domingo, 6 de maio de 2018

Roberto Freire: Crédulos e oportunistas

- Blog do Noblat | Veja

Impressiona o número de pessoas intelectualizadas, vividas, que se recusam a enxergar a realidade, a corrupção sistêmica lulopetista

A mais recente denúncia da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, sobre a propina de 40 milhões de dólares paga a Lula e seu entorno, no caso da ampliação da linha de crédito do BNDES para Angola, desmonta narrativas do lulopetismo.

Dessa feita não se pode alegar que se trata dos juízes Sérgio Moro ou Marcelo Bretas, ou do ativismo de algum membro do Ministério Público Federal do Paraná ou de qualquer estado brasileiro.

Impressiona o número de pessoas intelectualizadas, vividas, que se recusam a enxergar a realidade, a corrupção sistêmica engendrada por uma organização criminosa e profissional, como disse, no STF, o decano da Corte, ministro Celso de Mello.

Muitas pessoas, nas hostes lulopetistas, são tomadas por um fanatismo em defesa não de ideias ou ideais, mas na alegada inocência de Lula, transformado em divindade, visceralmente incapaz dos humanos atos do erro e da busca de vantagens indevidas para si e para os seus.

A credulidade é um fenômeno típico do culto à personalidade e do primarismo na política. Já aconteceu com Stalin, Hitler, Mao Tsé-tung e que também ocorre na dinastia hereditária que ainda reina na Coreia do Norte.

Na América Latina, temos em Peron e Chaves os mais lídimos exemplos. Muitos querem elevar Lula a essa categoria, de ícones populistas. O Brasil é mais complexo, nem Getúlio Vargas obteve este status.

Há também outro tipo de gente. São os oportunistas, aqueles que têm interesses contrariados e afetados pela derrocada do lulopetismo.

Falo dos milhares de contratados para cargos de confiança, nos diversos níveis da federação, sem qualificação, apenas para aparelhar a máquina governamental.

Refiro-me a parte expressiva da burocracia sindical que vê minguarem as generosas verbas anteriormente arrecadas pela máquina governamental, postas à disposição, sem qualquer controle.

Fernando Henrique Cardoso: Rumos, não só lamentos

- O Estado de S. Paulo

O País precisa de renovação, mas com conhecimento, visão, honestidade, esperança

Passei uma semana em Nova York para participar de um evento sobre novas tecnologias para a medição da ingestão de drogas por condutores de caminhão pelas marcas deixadas nos cabelos. Tendo exercido por muitos anos a presidência da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, da qual continuo a ser membro, achei útil difundir os aperfeiçoamentos na medição do seu uso continuado para coibir que os adictos a tal prática ocupem funções em que esse hábito possa ser daninho ao bem público e à vida de terceiros.

Defender uma política não repressiva aos usuários de drogas não significa ser partidário de seu uso. Nem se devem tratar os usuários como criminosos (tratamento a ser dado aos narcotraficantes) nem deixar de restringir as possibilidades do uso das drogas, a começar pelo tabaco, hoje praticamente expulso dos locais de trabalho, estudo e mesmo lazer.

Pois bem, à margem da conferência, que se realizou em dependência da ONU, ao ler os jornais e ver a TV, voltei nesta terça-feira ao Brasil com a intenção de fazer um paralelo entre a “política” nos Estados Unidos e a nossa. Por lá a mídia não perdoa. Por menos que eu tenha simpatia pelos métodos e propósitos de Trump, há que reconhecer que qualquer passo dele é vigiado e se tenta obstruir seu caminho usando notícias em geral verdadeiras, mas também duvidosas. Isso é da alma da democracia contemporânea, hoje mais atribulada pela força das mídias sociais. Tanto lá como aqui. Com uma diferença: as instituições americanas são mais fortes do que as nossas e os rumos do país são debatidos com argumentos pelas organizações partidárias.

Aqui chegando, um susto: pegou fogo e ruiu um edifício em pleno centro de São Paulo, no qual habitavam dezenas ou mesmo centenas de famílias e que pertencia à União, a qual negociava com a Prefeitura sua posse e seu uso. Pelo nome do prédio, a família que o construiu deve ter sido a mesma que possuía uma fábrica de alumínio e vidros para os batentes e para as portas e janelas, materiais que na época (1950-1960) eram o símbolo da “modernidade”. Sabe-se lá por que tropeços, o edifício foi parar nas mãos da União (provavelmente dívidas não pagas) e esta, depois de usá-lo, ficou sem saber o que fazer com ele, assim como com milhares de outras edificações. Mais grave ainda: esse edifício era tombado pelo patrimônio histórico. Quer dizer, nele nada se pode fazer sem autorização pública. Ora, diante da carência de habitação para os mais pobres e dos movimentos sociais e políticos (falsos e verdadeiros), seria previsível o que aconteceu e acontece em centenas de outros edifícios do centro de São Paulo: a ocupação por famílias “sem teto”.

Bolívar Lamounier: Um bico de pena para corações fortes

- O Estado de S. Paulo

O resultado da eleição afetará a recuperação econômica, podendo até mesmo revertê-la

Para mim, a quantidade de sandices, disparates e aberrações que vemos e ouvimos diariamente sobre a vida pública brasileira só tem uma explicação: a maioria das pessoas não consegue imaginar o quanto a situação atual pode piorar.

Quando digo “as pessoas” não me refiro a toda a sociedade e certamente não às camadas de menor renda e escolaridade. Estas padecem de severas limitações no tocante à compreensão das informações que recebem. Desse ponto de vista, não existe e nunca existiu uma sociedade homogênea e é por isso que as camadas médias e altas têm de arcar com uma parcela maior de responsabilidade no que diz respeito à manutenção de padrões razoáveis de racionalidade social. Afirmar o contrário, como diuturnamente fazem aqueles que se arvoram em críticos do “elitismo”, é mera demagogia. Mesmo os cidadãos mais informados e lúcidos às vezes se esquecem de que a destruição do que acabamos de construir pode ser rápida, mormente quando causada por erros palmares na condução da economia e dos negócios do Estado, como ocorreu no período de governo da sra. Dilma Rousseff.

Nas ciências humanas, uma constatação central na evolução do conhecimento histórico durante o século 20 foi a de que qualquer país, mesmo os mais adiantados, pode sucumbir a retrocessos gravíssimos (preciso lembrar o caso alemão?). Nos países que ainda se debatem com o desafio de criar condições aceitáveis de renda para a maioria da população, essa constatação assumiu um sentido simétrico: nada garante que progrediremos de forma natural e indefinida. Não chegaremos ao patamar social que almejamos nem mediante um sistema de planificação macroeconômico nem por obra e graça de uma mão invisível infinitamente benigna. Não há um bom porto previamente construído, pronto para nos dar as boas-vindas; haverá, talvez, se o soubermos construir, passo a passo, ou seja, operando para que a sociedade em que vivemos não se afaste demasiadamente de um padrão médio de racionalidade. Para nos convencermos disso, como antecipei, precisamos não só aspirar a um futuro melhor, mas também a aprender a temê-lo, quando começamos a perder até os elementos básicos da comunicação social, a linguagem da política, e todo senso de realidade.

Merval Pereira: Miséria explorada

- O Globo

Desabamento de prédio explicita exploração da miséria. O desabamento do edifício em São Paulo ocupado por uma dissidência do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) explicitou o descaso das autoridades públicas que, além de não terem programas habitacionais para combater a tragédia da falta de moradia, não fiscalizam os pardieiros invadidos por uma centena de movimentos ditos sociais, mas que, em sua maioria, se transformaram em milícias urbanas, arrancando dinheiro de quem não tem nem para viver.

Por outro lado, o principal movimento, o MTST, que ganhou notoriedade pelo protagonismo de Guilherme Boulos no cenário político nacional, não atua para coibir essas verdadeiras quadrilhas que se aproveitam dos que o candidato à presidência do PSOL alega representar e proteger.

O máximo que Boulos conseguiu fazer foi uma declaração de solidariedade, e garantir, estranhamente, que nunca havia ouvido falar nesse movimento que extorquia dinheiro dos sem teto que ele pretende liderar. E ainda deu-se ao luxo de criticar “os que querem se aproveitar de uma tragédia para fazer política”.

Se não sabe da existência desse e de outros movimentos semelhantes, no mínimo é um relapso, pois deveria ter informações sobre os que atuam no seu terreno, desmoralizando uma campanha que se anuncia como séria e defensora dos direitos humanos dos que não têm casa para morar.

Boulos e seus assessores tinham, na verdade, obrigação de denunciar esse tipo de gente que se aproveita da miséria alheia. Poderiam aproveitar o acesso que têm às autoridades para propor uma campanha conjunta de moralização desses cortiços, ocupados muitas vezes por quadrilhas de bandidos que encontraram neles um novo filão para ganhar dinheiro ilegalmente, da mesma maneira que vendem drogas dentro das ocupações e facilitam instalações clandestinas, os chamados gatos, que acabam provocando tragédias como a do edifício Wilton Paes de Almeida.

Bernardo Mello Franco: Mais perguntas, meritíssimos


- O Globo

Ao se eleger deputado, em 2010, André Moura já acumulava inquéritos na Justiça de Sergipe. Ele começou a coleção como prefeito de Pirambu, uma antiga vila de pescadores que registrou 8.369 habitantes no último censo.

Em dois mandatos, foi acusado de corrupção passiva, peculato, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa, fraude à Lei de Licitações e tentativa de homicídio. A mudança para Brasília incluiu de brinde o foro privilegiado. Cinco anos depois, o Supremo aceitou as primeiras três denúncias contra o deputado. Ele virou réu, mas não tem do que reclamar.

O ministro Gilmar Mendes assumiu a relatoria das ações, que nunca foram julgadas. Moura se aliou a Eduardo Cunha e virou líder do governo Temer. Com a decisão da quinta-feira, os processos deverão ser enviados de volta a Sergipe.

Será o fim de uma distorção histórica. A intenção dos constituintes era proteger o mandato parlamentar, e não premiar 513 deputados e 81 senadores com um escudo contra todos os rolos de sua vida pregressa.

O avanço no caso de Moura é fácil de entender e difícil de contestar. No entanto, a mudança na regra deixou muitas perguntas sem resposta. O Supremo não esclareceu o que é um crime praticado “em razão do cargo”, hipótese em que o foro continuará a valer. Também faltou explicar o que acontecerá quando parlamentares reeleitos responderem pela prática de crimes em mandatos passados.

Eliane Cantanhêde: Lula solto?

- O Estado de S.Paulo

Não é provável, mas tudo é possível no plenário virtual da Segunda Turma

Pergunta que não quer calar, inclusive dentro do próprio Supremo: por que o ministro Edson Fachin enviou para o plenário virtual da Segunda Turma um agravo regimental da defesa do ex-presidente Lula? Por que não para o plenário real da Turma ou para o próprio plenário do tribunal? Afinal, o que está em jogo é grave: manter ou não Lula na cadeia.

Com o Supremo pegando fogo e a Segunda Turma a toda hora botando mais lenha na fogueira com decisões no mínimo polêmicas, a sensação – ou suspeita? – é de que recorrer ao plenário virtual foi para proteger os ministros e evitar que se exponham ao vivo e em cores durante a votação. Ou seja, possam tomar uma decisão até mesmo esdrúxula sem a exposição direta à opinião pública.

A votação virtual, por escrito, foi aberta na última sexta-feira e vai até a próxima quinta-feira, com o anúncio do resultado no dia seguinte. Depois disso, os votos estarão abertos, mas voto escrito é muito diferente de voto com a cara, a voz e as expressões do ministro, e sem debates desgastantes ao vivo. Digamos que é menos constrangedor – se o voto, evidentemente, for constrangedor.

Vera Magalhães: Mudança das estações

- O Estado de S.Paulo

Restrição ao foro pode não ser a ideal, mas é o início de um processo inadiável

Meu filho caçula está estudando o período da escravidão no Brasil. Chega diariamente chocado da escola, sem acreditar que na História do País tenha havido um período em que homens, mulheres e crianças eram propriedade de outros. E isso era assegurado pelo Direito.

A escravidão perdurou no Brasil de 1530 a 1888, e só foi abolida depois de inúmeras revoluções frustradas, à custa de pressão internacional, e ainda assim de forma paulatina. Vieram antes a Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários, numa tentativa da elite de conter o trem da História. Entre a primeira dessas leis e a Áurea, que extinguiu de vez aquela chaga, se passaram apenas 17 anos, num sinal de que não adiantava mais tentar adiar o fim de um ciclo histórico.

Havia, como sabemos, justificativas econômicas e até morais para a manutenção de um regime que hoje é hediondo aos olhos de adultos e crianças do século 21. As conversas com o pequeno me levaram a traçar um paralelo com o tema da semana, o início da revisão do foro privilegiado.

Na origem da prerrogativa estão razões filosóficas, históricas e constitucionais sólidas e justificáveis. Em períodos de exceção democrática, o foro e as demais garantias constitucionais asseguram - ou deveriam assegurar, não fosse o fato de que, em períodos de exceção, essas são facilmente suprimidas - o livre exercício de mandatos eletivos.

Acontece que no Brasil o foro virou, de modo geral, um biombo atrás do qual se escondem políticos que veem nos mandatos não investiduras populares para exercer função pública, mas veículos para delinquir, se perpetuar no poder e retardar o encontro com a Justiça. “Ah, mas não são todos os políticos que são bandidos.” Certamente não. E, para os que não são, a redução da abrangência do foro não será um motivo para perder o sono.

A meu ver é uma falácia dizer que rever o foro privilegiado é uma maneira de criminalizar a política e fragilizar a independência dos ocupantes de cargos eletivos. Isso porque, da maneira que começou a ser implementada nesta semana, a nova regra mantém a proteção a esses eleitos no período em que exerçam os mandatos e naquilo que concerne a eles.

Bruno Boghossian: Uma aposta de risco

- Folha de S. Paulo

Aproximação de tucano com presidente enfrenta resistência no PSDB e entre aliados

“Voto você não recusa. Outra coisa é fazer coligação política. Vai perguntar se o presidente Lula vai recusar o voto do Collor.”

Um constrangido Fernando Henrique Cardoso tentava justificar assim o apoio de Anthony Garotinho (então no PMDB) ao tucano Geraldo Alckmin no segundo turno da eleição presidencial de 2006.

FHC era contra a união, mas foi driblado por uma ala do PSDB seduzida pela ideia de que a aliança ampliaria a estrutura de campanha de Alckmin.

A matemática política, porém, não é uma ciência exata. Os votos do ex-governador fluminense, enrolado em suspeitas de irregularidades, nunca chegaram. Pelo contrário: Alckmin conseguiu a proeza de sair do segundo turno com um resultado pior do que no primeiro.

A disputa de 2018 pode ser a prova dos nove do peso das máquinas partidárias e alianças nas eleições. A estrutura política e o espaço na propaganda de TV valerão mais do que as mensagens dos candidatos?

Alckmin pareceu apostar na primeira alternativa ao telefonar para Michel Temer na sexta (4).
Os dois ensaiam uma aproximação que pode levar a uma aliança entre MDB e PSDB para evitar a fragmentação da centro-direita nesta campanha.

Elio Gaspari: O movimento pode ser uma milícia


- Folha de S. Paulo

O MLSM mostrou que o que parece ser defesa do andar de baixo às vezes é bandidagem

Condenado por corrupção, o maior líder popular surgido depois de Getúlio Vargas está na cadeia. Na madrugada de 1º de maio desabou em São Paulo um prédio de 24 andares onde viviam 92 famílias que o ocupavam em nome de um Movimento de Luta Social por Moradia, o MLSM. Seja o que for aquilo que se chama de “movimento”, o MLSM é uma milícia que domina oito prédios e barracas de comércio espalhados pela cidade. No edifício que desabou cobrava aluguéis de até R$ 400 mensais.

Diante da exposição dos métodos do MLSM, deu-se uma reação, mostrando que havia um risco de satanização dos “movimentos”. Quem defende os “movimentos” sem condenar as milícias sataniza aquilo que pretende proteger.

Não se pode dizer que o MLSM seja um ponto fora da curva. Em 1997 o estado de São Paulo era governado por Mário Covas, avô do atual prefeito, Bruno, e três pessoas haviam sido mortas pela PM num conjunto habitacional da Fazenda da Juta, invadido pelo “movimento” dos sem teto do ABC. Durante a ocupação, apartamentos de dois quartos e pequena sala eram negociados por atravessadores. Um dos invasores era um jovem de 19 anos, solteiro. No Nordeste já houve filas de fazendeiros pedindo ao MST que invadisse suas terras para que pudessem buscar indenização do governo.

A caminho da cadeia, Lula disse: “Não sou um ser humano, sou uma ideia”, e saudou uma plateia dos “movimentos” habituados a “queimar os pneus que vocês tanto queimam,” e a fazer “as ocupações no campo e na cidade”. Prometeu-lhes: “Amanhã vocês vão receber a notícia que vocês ganharam o terreno que vocês invadiram.”

Lula, o PT e muitas organizações de mobilização social nada têm a ver com o MLSM ou picaretagens semelhantes. O problema está no fato de que jamais denunciam o que é feito na suposta defesa do andar de baixo. Admitindo-se que invadir prédios seja uma forma de buscar a justiça social (o que não é), fazer de conta que não se vê a atuação de uma milícia é suicídio.

Pensa-se que, se o objetivo é social, o resto não importa. Isso vale tanto para as invasões como valeu para a manutenção de contubérnios com empresários e políticos profissionalmente corruptos. Foi assim que se abriu a trilha de malfeitorias que levou o maior líder popular à cadeia, por corrupção.
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Elio Gaspari, Jornalista, autor de 5 volumes sobre a história do regime militar, entre eles 'A Ditadura Encurralada'

Samuel Pessôa: Novo estelionato em construção

- Folha de S. Paulo

Dizer que aumento do gasto público é autofinanciável é populismo explícito

O professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, “meca” do pensamento heterodoxo brasileiro) Marcio Pochmann, responsável pelo programa do candidato do PT, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no domingo passado (29), afirmou: “O fundamental no início do governo é um programa de emergência, que permita ao país sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com volta do crescimento”.

É tanta bobagem que tenho dificuldade de acreditar que Pochmann de fato acredita no que falou. O crescimento já voltou —no ano passado, crescemos 1%, e, neste ano, a expansão será próxima de 2,6%—, além de sabermos que a economia não atende as condições do moto-perpétuo. Isto é, impulso fiscal não gera crescimento suficientemente forte para reduzir a dívida como proporção da renda nacional.

A política do pé na máquina foi empregada inúmeras vezes no Brasil. Antonio Delfim Netto no fim dos anos 1970, Dilson Funaro em 1985 e, mais recentemente, Dilma Rousseff em seu primeiro mandato. Sempre com resultados desastrosos.

Donald Trump aparentemente concordaria com cada palavra de Pochmann. Também o governo de Cristina Kirchner aplicou a ideia do moto-perpétuo. Mauricio Macri luta até hoje, sem grande sucesso, para reduzir inflação que insiste em rodar a 25% ao ano. Sem falar do caso da Venezuela.

Celso Ming: Mais cabeça, menos cauda

- O Estado de S.Paulo

No vocabulário do brasileiro, a palavra empreendedorismo está cada vez mais presente e vem sendo mais facilmente pronunciada até por gente simples. Todo mundo quer ser chefe de si mesmo e, mais do que isso, subir na vida e prosperar.

Em 2017, em meio às dificuldades encontradas pela economia, o número de empresas no Brasil aumentou 13,6% em comparação às existentes em 2016, de acordo com o bureau de crédito Boa Vista. O crescimento foi sustentado pelos pequenos empresários, os Microempreendedores Individuais (MEIs), que cresceram 19,1%, e as microempresas, que avançaram 6,8%. A criação de empresas de maior porte sofreu retração de 12,8%.

Esses dados guardam proporção com estatísticas mais recentes, como os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do primeiro trimestre deste ano. Comparado ao primeiro trimestre de 2017, o trabalho por conta própria cresceu 3,2% e a categoria de empregador, aquele em que pelo menos um funcionário é contratado para desempenhar atividade produtiva, cresceu 5,7%. Além desses números do IBGE, um estudo recente do Banco Santander concluiu que pelo menos 50% dos postos de trabalho criados ou a serem criados em 2018 corresponderão a atividades “por conta própria” ou serão microempresas.

Assim, o empreendedorismo brasileiro encontra no mercado de trabalho deteriorado impulso para crescer. Mas, ao contrário do que acontece com o sapo – que só pula por precisão e não por boniteza, como diz Guimarães Rosa –, não é apenas a necessidade que cria esse empreendedor.

Em 2016, estudo do Sebrae apontou que, entre os anos de 2009 e 2015, período em que a economia brasileira não apresentava tanta vacilação como agora, a média de registros de MEIs por hora era superior a cem.

Como já apontou esta Coluna em outras oportunidades, o trabalhador já não busca um novo emprego, como antes. Talvez pelo maior acesso aos aplicativos e à internet, ele passou a dar mais valor ao esforço e às realizações pessoais do que a procurar melhor colocação no mercado de trabalho.

É por essa brecha da nova relação do brasileiro com atividades remuneradas que as igrejas evangélicas, em especial as neopentecostais, têm avançado. Hoje, um terço dos brasileiros se declara protestante e, conforme levantamento do IBGE, 14 mil novas igrejas neopentecostais surgem a cada ano.

Míriam Leitão: Candidato do agronegócio

- O Globo

Agronegócio precisa de nova agenda e não de defensores do atraso. Políticos desfilaram pela Agrishow em Ribeirão Preto na esperança de serem vistos como candidatos do agronegócio. Nenhum alcançou o posto pelo que se pôde ver das reações comedidas dos organizadores do evento. O ideal seria que o setor se fixasse não em pessoas, mas em propostas, e que os projetos fossem voltados para o futuro e não para a defesa do atraso.

O agronegócio brasileiro vive um meio do caminho que o faz ser de ponta em alguns momentos e lugares, e atrasado na pauta que os seus representantes defendem. Quem vê a lista dos projetos da bancada ruralista no Congresso não vê o coração das mudanças que ocorrem dentro do setor.

As empresas deveriam mirar o futuro do campo, que terá que ser com mais tecnologia, mais rastreabilidade, mais pacificação com o meio ambiente. Quem se dispõe a ser o defensor do agronegócio, pode achar que o bom é propor limitações ao processo de licenciamentos ambientais, restrições à divulgação da lista suja do trabalho escravo, anistia a quem ocupou terra pública e, agora, a ideia de armar os produtores rurais.

Vinicius Torres Freire: Brasil e Argentina na Copa da derrota

- Folha de S. Paulo

Reformas fraquejam nas duas economias mais fracassadas da década na América Latina

A Argentina voltou às manchetes com um de seus produtos típicos, o risco de crise externa, tão clichê quanto seus bifes, doces de leite e alfajores.

Não parece que os vizinhos vão quebrar, mas o sucesso do governo de reformas liberais de Mauricio Macri subiu no telhado, de onde pode mergulhar numa tina de vinagre. O reformismo brasileiro corre o mesmo risco.

Seja com saídas pela direita ou pela esquerda, Brasil e Argentina são as economias mais fracassadas da América Latina da década. Não entram nessa comparação os pequenos países da América Central. A Venezuela não conta porque ora não existe.

Desde 2010, o Brasil cresceu 3,2%. A Argentina, 8,1%. Chile, Colômbia, Equador, México e Uruguai cresceram entre 22% e 30%. Bolívia, Paraguai e Peru, entre 35% e 41%.

Não adianta dizer que a comparação é injusta para o Brasil, por levar em conta justamente os anos de crise. Ficamos na rabeira distante em quase qualquer período considerado, desde 1990. A exceção foram os anos prateados de Lula, 2004-2010, quando este país ficou apenas na média latino-americana.

Constituição à la carte: Editorial | O Estado de S. Paulo

O artigo 102 da Constituição diz, na alínea b do inciso I, que é da competência do Supremo Tribunal Federal “processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República”. Não há, portanto, nenhuma referência ao momento em que foi cometido o delito, se antes ou durante o exercício do mandato.

Malgrado essa clareza meridiana, o Supremo Tribunal Federal resolveu extrapolar suas funções e invadir seara do Poder Legislativo, ao “emendar” o artigo 102 da Constituição a título de acabar com “os problemas e as disfuncionalidades associados ao foro privilegiado”, como escreveu o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, em seu voto – que poderia muito bem ser qualificado de “proposta de emenda constitucional”.

Nesse afã de “consertar” a Constituição para adequá-la ao desejo de acabar com a corrupção e a impunidade, o ministro Barroso estabeleceu que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. Ou seja, se o crime pelo qual o político é acusado tiver sido cometido antes de assumir o mandato, ou se não tiver relação com suas atividades como parlamentar, o processo correrá na primeira instância, e não mais no Supremo, como manda a Constituição.

A tese do ministro Barroso foi amplamente aceita na Corte, apesar de ser claramente subjetiva. Afinal, como estabelecer se o crime em questão está ou não “relacionado às funções desempenhadas”? A vaguidão da “emenda” do ministro Barroso certamente colaborará para que haja inúmeras contestações judiciais, sendo necessário, como já esperam os seus colegas, resolver caso a caso, ao sabor das conveniências monocráticas do magistrado de plantão. Ou seja, cria-se uma regra que não estabelece regra nenhuma, um convite para a confusão.

Carência imóvel: Editorial | Folha de S. Paulo

Programas como o Minha Casa, Minha Vida não reduziram o déficit de moradias de boa qualidade; novas iniciativas precisam privilegiar regiões centrais

O incêndio que levou abaixo o edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, despertou questionamentos sobre as invasões de prédios em condições precárias na maior cidade brasileira e debates acerca das crônicas carências nacionais na área de habitação.

É relativamente recente —data de 1996— a formulação de uma metodologia mais confiável para quantificar as necessidades de moradia que se acumulam no país.

Estudos com base em dados do IBGE, realizados pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério do Planejamento, indicam que em 2015 (data do levantamento mais recente) registrou-se um déficitde 6,4 milhões de unidades, ou 9,3% do total disponível.

A defasagem entre demanda e oferta de residências se mantém elevada, com oscilações nos últimos anos, a despeito de iniciativas do setor público —entre as quais se destaca, pelas dimensões (e também por equívocos conceituais), o Minha Casa, Minha Vida.

Bandeirada ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o programa desembolsou mais de R$ 100 bilhões (em valores corrigidos do Orçamento federal) desde 2009 e entregou até 2017, segundo dados oficiais, 3,7 milhões de habitações.

Temer e família diante da República: Editorial | O Globo

Em cenas republicanas fortes, enquanto o ex-presidente Lula está preso em Curitiba, a filha de Temer, o atual, depõe sobre suspeita de lavagem de dinheiro de propina

O presidente Michel Temer tem demonstrado especial irritação com a evolução das investigações que tratam de rastros visíveis de obtenção de propinas supostamente decorrentes da edição de um decreto que teria facilitado a vida de empresas que atuam no Porto de Santos.

A inclusão de sua filha Maristela na lista de depoentes à Polícia Federal crispou de vez a face de Temer, sendo que ele mesmo já respondeu a questionário da PF. Mas, como professor de Direito constitucional, deveria entender que é assim que o Estado age nas Repúblicas.

O mais poderoso governante do planeta, o americano Donald Trump, por exemplo, está às voltas com um promotor especial que vasculha os subterrâneos da campanha que o elegeu, em que houve interferência de hackers do Kremlin, e até investiga uma história sórdida de chantagem e de compra de silêncio protagonizada por Trump e uma estrela do cinema pornô. É assim que organismos de Estado devem funcionar, independente de governos.

Na verdade, esta trajetória acidentada no terreno da ética que o presidente percorre era previsível, devido à sua origem: o PMDB, hoje MDB, conhecido conglomerado de caciques regionais e com sortido arsenal de ferramentas para garimpar dinheiro público.

Temer admite dar apoio a outros nomes

Presidente afirma em entrevista que se ‘houver uma conjugação política’ pode se alinhar a Alckmin ou demais pré-candidatos do centro

Daniel Weterman, José Maria Tomazela, Diego Emir | O Estado de S. Paulo.

O presidente Michel Temer admitiu, em entrevista ao SBT, que pode desistir de concorrer à reeleição e apoiar outro nome do chamado centro político, como o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), pré-candidato tucano na eleição presidencial deste ano.

“Eu não teria dificuldade, não. Se houver uma conjugação política nestes termos que estou dizendo. Se houver algo que seja útil para o País, e daí a história da união de todos os candidatos de centro, por que não apoiar?”, afirmou o presidente em entrevista ao programa Poder em Foco, que vai ao ar à meia-noite de hoje.

Temer foi questionado sobre a possibilidade de apoiar um candidato de centro como Alckmin, conforme transcrição de trecho da entrevista divulgada pela emissora. Segundo o site Poder360, o presidente também citou outros nomes em sua resposta, além do ex-governador tucano: Henrique Meirelles (MDB), Flávio Rocha (PRB), Guilherme Afif Domingos (PSD), Paulo Rabello de Castro (PSC) e Rodrigo Maia (DEM).

O emedebista também falou sobre o depoimento de sua filha Maristela Temer à Polícia Federal, em São Paulo, na quinta-feira. Maristela foi ouvida no âmbito da Operação Skala, que apura suspeitas de corrupção envolvendo o emedebista, aliados políticos e empresas do setor portuário. A investigação apura se a reforma da residência de Maristela foi utilizada para lavar dinheiro de propina.

O emedebista disse que a obra foi feita, mas que não houve dinheiro ilícito envolvido. “Foi uma reforma regularmente paga, regularmente esclarecida. Eu não tenho os dados do depoimento que ela prestou ontem (quinta) ao delegado da Polícia Federal, mas soube que foi tudo pelas melhores”, afirmou.

‘Pobre’. Sobre uma possível entrada do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa na corrida presidencial, Temer observou que o “nome dele é bem recebido” atualmente pelas pesquisas – ele aparece com 9% das intenções de votos. O presidente, contudo, disse que não acredita que Barbosa obtenha sucesso eleitoral “por ser negro” ou “porque foi pobre”.

“Se me permite, eu não concordo com o fato de ele ser presidente porque é negro. Nem ser presidente porque foi pobre. Pobre eu também fui. Eu tive uma infância… parece que não, mas eu para ir à escola andava 6 km, para ir e para voltar. O Lula foi pobre. Não é esta razão que vai fazer com que fulano seja ou não seja presidente.”

Ontem, em Jaguariúna (SP), durante o ato em que o MDB lançou a pré-candidatura de Paulo Skaf ao governo do Estado (mais informações nesta página), Temer voltou a dizer que ele e o ex-ministro da Fazenda e pré-candidato à Presidência Henrique Meirelles continuarão “juntos em qualquer circunstância”.

Alckmin. O pré-candidato tucano esteve em São Luís (MA) ontem. No estado brasileiro que tem metade de suas famílias que recebem Bolsa Família, o tucano elogiou o programa e falou em sua ampliação.

“Os programas de complementação de renda, nasceram conosco. Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Vale Gás foram criados pelo PSDB e depois unificados de forma correta no Bolsa Família e até expandidos. Foi uma conquista importante”, disse Alckmin. “Temos que manter o Bolsa Família e até ampliar na medida do possível”, afirmou ao discursar no Centro de Convenções Pedro Neiva de Santana em São Luís.

'Teria imensa dificuldade de dialogar com políticos', diz Gilmar sobre Barbosa

Em entrevista à Band neste sábado, o ministro do Supremo disse que seu ex-colega é 'pessoa capaz'; ex-ministro do STF pode se lançar à Presidência pelo PSB

Victoria Abel | O Estado de S.Paulo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse, neste sábado, 5, que, caso seu ex-colega de Corte Joaquim Barbosa se lance à Presidência, "teria imensa dificuldade de dialogar com políticos". Barbosa se filiou em 6 de abril ao PSB, mas ainda não admitiu abertamente que entrará na disputa.

Em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, programa Brasil Urgente da Band, Gilmar foi questionado sobre o que achava da possível candidatura do ex-ministro relator do mensalão no Supremo. "É uma pessoa capaz, que tem bons propósitos, mas eu ainda vejo que terá imensa dificuldade de dialogar com políticos", afirmou. O programa foi ao ar na tarde deste sábado.

Na pesquisa do Ibope, divulgada em 24 de abril, Barbosa aparece em quarto lugar, com 9% de intenção de voto, em um cenário sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato. O ex-ministro fica atrás do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e da ex-senadora Marina Silva (Rede).

"Imagino que se exija muita flexibilidade para isso (ser político). Quando se fala em carreira política, em geral, o indivíduo foi vereador, foi prefeito, foi deputado estadual e aí, numa fila, consegue ser deputado federal. Isso não significa apenas uma certa oportunidade de carreira, significa uma preparação, um aprendizado para esse processo", completou Gilmar, quando questionado se Barbosa seria uma pessoa de temperamento difícil.

PT interdita debate sobre alternativa a Lula

Manifestações a plano B são repudiadas, e ordem é reafirmar candidatura do ex-presidente, mesmo preso

Sérgio Roxo | O Globo

SÃO PAULO - Apesar da pressão de aliados e lideranças do próprio partido, a direção do PT interditou completamente, neste primeiro mês da prisão do ex-presidente Lula, qualquer debate interno sobre rumos eleitorais alternativos para a disputa de outubro. Comandados pela presidente da legenda, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), os dirigentes montaram uma verdadeira patrulha que reage imediatamente com vigor a falas que sugerem a possibilidade de construção de um plano B. A ordem é reafirmar que Lula será candidato ao Palácio do Planalto, mesmo que esteja preso.

Internamente, qualquer um que cogite a hipótese de colocar em discussão uma alternativa ao ex-presidente passa a ser tachado de “traidor de Lula”.

— O pessoal não dá nem chance de você falar qualquer coisa. É como uma patrulha — afirma um petista, que considera o apoio do partido ao pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, uma boa alternativa para a disputa presidencial.

E justamente os dois nomes cotados para o plano B do partido, o ex-ministro Jaques Wagner e o ex-prefeito Fernando Haddad, são os que mais têm sofrido com a vigilância petista. No 1º de Maio, Wagner disse que o PT “pode” aceitar ser vice de Ciro se Lula for impedido de concorrer. Foi o suficiente para Gleisi reagir. Na quinta-feira, depois de visitar Lula ao lado do próprio ex-ministro, a presidente do PT disse que o pré-candidato do PDT “não está na pauta” do partido. Já Haddad tem incomodado por causa de suas movimentações. Ele se encontrou com Ciro duas vezes nos últimos dois meses.

Aliados históricos também divergem sobre rumo eleitoral

Movimentos sociais querem manter Lula; partidos próximos defendem nome novo

Sérgio Roxo | O Globo

SÃO PAULO - Não são apenas as disputas internas sobre o caminho na eleição de 2018 que atormentam o PT no momento. Seus aliados históricos também estão em campos opostos. De um lado, movimentos sociais, como o MST, defendem que o partido vá com Lula até as últimas consequências. De outro, o PCdoB, legenda que acompanhou o PT em todas as disputas presidenciais, é favorável que um plano B seja definido rapidamente.

Para os partidários da tese da manutenção da candidatura de Lula, um resultado negativo na eleição depois da troca de candidato teria consequências muito piores. Politicamente, para eles, é melhor ter um candidato cassado.

— Seriam duas derrotas: uma eleitoral e uma política — alega João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST.

Na avaliação do dirigente sem-terra, a adoção do plano B seria “reconhecer que não houve perseguição a Lula” por parte da Lava-Jato, como o PT e seus aliados têm afirmado.

Por causa dos prazos, a expectativa é que Lula possa ficar, pelo menos, um mês como candidato e, devido ao seu bom desempenho nas pesquisas, não seria uma decisão fácil para a Justiça Eleitoral.

— A cassação se configuraria como um outro golpe, porque vai tirar um candidato que pode ganhar a eleição. Acreditamos que a direita não vai correr esse risco — diz Rodrigues.

Já os defensores da adoção do plano B alegam que, com Lula preso, a transferência de votos ficará prejudicada. Por isso, para ser viável eleitoralmente, o novo nome precisaria ser apresentado logo. O argumento principal desse grupo é que, se um candidato de um campo ideológico adversário for eleito, a situação de Lula na prisão pode ficar mais prejudicada. Oficialmente, o PCdoB mantém a pré-candidatura de Manuela D’Ávila e diz que o momento é de discutir ideias a fim de unir os partidos de esquerda.

ENCONTRO EM JULHO
O PT decidiu que fará uma convenção no dia 28 de julho para oficializar a candidatura de Lula. No dia 15 de agosto, ele será registrado, de acordo com os planos traçados pelo partido. A Lei da Ficha Limpa determina que candidatos condenados por tribunais colegiados não podem concorrer. Em janeiro, os três desembargadores da 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) consideraram Lula culpado no caso do tríplex e aumentaram a sua pena para 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

No Brasil, 1968 confronto foi contra a ditadura

Sérgio Augusto | O Estado de S.Paulo

Assim como o século 20 só começou em 1914, com a 1.ª Guerra Mundial, o ano de 1968 só teria começado com as agitações de maio, que na verdade tiveram início em fevereiro (na França) e em março (no Brasil). Em Paris, com uma crise na Cinemateca Francesa; no Rio, com o assassinato de um estudante. Se valem marcos positivos – e por que não valeriam? – tiro dois da cartola: a Ofensiva do Tet, no penúltimo dia de janeiro, quando os vietcongues começaram a “virar” a guerra no Vietnã, e um manifesto do jovem (22 anos) crítico paulista Rogério Sganzerla, Cinema Fora da Lei, escrito enquanto rodava O Bandido da Luz Vermelha.

Com o manifesto e seu filme, só lançado comercialmente em São Paulo no fim do ano, o cinema brasileiro acendeu a primeira fogueira da conflagração cultural da temporada, marcada por atos, fatos, feitos e desfeitos de consequências duradouras. Da crescente politização dos filmes à eclosão do Tropicalismo; da primeira montagem de O Rei da Vela à invasão, por 90 trogloditas do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), de outro espetáculo de José Celso Martinez Corrêa, Roda Viva, com músicas de Chico Buarque; do colossal show cívico da Passeata dos 100 mil à provocativa bandeira serigrafada (“Seja marginal, seja herói”) de Hélio Oiticica; das primeiras e arrojadas feiras de arte no Museu de Arte Moderna do Rio à criação, pelo governo, do Conselho Superior de Censura, que Millôr Fernandes recepcionou com esta tirada: “Se é de censura, não pode ser superior”.

Já na abertura de seu manifesto – um contraponto ao da “estética da fome” de Glauber Rocha – Sganzerla anunciava: “Meu filme é um faroeste sobre o 3.º Mundo”, uma fusão e mixagem de vários gêneros, um filme-soma. Misto de bangue-bangue urbano com toques de documentário e comédia musical, do noir de Orson Welles e do anarquismo de Godard, O Bandido da Luz Vermelha foi, em outra clave, o Terra em Transe de 68. Acabou justamente premiado no Festival de Brasília, concorrendo com Nelson Pereira dos Santos (Fome de Amor) e uma das melhores e mais politizadas safras do cinema brasileiro moderno.

Cacá Diegues: A descoberta do século

- O Globo

Humberto Mauro foi, a partir do início dos anos 1960, consagrado como um dos maiores artistas brasileiros do século XX, cultivado como tal pelo Cinema Novo

Humberto Mauro foi um dos maiores artistas do século XX Se ainda fosse vivo, o grande cineasta brasileiro Humberto Mauro estaria completando, esta semana, 121 anos de idade. Ele é apenas dois anos mais novo que a invenção do cinema, cuja primeira projeção mundial se deu, num café de Paris, em dezembro de 1895. O trabalho de Mauro honrou essa existência simultânea ao ofício que escolheu exercer por toda a vida.

Nascido em Volta Grande, na Zona da Mata mineira, Mauro viveu toda a sua infância num ambiente rural. Filho do imigrante italiano Gaetano Mauro e da professora Teresa Duarte, nosso futuro cineasta, ainda criança, mudou-se com a família para Cataguases. Ali, iniciou, em 1925, com apenas 28 anos de idade, uma improvável carreira de cineasta, produzindo e ajudando a produzir, a partir de sua cidade e de sua casa, filmes com enredos tipicamente brasileiros. Por conta própria, Mauro acabou se tornando o eixo de energia e de luz que permitiu a existência do Ciclo de Cataguases, nesse momento precoce do cinema brasileiro.

Escritor, músico, pintor, artista plástico, ativista político e ensaísta, mas sobretudo cineasta, Mauro foi, a partir do início dos anos 1960, consagrado como um dos maiores artistas brasileiros do século XX, cultivado como tal pelo Cinema Novo.

Toda revolução nasce de uma tradição, mas o Cinema Novo não encontrava na tradição de nosso cinema os elementos que pudessem servir para embasar sua transgressão. Como éramos todos filhos das referências do modernismo, fomos procurar na literatura, na música e nas artes plásticas brasileiras dos anos recentes o passado que nos justificasse.

Enquanto curtíamos, em busca de um avozinho, os neorrealistas italianos, os russos posteriores à Revolução Soviética, o cinema americano social e romântico dos anos 1930 e 40, até mesmo a recém-nascida nouvelle vague fancesa e seus velhos mestres, como Jean Renoir, fomos aos poucos tomando conhecimento da obra, nem sempre a nosso alcance, de Humberto Mauro. De minha parte, comecei a conhecer Mauro pelo então recente “O canto da saudade”, de 1954, seu último longa-metragem, em que também participa como ator, um filme “rural” que nos encantava pela revelação de paisagens, canções, costumes e modos de viver originais, absolutamente inéditos nas telas.

Carlos Drummond de Andrade: Nenhum desejo neste domingo

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.