terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Eliane Cantanhêde: Maduro, larga o osso!

- O Estado de S.Paulo

Desde já, avaliação é de que os EUA são o grande vitorioso da queda iminente de Maduro

Os gravíssimos problemas da Venezuela foram afunilando para uma única cara, uma única voz: as do presidente ilegítimo Nicolás Maduro, incapaz de admitir a obviedade de que suas condições de governabilidade se esgotaram e agarrado a uma lasca de poder como cão faminto, quando faminta de fato está a população.

Como disse ontem o vice Hamilton Mourão, que participou da reunião do Grupo de Lima, na Colômbia, não existe a possibilidade de intervenção militar e a estratégia é manter uma ação conjunta e a pressão financeira e econômica, até asfixiar o regime. O resto, quem tem de fazer são os próprios venezuelanos.

Depende da opinião pública, das lideranças políticas, do comando do Judiciário e das Forças Armadas do país garantir a deposição do ditador, que impediu a entrada de remédios e alimentos que aliviariam a dor de seu povo e perde os apoios que lhe restam. Maduro é um cadáver político e deve acordar de sua insanidade, antes que um tresloucado transforme a metáfora em realidade.

Uma tragédia dessas não está fora do horizonte. Os inimigos e adversários de Maduro não suportam mais sua audácia e podem estar a um passo de “mandar às favas os escrúpulos de consciência”, o que não seria inédito na história do continente. Do outro lado, os ainda aliados dele sabem que não há luz no fim do túnel e podem passar a preferir um Maduro “mártir” a um Maduro podre e fora de si.

Seja como for, por renúncia ou ação institucional, a queda parece iminente e já começa uma outra etapa: a da avaliação de perdas e ganhos. Quem mais lucra são os Estados Unidos, que voltam com tudo para a América do Sul, agora “saneada” dos regimes de esquerda e embalando a direita, como no Brasil.

O vice americano, Mike Pence, postou-se ao lado do autoproclamado presidente Juan Guaidó e tornou-se a estrela do Grupo de Lima em Bogotá. Ameaçou os militares venezuelanos – “Vocês serão responsabilizados” – e incitou as outras nações a seguirem o exemplo dos EUA, congelando ativos dos líderes chavistas e da petroleira PDVSA em seus países.

Enquanto Pence brilhava na Colômbia, a subsecretária de Estado para o Hemisfério Sul, Kimberly Breier, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e... o deputado Eduardo Bolsonaro. Em pauta, a Venezuela.

Por que o deputado? Porque ele não é só filho do presidente da República, como também “o cara” da política externa da “nova era”, que sabatina os candidatos a chanceler, bate o martelo no de sua preferência, foi o primeiro enviado do novo governo à Casa Branca.

Rubens Barbosa: Mudança da Embaixada para Jerusalém

- O Estado de S. Paulo

Consulado-geral na cidade poderia evitar mudança dramática na nossa política externa

Durante a campanha eleitoral, o candidato Jair Bolsonaro disse que, se eleito, iria transferir a Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém: “Israel é um Estado soberano, que decide qual é sua capital, e nós vamos segui-lo”. A promessa respondia à reivindicação da comunidade evangélica, que apoiava fortemente o candidato.

Depois de eleito, o presidente decidiu dar prioridade às relações com Israel e se comprometeu a concretizar a transferência a ninguém menos que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que em entrevista disse que a “questão não é se, mas quando”. Posteriormente, Bolsonaro recuou ao afirmar que “essa não é uma questão de honra” e “por ora” não haveria transferência, o que deve ter estimulado o vice-presidente Hamilton Mourão a receber duas delegações árabes e observar publicamente que “não haverá mudança da embaixada para Jerusalém”. O chanceler Ernesto Araújo qualificou declarações anteriores e notou que a decisão seria “parte de um processo de elevação do patamar da relação com Israel, isso, sim, uma determinação, independente da mudança ou não da embaixada”. A comunidade evangélica reagiu e deixou saber que vai cobrar a decisão presidencial para concretizar a transferência.

Como era previsível, a ideia causou reação em diversas frentes. Na área diplomática, porque representaria uma guinada radical na política externa brasileira, que desde 1947 se mantém coerente com o apoio da política de uma solução negociada para o conflito Israel-Palestina, com a implementação da política de dois Estados, com a criação também do Estado Palestino. Caso venha a concretizar-se, o Brasil ficará em Jerusalém ao lado apenas da Guatemala, que se alinhou automaticamente aos EUA. Por outro lado, a Liga Árabe e a União das Câmaras Árabes de comércio manifestaram preocupação com essa eventual decisão e uma comitiva ministerial brasileira teve visita ao Egito cancelada.

Merval Pereira: Política de defesa

- O Globo

Há muitos militares e civis com autoridade sobre o problema, sem possibilidade de efetiva coordenação entre eles

Embora remota e improvável, a possibilidade de um confronto militar na nossa vizinhança, trazida à tona pela crise da Venezuela, levanta questões importantes sobre o nosso sistema de defesa. Eduardo Brick, professor da Universidade Federal Fluminense, no momento atuando na Escola Superior de Guerra como docente do programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa (PPGSID) e na criação do Centro de Capacitação em Aquisição de Defesa (CCAD), considera que a situação imediata não apresenta ameaça, mas, a longo prazo, precisamos mudar a visão do Estado sobre a política de defesa.

Brick considera que o potencial econômico, tecnológico, industrial e militar do Brasil no seu conjunto é muito maior do que o da Venezuela. “O que está realmente em questão é o preparo da nossa defesa em médio e longo prazos, tendo em vista a evolução das tecnologias e da guerra”.

O professor considera que nossa estrutura atual é muito ineficiente, pois existem muitos militares e civis com autoridade sobre este problema, sem possibilidade de efetiva coordenação entre eles, e multiplicação de estruturas para tratar dos mesmos assuntos.

Falta também capacitação profissional para tratar deste assunto, pois “a qualificação dos militares é precipuamente voltada para o combate, e não para a logística de defesa”. Como a capacidade militar demanda décadas de planejamento bem feito e detalhado, a situação já estava crítica muito antes da crise econômica.

Capacidade militar, lembra ele, é a soma de capacidades operacional de combate, de inovação (CT&I), industrial e de gestão estratégica. “O cenário geopolítico para o Brasil, pelo menos depois do desmantelamento da União Soviética e do acordo Brasil-Argentina para dirimir os atritos entre os dois países, tem sido indubitavelmente benéfico”. Portanto, ressalta Brick, são cerca de 30 anos (o período dos governos civis), que deveríamos ter aproveitado para fortalecer o que ele chama de Base Logística de Defesa (BLD), e não o fizemos.

José Casado: Choques no Planalto

- O Globo

Militares adotam moderação, ao contrário de civis

O colapso da ditadura venezuelana expôs uma situação paradoxal em Brasília. Militares da ativa e aposentados empregados no Planalto têm expressado mais convicção na saída política do que civis representantes do Brasil na mesa diplomática.

A cacofonia deriva do embate entre a curadoria militar do governo Jair Bolsonaro e o agrupamento civil em torno do chanceler Ernesto Araújo, que é amparado por um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo.

Os choques ocorrem na definição de limites ao alinhamento do Brasil com os EUA. Existe interesse nas ofertas americanas para tecnologias bélicas inéditas no país. Mas há, também, ambiguidades que as Forças Armadas acham útil preservar. Por exemplo, em negociações na área nuclear, onde se explora um acordo.

Não incomoda a cruzada contra o “domínio cultural esquerdista-marxista”, como define o deputado Bolsonaro. Até porque nada se cria do nada. O centro da divergência está na condução da política externa a reboque do ideário fundamentalista.

O debate sobre a hipótese de invasão da Venezuela tem sido exemplar, com veto unânime dos militares. Em contraste, a chancelaria tem elevado o tom nos ultimatos ao condomínio de cleptocratas da “revolução” chavista —a “robolución”, como é conhecida em Caracas.

Míriam Leitão: A estreita via da saída pacífica

-O Globo

Ação militar é o pior caminho para a crise da Venezuela e o grande desafio é ser efetivo pelos canais diplomáticos

A ofensiva do fim de semana dos países que apoiam o líder Juan Guaidó de entregar alimentos e remédios fracassou nas duas fronteiras. Isso deixa à região unicamente a via diplomática como saída para a crise na Venezuela. Apesar de Guaidó ter dito que todas as opções têm que estar em cima da mesa — mesma frase do vice-presidente americano, Mike Pence — o pior que pode acontecer é a alternativa de uma escalada militar na região. Isso, felizmente, é o pensamento também da cúpula militar brasileira.

O problema é quem pode ser o mediador de alguma saída que levasse, por exemplo, a novas eleições com o controle internacional. A União Europeia e o Uruguai conservaram sua capacidade de diálogo, mas o Brasil já a perdeu há muito tempo. Apesar de ser o maior país da América do Sul, o Brasil, na época do governo petista, assumiu completamente o lado chavista e perdeu a confiança da oposição; agora, assumiu integralmente o lado de Guaidó e portanto não tem canais com os governistas. As notas do Itamaraty do atual governo esqueceram qualquer estilo diplomático. Mais parecem panfletos. Felizmente, o serviço consular lá nas cidades próximas da fronteira tem funcionado.

O governo Maduro é condenável por inúmeros motivos e comete, há muito tempo, os maiores desatinos. Minou a democracia e demoliu a economia. Mas demonstrou ter o controle do território neste fim de semana. O governo perdeu o apoio popular que já teve no passado e se mantém no controle porque ao longo dos últimos 20 anos o chavismo foi construindo camadas sucessivas do aparelho de segurança. Além das Forças Armadas, da Polícia e da Guarda Nacional, o chavismo criou um exército paralelo através das milícias bolivarianas e dos coletivos. Muitos desses grupos paramilitares estão envolvidos em tráfico de drogas e outros crimes. Os brasileiros que estavam no Monte Roraima viram na cidade de Santa Elena de Uiarén pessoas encapuzadas e com facão em seu caminho até o território brasileiro. Eram provavelmente integrantes de uma dessas duas forças. O papel do vice-cônsul Ewerton Oliveira foi fundamental para garantir a vinda dos brasileiros.

Bernardo Mello Franco: Circular do MEC é típica de ditaduras

- O Globo

O ministro Vélez prometeu combater a ‘doutrinação’, mas quer despejar propaganda oficial nas salas de aula. A receita já foi usada no regime militar e no Estado Novo

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, orientou os diretores de escolas a filmarem os alunos perfilados diante da bandeira e ao som do hino nacional. O comunicado é típico de ditaduras, e não só pelo ufanismo de almanaque.

Vélez enviou uma carta a ser lida para alunos, professores e funcionários no primeiro dia do ano letivo. O texto começa com uma exclamação patriótica (“Brasileiros!”) e termina com o slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”). Entre uma coisa e outra, exalta a chegada do “Brasil dos novos tempos”, numa aparente alusão à posse do chefe.

A circular insta os diretores a filmarem as crianças e enviarem os vídeos para o gabinete do ministro. Só faltou dizer que as escolas que descumprirem a ordem ficarão de recuperação — ou receberão menos verbas federais no ano que vem.

Prócer da ala olavista do governo, Vélez já havia deixado claro que confunde as tarefas de Estado com a militância ideológica. Em vez de mirar as deficiências do ensino básico, tem desperdiçado tempo com discursos contra a suposta influência do “globalismo” e do “marxismo cultural” sobre os professores.

O ministro é um crítico da “doutrinação”, mas sua circular representa exatamente o que ele diz combater: a tentativa de despejar conteúdo chapa-branca pela goela dos alunos. Não chega a ser uma ideia original.

Hélio Schwartsman: Dia D fracassa na Venezuela

- Folha de S. Paulo

Plano não era ruim, mas deixa agora maioria dos atores numa situação difícil

Fracassou a tentativa do Ocidente de atiçar uma mudança de regime na Venezuela. O plano até que não era ruim. Só o que segura Nicolás Maduro no poder é o apoio dos militares. Se a oposição, liderada por Juan Guaidó, tivesse conseguido fazer com que soldados deixassem de reprimir venezuelanos em busca de alimentos e remédios nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, poderia ter desencadeado um movimento de deserção em massa que acabaria por derrubar o governo. Mas isso, até o momento em que escrevo, não aconteceu.

A não materialização desse cenário deixa a maioria dos atores numa situação difícil. Maduro sobreviveu à investida, mas está ainda mais isolado do que há um mês, quando Guaidó se declarou presidente. Os militares que apoiam o regime perderam a chance de bandear-se com a promessa de anistia e num contexto preparado para reduzir a probabilidade de uma transição violenta. Não se sabe se terão outra oportunidade dessas.

Ranier Bragon: Campeonato de boçalidade

- Folha de S. Paulo

Carta de ministro da Educação a escolas deveria motivar sua demissão

Não que alguém esperasse coisa que preste, como ideias inovadoras, relevantes e exequíveis para tentar minorar o lastimável desempenho das nossas escolas públicas.

Mas, mesmo no atual campeonato de boçalidades disputado por ministros de Jair Bolsonaro, a carta enviada às escolas do país por Ricardo Vélez Rodríguez (Educação) passa de qualquer limite aceitável.

É sério que alguém que tem a monumental responsabilidade de comandar e estabelecer diretrizes para que tenhamos um ensino de qualidade, que deveria ser um farol a iluminar os caminhos de milhões de crianças e adolescentes, teve a brilhante ideia de produzir isso? E, não satisfeito, de enviá-la às escolas?

Vélez Rodrigues chegou aonde chegou por obra e graça de Olavo de Carvalho, donde se conclui que estávamos todos enganados quando supomos que besteirol de internet não seria ameaçador o suficiente para afetar a vida real das pessoas.

O ministro pretende que seja lido isto nas escolas: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

Joel Pinheiro da Fonseca: Administrando o caos

- Folha de S. Paulo

Sanções econômicas e alternativa para os militares devem acelerar queda de Maduro

Maduro tem que cair e o Brasil é parte interessada nisso. Seu regime comete violações sistemáticas de direitos humanos e da democracia. Seu desgoverno provocou o colapso social do país, com inflação fora de controle, fome e miséria galopantes. A consequência são massas de refugiados buscando os países vizinhos e instabilidade para toda a região. Sua aliança com Rússia e China e intensa militarização traz riscos ainda mais graves.

A queda do regime é condição necessária para a volta à normalidade democrática e a reconstrução das boas relações com países vizinhos. A questão é como podemos ajudar nisso, já que Maduro não vai largar o osso. Vozes da extrema direita do governo, como Eduardo Bolsonaro, já flertam com a ideia da guerra.

Uma intervenção militar externa é tudo que Maduro quer. Uma vez que forças americanas pisem no país, o dilema é inescapável: ou se está do lado de Maduro ou do imperialismo norte-americano. A própria ideia de uma oposição nacional capaz de gerar apoio por força própria deixa de existir.

Para o Brasil, uma guerra agora seria desastrosa do ponto de vista humano e econômico. E nem se fale do problemão que será administrar a Venezuela uma vez derrubado Maduro: as milícias bolivarianas, o narcotráfico. Teríamos um novo Iraque ao nosso lado? Sem falar que estaríamos capitulando servilmente aos interesses da atual política externa norte-americana, já que a intervenção seria capitaneada por Trump, o ídolo paradoxal de nossos supostos nacionalistas.

Felizmente, o presidente parece dar ouvidos aos militares que o circundam, que defendem a via diplomática. O general Mourão a encapsulou bem nesta segunda (25) no Twitter: "Vamos manter a linha de não intervenção, acreditando na pressão diplomática e econômica internacional para buscar uma solução pacífica. Sem aventuras. Condenamos o regime de Nicolás Maduro e estamos indignados com a violência contra a população venezuelana."

Luiz Carlos Azedo: A cabeça de Maduro

- Correio Braziliense

“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria”

A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro, é uma espécie de troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro. Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no mucho. Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na estratégia de confronto com Maduro.

Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma agressão. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.

Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia), Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução “sem qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a restabelecer a democracia na Venezuela. Além de Brasil e Peru, Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá e Paraguai integram o grupo: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.

Em termos geopolíticos, para ser bem claro, a crise venezuelana estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em jogo, como no Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os casos da Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos. A guerra comercial com a China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.

Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e tropas militares.

Fernando Exman: Início de intrigas

- Valor Econômico

Atuação em relação à Venezuela coloca vice em destaque

O previsível recrudescimento da crise na Venezuela e a divulgação da proposta da reforma previdenciária tiveram o condão de desviar, no decorrer dos últimos dias, as atenções de um conflito entre colaboradores mais próximos que há tempos demandava uma ação mais assertiva do presidente Jair Bolsonaro.

A exoneração do ex-ministro da Secretaria-Geral Gustavo Bebianno não deve afastar do Palácio do Planalto, em definitivo, o escândalo das candidaturas-laranja do PSL. Tampouco reduzirá a desconfiança existente entre os diversos grupos que orbitam o gabinete presidencial. No entanto, o episódio pode servir de pretexto para que Bolsonaro delimite, enfim, as áreas de atuação de familiares, auxiliares e aliados políticos.

Até a crise protagonizada por Bebianno escancarar uma dinâmica comentada nos bastidores, tratar do assunto às claras era considerado um tabu nas mesas e rodas de conversa frequentadas pelos governistas mais radicais. Sempre disposta a relacionar qualquer comentário sobre divisões no Executivo a tentativas de desestabilização, essa ala do bolsonarismo ainda segue a mesma linha nas redes sociais.

Disputas por poder e influência sobre o processo decisório do chefe de governo são naturais, ocorrem em qualquer país e sistema político. No caso da atual administração, elas já eram observáveis antes da campanha eleitoral.

Militares e qualificados colaboradores da academia elaboravam um detalhado programa de governo, enquanto Bolsonaro percorria o país e uma massiva campanha na internet era disseminada. Sua tropa política, Bebianno à frente, tomava o controle do PSL e das finanças nacionais do partido.

O movimento deixou sequelas, que ressurgiram após as denúncias de supostos malfeitos. Antes de cair, Bebianno divulgou nota na qual lembra que as verbas do partido eram repassadas pela tesouraria nacional sempre a pedido dos diretórios estaduais, os quais seriam os responsáveis pela aplicação do dinheiro. Nas entrelinhas, um detalhe: nas cúpulas estaduais estão líderes e parlamentares recordistas de voto, além de integrantes da própria primeira-família.

Ricardo Noblat: Escola do Meu Partido

- Blog do Noblat / Veja

Coisas de um governo inimigo de ideologias

De duas, uma: ou a carta enviada a todos os diretores de escolas públicas e particulares do país pelo Ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez contraria o Escola Sem Partido, ou ela é o melhor exemplo do que seja de fato o projeto que o presidente Jair Bolsonaro tanto defendeu durante a campanha no ano passado.

Nada demais que o ministro recomende o canto do Hino Nacional na retomada das aulas. Tudo contra a que ele peça filmes das crianças cantando o hino e a leitura de uma carta sua onde repete o slogan de campanha do candidato que se elegeu presidente e que lhe deu emprego. Não porque configure um excesso, mas porque é ilegal.

Na carta a ser lida para os alunos, Vélez Rodríguez “saúda o Brasil dos novos tempos” e defende o “Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos”, não só mote da campanha de Bolsonaro, mas o fecho até hoje da maioria dos seus discursos, e que ele explora à exaustão em mensagens nas redes sociais.

Isso está mais para “doutrinação” política do que para qualquer outra coisa. Está para este governo como esteve para os dois governos de Lula o canteiro de sálvias em forma de estrela plantado no Palácio da Alvorada. A lei proíbe o uso de nome, símbolo ou imagem que caracterize a promoção pessoal de agentes públicos.

Sem prévia autorização dos pais, filmar crianças perfiladas diante da bandeira nacional como pede o ministro atenta não só contra a privacidade delas como fere o Estatuto da Criança. O que o ministro pretende fazer com os filmes? Propaganda do governo? Não poderá, salvo se mandar para o lixo o direito de imagem.

Há duas semanas, em entrevista a VEJA, Vélez Rodríguez comparou a canibais brasileiros em viagem ao exterior. Acusou-os de pilharem tudo o que encontram. Ofendeu adultos que têm como se defender se quiserem. Crianças não têm.

O fim da conspiração para matar Bolsonaro

Era fake
O presidente Jair Bolsonaro não gostou nem um pouco do prato que lhe serviu ontem no Palácio do Planalto o ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública.

Moro disse que a exemplo do primeiro, o segundo inquérito aberto pela Polícia Federal sobre a facada levada por Bolsonaro em Juiz de Fora deverá concluir que o criminoso Adélio Bispo agiu sozinho.

Não apenas sozinho, mas que ninguém encomendou o que ele fez. Isso contraria a teoria da conspiração que na campanha eleitoral do ano passado rendeu muitos votos a Bolsonaro.

E que ele e seus devotos insistem em manter de pé contra todas as provas reunidas até aqui pela Polícia Federal. Falta pouco para o desfecho oficial do segundo inquérito.

Marli Olmos: Quem paga o preço das escolhas da Ford

- Valor Econômico

Sem investimento, Camaçari pode seguir destino do ABC

Uma semana depois de a Ford ter anunciado o encerramento das atividades em São Bernardo do Campo (SP), os funcionários retornam à fábrica condenada hoje. Em princípio, está prevista uma assembleia, com orientações dos sindicalistas, seguida de uma passeata pela via Anchieta.

Movimentos e símbolos do passado voltam à cena numa indústria que já não é a mesma. Historicamente, demonstrações do poder de mobilização sempre foram uma tática usada pelos metalúrgicos do ABC. E a via Anchieta, famoso corredor de escoamento da exportação de veículos pelo Porto de Santos - ou da importação de peças no sentido contrário - já foi palco de muitas passeatas da categoria.

O movimento de hoje servirá, ao menos, para mostrar como mudanças de rota nas estratégias da indústria automobilística são capazes de arruinar polos industriais em qualquer parte do mundo. Concretamente, no entanto, o ruído da mobilização sindical dificilmente conseguirá reverter a decisão de fechar as portas da fábrica cinquentenária.

Toda a indústria automobilística passa por mudanças. Mas o comportamento da Ford, nos últimos anos, deixou claro seu desinteresse pela América do Sul. Recentes decisões, como enxugar as operações na Europa, também revelam que, para essa empresa americana, não vale mais a pena investir em regiões onde produz veículos com margem de lucro menor.

No Brasil, a montadora ainda tem uma fábrica de motores em Taubaté (SP) e outra de veículos em Camaçari (BA). A unidade baiana ganhou sobrevida graças a um programa de incentivos tributários para montadoras na região Nordeste, prorrogado nos últimos dias do governo de Michel Temer.

Ana Carla Abrão*: Agnaldo, perigo à vista

- O Estado de S.Paulo

A reforma da Previdência é particularmente urgente e necessária para os Estados

Há que se reconhecer e repetir à exaustão: a reforma da Previdência do novo governo é muito boa. Enfrenta os problemas centrais do atual modelo que, vale também insistir, são a injustiça social e a questão fiscal, propondo-se a corrigir uma das nossas mais absurdas engrenagens de concentração de renda. Juntando-se a ela o projeto de reforma da Previdência dos militares e tem-se, finalmente, uma solução eficaz e justa para o que é hoje o nosso mais urgente problema.

Mal terminado o anúncio, surgiram críticas e reações contrárias daqueles que vêm na proposta uma ameaça aos seus privilégios. Além desses esperados movimentos de resistência corporativista, há outras manifestações que merecem atenção. São todas iniciativas legítimas, bem-vindas dentro de um processo democrático, mas que precisam ser entendidas em profundidade para evitar que, mais uma vez, se perca o foco e a oportunidade real de solução.

A reforma é imprescindível para o Brasil, mas é particularmente urgente e necessária para os Estados. Juntar reforma da Previdência com socorro a entes falidos, como se esses dois temas já não estivessem naturalmente grudados, é negar o óbvio. A aplicação automática da reforma da Previdência a Estados e municípios é o melhor que se pode fazer para socorrer os entes já em dificuldade – e evitar que outros entrem nesse conjunto. Além dela, a única ajuda adicional possível e plausível é o apoio ao ajuste das contas via corte das despesas com pessoal ativo. Qualquer outro tema que se coloque na mesma mesa é toma lá dá cá e significa adiar o problema atual para governantes e gerações futuras.

Pablo Ortellado: Terraplanismo contábil

- Folha de S. Paulo

Quando está no poder, esquerda reconhece problema fiscal. Na oposição, joga fumaça no debate

Parece mais uma vez que a esquerda vai adotar uma atitude irresponsável em relação à reforma da Previdência. Quando ocupa o poder, reconhece a gravidade do problema fiscal, mas, na oposição, faz questão de jogar fumaça no debate, deixando que a desinformação corra solta nos meios sobre os quais tem influência.

O público de esquerda fica assim oscilando entre a desinformação e uma revolta mal orientada e não consegue concentrar seus esforços na missão política de exigir que o esforço fiscal se concentre sobre os mais ricos e poupe os mais pobres.

Um discurso muito disseminado na esquerda enfatiza, por exemplo, que não há deficit na Previdência se forem consideradas todas as receitas da seguridade social, como determina a Constituição. O argumento não reconhece, porém, que essas mesmas receitas são utilizadas por um conjunto amplo de políticas públicas, num jogo de soma zero, de maneira que quanto mais a Previdência as consome, menos se tem para a saúde e a assistência social.

O argumento é às vezes complementado por outro, de que é a dívida pública a principal causa da crise fiscal e que os juros altos que a alimentam são deliberadamente inflados, como um instrumento de apropriação da riqueza nacional por uma elite rentista.

Wolfgang Münchau*: O futuro pertence à esquerda, não à direita

- Valor Econômico

Há um cenário político que favorece a esquerda radical e não a direita radical. A direita não está interessada em mitigar a pobreza e seus partidos estão repletos de gente que nega as mudanças climáticas. É a esquerda quem tem mais chances de cumprir o que promete

Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro da Itália, prepara-se para formar seu próprio movimento político de centro, bem parecido ao La République en Marche, do presidente da França, Emmanuel Macron. Um novo grupo de centro no Reino Unido também tem gerado entusiasmo, embora por motivos diferentes. Os liberais pró-europeus certamente também não vão cair sem lutar.

As chances para muitos deles não parecem muito boas. A democracia liberal está em declínio por um motivo. Os regimes liberais se mostraram incapazes de resolver problemas provocados diretamente por políticas liberais como as de cortes de impostos, de consolidação fiscal e de desregulamentação: a persistente instabilidade financeira e suas consequências econômicas; o aumento na insegurança entre as pessoas de baixa renda, agravado pelas mudanças tecnológicas e pelas políticas de imigração aberta; e os fracassos de coordenação política, por exemplo, no combate à sonegação tributária internacional.

Quando a crise financeira mundial chegou, os governos da Europa não assumiram o controle de seus sistemas bancários, não combateram a concessão de bonificações salariais a executivos e não aplicaram impostos sobre transações financeiras. Não elevaram os impostos de renda de pessoa física e jurídica para contrabalançar o quadro de investimentos do setor público. Não endureceram as políticas de imigração.

Ameaças à democracia: Editorial |O Estado de S. Paulo

O mais recente relatório da instituição americana Freedom House sobre o estado da democracia no mundo coloca o Brasil entre os dez países em que houve “importantes acontecimentos em 2018 que afetaram sua trajetória democrática”, demandando, assim, “um especial escrutínio” em 2019. “O candidato de direita Jair Bolsonaro capturou a Presidência com uma retórica baseada no desdém pelos princípios democráticos”, diz o texto, para justificar a atenção especial dada ao Brasil.

No estudo, intitulado Liberdade no Mundo - 2019, que classifica os países como “livres”, “parcialmente livres” e “não livres”, o Brasil aparece no grupo dos “livres”, mas com degradação dos direitos civis e políticos. O relatório comenta que a campanha eleitoral brasileira foi tomada de “desinformação e violência política” e que a retórica de Bolsonaro se assentou em “promessas agressivas de acabar com a corrupção e a criminalidade, o que teve ressonância em um eleitorado profundamente desalentado”.

O triunfo de Bolsonaro, segundo a Freedom House, enquadra-se num movimento de caráter global. “As vitórias eleitorais de movimentos antiliberais na Europa e nos Estados Unidos em anos recentes deram impulso a grupos semelhantes ao redor do mundo, como se observou na recente eleição de Jair Bolsonaro.” Essa onda está no centro das preocupações relatadas pela Freedom House, pois “esses movimentos danificam as democracias por dentro, por meio de sua atitude de menosprezo pelos direitos políticos e civis, e enfraquecem a causa da democracia ao redor do mundo”.

Governo age certo ao se distanciar de planos de intervenção na Venezuela: Editorial | O Globo

Pressão a fim de que haja a transição para democracia é um jogo de paciência

Sitiado, o ditador venezuelano Nicolás Maduro preferiu liquidar com as possibilidades de negociar a saída do poder. Dispôs-se à imolação política ao ordenar a sangrenta repressão do fim de semana nas zonas de fronteira com o Brasil e a Colômbia.

Pretende tornar ainda mais caro o custo da sua inevitável derrota, como afirmou à agência britânica BBC e repetiu em praça pública no fim de semana: “Estamos nos preparando para tornar impagável, do ponto de vista de custos militares e humanos, uma guerra, uma invasão por parte dos Estados Unidos” .

Ele designou Freddy Bernal, ex-prefeito de Caracas, para comandar a mobilização de paramilitares —os “coletivos” —nas zonas de fronteira com o Brasil e a Colômbia, com apoio da Guarda Nacional e da Força de Ações Especiais (FAES), reconhecida como grupo de extermínio.

O resultado pode ser visto nas imagens pungentes de policiais e milicianos mascarados atirando contra civis desarmados, e incendiando caminhões que transportavam comida e remédios para uma população acossada pela crise humanitária e pela hiperinflação. Deixaram mais de duas dezenas de mortos e três centenas de feridos. As Forças Armadas se fizeram notar pela ausência na repressão. Permaneceram aquarteladas, e os comandantes militares silentes.

Para Maduro, foi bem-sucedido o bloqueio à bala da operação de auxílio à população, politizada por Brasil, EUA, Colômbia, Chile e Paraguai.

Explicar a reforma: Editorial | Folha de S. Paulo

Quanto menos a sociedade souber sobre a Previdência, mais será preciso barganhar com Congresso

Em debate promovido nesta segunda (25) pela Folha e pela Fundação Getulio Vargas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), exortou o governo Jair Bolsonaro (PSL) a usar a capacidade de comunicação demonstrada na campanha eleitoral para esclarecer a sociedade sobre a reforma da Previdência.

De fato, essa tarefa de convencimento ainda se faz necessária, mesmo presumindo-se que, após anos de debates sobre o tema, parte relevante da sociedade já tenha compreendido a importância de racionalizar as aposentadorias e adequá-las à realidade do país.

É natural que a proximidade da apreciação do tema pelo Congresso aumente a ansiedade e as apreensões —o Executivo, como se sabe, já apresentou sua proposta e espera que nos próximos meses deputados e senadores venham a discuti-la, modificá-la e aprová-la.

Há pontos no projeto passíveis de crítica e outros que dificilmente poderão ser bem apresentados aos cidadãos, como desejaria Maia, uma vez que o próprio texto não os detalha. É o caso do sistema de capitalização, cujo princípio é teoricamente compreensível, mas mostra-se um tanto opaco no que tange à aplicação prática.

Existem também aspectos criticáveis —e, portanto, mais difíceis de serem acolhidos. Um exemplo que se tornou patente são as novas regras relativas ao pagamento dos benefícios assistenciais para os idosos mais pobres.

Maduro frustra mais uma ofensiva da oposição: Editorial | Valor Econômico

Nenhuma ajuda humanitária enviada pelos Estados Unidos e pelo Brasil chegou à Venezuela. O esquema militar-policial planejado pelo presidente Nicolás Maduro mal permitiu que os caminhões ultrapassassem a faixa que separa as fronteira da Colômbia e Brasil dos primeiros postos alfandegários venezuelanos. Houve confrontos, dois caminhões com mantimentos e remédios incendiados, 4 mortos e 300 feridos. Ontem, o Grupo de Lima, formado pelo Brasil e por países da América Latina e Caribe que defendem a volta da democracia à Venezuela, prometeu intensificar as pressões diplomáticas para que Maduro ceda e convoque eleições, algo improvável diante da demonstração de força bem-sucedida exibida no fim de semana.

A oposição venezuelana, dirigida pelo presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, autoproclamado presidente e reconhecido como tal por cinco dezenas de países, parece ter chegado ao limite de sua estratégia de pressões sem recurso à força. Guaidó, que desobedeceu ordens da Justiça para deixar o país e participar das manifestações na Colômbia e da reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, esperava uma "avalanche de ajuda" capaz de dividir os militares e impor, pela força das multidões, um revés importante ao governo.

Nada disso ocorreu. A tentativa repetiu o impasse de outras grandes manifestações de massa da oposição. Ela tem força política e apoio de boa parte da população, mas isso é insuficiente para retirar Maduro, que detém o monopólio das armas, do poder. A casta chavista que domina o Estado certamente corroeu o resto de prestígio que detinha, ao recusar-se a receber a mais que óbvia e necessária oferta de comida e remédios feita por vários países e impedir pela força seu ingresso no país.

Militares devem manter paridade e integralidade

Os militares deverão ter asseguradas, na reforma da Previdência, a paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) e a integralidade (salário igual ao do último posto). A manutenção desses dois benefícios foi acertada entre comandantes das Forças Armadas e a equipe econômica.

Forças Armadas devem manter último salário da carreira e reajuste de militares na ativa

Geralda Doca, Eduardo Bresciani e Bruno Góes | - O Globo

BRASÍLIA – A reforma do sistema de Previdência das Forças Armadas vai assegurar paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) e integralidade (remuneração do último posto) aos militares. Esses dois benefícios já existem hoje, e a manutenção deles foi acertada entre os comandantes e a equipe econômica.

A proposta de emenda constitucional (PEC) que altera a regra de aposentadoria dos civis — encaminhada ao Congresso na semana passada — exige dos servidores que ingressaram no sistema até 2003 que atinjam idade mínima de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) para ter direito a integralidade e paridade.

Fontes ligadas às Forças Armadas justificam que os salários da carreira militar progridem mais devagar em relação às remunerações dos servidores civis. Para atingir o topo, são necessários 30 anos de serviço, enquanto os demais levam um prazo de dez anos.

A ideia é manter um padrão de vida mínimo na transferência do militar para a reserva, explicou uma fonte.

Além disso, os militares defendem que o projeto que altera as regras do sistema previdenciário seja acompanhado de uma reestruturação na carreira. A ideia é aumentar o interstício (período entre as promoções) e criar um posto extra para graduados e oficiais, com aumento de soldo. Também faz parte do pacote o aumento de uma gratificação para quem faz cursos de formação e especialização.

MEDIDA PROVISÓRIA
Em troca, o tempo na ativa passará dos atuais 30 anos para 35 anos (homens e mulheres) e a contribuição atual para o regime passará dos atuais 7,5% para 10,5% (de forma progressiva, um ponto a cada ano). Pensionistas e alunos em escola de formação (academia) passarão a recolher 7,5% imediatamente.

Aposentadoria de militares pode ser alterada por MP, diz líder do governo

Projeto passaria a valer imediatamente e depois seria votado pelo Congresso

Angela Boldrini / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA- O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), afirmou nesta segunda-feira (25) que está sendo estudada a possibilidade de enviar como medida provisória a mudança nas regras de aposentadoria de militares.

"É uma hipótese. Pode ser que seja feito desta maneira", disse após reunião com líderes partidários na Câmara. Ele afirmou, porém, que um projeto de lei complementar sobre o tema permitiria um debate mais amplo sobre o assunto.

O projeto de lei que altera as regras de Previdência para os militares tem sido colocado como condicionante de partidos para que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma previdenciária seja aprovada na Casa.

Por reforma, Bolsonaro faz aceno à oposição

Presidente convida PDT e PSB para reunião no Planalto; siglas dizem que não vão participar

Mariana Haubert e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Num primeiro movimento em direção aos oposicionistas após a eleição, o presidente Jair Bolsonaro convidou o PDT e o PSB para a reunião que fará nesta terça-feira, 26, com líderes partidários da Câmara, no Palácio do Planalto. A ideia é abrir diálogo com siglas que, mesmo fora da base aliada, podem dar votos para aprovar a reforma da Previdência.

A estratégia, porém, não foi bem sucedida até agora. Os líderes das duas legendas já avisaram que não irão ao encontro e criticaram a ausência de convite para os demais partidos de oposição, como o PT, o PSOL e o PCdoB.

“Temos toda a disposição de fazer esse debate (sobre Previdência) e vamos fazer, mas achamos que ele deve acontecer com o conjunto dos partidos e em cima de uma análise da proposta que a gente possa opinar”, afirmou o líder do PSB, deputado Tadeu Alencar (PE).

Sem uma interlocução efetiva no Congresso, Bolsonaro tem encontrado dificuldades para montar uma base aliada consistente, que garanta a aprovação das mudanças na aposentadoria, prioridade de seu governo. Na oposição, a crítica é de que ele ainda “não desceu do palanque” e mantém o mesmo tom de ataques adotado na campanha eleitoral. Como exemplo, parlamentares citam o discurso de posse, quando o presidente disse que iria livrar o País do socialismo, e a mensagem presidencial enviada no início do Ano Legislativo, em que criticou “ideologias” atribuídas a gestões do PT.

Ao todo, os partidos da oposição reúnem 134 votos. Ao chamar PDT (28 deputados) e PSB (32 deputados) para discutir a reforma, Bolsonaro tenta atrair ao menos parte desses congressistas para votar com o governo. Nesta segunda-feira, 25, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que um terço do que reúne as duas siglas já seria suficiente. “Se conseguirmos 20 votos na oposição, nossa chance de aprovação aumenta muito”, afirmou Maia. Para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previdência, são necessários 308 votos na Câmara.

Maia: reforma mais simples agiliza aprovação

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a reforma da Previdência deveria focar na idade mínima e em regras de transição para equiparar os regimes de servidores, INSS e militares, e abandonar mudanças polêmicas como capitalização e desvinculação do B PC do salário mínimo, para agilizara aprovação.

Previdência: Maia defende reforma mais simples

Presidente da Câmara sugere que governo deixe alguns tópicos fora do texto, como a capitalização, a fim de facilitar sua tramitação no Congresso. Ele prevê que votação ocorra no fim deste semestre

Leo Branco e Cássia Almeida / O Globo

SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu ontem que o governo deveria deixar de lado mudanças polêmicas previstas na reforma da Previdência, a fim de agilizar sua aprovação. Para Maia, os pontos essenciais da reforma são a idade mínima e a equiparação do setor público com as regras da iniciativa privada. Ele se mostrou reticente quanto à capitalização, em que o contribuinte poupa para sua própria aposentadoria. Esse regime vem sendo defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como medida fundamental para sanar o rombo nas contas públicas.

As declarações do presidente da Câmara foram vistas como um recado para a equipe econômica sobre eventuais concessões que precisarão ser feitas na reforma. Também foram uma mensagem ao Palácio do Planalto de que é preciso melhorar a articulação política. Existe uma preocupação geral entre os líderes no Congresso de que o governo ainda não se aproximou o suficiente para conseguir aprovar um texto da magnitude da reforma. Maia falou isso depois de conversas com parlamentares de diversos partidos.

Desigualdade é a maior em sete anos

Pressionado pela precariedade do mercado de trabalho, índice que mede a concentração de renda sobe há 16 trimestres consecutivos

Daniela Amorim e Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo

RIO - A situação ainda precária no mercado de trabalho fez a concentração de renda se aprofundar no País ano passado. No quarto trimestre de 2018, a desigualdade, quando observada a renda domiciliar per capita, atingiu o maior patamar em pelo menos sete anos, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.

O Índice de Gini do rendimento domiciliar per capita obtido do trabalho subiu de 0,6156 no terceiro trimestre de 2018 para 0,6259 no quarto trimestre do ano, o 16.º trimestre consecutivo de aumento. O Índice de Gini mede a desigualdade numa escala de 0 a 1 – quanto mais perto de 1, maior é a concentração de renda.

No quarto trimestre de 2018, o índice atingiu o maior patamar da série histórica iniciada no primeiro trimestre de 2012. Foi quando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) começou a ser apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo Daniel Duque, pesquisador do mercado de trabalho no Ibre/FGV, há algumas razões para a piora na desigualdade de renda. Entre elas, estão a dificuldade de trabalhadores menos qualificados aumentarem seus rendimentos e a dinâmica de reajustes do salário mínimo. “Na crise, a probabilidade de estar empregado e ter renda maior depende mais de o trabalhador ter qualificação.

Além disso, o salário mínimo não tem ganhos reais desde 2015”, enumerou Duque, autor do levantamento. “Houve também muita geração de ocupação informal, que tem menores salários. E há um desalento muito grande ainda.”

O salário mínimo não teve ganho real nos últimos anos por causa do encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e 2016. Pela regra de reajuste criada ainda nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o reajuste do mínimo de um ano é a soma da inflação (medida pelo INPC) do ano anterior somada à variação do PIB de dois anos antes. Como em 2015 e 2016 o PIB teve variação negativa, o salário mínimo teve reajustes equivalentes apenas à inflação. A regra vale até este ano.

Carlos Drummond de Andrade: Canto ao homem do Povo - Charles Chaplin

(Trecho)
I
Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,

era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,

era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.

Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.

Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.

Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração,
os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos,
os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.

E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.