terça-feira, 1 de outubro de 2019

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

A Carta de 1988 teve a pretensão de sepultar as possibilidades de retorno do autoritarismo político afirmando uma forte adesão ao liberalismo e ao sistema da representação, e robustecendo de modo inédito o poder judicial por meio de novos institutos como o mandato de injunção, e com a recriação do papel do Ministério Público que será deslocado do eixo estatal, conforme antiga tradição, para o da sociedade civil, a quem foi confiado, entre outras, a missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático, figura inexistente no direito comparado

Com a ressalva do PT, já um importante partido, influente no sindicalismo e com a auréola portada por seus dirigentes de ter conduzido greves vitoriosas no regime militar, a nova Carta encontrou recepção positiva na sociedade. Estava aberta uma via real para a internalização da democracia política entre nós. As instituições eram propícias e o cenário internacional favorável, faltava a ação humana capaz de portar uma política que soubesse se aproveitar dos bons ventos da fortuna que a tinham levado a seus êxitos contra o regime militar. Vargas Llosa, nas primeiras páginas de Conversa na Catedral, clássico da literatura latino-americana, indaga, amargando a história do seu país, o Peru, quando foi que ele se ha hodido. No nosso caso talvez resposta a uma questão desse tipo esteja no momento em que se abre a conjuntura da primeira sucessão presidencial do novo regime democrático institucionalizado com a Carta de 88. Aqui o que faltou não foi a fortuna, que nos sorria, mas o ator que, com suas ações desastradas malbaratou as oportunidades de que dispunha.


*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira’. Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 10/7/2019

Hélio Schwartsman - Coisa de louco

- Folha de S. Paulo

Fantasiar com um crime e revelar essa fantasia não são crimes

Às vezes, um charuto é apenas um charuto. A declaração do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase disparou um tiro de pistola contra o ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF é tão maluca e está tão fora da curva que não deve, a meu ver, ser tratada como sintoma de agravamento de uma suposta crise institucional.

O plano homicida de Janot envolve aspectos tão pessoais que não me parece plausível explicá-lo apenas como resultado de exacerbações políticas ou de uma polarização crescente entre o Ministério Público e o Judiciário. Não foi, afinal, uma tese jurídica que pôs o antigo chefe do parquet em rota de colisão com o magistrado, mas uma escalada de intrigas e falatórios que não poupou nem cônjuges e filhos.

Podemos no máximo especular sobre os motivos para a confissão tardia do ex-PGR. E eles vão de um esforço para promover seu livro de memórias até a preparação para disputar um cargo eletivo. O homem que quase matou Gilmar Mendes encontraria um eleitorado cativo. Não podemos nem mesmo descartar a possibilidade de que Janot tenha sido acometido por algum transtorno psiquiátrico, como a síndrome de Korsakoff, hipótese em que o fato narrado pode nem ter ocorrido.

Ranier Bragon - Bolsonaro acima de tudo

- Folha de S. Paulo

Governo demonstra não estar satisfeito com a atual e laboriosa rede de aduladores

Jair Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (30) demonstrando, mais uma vez, dissabor com a imprensa. "Gosto muito de vocês, mas quando fizerem uma matéria real sobre o que aconteceu na ONU, eu volto a dar entrevista", se limitou a dizer.

Não são meras palavras azedas ao vento. No fim de semana, o filhão que ele pretende empregar em Washington também teorizou sobre o problema do Brasil. Sim, no singular mesmo. Só há um problema no país, pelo visto --e é a imprensa, naturalmente, quem mais seria?

"O problema do Brasil é que a gente elegeu um conservador sem ter uma universidade conservadora, um partido conservador organizado e, obviamente, uma imprensa conservadora de grande porte", disse Eduardo Bolsonaro ao Correio Braziliense. Para o deputado, a péssima imagem do Brasil lá fora se deve não ao governo, mas à mania da imprensa estrangeira de dar ouvidos aos seus correspondentes ou aos grandes veículos de comunicação brasileiros.

Não pretendo falar do óbvio atentado histórico que é tratar simplesmente como "conservador" essa gosma que une preconceito, fanatismo, obscurantismo, autoritarismo, anti-intelectualismo, incultura, desinformação, delírio e tantas outras adoráveis facetas da humanidade.

Atenho-me à imprensa. Está em montagem a CNN Brasil, que alguns preveem como bolsonarista.

Pablo Ortellado* - Vítimas inocentes

- Folha de S. Paulo

Direitos humanos precisam escapar da pecha de mero obstáculo à ação da polícia

Segurança pública é o segundo tema que mais preocupa os brasileiros segundo o Datafolha. O debate sobre segurança, porém, parece estruturado de maneira assimétrica, com o discurso punitivista atingindo um conjunto amplo e diverso de brasileiros e a defesa dos direitos humanos circunscrita a círculos ideologicamente homogêneos.

Por vias tortas, o debate público, sobretudo o mais vulgar, se estruturou de maneira polarizada, com a defesa de uma ação policial dura, de um lado, e da contenção da polícia, de outro. Isso permitiu aos punitivistas apresentar os direitos humanos como um verdadeiro entrave ao exercício da justiça.

Apesar disso, alguns casos, como o triste assassinato da menina Ágatha no Rio e outros casos anteriores, como os de Amarildo, Claudia ou Douglas, têm mostrado que é possível eludir o gueto dos direitos humanos e sensibilizar parcelas amplas do público. Temos visto esse mesmo efeito na boa repercussão das reversões de condenações judiciais de inocentes conduzidas pela iniciativa "Innocence Project".

Nestes casos e apenas nestes casos foi possível escapar da impessoalidade e da frieza dos agregados estatísticos e impactar o grande público com histórias humanizadas das vítimas. Mas isso só foi possível porque eram "inocentes". Os episódios mostram que há meios pelos quais os direitos humanos podem escapar da pecha de obstáculo para a justiça e se recolocar no debate público como protetores dos inocentes --o que, aliás, é a função primordial da presunção de inocência.

Alvaro Costa e Silva - Reputação ilibada

- Folha de S; Paulo

Quem é o conselheiro do TCE envolvido no assassinato de Marielle Franco

A trajetória de Domingos Brazão --conselheiro do Tribunal de Contas do Rio denunciado pela Procuradoria-Geral da República por envolvimento no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes-- é um exemplo, entre tantos, de como se fabricam políticos no Brasil.

Dono de uma rede de postos de gasolina investigada por adulteração de combustíveis e sonegação fiscal, em 1996 Brazão se elegeu vereador. Dois anos depois, deputado estadual, função que exerceu por 17 anos. Apadrinhado por Jorge Picciani --capo do PMDB fluminense por mais de uma década, hoje condenado a 21 anos de prisão--, seu curral eleitoral espalhava-se pela zona oeste, em bairros pobres e dominados por grupos paramilitares. Como se sabe, muitas vezes a milícia não é um poder paralelo, mas o próprio Estado.

Luiz Carlos Azedo - A reação à Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O Supremo também acabou na berlinda, porque resolveu dar um freio de arrumação na Lava-Jato e garantir amplo direito de defesa aos réus, além de contingenciar as investigações”

A Operação Lava-jato foi irremediavelmente politizada, para o bem e para o mal. No primeiro caso, tornou-se um vetor decisivo da renovação dos costumes políticos do país, com forte impacto na mudança de comportamento dos partidos e gestores públicos, quando nada pelos efeitos que teve no processo eleitoral passado e, tudo indica, também terá no próximo. No segundo, pelo forte viés jacobino de seus integrantes, cujos métodos heterodoxos estão comprovados e provocaram reações do Congresso e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que colocaram em xeque a legitimidade das investigações.

Todo jacobinismo tem o seu Termidor. A expressão tem origem na Revolução Francesa. Entre os anos de 1792 e 1794/95, essa foi a fase mais popular do movimento. A Assembleia, no ano de 1792, aprovou a declaração de guerra contra a Áustria, mas a burguesia e a aristocracia da Gironda, que haviam destituído o rei, traíram a revolução. Os jacobinos, liderados por Robespierre, tomaram o poder e impuseram uma nova república. Luiz XVI e Maria Antonieta foram presos e decapitados. A Constituição de 1793 garantiu o direito de voto a todos os cidadãos, a lei do máximo, a venda de bens públicos para recompor finanças, a reforma agrária, a extinção da escravidão negra nas colônias e a criação do tribunal revolucionário.

Mas esse foi também o período do Terror. Robespierre agiu como ditador e condenou todos os que eram considerados suspeitos à guilhotina. Entre junho de 1793 e julho de 1794, cerca de 16.594 pessoas foram executadas, sendo 2.639 só em Paris. A perseguição aos girondinos tornou-se uma perseguição a todos os “inimigos” da Revolução, inclusive a alguns jacobinos, como Danton. O Terror terminou com o golpe do Termidor (27/28 de julho de 1794), que desalojou Robespierre do cargo de presidente do Comitê de Salvação Pública e o executou no dia seguinte, junto com Saint-Just e mais de uma centena de líderes jacobinos.

A Reação Termidoriana, organizada pela alta burguesia financeira, pôs fim à participação popular. Um novo governo, o Diretório (1795-1799), em aliança com o exército, elaborou a nova constituição. No entanto, não era respeitado pelo povo, que acreditava na necessidade de uma espada salvadora que pudesse manter a ordem. É aí que surge Napoleão Bonaparte, general mais popular na época, que suprimiu o Diretório e instaurou o Consulado, com o golpe de 18 de brumário (9 de novembro de 1799), dando início ao período napoleônico.

Eliane Cantanhêde - Lula livre?

- O Estado de S.Paulo

A bola está no STF, mas a questão é se Lula vai liderar ou não a resistência a Bolsonaro

Lula livre ou Lula preso? Esse é o debate da semana, capaz de envelhecer prematuramente a confissão chocante de Rodrigo Janot e deixar em segundo plano a retomada da reforma da Previdência, a derrubada de mais um lote de vetos do presidente Jair Bolsonaro e o fica não fica do senador Fernando Bezerra na liderança do governo.

A história é razoavelmente simples: a legislação diz que presos com bom comportamento podem evoluir para o regime semiaberto depois do cumprimento de 1/6 da pena, como é o caso de Lula pelo triplex do Guarujá. Logo, já pode ser beneficiado pela progressão de pena e não será ilegal se a Justiça conceder a troca de Curitiba para São Bernardo.

Porém, nada com Lula é simples, tudo é complexo e questionável. Quinze procuradores pediram que o ex-presidente saia da prisão, entre eles Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato e apontado por petistas como líder da força-tarefa anti-Lula. E o que fazem Lula e seus advogados? Passam dias discutindo o que é mais conveniente politicamente para o preso, até Lula escrever uma carta “ao povo brasileiro”, à mão, num tom entre vitimista e heroico e desdenhando: “Não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”.

Por que os procuradores pediram a liberdade de Lula? E por que Lula deu de ombros e respondeu que não? Nem Dallagnol e seus colegas querem ser bonzinhos com Lula, nem Lula, ou qualquer outro preso, prefere ficar trancafiado a ganhar a liberdade. Principalmente com nova namorada. Aliás, que “barganha”? Ninguém barganhou nada. Cumpriu o tempo, sai.

O que está por trás, nos dois comportamentos de certa forma estranhos, é um cálculo que também é jurídico, mas principalmente político: os dois lados apostam suas fichas no Supremo. A liberdade em função de uma tecnicidade jurídica é diferente de uma vitória no plenário da alta Corte.

Paulo Hartung* - Investimento verde

- O Estado de S.Paulo

Clima é economia na veia, é oportunidade para o Brasil e para os brasileiros

Os recorrentes abalos ético-políticos no âmbito das institucionalidades, somados à instabilidade econômica que assola o Brasil ao longo de tantos anos, vêm incrementando dia a dia as dificuldades para a retomada do desenvolvimento no País. Uma crise fiscal profunda cerca de 12,6 milhões de desempregados.

Queda de renda e muita desconfiança com relação ao nosso futuro mantêm um horizonte de prosperidade vicejante como pura miragem. A perspectiva é de crescimento tímido, mesmo quando concluída a reforma da Previdência.

O governo adotou medidas para tentar acelerar a retomada, como a liberação de saques do FGTS e o incentivo à Semana do Brasil. Mas o caminho seguro para crescer é o investimento. E nessa rota do desenvolvimento há uma estação de parada obrigatória: a efetivação das reformas estruturantes, como a tributária, reforma de RH dos governos e privatizações, entre outros.

Somente pela refundação de leis e marcos regulatórios nacionais nos tornaremos um país viável a investimentos de relevância e na medida de nossas necessidades e oportunidades. Esse é o meio para impulsionar projetos e obras que criem oportunidades, restabeleçam a confiança na economia e ponham o Brasil, novamente, no rumo do desenvolvimento.

Merval Pereira – Um caso curioso

- O Globo

Este é um caso singular, provavelmente inédito, de um preso (o ex-presidente Lula) que não quer progredir de regime prisional, e impõe condições para aceitá-lo

O ex-presidente Lula dizer que só aceita sair da prisão se for absolvido, ou tiver o julgamento anulado, é uma declaração tão política quanto ele considera política a decisão dos procuradores de Curitiba de pedir a progressão de sua pena.

Lula não tem o direito de recusar a progressão, assim como o Ministério Público, como parte da ação, pode pedir a progressão da pena, de acordo com a Lei de Execuções Penais. Mas a defesa de Lula não pediu, e ontem ele se reuniu com advogados e políticos para definir sua estratégia.

Se for obrigado a acatar uma provável decisão de ir para o regime semi-aberto, Lula não quer usar tornozeleira eletrônica, nem ter que voltar à noite para a prisão. A decisão será da rigorosa Juíza Carolina Lebbos.

Este é um caso singular, provavelmente inédito, de um preso que não quer progredir de regime prisional, e impõe condições para aceita-la. A discussão jurídica é se se trata de um direito subjetivo alienável, (do qual ele pode abrir mão), ou inalienável, que ele não pode recusar.

Vai ser curioso se, por exemplo, a juíza determinar a progressão de regime e a defesa recorrer contra a decisão, pedindo que o Lula fique preso em regime prisional mais grave.

Na visão dos procuradores, resumida nas palavras do procurador Marcelo Ribeiro, foi cumprido o requisito de tempo para progressão, que tem duas faces: uma é de direito do réu, a outra de obrigação do Estado. Nessa situação, o Ministério Público, como fiscal da lei, deve pedir e, mesmo se não pedir, a Justiça deve dar, porque o Estado não pode exercer mais poder do que tem.

Carlos Andreazza - Janot é o espírito do tempo

- O Globo

Ex-procurador-geral da República levou o justiçamento — ainda que somente em delírio de bravura para fins de faturar — a outro nível

O ímpeto homicida — jamais materializado, de súbito revelado — de Rodrigo Janot tem um objetivo: vender o livro que está por lançar. Há método na confissão; cálculo na estratégia comercial, para a qual decerto colaborará o arbítrio de Alexandre de Moraes ao determinar busca e apreensão na residência do ex-procurador-geral da República. Vai vender. Recursos doentios de convencimento nunca foram tão bem-sucedidos quanto neste Brasil corrente. Vai vender. Não serão poucos os de coração mexido pela fantasia de um justiçamento contra ministro do Supremo dentro do tribunal. Vai vender.

Janot, lavajatista raiz, andava esquecido. Uma injustiça, sobretudo da parte do bolsonarismo. Poucos trabalharam tanto — dispararam tantas flechas a esmo contra a atividade política — quanto ele pela eleição de Bolsonaro. Missão cumprida, criminalizada de todo a classe política, o arqueiro sumiu. Não o fez sozinho. (Ou alguém terá notícia de Marcelo Miller, outrora dublê de procurador e advogado dos delatores irmãos Batista?) E decerto o fez com intuição. Antecipando o espírito do tempo, Janot sempre soube farejar quando, como — aqueles vazamentos medidos que o transformariam em fonte da paixão — e para quem falar. Um trovador de si mesmo.

Aí está. Ele voltou. Perdeu o sócio, mas retornou à militância. Ao revelar sua intenção de matar Gilmar Mendes com um balaço na cara, reencontrou lugar privilegiado entre os justiceiros jacobinistas no altar do bolsonarismo. Ou não teremos visto, da boca de graúdos pastores da fé bolsonarista, pregações segundo as quais Janot não merecia ser julgado, tão próximo teria estado de fazer a vontade do povo?

Bernardo Mello Franco - Armadilhas para Lula

- O Globo

Depois de 542 dias preso, Lula está diante de duas armadilhas. Uma foi montada pela força-tarefa da Lava-Jato. A outra, pela sua própria estratégia de defesa

Preso há 542 dias, o ex-presidente Lula está diante de duas armadilhas. Uma delas foi montada pela força-tarefa da Lava-Jato. A outra, pela sua própria estratégia de defesa.

Na sexta passada, os procuradores pediram que a Justiça mande o petista para o regime semiaberto. Ele tem motivos para desconfiar do surto de generosidade. Dois dias antes, o Supremo formou maioria para rever uma série de sentenças da Lava-Jato.

Para Lula, a força-tarefa percebeu que seria derrotada e decidiu se antecipar, oferecendo a ele uma meia vitória. O ex-presidente poderia sair, mas teria que obedecer a uma série de condições. Ao que parece, Deltan Dallagnol e companhia não contavam com uma recusa.

Num gesto ousado, o petista informou que não aceita “barganhas” para deixar a cadeia. “Não troco minha liberdade pela minha dignidade”, afirmou, em carta escrita à mão. A atitude gerou um impasse. Afinal, um réu condenado pode rejeitar a progressão de sua pena e ficar na cadeia?

Lula sustenta que é um preso político. Portanto, não aceita nenhum benefício que possa soar como favor ou caridade. Ele reivindica que o Supremo anule integralmente a condenação imposta por Sergio Moro.

Míriam Leitão – Os dinheiros da Lava-Jato

- O Globo

Valor recuperado pela Lava-Jato mostra que ela não foi perseguição contra um partido, mas investigação de crimes contra os cofres públicos

A Lava-Jato é a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção se for considerado o valor do dinheiro ressarcido. Como mostrou a reportagem deste jornal ontem, aproximadamente R$ 2 bilhões do dinheiro desviado já voltaram aos cofres públicos, somente pelos delatores. Mas há também o que foi pago pelas empresas em acordos de leniência. Só o JBS está pagando parcelado uma dívida R$ 10,3 bilhões corrigida pela inflação. Tem ainda o que foi pago pela Petrobras pelo acordo com o Departamento de Justiça americano que já está indo para cobrir despesas públicas.

Os acordos de leniências das empresas foram fechados com instâncias diferentes do setor público. Alguns com o Ministério Público Federal, outros com a AGU, outros com o Cade. É difícil saber tudo o que será pago ao fim do processo. Para se ter uma ideia, o acordo do MP com a JBS prevê pagamento de R$ 10,3 bi em 23 anos corrigido pelo IPCA. Já pagou quatro parcelas semestrais, um pouco mais de R$ 200 milhões, segundo apurações da coluna. Talvez o JBS tenha que antecipar pagamentos, em duas circunstâncias: se o STF decidir revisar as colaborações, e se o grupo fizer um acordo com o Departamento de Justiça de pagar em período mais curto.

O governo tem recebido dinheiro, mas perdeu muito mais. O jornal “Estado de S. Paulo” trouxe uma estimativa feita pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, de que o potencial de perdas com a Odebrecht pode ser de R$ 14,6 bilhões. Só que ele não disse que critério usou. Esse valor de R$ 14,6 bilhões é o total de dívida das empresas do grupo em recuperação judicial. Algumas têm garantia — como ações da Braskem, por exemplo. No caso da Atvos, tem que ser descontado o custo da Brenco, uma empresa de açúcar e álcool, com dívidas impagáveis, que o banco pediu para a Odebrecht assumir em troca de um financiamento. Enfim, a conta precisa ser bem feita e, na verdade, não é preciso exagerar porque as perdas do BNDES serão grandes mesmo, tanto com a Odebrecht quanto em outras operações que vêm sendo investigadas por corrupção.

Fernando Exman - A nova diplomacia presidencial brasileira

- Valor Econômico

Bandeiras pessoais e partidárias minam política externa


Demorou quase um ano, mas finalmente começa a ganhar forma a diplomacia presidencial do governo Jair Bolsonaro.

Além de uma participação tímida no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, Bolsonaro fez uma aposta pessoal equivocada na mudança da embaixada brasileira em Israel. Apostou também em parcerias, em Israel e na Argentina, com líderes que enfrentam dificuldades para se manterem no poder. Isso sem falar no próprio presidente americano, Donald Trump.

O mais dramático ato de inauguração da nova persona internacional de Bolsonaro ocorreu na semana passada. O presidente debutou como orador na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em um discurso anacrônico, abrindo as apostas de quanto a nova diplomacia presidencial poderá agregar - ou criar obstáculos - à política externa brasileira.

O mais provável é que uma resposta mais objetiva surja apenas depois das próximas viagens internacionais de Bolsonaro. Até o fim do ano, ele desembarcará no Japão, na China, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes e no Catar. Em território nacional, poderá demonstrar sua desenvoltura e capacidade de construção de entendimentos como o anfitrião da próxima cúpula do Brics. O encontro dos líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul está previsto para ocorrer em meados de novembro, em Brasília.

Na sua estreia como orador na ONU, Bolsonaro desvelou o “novo Brasil” que se apresenta como antiglobalista, mas ao mesmo tempo diz estar mais aberto a investidores e turistas estrangeiros. Um país que bate de frente com parceiros europeus, porém, pelo menos por enquanto, faz questão de parecer animadíssimo com o acordo fechado entre o Mercosul e a União Europeia. Um país que critica iniciativas da ONU e ressente-se da perda de espaço em suas instâncias e colegiados.

Mais uma prova de que, no Brasil, a diplomacia presidencial é errática.

Depois de eleito, em 1985, Tancredo Neves realizou um périplo por Portugal, Espanha, Itália, Vaticano, França, Estados Unidos, México, Peru e Argentina. Apresentou ao mundo uma nova face democrática do Brasil, oferecendo também um aperitivo de uma política externa que não viria a se concretizar. Excluído desse planejamento e diante de inúmeros desafios após tomar posse, o ex-presidente José Sarney acabou privilegiando o Cone Sul, conquistando resultados concretos no processo de integração regional.

As diplomacias presidenciais de Fernando Collor e Itamar Franco também foram tolhidas por crises domésticas. Em suas viagens internacionais, Collor chegou a replicar os lances de marketing político que chegaram a marcar suas aparições públicas dentro do país. O ex-presidente levou ao exterior uma mensagem de abertura e modernização da economia, mas o processo de impeachment que enfrentou demonstrou ao mundo como o Brasil ainda não se tornara um local tão amigável quanto o descrito nos discursos.

Fabio Graner - Uma troca necessária

- Valor Econômico

Direcionamento de eventual redução das despesas obrigatórias para investimentos públicos é alvo de discussão no governo

Discute-se, no governo, a viabilidade de se garantir, na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da revisão de regras fiscais, o direcionamento de eventual redução das despesas obrigatórias para investimentos públicos.

Segundo uma fonte graduada da área econômica, esse caminho seria uma alternativa a propostas de modificações no teto de gastos, rejeitadas amplamente no time do ministro Paulo Guedes.

Independentemente de se formalizar ou não tal dispositivo na nova legislação que está sendo gestada, é possível perceber maior preocupação na área econômica com a forte contração dos investimentos públicos nos últimos anos e suas consequências para o nível de atividade do país.

A ideia de tentar assegurar que eventual espaço nos gastos obrigatórios seja pelo menos em parte ocupado por investimentos contém a premissa de que o país precisa crescer mais rapidamente, inclusive para reforçar o ajuste fiscal que vem sendo feito há anos. “Se a economia não crescer, não tem como resolver a questão fiscal”, disse a fonte.

É bom deixar claro que essa discussão não significa mudança de concepção da equipe econômica sobre a necessidade de reduzir o tamanho do Estado. Mas mostra um reconhecimento da importância de o setor público investir mais, como ocorre no mundo avançado, a despeito do objetivo de se promover maior presença privada no conjunto de investimentos do país, em especial na infraestrutura.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Reformando o passado

- Valor Econômico

“Novas” formas de trabalho dificultam, senão inviabilizam, reformas da Seguridade Social que não contemplem participação maior dos impostos gerais, com forte viés progressivo, sobre a renda e a riqueza

Ouso enfiar minha colher no debate sobre a reforma da Previdência. Desconfio que a reforma é anacrônica. Anacrônica porque desconsiderava o terremoto tecnológico e financeiro que está a abalar os “velhos” mercados de trabalho da Era Fordista.

Construídos sobre as garantias de estabilidade das relações salariais e das políticas econômicas nacionais de pleno emprego, os “velhos” mercados de trabalho sucumbiram às peripécias do Velho Capitalismo.

O Velho Capitalismo não é o capitalismo envelhecido, mas, sim, aquele reinvestido em sua natureza, revigorado nas forças da competição desenfreada entre mamutes empresariais. Empenhados em capturar mais valor dos empreendimentos já existentes, os mastodontes multiplicam as fusões e aquisições, ocupam os espaços globais, aceleram o tempo de produção, dispensam trabalhadores e achatam os salários. Nessa toada, amesquinham os espaços nacionais, onde insistem em sobreviver homens e mulheres de carne e osso.

Em sua reinvenção, o Velho Capitalismo dissipou as esperanças do capitalismo fordista dos Trinta Anos Gloriosos. O período glorioso alimentou a concepção, ao mesmo tempo solidária, generosa e ilusória da separação entre duas formas do capitalismo: 1) o capital produtivo em que homens e máquinas se combinam virtuosamente para a produção de bens e serviços; e 2) o capital “improdutivo” que não produz mercadorias, mas gera rendimentos “fictícios” para seus proprietários.

No renascimento do Velho Capitalismo, essas formas revelam que não são opostas, senão contraditórias: desenvolvem-se como dimensões do mesmo processo que subordina a produção dos meios materiais para a satisfação das necessidades ao império da acumulação de riqueza monetária. Ao derrubar as fronteiras erguidas pelas políticas intervencionistas para proteger a produção e o emprego, o Velho Capitalismo soltou o demônio monetário que carrega na alma.

Ricardo Noblat - Para que não se faça o jogo de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Separar o joio do trigo, sem publicar o joio

O presidente Jair Bolsonaro não precisa de uma imprensa para chamar de sua. Já tem. Poderia reunir parte dela sob o rótulo de Sistema Bolsonarista de Televisão (SBT). E outra parte num condomínio conhecido como Diários e Emissoras Associadas Contra o Socialismo – ou algo parecido com isso

Ele estrebucha na maca, como o fez, ontem, mais uma vez porque os maiores veículos de imprensa do país resistem aos seus encantos e à sua conversa fiada, e teimam em continuar fazendo jornalismo com independência. Na sua fala diária à saída do Palácio da Alvorada, ele voltou à prática do seu esporte favorito – atacar os jornalistas.

Dessa vez disse que só voltará a falar com eles quando retificarem muito do que foi escrito e dito sobre seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Pura estultice! Que mais adiante ele esquecerá. À falta de um projeto para o país, Bolsonaro governa de preferência por meio da palavra.

Na verdade, pouco se lhe dá se apanha por causa de tanta estupidez que diz – desde que se reproduza tudo o que saia de sua boca. A imprensa chapa branca reproduz sem fazer o menor reparo, como se espera dela. A imprensa crítica reproduz com o cuidado de oferecer o contraditório, que é o que dela se espera.

Pode-se ser mais seletivo para não dispender energia com o que é desimportante, não conferir o mesmo peso ao que é relevante e ao que não é, e não exaurir o distinto público. O desejo dos governantes é que se fale deles, mesmo que mal. Por que satisfazê-los?

Sai de cena “Lula, Livre!”. Entra “Lula, Preso!”

A nova palavra de ordem do PT
E se a juíza Carolina Lebbos, substituta de Sérgio Moro na 12ª Vara Federal da Polícia Federal, em Curitiba, mandar Lula para o regime semiaberto de prisão a que ele já tem direito por ter cumprido um sexto da pena a que foi condenado no caso do tríplex do Guarujá?

A defesa de Lula entrará imediatamente com algum tipo de recurso pedindo para que ele continue preso em regime fechado como está há 542 dias? No semiaberto, Lula poderá trabalhar durante o dia e voltar à noite para dormir na prisão. Ou dormir em casa.

Será algo inédito por estas bandas se a defesa preferir Lula preso a Lula mais ou menos livre. No interior remoto do país, há registro de presos que clamaram para não ser soltos porque a cadeia lhes garantia abrigo, comida e uma mínima sensação de segurança.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Proposta de Toffoli aponta caminho para a modulação – Editorial | O Globo

Presidente do STF deve ajudar a tornar palatável a aplicação da sentença que ameaça a Lava-Jato

Ao final da sessão de quinta-feira passada do Supremo Tribunal, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, anunciou que levará amanhã ao plenário uma proposta de “modulação” do que acabara de ser decidido por 7 votos a 3 —que o réu delatado tem o direito de falar no processo depois do réu delator.

A decisão ainda é preliminar, porque os votos podem ser alterados até a proclamação do resultado, faltando ainda o posicionamento do ministro Marco Aurélio Mello, ausente da sessão.

O desfecho do caso tem importância visceral para o destino da Lava-Jato: se tudo terá sido em vão —sentenças serão anuladas, e um rico acervo de provas e testemunhos irá para o lixo —ou se, por meio da “modulação” do veredicto a ser discutida na quarta-feira, o Supremo evitará que a Justiça volte a cair em descrédito perante a opinião pública. A partir do mensalão, passou-se a acreditar que políticos e empresários, ricos e poderosos, também poderiam vir a ser presos em processos sobre o roubo do dinheiro público. A depender do que acontecerá amanhã, haverá dúvidas.

André Luiz de Almeida* - O exercício histórico – Cidadania

Histórica da cidadania do Brasil há muitas oscilações que limitaram essa capacidade do indivíduo e foram de significativo destaque, embora sem progressos.

O analfabeto sempre foi interditado para o exercício do voto desde a lei imperial de 1881 até a Constituição Federal de 1988, logo, ele nunca foi cidadão em termos plenos; houve ausência do voto feminino, do voto secreto e de uma Justiça eleitoral profissional até o Código eleitoral de 1932 e a Constituição Federal de 1934; houve limitação do exercício do direito de voto durante toda a Primeira República por obra da submissão da maioria do eleitorado a práticas coronelísticas, tema este muito bem estudado pelo nobre professor Itami Campos.

Com o crescimento constante do Brasil, desde a redemocratização do regime político em 1945, surgiu o clientelismo urbano, como instrumento de deformação das vontades no plano eleitoral, fato este que ainda hoje se verifica em toda a sua extensão. Logo, a cidadania plena, desde a descoberta do Brasil, nunca foi exercida.

Surge outro problema: As câmaras municipais e as assembleias legislativas vêem conferindo “títulos de cidadania” aos residentes ilustres dos municípios ou do estado que, por clientelismo político ou por excessivo poder econômico, são agraciados com a “honraria”. Ora, nunca vi, por mais justa que seja, uma casa legislativa conceder uma “graça de cidadão” a um simples e honrado gari ou ambulante, os conhecidos subterrâneos informais, na visão de Zaffaroni, que também possuem relevância no cenário político de qualquer cidade.

Poesia | Joaquim Cardoso - Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.