domingo, 25 de novembro de 2018

Opinião do dia: *Marco Aurélio Nogueira

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, fez sua campanha denunciando o “ideologismo” da política externa petista, que teria, em sua visão, submetido os interesses do Brasil a inflexões ideológicas distorcidas – como, de resto, aconteceria em todas as demais áreas do Estado. Para ele, a esquerda petista seria uma fábrica de doutrinação indiferente às necessidades do País.

Mas ao escolher para a chancelaria nacional um diplomata de perfil ideológico e doutrinário, com derivações regressistas em termos valorativos e intelectuais, Bolsonaro copia o que atribuía ao PT, só que com o sinal trocado.

A solidariedade petista é agora substituída pela submissão a Donald Trump, tido como estadista que “salvará o Ocidente” e corrigirá os desatinos do “globalismo”, retirando-o das mãos do “marxismo cultural”."


-----------------
*Professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp. “Riscos e incógnitas na política externa”, O Estado de S. Paulo, 24/11/2018

*Roberto Romano: Professor Guinsburg

- O Estado de S.Paulo

Ele se foi no momento em que a nossa gente entra num labirinto ameaçador

A modernidade ampliou a potência das civilizações que têm sua alma no livro. Mas, além do conhecimento, divino ou humano, a leitura trouxe como efeito colateral o apego à letra, em detrimento do sentido. Milhares foram assassinados devido à leitura inculta, praticada por fiéis delirantes. Hoje o meio impresso é obnubilado pela internet. Mas a eficácia dos instrumentos que divulgam mensagens, tolas ou sábias, leva ao pedantismo ou zelo fanático. No Renascimento, editores e acadêmicos lançam a corrida ao livro, à fama, aos lucros. A passagem de manuscritos gregos e romanos ao prelo exige imenso labor coletivo. Para a venda dos volumes concorrem potentados, financistas, religiosos. O livro atinge setores amplos, anuncia a nova era científica, humanística, estatal.

Entre os ávidos consumidores das letras surgem indivíduos que delas se empanturram. Da indigestão literária brota a cultura pela metade, uma nova forma de ignorância douta. O apedeuta é prisioneiro de falas absurdas, as quais considera verdadeiras. Na Encyclopédie, Diderot afiança que o pedante é alguém “de uma presunção gárrula que fadiga os outros com o exibicionismo de seu saber em todo gênero, afetação de estilo e maneiras”.

O número dos que usam muitos textos e pouca ciência se mantém constante. Hoje a voga de edições caras para enfeitar prateleiras cede o passo aos escritos baratos de autoajuda, romances levemente pornográficos, biografias, etc. Em 2013, na Europa, os números eram os seguintes em termos editoriais: Inglaterra, 184 mil; Alemanha, 93.600; França, 66.530; Espanha, 76.430; Itália, 61.100. Os elementos são fornecidos por Jakub Marian. Em 2013, na França, os campeões de vendagem foram Asterix e três livros contendo os 50 matizes de cinza; 25% dos livros vendidos eram romances; 21%, de juventude; 13%, de turismo; 8%, escolares; 6%, quadrinhos; 6%, de aperfeiçoamento docente. Das edições eletrônicas de 2014 na França, cerca de 8,3 milhões de livros foram “baixados”. Para 1 milhão de compradores de livros foram oferecidos 26 milhões de livros impressos. Cerca de três quartos dos compradores de textos digitais também compraram livros impressos.

*Rolf Kuntz: O desafio da educação e as fixações de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Não haverá crescimento sem educação, nem educação se valerem os critérios do presidente

Com 38 milhões de analfabetos funcionais, escassa oferta de mão de obra qualificada, professores mal pagos e desprestigiados, baixo investimento em tecnologia e estudantes muito mal classificados em testes internacionais, o Brasil jamais sairá da mediocridade sem uma bem planejada e bem executada reforma educacional. Mas o presidente eleito, Jair Bolsonaro, mostra-se preocupado com a tal doutrinação política nas escolas e com a discussão de questões de gênero em salas de aula. Sua equipe talvez tenha algum plano para tirar do atoleiro a educação brasileira, mas, se esse for o caso, as propostas estão sendo cuidadosamente escondidas. Ele jamais tratou do assunto seriamente, nem durante a campanha eleitoral nem depois da vitória. Tem falado, ocasionalmente, sobre a importância de cuidar do ensino de algumas disciplinas, como Física, Química, Matemática e Português, mas nunca foi além disso, com as ideias travadas, aparentemente, por fixações ideológicas e morais – ou mesmo religiosas. Se essas fixações definem seus critérios para a política educacional, os brasileiros preocupados com o futuro do País – e de seus descendentes – têm motivos muito sérios para ficar bem mais inquietos, talvez apavorados.

Essas fixações, por enquanto, parecem dominar as ideias do presidente eleito sobre como cuidar do ensino. Ele havia prometido formar o Ministério com base em critérios técnicos. Esse padrão pode ter sido observado na seleção de alguns nomes para a área econômica, um processo conduzido pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas o critério foi renegado de forma indisfarçável na escolha do ministro da Educação. Neste caso, em todos os momentos o padrão ideológico e religioso prevaleceu de forma ostensiva.

Não se trata, aqui, de simplesmente discutir ou criticar os caminhos seguidos no preenchimento de postos importantes. A questão central é outra, e obviamente muito mais importante. Se a escolha de um ministro é sujeita a um filtro ideológico, moral e até religioso, a política desenvolvida em sua área será isenta de condições da mesma natureza?

O nome do professor Mozart Neves, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, ex-secretário da Educação do governo pernambucano e diretor do Instituto Ayrton Senna, uma referência em questões educacionais, foi descartado rapidamente pelo presidente eleito por pressão da bancada evangélica. Os elogios de especialistas ao professor foram ignorados ou menosprezados.

Eliane Cantanhêde: Sujeito (não tão) oculto

- O Estado de S.Paulo

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes

Assim como o “Escola sem Partido” significa na verdade trocar um partido por outro, a nova ordem está trocando a “ideologização da esquerda” pela “ideologização da direita”, sob a mesma inspiração, grandiloquência, antipetismo, atingindo em cheio duas das áreas mais sensíveis: Relações Exteriores, com o diplomata Ernesto Araújo, e Educação, com o filósofo Ricardo Vélez Rodríguez.

A inspiração vem de fora, do também filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo da direita brasileira, que mora desde 2005 nos Estados Unidos, tem Twitter em inglês e já avisou que até topa um cargo no governo do qual ele é mentor, mas com uma condição: que seja lá, nos EUA, como embaixador. O PT já era e Jair Bolsonaro está chegando, mas bom mesmo continua sendo a Virgínia.

Assim como Ernesto Araújo causou enorme perplexidade ao ver o “globalismo” como complô interplanetário liderado pela “China maoista” para exterminar o Ocidente e os valores cristãos, Vélez Rodríguez se coloca como um Dom Quixote na guerra pela preservação do “valores tradicionais de nossa sociedade”. Ambos, aliás, pelo mesmo veículo: seu blog anti-PT e pró-Bolsonaro.

Professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército e professor colaborador de Pós-graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, o futuro ministro da Educação se destaca por ser contra o PT, o Enem, as cotas, a ideologia de gênero e, claro, a favor do “Escola sem Partido”, mas sem pressa.

Luiz Carlos Azedo: A falta de Tancredo

- Correio Braziliense

“Bolsonaro tenta implementar uma radical agenda liberal na economia, mas ainda não tem uma base parlamentar que a respalde no Congresso”

Uma das causas históricas da crise fiscal que o país atravessa e da radicalização política que estamos vivendo talvez tenha sido a morte prematura do presidente Tancredo Neves, que não chegou a tomar posse, em 1985. Explico: a decorrência natural de sua eleição no colégio eleitoral, amparada por ampla mobilização popular, seria a formação de um governo liberal-conservador, capaz de executar um programa com essas características tanto do ponto de vista econômico quanto social, o que nenhum de seus sucessores até hoje fez.

Provavelmente, a Constituinte de 1988 também teria outras características, pois o processo seria liderado por um presidente eleito e parlamentarista; e não por José Sarney, um vice presidente contingenciado por um partido que ganhou e não levou, mas deu as cartas na elaboração da Constituição, sob comando de Ulysses Guimarães, um democrata radical, que era presidencialista e havia liderado a campanha das Diretas, já!

Tancredo havia participado de todas as manifestações dessa campanha, mas nunca afastou a possibilidade de o PMDB disputar a Presidência no colégio eleitoral, onde a eleição era indireta, caso a emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada por maioria absoluta, como acabou acontecendo em 25 de abril de 1984. No final de junho, o PDMB lançou seu nome à sucessão do presidente João Figueiredo. Quatro dias depois, a Frente Liberal, dissidência do PDS, rompeu com o governo, e aderiu à candidatura de Tancredo. Na formação da Aliança Democrática, a Frente Liberal indicou Sarney para a vice-presidência.

Com 480 votos, Tancredo Neves atraiu setores conservadores que até então apoiavam o regime militar e derrotou Paulo Maluf, o candidato do antigo PDS, que obteve apenas 180 votos. O presidente eleito estava gravemente enfermo, porém, escondeu a doença e tentou retardar sua internação para depois da posse, temendo que esta não ocorresse. Um dia antes da posse, marcada para 15 de março de 1985, acabou submetido à uma cirurgia de emergência. José Sarney tomou posse como vice-presidente na manhã do dia 15. Depois de ter sido submetido a sete cirurgias, Tancredo faleceu na noite de 21 de abril. Na manhã do dia 22, Sarney foi confirmado na Presidência, depois de muitas negociações de bastidor entre a oposição e os militares. Na posse, Sarney leu o discurso que Tancredo havia rascunhado:

“Não celebramos, hoje, uma vitória política. Esta solenidade não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa da conciliação nacional, em torno de um programa político amplo, destinado a abrir novo e fecundo tempo ao nosso país. A adesão aos princípios que defendemos não significa, necessariamente, a adesão ao governo que vamos chefiar. Ela se manifestará também no exercício da oposição. Não chegamos ao poder com o propósito de submeter a Nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos democracia!”

Merval Pereira: Quatro cenários para Bolsonaro

- O Globo

Economista monta os primeiros cenários especulativos para o mandato do futuro presidente

Em um contexto de muitas e extraordinárias incertezas e elevados riscos — internos e externos, estruturais e conjunturais —, o economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, montou os primeiros cenários especulativos para o período do mandato (2019-22), que, se são pessimistas devido ao que chama de “matriz econômica ortodoxa liberal”, preveem situações em que, ajustando sua política econômica ao pragmatismo que lhe será exigido pela realidade política, o futuro presidente poderá ter êxito.

Ele montou quatro cenários que, no longo prazo, têm a seguinte hierarquia de probabilidades: Cenário C (Sobrevivência na selva) = 40%; Cenário D (Giro 180°) = 30%; Cenário B (Morte súbita) = 20%; e Cenário A (Mais um tango) = 10%. A probabilidade do Cenário D deriva da inversão da matriz ortodoxa liberal e, portanto, da menor tensão econômica e social e do maior apoio popular às iniciativas do governo, inclusive, o autoritarismo.

No Cenário C (Sobrevivência na selva) há a predominância do pragmatismo. Ele implica melhor desempenho do governo nas esferas econômica, social e política. O Cenário A (Mais um tango) é o predominante no início do governo Bolsonaro, caracterizado pelos resultados insatisfatórios e medíocres, com a crise econômica ainda mais profunda.

Esse cenário começa com a maior probabilidade (60%), e ao longo do tempo gera suas próprias contradições e trajetórias múltiplas. Caso o governo Bolsonaro continue com a matriz econômica ortodoxa liberal, em situação de crise de legitimidade e governabilidade, é muito provável que haja deslocamentos para outros cenários.

Bernardo Mello Franco: O sequestro da educação

- O Globo

Para ex-ministro, pressão sobre escolas pode agravar três problemas: abusos sexuais, gravidez precoce e transmissão de doenças

Foi a pior experiência de Renato Janine Ribeiro em sua curta passagem pelo Ministério da Educação. Numa manhã de setembro de 2015, o professor recebeu quatro deputados que diziam representar a bancada católica. O grupo foi direto ao assunto: queria banir a educação sexual das escolas. As aulas deveriam se limitar ao funcionamento dos órgãos reprodutores. “Só a biologia!”, resumiu um dos visitantes.

O filósofo tentou convencer os políticos a esquecer a ideia. Argumentou que a censura agravaria três problemas: a gravidez precoce, o abuso sexual e a transmissão de doenças como a Aids. “Se os jovens não tiverem uma educação sexual franca e honesta, ficarão expostos a esses três riscos, que podem arruinar a vida deles”, disse. Por um instante, os deputados pareceram concordar. Logo voltaram ao ponto de partida: “Só a biologia!”.

As guerras culturais sequestraram o debate sobre a educação no Brasil. A ofensiva conservadora desviou os holofotes para as questões de gênero e o projeto Escola Sem Partido. Ficou em segundo plano a tarefa que importa: melhorar o desempenho dos estudantes e a qualidade do ensino no país.

Elio Gaspari: O ministério se revela nas manobras

- O Globo

Em setembro acreditava-se que o médico Henrique Prata, diretor do Hospital do Câncer de Barretos (SP), podia ser o ministro da Saúde num eventual governo de Jair Bolsonaro. Outra hipótese seria a ida do deputado Luiz Henrique Mandetta (DEMMS). Nos dois meses seguintes, pelo menos dois renomados médicos passaram pelo balcão de apostas, e o jogo fechou com a nomeação de Mandetta. Há dois anos, o cirurgião Raul Cutait esteve com um pé na pasta, mas Michel Temer nomeou o deputado Ricardo Barros (PP-PR).

O jogo do ministério, com seus balões de ensaio e boatos, é um divertimento que acaba no dia em que o Diário Oficial publica a lista dos nomeados. Contudo, os movimentos que ocorrem nos bastidores acabam revelando a alma do governo que se forma. Descontada a maneira silenciosa e cirúrgica com que Paulo Guedes forma sua equipe na área econômica, até agora a principal decisão de Bolsonaro foi a transferência do general da reserva Augusto Heleno para o Gabinete de Segurança Institucional. Ele estava designado para a Defesa e foi deslocado pouco depois da escolha de Sergio Moro para a Justiça. Trocou um ministério com gabinete fora do Planalto por outro a poucos metros da sala do presidente. 

O Ministério da Educação de Bolsonaro tornou-se uma grelha. Mozart Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, foi vetado pela bancada evangélica sem ter sido convidado. O procurador Guilherme Schelb, da simpatia dos pastores, viu-se frito. Ao fim do dia, foi escolhido o professor Ricardo Vélez Rodriguez, da Federal de Juiz de Fora (MG), que lecionou na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Do episódio, resulta que Bolsonaro colocou no Ministério da Educação uma pessoa com quem nunca trocou duas palavras ou leu duas páginas.

A formação de um governo obedece a uma lógica própria. Um terço dos ministros é formado por pessoas que o presidente queria colocar exatamente onde ficaram, como Paulo Guedes. No segundo terço, o escolhido vai para a equipe, mas cai em outro lugar, como Augusto Heleno. No terceiro, entram pessoas que o presidente mal conhecia.

A mecânica da formação da equipe acaba sendo tão significativa quanto as escolhas. Temer disse que nomearia notáveis. Armou sua equipe pelo velho método e estabeleceu uma marca na História universal: dois de seus ministros acabaram na cadeia (Geddel Vieira Lima e Henrique Alves). Outros dois tiveram os pais e padrinhos políticos encarcerados (Helder Barbalho e Leonardo Picciani). No governo Dilma, Joaquim Levy pensou que havia sido escolhido para o Ministério da Fazenda, mas caiu num comissariado, do qual fugiu.

Dorrit Harazim: Oremos

- O Globo

Como Trump, Bolsonaro mescla o conceito de cristandade com liberdade individual, autodeterminação espiritual

Por ocasião da cerimônia de posse de Donald Trump, coube à pastora televangélica Paula White ser uma das lideranças espirituais elencadas a orar pelo 45º presidente dos Estados Unidos. Expoente do braço do cristianismo que promete recompensa divina àqueles que dão para receber, a religiosa prega a linha mais fundamentalista do Evangelho da prosperidade. Tudo certo, uma vez que toda cédula de dinheiro americano contém a frase “In God We Trust” (Em Deus confiamos). É a religião do pais.

Na ocasião, ouviu-se também o sermão de Franklin Graham, filho de Billy, o mais influente pregador evangélico do século XX e interlocutor espiritual de 12 presidentes americanos que antecederam Trump. Franklin comparou Trump a Ciro, o Grande, o conquistador persa que derrotou os babilônios e libertou o povo judeu, e sugeriu que o novo ocupante da Casa Branca libertaria o país dos pecados inerentes a Washington/Babilônia. (O fato de a antiga Pérsia ser hoje o inimigo mais obsessivo do presidente é uma dessas vírgulas do acaso).

Trump continua a contar com a fidelidade dos 81% de evangélicos brancos que o elegeram, apesar de ele mesmo ser de denominação presbiteriana, e não pentecostal ou neopentecostal. Seu triunfo mais astuto foi ter incorporado politicamente o termo “cristão” como sinônimo de civilização branca protestante. Em recente artigo no jornal “The Guardian”, Matthew Bowman, estudioso do assunto e autor de “Christian: The Politics of a Word in America”, demonstra como a direita religiosa se apropriou do termo ao longo dos últimos 150 anos, e passou a arbitrar o que é e o que não deve ser qualificado de cristão. A palavra usada como ferramenta política, histórica e política, sempre acoplada ao conceito de “civilização ocidental”, tem dado frutos.

Márcio França: Bom senso entre os extremos

- Folha de S. Paulo

Boa política tem de achar caminhos de convivência

Agradecendo pelos mais de dez milhões de votos que recebi nesta eleição, aproveito para reafirmar que o país precisa, mais do que nunca, buscar o equilíbrio para seguir seu rumo. O presidente e os demais eleitos necessitam de um bom ambiente político para enfrentar os imensos desafios que aí estão.

Como num estádio lotado, os desafinados e os muito afinados, todos, cantam os hinos, mas são conduzidos pelos médios. E o som que se ouve da multidão é harmônico e afinado.

Não será com extremos, de qualquer lado ou ideologia, que o Brasil encontrará caminhos, por exemplo, para atrair investimentos que gerem os 12 milhões de empregos de que a população necessita. As antenas da sociedade democrática estarão atentas às expectativas que gerarmos.

Sabemos que os investimentos internacionais só se direcionam para os países que apresentam condições democráticas de estabilidade e convivência, de diálogo e de cumprimento estrito dos contratos.

O capital procura segurança, regras claras, para abrir empresas e gerar empregos.

Lideranças importantes de São Paulo e do Brasil já se posicionam no sentido de evitar os extremos desnecessários e que remetem à famosa menção de Augusto dos Anjos (1884-1914): "A mão que afaga é a mesma que apedreja". São democratas que defendem o permanente diálogo para a solução de eventuais crises e saídas onde parece não haver acordos. É nesta hora que entra em cena a boa política, capaz de encontrar caminhos de paz e convivência, onde muitos só veem o conflito e a intransigência.

O mundo precisa dos diferentes tipos de personalidade. Mas quem dará o tom afinado, ao final, são aqueles que são transversais aos extremos e formam ângulos retos e sólidos, sempre.

A população quer resultados. Está em busca de serviços públicos de qualidade. O que já existe tem que funcionar muito bem.

Hélio Schwartsman: A tentação populista

- Folha de S. Paulo

Fenômeno se torna mais comum na esteira de grandes crises

O que vem depois de Trump? Se a promessa do presidente norte-americano de trazer de volta os bons empregos na indústria por meio de barreiras comerciais fracassar, como é provável que acontecerá, para onde o eleitor vai se voltar? Para o centro ou para uma alternativa ainda mais radical?

Essa é uma das questões propostas pelo historiador econômico Barry Eichengreen (Universidade da Califórnia, Berkeley) em “The Populist Temptation”, mais um dos bons livros que tentam explicar o que diabos está acontecendo no mundo.

O autor conceitua populismo como uma força que demoniza “as elites” e glorifica “o povo” e se caracteriza, nos EUA e na Europa (ele fala pouco das outras partes do mundo), por tendências autoritárias, nativistas e anti-intelectuais. Mostra, com abundância de exemplos, que o populismo se torna mais comum na esteira de grandes crises, quando é relativamente fácil convencer os eleitores de que as dificuldades que eles experimentam se devem a uma traição das elites.

No mais das vezes, as respostas que o líder populista oferece para a economia são simplistas e contraproducentes. A ideia de Trump de provocar uma guerra comercial para reaver empregos que jamais voltarão é um bom exemplo.

O interessante no livro de Eichengreen é que ele não se limita a mostrar as condições sob as quais o extremismo prospera, analisando também situações em que a elite política conseguiu dar uma resposta às ansiedades econômicas que logrou evitar a tentação populista. Merecem destaque aí o New Deal de Roosevelt nos anos 30 e as reformas sociais que Otto von Bismarck introduziu na Alemanha em fins do século 19.

E o que virá depois de Trump? A julgar pelo resultado das eleições de meio de mandato, o americano deve voltar-se para a oposição normal, que são os democratas. Mas, se há algo que pleitos recentes nos ensinaram, é que surpresas passaram a fazer parte do novo normal.

Ranier Bragon: Revolução dos bichos

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro emplaca seu 1º estelionato eleitoral, mas alguém está surpreso?

“É governar pra todos e ponto final. Não é para esse ou aquele setor, é pra todo mundo.” A promessa feita e refeita por Jair Bolsonaro representa, até agora, o mais vistoso estelionato eleitoral de uma gestão que ainda nem recebeu a faixa.

Justiça seja feita. O então candidato sempre deu insofismáveis sinais de que faria um governo que pode ser qualquer coisa, menos “pra todos”.

Ele está, por enquanto, seguindo à risca o que esgoelou em entrevistas e nas redes sociais, apesar de vez ou outra ter “dado uma fraquejada” ao prometer unir o país ou formar um ministério exclusivamente técnico e de reconhecida qualificação.

Assim como no comunismo pintado por George Orwell, no bolsonarismo todos são iguais, mas tem gente que é muito mais igual. Ruralistas, pastores evangélicos e empresários, por exemplo. Na economia desponta o ultraliberalismo. O Ministério da Agricultura virou de vez puxadinho da bancada ruralista. No Itamaraty, a resistência ao comunismo que ameaça dominar o planeta, vide a Ursal, determinou a escolha.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro no apocalipse estatal

Presidente delegou a gente que mal conhece a liberdade de fazer uma revolução

A esquerda dizia que o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) era "neoliberal". A esquerda, petistas inclusive, dizia até que o primeiro governo de Lula da Silva (2003-2006) se rendera ao "neoliberalismo". Que nome vai dar ao projeto de governo da economia de Jair Bolsonaro?

Sim, projeto, pois sabe-se lá o que vai Paulo Guedes "entregar", como diz o anglicismo horrível dos mercadistas.

Guedes levou para o governo seus companheiros de escola, mercado, conselhos empresariais e dos institutos Liberal e Millenium, as bestas do apocalipse, aliadas do Satanás da conspiração liberal globalizada, segundo a demonologia de esquerda.

Desde que há um Estado com derramamentos importantes pela economia (isto é, depois de Getúlio Vargas), não houve no governo do Brasil equipe liberal como esta de Guedes. Relaxando as dificuldades de comparação, mesmo quando o Estado era uma merreca, sob o governo dos fazendeiros de Império e República Velha, jamais houve essa unanimidade liberal radical.

Sim, ainda é projeto, é ambição, restritos desde o início porque a Casa Militar e o velho espírito de Bolsonaro acham que o "Petróleo é Nosso" e que bancos públicos têm funções sociais e estratégicas. Sabe-se lá o que Jair Bolsonaro vai pensar desse projeto, se e quanto dele for implementado, se e quando compreendê-lo, se ou quando houver revolta antiliberal (de servidores a industriais, passando por políticos e o povo das aposentadorias).

Míriam Leitão: Momento de abrir o comércio externo

- O Globo

Nova equipe econômica irá enfrentar fortes obstáculos na abertura comercial, mas o país precisa avançar nessa área

A ideia de abertura comercial no país enfrenta os mesmos desafios que a reforma tributária. Todos são a favor, até que se comece a discutir os detalhes. São vários os indicadores que sugerem que a economia brasileira é fechada, mas não existe consenso sobre a melhor forma de aumentar a nossa integração com o mundo. Quem já esteve no governo e sentou na cadeira responsável pelo assunto avisa: o tema não é apenas econômico. Envolve o direito internacional e exige muita negociação política.

A proposta do futuro ministro da área econômica Paulo Guedes é fazer uma nova abertura da economia. Isso é desejável por várias razões. Mas os especialistas alertam para alguns pontos. O governo eleito Jair Bolsonaro já ameaçou retirar o Brasil do Mercosul para ampliar os acordos bilaterais do país. O risco dessa estratégia, diz o especialista Welber Barral, que foi secretário de Comércio Exterior entre 2007 e 2011, é fazer a indústria nacional perder o seu principal cliente, que é a Argentina, maior compradora de produtos manufaturados brasileiros.

— O Mercosul é extremamente vantajoso para o Brasil, principalmente para o produto industrializado. Se a gente sair do bloco, vai ficar vendendo soja para a China. Não acho que vai acontecer. Existem formas de pressionar e flexibilizar as tarifas comuns do bloco. Os mecanismos já existem, não precisa sair — afirmou.

Barral diz que comércio externo envolve 30% economia, 30% direito internacional e 40% negociação política. Por isso, acha que a futura equipe econômica ainda vai enfrentar os desafios práticos de abrir a economia, depois que de fato assumir o governo:

José Roberto Mendonça de Barros: O tempo urge

- O Estado de S.Paulo

No Brasil, o caminho para uma economia mais eficiente e competitiva continua árduo

Há uma enorme convergência na ideia de que a condição necessária para o eventual sucesso do novo governo é o ataque à questão fiscal, agudizada pela derrocada das finanças da maior parte dos Estados e por desatinos de um Congresso em fim de mandato. E tudo tem de começar pelo projeto de reforma da Previdência.

Este tem de ser forte o suficiente para mudar a trajetória do crescimento vertical do déficit previdenciário, mas factível de ser aprovado no Congresso, já em 2019. Um projeto aguado vai entornar o caldo; um inexequível politicamente, idem.

Ao lado disso, muitas outras ações serão necessárias para colocar adiante a possibilidade de voltarmos a crescer com sustentabilidade. Chamo a atenção para os seguintes pontos: relações internacionais, a tabela de fretes e a política de subsídios ao diesel.

No plano das relações internacionais, já haviam causado espanto durante a campanha eleitoral as declarações do então candidato Bolsonaro criticando a China, inclusive no que tange a seus investimentos no Brasil. Na mesma direção foi a afirmação de que o País mudaria nossa embaixada para Jerusalém, o que certamente causaria problemas com os países árabes. Finalmente, o novo chanceler brasileiro, em textos razoavelmente confusos, declarou que a globalização (ou “globalismo”) seria fruto de uma conspiração maoista contra o mundo cristão!

Fica então a pergunta: qual será nossa política externa? Vamos nos amarrar à incrível instabilidade do presidente Donald Trump?

Ascânio Seleme: Igreja x Estado

- O Globo

O que se viu esta semana em Brasília foi um gesto de submissão de um presidente eleito

Um dos melhores nomes que circularam na mesa de ministeriáveis do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o de Mozart Neves Ramos, para a Educação, foi bombardeado e expelido pela bancada evangélica. Com todo respeito aos evangélicos e aos fiéis de qualquer outra denominação, a questão não é religiosa, e não pode ser. O Estado brasileiro é laico por determinação constitucional. Significa que seus governantes não se subordinam a nenhuma instância religiosa. Não foi o que aconteceu na indicação do futuro ministro da Educação.

Mozart Ramos foi vetado, esta é a palavra correta, pela bancada evangélica, e antes de nomear seu substituto, o presidente eleito pediu o aval de Silas Malafaia, pastor pentecostal de uma igreja ligada à Assembleia de Deus. Malafaia apoiou e festejou a indicação do filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodriguez. Os evangélicos do Congresso também gostaram do novo nome, um conservador de direita que comandará o Ministério da Educação levando em conta o conceito da Escola sem Partido.

Três homens influenciam Jair Bolsonaro. Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes e Olavo de Carvalho. Todos indicaram ministros. Onyx chegou a chamar um pelo nome antes mesmo de ele ser anunciado pelo presidente eleito. Guedes nomeia quem quer e gasta no máximo uma hora explicando ao seu chefe por que este vai para o BC e aquele para o BB. Olavo nunca se encontrou com Bolsonaro e falou com ele pelo telefone apenas três vezes, segundo entrevista que deu para a repórter Natália Portinari. Mesmo assim, já nomeou dois ministros.

Estabilidade como bem público: Editorial | O Estado de S. Paulo

A luta do Brasil contra a inflação é uma das páginas mais significativas da história nacional. Por muito tempo se considerou que a alta epidêmica dos preços era inevitável, a tal ponto que o País criou mecanismos institucionais para conviver com esse fenômeno, especialmente a indexação de preços. O Plano Real, contudo, rompeu essa lógica, convidando os brasileiros a imaginar como seria sua vida se os preços fossem estáveis. Os cidadãos aderiram entusiasticamente ao plano porque entenderam, após décadas de inflação crônica, que o valor da moeda é um bem público, que deve ser preservado a todo custo.

Contudo, a manutenção dessa conquista correrá grave risco caso não se alcance também a estabilidade política. No 30.º aniversário da Constituição de 1988, em outubro, atingimos o mais longevo período democrático ininterrupto da história da República do País, mas a experiência está longe de ter sido estável – nesse intervalo, dois presidentes foram destituídos e todo governo que começa é obrigado a conviver com a sombria ameaça de crises cada vez mais graves.

Em grande medida isso se dá porque o sistema político, extremamente fragmentado, obriga o presidente da República a construir maioria parlamentar muitas vezes heterogênea e ideologicamente difusa, que tende a se consumir em lutas internas por poder. A esse monstrengo se deu o nome de “presidencialismo de coalizão”, espécie de parlamentarismo adaptado ao sistema presidencialista.

Nesse caso, o presidente fica à mercê das forças pulverizadas do Congresso, sendo obrigado a negociar não só com partidos insignificantes, mas também com deputados que só representam a si mesmos. Não é incomum que o comando do partido defina o voto de um jeito e parlamentares desse partido, por interesses pessoais, votem de outro, desmoralizando qualquer esforço de negociação política.

Ambição liberal: Editorial | Folha de S. Paulo

Paulo Guedes acumula força para levar adiante sua agenda

Em quatro semanas de montagem do novo governo, ninguém acumulou mais poder do que Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia.

Escolhido quando Jair Bolsonaro ainda estava em campanha e era visto com ceticismo em toda parte, Guedes teve sua nomeação confirmada tão logo as urnas se fecharam e ganhou carta branca do presidente eleito para formar sua equipe.

Nos últimos dias, pessoas de sua confiança foram indicadas por Bolsonaro para presidir o Banco Central, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, maior fonte de financiamento para investimentos de longo prazo no país.

Guedes prevaleceu mesmo quando os bolsonaristas resmungaram diante de uma sugestão sua, como ocorreu no caso de Joaquim Levy, que trabalhou para os governos petistas e agora vai chefiar o BNDES.

Bolsonaro ainda não resolveu quem vai administrar a área de infraestrutura, mas seu guru econômico já fincou uma bandeira ali, ao indicar outro aliado para a presidência da Petrobras.

As escolhas de Guedes foram bem recebidas na praça. Em geral, suas credenciais de competência profissional parecem convincentes, e todos exibem identidade com o ideário liberal do futuro ministro.

Chance para a universidade pública paga: Editorial | O Globo

O caráter reformista do governo Bolsonaro precisa tratar do ensino superior gratuito para todos

A cobrança em universidades públicas é assunto polêmico, rejeitado por reitores, entre outros da comunidade acadêmica, mas pode, ou deveria, voltar à discussão no governo Bolsonaro. O tema não constou do programa do candidato vencedor das eleições, mas apareceu no noticiário do final da campanha, como uma possibilidade concreta.

Reportagem de “O Estado de S.Paulo”, na penúltima semana de outubro, às vésperas do segundo turno, revelou a intenção da equipe de Jair Bolsonaro de instituir a cobrança no ensino superior público de alunos em condições de pagar. Sem alarde, pelo menos na campanha, para não chamara atenção dos conhecidos opositores da ideia.

A favor, cita-se o argumento de que se trata de um mecanismo de concentração de renda — mais um — o fato de os vestibulandos mais bem preparados, vindos de escolas particulares, conquistarem a maior parte das vagas nas universidades públicas, gratuitas, enquanto formandos do ensino público básico, em geral deficiente, precisam pagar a algum estabelecimento privado par acursar uma faculdade em que geralmente a qualidade do ensino não é boa. A injustiça social é inegável.

João Cabral de Melo Neto: A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.