualdade.

Com Lula, um boom de commodities permitiu aceleração
do crescimento e a continuação do pacote social-democrata por caminhos baratos, como o programa Bolsa Família.

O fim do boom de commodities e a necessidade de aprofundar os programas sociais por caminhos mais caros e complexos -como o Fies e o Minha Casa, Minha Vida- nos colocaram na atual confusão.

Pergunta Celso: estamos condenados ao populismo com inflação, desorganização e surtos de crescimento quando os preços das commodities estão em alta? Ou os economistas enxergam um pacote mínimo que, contemplando a eficiência econômica, gere algum ganho no curto prazo aos pobres, o que tornaria essa proposta eleitoralmente viável?

A economia teima em melhorar | José Roberto Mendonça de Barros

- O Estado de S.Paulo

O crescimento de 1% do PIB foi muito superior ao que os mais céticos esperavam

O caso Joesley Batista enfraqueceu bastante o governo Michel Temer. A necessidade de derrubar a denúncia de Rodrigo Janot gastou boa parte de seu capital político e deu proeminência ao chamado Centrão. Desde então, cenas cada vez mais explícitas de gangsterismo político vieram para as primeiras páginas dos jornais. Tudo indica que teremos ainda outra denúncia contra o presidente, de sorte que a fragilidade deverá continuar.

Tem gente esfregando as mãos de contentamento.

O enfraquecimento político do governo teve grande impacto na trajetória de recuperação da economia brasileira, que vinha firme até o início de maio. O crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre, divulgado no começo de junho, foi muito superior ao que os mais céticos esperavam, demonstrando que teríamos dias melhores neste ano.

Três foram os caminhos pelos quais a economia foi afetada: em primeiro lugar, as expectativas deixaram de melhorar (embora não tenham afundado), tanto de famílias como de empresas, como mostram claramente as séries coletadas por FGV, CNI e outras instituições. Como resultado, algumas despesas de consumo e certos projetos de investimento foram postergados.

O trampolim | Míriam Leitão

- O Globo

Não faltava mais nada a um governo em crise do que ter um presidente do BNDES em campanha para ser candidato a presidente da República. Paulo Rabello de Castro circula entre empresários com pose de presidenciável, ataca o Ministério Público Federal, vai ao Congresso para tentar influenciar na composição da CPI e critica projeto apresentado pelo próprio governo.

Esta semana, em reunião na Associação Comercial de São Paulo, ele disse, segundo relato do “Valor”, o seguinte: “Temos que ensinar aos senhores procuradores que da caneta deles saem óbitos, desemprego, empresas fechadas.” Essa ideia embute uma inversão total da relação de causa e efeito. O que mata, desemprega e leva empresas à falência não é a investigação da corrupção, mas a corrupção em si. Para ele, pelo visto, as empreiteiras que estão no que chamou de “efeito lavajático” deveriam ter mais e não menos contratos. “A punição que entendemos para o empresário que fez mal feito é trabalhar mais, lucrar mais, terminar obras.”

Paulo Rabello tem feito reuniões com empresários em que assume seus devaneios presidenciais. Chegou a abordar um interlocutor com uma oferta direta:

O pacto social da ruína | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Ouvi uma vez de uma tia ou talvez tenha lido em um romance brasileiro esquecido a lenda quem sabe real da família que se reduziu à miséria por não chegar a um acordo sobre a divisão de uma herança. Um caso simétrico de ganância com resultado ruinoso é o velho clichê de matar a galinha dos ovos de ouro.

O gênero dessa história autodestrutiva que se passa no Brasil de agora parece uma combinação dessas perversões.

Por enquanto, a disputa e a mesquinharia a respeito de quem vai pagar a conta da crise terminal das finanças do governo vão redundando em um acordo tácito: inércia.

Não haveria cortes decisivos de despesas, não haveria impostos relevantes a mais. As contas vão se acumular. A ruína então virá, mais cedo ou mais tarde, aos poucos ou de modo explosivo, a depender das voltas da economia do mundo lá fora. Por enquanto, se empurra com a barriga, se aceita o impasse.

Autonomia e patrimonialismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou o mau uso que se dá à autonomia financeira concedida pela Constituição Federal de 1988 a cada um dos Três Poderes. “A preocupação, na época, era evitar que o Executivo asfixiasse o Judiciário e o Legislativo. Não era para dar a eles o poder de fazer contracheques gordos”, disse o ministro.

Como exemplo da distorção da garantia constitucional, Gilmar Mendes citou o caso da Defensoria Pública da União: “Todo mundo quer autonomia financeira. A Defensoria Pública conseguiu e a primeira coisa que fez foi dar-se auxílio-moradia”. De fato, logo após ser agraciada em 2013 com a autonomia funcional e administrativa, a Defensoria expediu resolução fixando ajuda de custo para moradia.

Tem razão o ministro Gilmar Mendes quando menciona a necessidade de rediscutir a autonomia financeira dada aos Três Poderes pela Assembleia Constituinte de 1988. Ele observa que a garantia constitucional “virou baguncismo. No Judiciário, um festival de maluquices”. Há casos em que mais de 90% dos funcionários de determinada categoria profissional ganham acima do teto constitucional. E o mais esdrúxulo é que ainda se tenta justificar os gordos rendimentos recorrendo ao princípio constitucional da autonomia financeira de cada Poder. Tal absurda argumentação faz parecer, em completa inversão de valores, que a Constituição de 1988 veio assegurar privilégios de algumas castas.

Esquerda perde o rumo e tenta reescrever a História – Editorial | O Globo

Bloco nada aprende, mas também nada esquece. Não admite ter trazido de volta a inflação, contra os pobres, e se mantém ao lado da ditadura de Maduro

Sem rumo, partidos como o PT, o PSOL, o PCdoB, o PDT e outras organizações autodenominadas de esquerda, como a Central Única de Trabalhadores, têm dado exemplos diários de perda de capacidade de formular propostas realistas, construtivas, para o país. Esvaiu-se a vivacidade com que somavam ideias ao debate nacional, mesmo quando inspirados em modelos fracassados no século passado, como se viu na extinta União Soviética. É lamentável, porque a vitalidade da democracia depende da participação construtiva de todos.

Antes fecundo, o PT se mostra desértico em proposições para o país. Subsiste em estado de negação da própria crise, de fundamentos éticos. Limita-se à tentativa de reescrever o passado, com evidentes falsificações da História.

O PSOL, o PCdoB, o PDT e parcela da Rede aderiram à autodesconstrução. Está visível na Câmara e no Senado a virtual conversão desses partidos em satélites petistas, alinhados nos dogmas e na destruição da identidade.

Ex-partidos – Editorial | Folha de S. Paulo

Não se equivoca o deputado Guilherme Mussi (PP-SP), ao dizer que seu partido segue uma tendência internacional ao optar por mudança de nome e de qualificação.

O Partido Progressista deixará de se chamar "partido" –e alguns poderão perguntar se alguma vez chegou a sê-lo. Será, ou serão, o Progressistas, simplesmente.

Prefere-se o plural, mera menção a uma vaga semelhança de vontades individuais. Foi esse o caminho adotado, já há tempos, pelo antigo PFL, o Partido da Frente Liberal, que agora é conhecido pela denominação de DEM (os Democratas).

Internacionalmente, como bem se sabe, o espanhol Podemos (que já dispõe de homônimo no Brasil) representa um desejo de renovar os costumes políticos que se insurge contra a habitual estruturação partidária e programática.

Réquiem para o PSDB – Editorial | O Estado de S. Paulo

A propaganda levada ao ar em rede nacional pelo PSDB na quinta-feira passada, em que o partido diz que “errou” e que “é hora de pensar no País”, soou como a cerimônia fúnebre de uma agremiação política que hoje não tem liderança, proposta ou direção reconhecíveis. Produzida e divulgada por insistência do presidente tucano interino, o senador Tasso Jereissati (CE), a peça é um desastre completo não apenas para o partido, mas para o País, pois sustenta de forma vulgar a mensagem deletéria segundo a qual a política brasileira está integralmente danada. Essa demagogia barata não combina com um partido que sempre se julgou moderno e que pretendia inspirar em seus eleitores a esperança de que a política podia ser feita sem o apelo fácil às paixões populares. Se antes o PSDB “errou”, como diz, cometeu um erro muito pior agora.

Enquanto elenca as conquistas que o PSDB diz ter legado, como o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal, o vídeo intercala a frase, dita em tom grave, “mas o PSDB errou”. Em seguida vem a explicação, na forma de uma confissão: os tucanos “cederam ao jogo da velha política” quando aceitaram “como natural o fisiologismo, que é a troca de favores individuais e vantagens pessoais em detrimento da verdadeira necessidade do cidadão brasileiro”.

‘Defendo mudança para o parlamentarismo a partir de 2023’, diz Serra

Entrevista com José Serra, senador (PSDB-SP)

Senador vê condições para que novo sistema de governo seja aprovado e implementado no Brasil nas eleições de 2022

Adriana Ferraz | O Estado de S.Paulo

Um dos fundadores do PSDB, partido que se formou em torno da tese do parlamentarismo, o senador José Serra (SP) defende a aprovação do sistema de governo, que voltou à discussão com a votação da reforma política no Congresso, valendo não para o ano que vem, mas para as eleições de 2022 e sendo implementado em 2023. Para o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Michel Temer, o presidencialismo no País tem sido um “fracasso histórico”. “No parlamentarismo, a troca de governo é uma solução. No presidencialismo, é uma crise”, afirmou Serra ao Estado.

Crítico do chamado distritão, o senador disse que há negociações para a aprovação agora do modelo que elege os candidatos mais votados contando que, em 2022, vigore o distrital misto, que, para o tucano, aumentaria a legitimidade democrática. “Acho que seria uma mudança crucial.”

Na entrevista, Serra não quis falar sobre a propaganda do PSDB, a nova crise interna do partido e a antecipação da disputa eleitoral de 2018. 

A seguir, os principais trechos.

Até partido sem voto terá verba

A proposta do fundo público para financiar eleições, que prevê receita de R$ 3,6 bilhões, deve destinar, se aprovada, R$ 45 milhões para oito partidos que sequer têm representantes no Congresso.

Milhões para os sem-voto

Siglas sem parlamentares receberiam R$ 45 milhões com financiamento público na eleição

Marco Grillo e Gabriel Cariello | O Globo

A proposta original de criação de um fundo público para financiar as eleições, que prevê uma receita de R$ 3,6 bilhões para os partidos, destinaria em torno de R$ 45 milhões a oito legendas que sequer têm representantes no Congresso Nacional. O financiamento às siglas nanicas vai na contramão de uma das principais pautas em discussão na reforma política: a instituição de uma cláusula de barreira, que restringiria o acesso de legendas com desempenho eleitoral inexpressivo às verbas do governo federal.

O levantamento do GLOBO foi feito com base na divisão de recursos sugerida pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política. De acordo com o texto inicial, o chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia seria composto por 0,5% da receita corrente líquida da União — daí a estimativa de R$ 3,6 bilhões para 2018. Deste valor, 90% seriam reservados para o primeiro turno das eleições — cerca de R$ 3,24 bilhões.

Almir Pazzianotto Pinto analisa política, economia e trabalho em livro

'A Falsa República' defende reforma trabalhista e trata de assuntos que ainda estão na pauta do dia

Sérgio Amad Costa*, Colaboração para o Estado / Aliás

A Falsa República, livro mais recente de Almir Pazzianotto Pinto, traz uma série de artigos escritos pelo autor e publicados na grande imprensa, durante 2016 e os primeiros meses de 2017. Os assuntos nele tratados versam sobre trabalho, política e economia e a maioria ainda está na pauta do dia.

No mundo da política, um deles é o parlamentarismo. Basta surgir uma crise no País e nos deparamos com várias propostas para implementar essa forma de governo. Almir Pazzianotto Pinto tece severas críticas a teses que buscam valorizar a sua adoção no Brasil, salientando que: “Não há sistema de governo eficiente quando, da base à cúpula, a pirâmide política está corroída pela má qualidade.”

Mas o autor não para por aí. Observando por outro ângulo, adverte sobre a inviabilidade da adoção do parlamentarismo como forma de governo no País. Trata-se da cultura presidencialista, sedimentada desde o início da República, marcada em todas as nossas Constituições. Afirma, assim, ser irreparável erro subestimar o peso da tradição.

A terceirização é outro tema na pauta do dia enfaticamente abordado na obra. Creio que as reflexões, nela apresentadas, contribuíram e muito para que tivéssemos, finalmente, um avanço significativo no assunto, com a Lei 13.429, de março de 2017.

Durante mais de 20 anos, quanto aos aspectos jurídicos, a terceirização no Brasil foi normatizada por uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (No 331, de 1993), tendo sido a única orientação disponível sobre o assunto, mesmo contando, nosso mercado de trabalho, com uma infinidade de empregados terceirizados.

Mediante aquela súmula só era permitida a terceirização de profissionais da atividade-meio da empresa. Definia-se, também, como deveria se processar o relacionamento do profissional terceirizado com a companhia contratante. Tal contexto, além de proibir a terceirização nas atividades-fim da empresa, gerou insegurança jurídica para as companhias, no sentido de elas não saberem se estavam terceirizando de maneira correta. Agora, com a nova lei, definiu-se um ordenamento legal, disciplinando as relações de terceirização no País.

O autor cita vários exemplos, mostrando que inibir a terceirização, na esfera da livre iniciativa, é tão insano quanto tentar influir na direção e na velocidade do vento. E demonstra, também, que esta divisão entre atividade-meio e atividade-fim, na terceirização, não faz sentido algum.

O principal argumento dos opositores à terceirização é de que ela gera a precarização do trabalho. Ora, a precarização pode ou não ocorrer com terceirizados ou com empregados efetivos da empresa. Conheço muitos profissionais que há anos trabalham como terceirizados, como prestadores de serviços, e que estão satisfeitos assim, não têm intenção de mudar de regime de trabalho.

Conheço, ainda, muitas empresas que contratam serviços de terceiros e estes não se sentem inferiorizados como profissionais, quando comparados aos empregados efetivos da companhia. Nessa linha de raciocínio, o autor sustenta: “O empregado da prestadora de serviços está sob o guarda-chuva da CLT, é registrado, tem direito a controle de horário, descanso semanal, férias, fundo de garantia, inscrição como segurado do INSS, tanto quanto o assalariado da tomadora de serviços.”

Um tema que não estaria fora desse livro, obviamente, diz respeito à CLT, à legislação trabalhista brasileira em geral. O autor, além de estudioso da área, conheceu, vivenciou, praticamente todos os lados desse ordenamento jurídico. Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos no final dos anos 1970, Ministro do Trabalho (1985-1988), Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, (1988-2002) e nesses anos recentes tem atuado como advogado e consultor na área trabalhista.

Suas análises antecederam a edição da reforma trabalhista e são importantes para mostrar o porquê dessa mudança na legislação no País. Escreve o autor: “Três fenômenos caracterizam a economia do século 21: globalização, tecnologia e terceirização. É inútil ignorá-los, assim como é estúpido tentar acabar com a livre iniciativa. A legislação trabalhista brasileira, contudo, permanece alheia ou procede como inimiga dos três. Excessivamente intervencionista, ela retira do empresário, que suporta os riscos do negócio, o direito de administrar livremente a empresa. Não percebeu, até hoje, a globalização como fator de mudanças no mercado mundial de trabalho, ignora a tecnologia como força distribuidora e criadora de empregos e combate a terceirização com o falso argumento da precarização, mantendo-se indiferente ao pesadelo vivido por 12 milhões de excluídos do mercado.”

Além das análises contundentes, sobre o envelhecimento da CLT, o livro traz também números que revelam sua inadequação para os dias de hoje. De 1941 quando foi criada, até 2014, a Justiça do Trabalho acolheu 80.538.848 ações, das quais julgou 77.093.810. No período compreendido entre 2011 e 2014 deram entrada 13.370.697 feitos, sendo pagos aos reclamantes, R$ 73,96 bilhões. O número assustador de processos se eleva, ano após ano, independente do desempenho da economia.

A Falsa República é um contributo extremamente oportuno para compreender a história recente do País. Os textos apresentados tratam sobre temas complexos, escritos como muita clareza e objetividade. Isso só se consegue quando o autor conhece profundamente o assunto sobre o qual está versando.
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*Sérgio Amad Costa é professor de recursos humanos e relações trabalhistas da FGV-SP

Reforma aproxima trabalhadores de condições análogas à escravidão, diz historiadora

Beatriz Mamigonian está lançando 'Africanos Livres' pela Companhia das Letras e concedeu entrevista exclusiva ao 'Aliás'

João Prata*, Colaboração para o Estado / Aliás

A historiadora Beatriz Mamigonian dedicou os últimos 23 anos a pesquisar sobre as primeiras décadas do Estado brasileiro, mais especificamente o momento em que o País, pressionado pela coroa britânica, iniciou um longo e burocrático processo para acabar com a abolição do tráfico de escravos. Em um minucioso estudo, ela reproduz a complexidade política para conseguir de fato fazer valer a lei promulgada em 7 de novembro de 1831, que proibia a importação de escravos.

A medida encontrou resistência especialmente dos proprietários de terras e grandes produtores, que faziam lobby em nome da prosperidade do País. Muitos deputados, senadores e juízes fechavam os olhos para o descumprimento da lei e, conforme Beatriz reproduz no livro, discursavam contra o término do tráfico e, posteriormente, a favor da anistia aos que descumpriram a lei.

Ao Aliás, a historiadora contou sobre seu processo de trabalho e opinou sobre como as injustiças sociais do passado refletem nos dias atuais em meio à reforma trabalhista no Brasil, cotas raciais nas universidades e crise migratória na Europa.

Por que o recorte de maneira tão minuciosa desse período da história brasileira?

Tarde na Ilha | Moacyr Félix

Não sei por quê,
mas tenho
uma vontade mansa de tomar chá
com Thomas Stearns Eliot,
de não dizer nada
de não perguntar nada,
e ficar olhando
todas as manchetes e todas as capas
de todos os livros,
olhando de olhos vazios
não como os do morto, mas vazios
como o luar que orvalha a tamareira e o poço.

Uma vez ou outra, ouvirei
a colherinha pousar na porcelana frágil,
e é tudo que eu ouvirei, a colherinha de prata.

Talvez até lhe dissesse uma coisa qualquer, uma
[ coisa
só para quebrar o silêncio, só para isso,
uma coisa sem importância, simples, como por
[ exemplo:
Você sabe, ó T.S. Eliot, minha mãe já foi muito
[ bonita...

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Paris, 1950