domingo, 8 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Sergio Fausto* - Em torno da identidade do PSDB**

De uma perspectiva de centro-esquerda, sem prejuízo do realismo político, retomar o fio da meada da elaboração de programas políticos, para além das fronteiras partidárias, com base no núcleo de valores, resumido no binômio liberdade-igualdade, não isento de tensões, do liberalismo e da socialdemocracia; e isto à luz dos novos desafios, alguns deles aqui apontados, que se colocam para a construção de uma sociedade livre, justa e próspera. De uma perspectiva mais ampla, abrangendo todos os democratas, o desafio está em retomar o fio da meada da razoabilidade do debate político e da interlocução política, para além das câmaras de eco onde muitos falam e ninguém escuta

*Sergio Fausto é cientista político e superintendente executivo da Fundação Instituto FHC.

**Em torno da identidade do PSDB”. In: As esquerdas e a democracia. Orgs. José Antônio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos. Brasília: Verbena Editora /FAP, dezembro de 2018

Luiz Carlos Azedo - Sobre raposas e ouriços

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos”

Em tempos de radicalização ideológica direita versus esquerda, um pouco de John Stuart Mill não faz mal a ninguém, parafraseando o velho ditado que compara a prudência ao caldo de galinha. Há quase 200 anos, o teórico liberal inglês do século XIX, no rastro de John Locke, o pai do liberalismo e da Declaração de Independência americana, marco das democracias modernas, foi um crítico da “tirania da maioria”. Ao examinar as mudanças políticas que ocorriam em meados do século XIX, com a formação de governos eleitos, Mill procurou delimitar a fronteira entre o controle social e a liberdade individual. O tema é atualíssimo, principalmente na conjuntura em que vivemos.

Mill advertia que governos eleitos selecionam as visões da maioria e, muitas vezes, acabam por oprimir a minoria. Essa tendência é reforçada pela opinião pública, que se move pelo interesse próprio e imediato, em bases arraigadas, pela comoção, pela influência religiosa ou pela tradição. Não poucas vezes, no âmago das questões, maiorias conjunturais refletem velhos interesses de grupos dominantes da sociedade. O longo e glorioso reinado da Rainha Vitória (1838-1901), em meados do século XIX, foi o pano de fundo das ideias de Mill.

A Era Vitoriana foi marcada pelo binômio paz e prosperidade, com os lucros adquiridos a partir da expansão do Império Britânico, no auge e consolidação da Revolução Industrial e do surgimento de novas invenções. Três gigantes do pensamento ocidental surgiram nessa época: Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx. Apesar da emergência de uma grande classe média e dos avanços da ciência, da compreensão do indivíduo e da dinâmica econômica, essa época também foi marcada na Inglaterra por rígidos costumes, moralismo social e sexual, fundamentalismo religioso e muita exploração capitalista.

Nesse contexto, Mill tenta estabelecer um ponto de equilíbrio entre a autonomia individual e a interferência governamental. A chave é o “princípio do dano”, hoje consagrado no direito: a sociedade só pode interferir na vida do indivíduo, de maneira justificada, para impedir que cause dano a outra pessoa. “Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”, defende Mill. Parece trivial, na prática, porém, é mais complicado, porque o princípio se aplica ao pensamento, à expressão de opinião e também às ações. Entretanto, foram essas as premissas dos novos conhecimentos e da inovação. À época, a Europa vivia a plenitude do Iluminismo, enquanto o peso da tradição e a rigidez do mandarinato estagnavam a China, a grande potência do planeta por milênios.

Pluralismo progressista
Liberdade de pensamento, de gostos e objetivos e de associação entre os indivíduos fizeram a grande diferença. Um fragmento de poema do filósofo grego Anquiloco de Paros (século 7 a.C), citado pelo pensador inglês Isaiah Berlin, num ensaio literário sobre Tolstoi, ajuda a entender a razão: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe apenas uma coisa importante”. Existe um grande abismo entre aqueles que, por um lado, relacionam tudo a uma única visão central, um princípio organizador universal em termos do qual tudo que eles são e dizem encontra significado — e, do outro lado, aqueles que perseguem vários objetivos, frequentemente não relacionados e mesmo contraditórios. Estes últimos levam vidas, agem e contemplam ideias que são centrífugas ao invés de centrípetas; seu pensamento é diverso ou difuso, movendo-se em muitos níveis, aproveitando-se da essência de uma vasta variedade de experiências e objetos. “O primeiro tipo de intelectual e personalidade artística pertence aos ouriços, o segundo às raposas…”, dizia Berlin.

Vera Magalhães - Navegando sem bússola

- O Estado de S.Paulo

Retaliação dos Estados Unidos e insistência em embaixada em Jerusalém mostram política externa amadora

Na semana que passou, Donald Trump, o amigão dos Bolsonaro, anunciou a sobretaxação ao aço e ao alumínio brasileiros, nossa política ambiental foi gongada na COP-25 e vimos Eduardo Bolsonaro, que não virou embaixador, mas segue dando pitacos em política externa, voltar a pregar a transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Resumo da ópera bufa? 2019 foi um ano em que retrocedemos em política externa.

Volto ao tema que já tratei aqui pelo menos em duas ocasiões: logo no início do governo, depois que o olavismo se instalou no Itamaraty e na antessala de Jair Bolsonaro, e às vésperas do discurso do presidente na abertura da Assembleia-Geral da ONU. Nas duas ocasiões meu ponto era o mesmo: ideologização extrema e sem amparo no pragmatismo e em dados levaria nossa política externa a ser motivo de piada no exterior. E é nessa condição que chegamos ao fim do ano.

Bolsonaro tascou um “I love you” para seu colega de madeixas alaranjadas um dia depois de subir ao púlpito da ONU e mandar ver em ideologia de gênero, defesa de exploração mineral em reservas indígenas, marxismo cultural e todos os outros clichês do bolsolavismo.

A declaração de amor era apenas mais uma demonstração de subserviência a Trump, depois de o filho 03 desfilar por Washington com um boné ridículo, pai, filho, chanceler e o assessor especial Filipe Martins passearem pela Casa Branca achando que eram da casa e Bolsonaro ensaiar mandar Dudu para um intercâmbio para se aprimorar na arte de fritar hambúrgueres.

Nada disso resultou em ganhos para o Brasil. O Brasil fez uma série de concessões unilaterais aos norte-americanos (na Base de Alcântara, ao abrir mão de visto para cidadãos norte-americanos, na elevação de importação de etanol sem contrapartida), mas assistiu, em retribuição, ao governo dos EUA barrar nossa entrada mais rápida na OCDE, manter barreiras sanitárias à nossa carne e, agora, sobretaxar aço e alumínio.

Eliane Cantanhêde - Reeleição no papo?

- O Estado de S.Paulo

No cenário de hoje, Bolsonaro não é só favorito como o único candidato para 2022

Os que apoiam estão tripudiando, os que se opõem entram em pânico, mas o fato é que, neste momento, o presidente Jair Bolsonaro não é apenas fortíssimo para vencer a reeleição como o único candidato realmente à vista para 2022. Três anos são uma eternidade na política, mas uma chapa Bolsonaro-Sergio Moro soa como imbatível. Não custa lembrar que Moro é o personagem mais popular do governo, mais até do que o presidente.

A esquerda continua imobilizada pela presença do ex-presidente Lula, que está inelegível. O centro... bem, João Doria recua, Luciano Huck avança, mas os dois nem chegam perto de ameaçar o franco favoritismo de Bolsonaro, que ainda por cima tem o precedente histórico a seu favor: nenhum presidente deixou de ser reeleito depois do instituto da reeleição. Nem Dilma Rousseff, apesar de tudo.

Bolsonaro aprofunda a estratégia da campanha de 2018, mantendo o foco no combate à corrupção, recuperação da economia e dos empregos, defesa da ordem, família e propriedade, ojeriza ao “politicamente correto” e o medo - ou pretexto - da volta do PT e de Lula.

Provoque qualquer bolsonarista, seja ele "de raiz" ou de conveniência, e a primeira resposta é: "O que você quer? A volta do PT?". A segunda: "o governo já tem um ano, você ouviu uma única palavra sobre corrupção?". A terceira: "A Dilma destruiu a economia, mas o Paulo Guedes está recuperando, a economia vai bem".

Carlos Pereira* - O paradoxo do parlamentar novato

- O Estado de S.Paulo

Novos parlamentares eleitos em 2018 têm apresentado desempenho superior ao de colegas mais experientes

Quando novos parlamentares são eleitos para o exercício do primeiro mandato eles têm que fazer escolhas difíceis. Por um lado, chegam ao parlamento com capital político muito alto, com muita vontade de fazer a diferença, de representar bem seu eleitor, de mudar e implementar reformas. Por outro lado, apresentam baixo conhecimento sobre os procedimentos, as regras e as liturgias do legislativo.

O que deve um legislador novato fazer para conseguir ser influente? Como deve elaborar uma proposição ou projeto legislativo? Para qual comissão deve alocar tempo e energia? O que precisa fazer para elaborar uma emenda ao orçamento que venha a beneficiar sua rede local de interesses e, assim, ter reconhecimento de seus eleitores? Essas são perguntas não triviais que parlamentares de primeiro mandato se deparam ao chegar em Brasília.

Com o passar do tempo, esses parlamentares novatos vão adquirindo experiência e conhecimento de como as coisas funcionam no Congresso. Por outro lado, muitos vão perdendo capital político junto ao eleitor por verem frustradas muitas das suas iniciativas.

Esse dilema torna-se ainda mais exacerbado em um ambiente institucional em que o processo decisório dentro do legislativo é muito centralizado na mão de poucos líderes políticos. Essa excessiva hierarquização faz com que o parlamentar novato tenha baixa influência no processo de elaboração de projetos e iniciativas legislativas.

Pedro S. Malan* - A ousadia da moderação

- O Estado de S.Paulo

Temos menos de três anos para achar saídas pelo diálogo franco, sem escolha entre ‘nós e eles’

Presidents are not kings”, escreveu juiz federal norte-americano ao decidir (contra a vontade expressa de Donald Trump) que um ex-funcionário da Casa Branca deveria atender à convocação para depor como testemunha em investigação em andamento no Congresso. A Casa Branca vai recorrer, mas a decisão mostrou, mais uma vez, que as preocupações dos founding fathers com a importância de checks and balances, pesos e contrapesos, freios e filtros em decisões de chefes do Poder Executivo continuam vivas e operantes, passados 230 anos.

Presidentes podem muito, mas não podem tudo. Há limites à sua vontade, impostos não apenas pelos outros Poderes, mas também pela reação da opinião pública quanto a planos e intenções que afrontem em demasia valores e expectativas de parte expressiva da sociedade. Afinal, presidentes, e outras lideranças políticas, emitem poderosos sinais sobre o que são padrões de conduta e decência considerados aceitáveis na vida pública.

Vale sempre lembrar o artigo hoje clássico de Madison (em The Federalist n.º 51, de fevereiro de 1788). “Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário. Se os anjos fossem governar os homens, nem controles externos nem controles internos sobre o governo seriam necessários. Na construção de um governo a ser administrado por homens e exercido sobre homens, a grande dificuldade reside no seguinte: é preciso primeiro capacitar o governo a controlar os governados e, em seguida, obrigá-lo a controlar a si próprio”.

A História registra numerosos exemplos de governos e governantes com “grande dificuldade” para controlar seus próprios instintos, paixões e interesses. Registra também tentativas de estabelecer relações diretas com a parte da população mais cúmplice de suas ilusões, incluída a ilusão da falta de limites ao exercício de seu poder. A tentação de ocupar a máquina pública com militantes fiéis e, principalmente, de utilizar as ferramentas do poder para combater os “inimigos” e intimidar vozes discordantes é mais comum do que parece.

Rolf Kuntz * - Desemprego seguirá alto no 4º ano pós-recessão

- O Estado de S.Paulo

Parece maldade: revisão de 1,1% para 1,3% tornou mais difícil igualar o crescimento de 2018

Três anos depois de sair da recessão, o Brasil continua muito bem colocado no campeonato mundial do desemprego – e assim continuará, tudo indica, em 2020 e em 2021. As filas de gente em busca de emprego continuarão longas ainda por um bom tempo, segundo pesquisas com empresas de vários setores. Os otimistas, ou conformados, lembrarão um detalhe bem conhecido: há uma defasagem normal entre a reativação econômica e a recuperação do emprego. É verdade, mas a reativação começou em 2017, o desemprego oscilou e voltou a crescer. O governo Bolsonaro completa um ano de mandato com o quadro do emprego muito parecido com o do final de 2018, logo depois das eleições.

Com 12,4 milhões de desocupados, 11,6% da força de trabalho, o País praticamente reproduziu, no trimestre móvel encerrado em outubro, o quadro de um ano antes, quando os desempregados eram 11,7% da população economicamente ativa. Mas a história é mais feia do que esses números podem sugerir. Achar trabalho ficou muito mais difícil durante o primeiro ano do novo governo. Que houve com aquele otimismo proclamado por tantos empresários, depois das eleições?

O cenário ficou pouco menos assustador, nos últimos meses, pela combinação de vários fatores nem sempre positivos. Aumentou a oferta de vagas, muita gente suspendeu a procura por algum tempo e um enorme contingente decidiu arriscar-se a trabalhar por conta própria. Um recorde surgiu com 24,4 milhões de autoempregadores. O aumento foi de 913 mil pessoas em um ano.

Enquanto os negócios derrapavam e o País parecia escorregar para uma nova recessão, as condições de emprego pioraram. O desemprego voltou a aumentar e a taxa bateu em 12,7% no primeiro trimestre de 2019. Depois começou a recuar, num lento e penoso retorno aos níveis do final de 2018.

PSDB reafirma distância do Planalto

Tucanos repudiaram ataques a instituições durante congresso do partido, que colocou Doria e Leite no centro de disputa interna por 2022

Camila Turtelli Idiana Tomazelli | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Sem citar diretamente o presidente Jair Bolsonaro, o PSDB aproveitou seu congresso, ontem, para reforçar seu distanciamento do Palácio do Planalto. Críticas a atitudes consideradas autoritárias, negação à pauta de costumes e repúdio a “governos que investem contra instituições” sinalizaram a posição do partido, que prepara o tom do discurso para a corrida à Presidência da República em 2022 e já vive uma disputa interna para definir o candidato tucano.

A estratégia mira a recuperação de parte do eleitorado que abandonou a sigla e abraçou a campanha de Bolsonaro ano passado. Mas até a próxima campanha, o governador de São Paulo, João Doria, então o único nome cotado no partido para a disputa, pode ter de enfrentar um concorrente interno: o governador gaúcho Eduardo Leite, recentemente elogiado como exemplo de “renovação política” pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não compareceu ao congresso.

Durante o evento, as lideranças do PSDB procuraram passar a impressão de união. Doria e Leite tentaram afastar rumores sobre a disputa entre os tucanos mirando 2022, trocaram afagos e posaram para fotos.

O aceno inicial partiu de Leite, que foi o primeiro dos governadores chamados ao palco e subiu sob gritos de “Eduardo 2022” por parte da plateia. Ao comentar as eleições para presidente, cumprimentou Doria. Os dois apertaram as mãos e deram um abraço. “Um grande parceiro”, disse o gaúcho. “A gente está junto pelo Brasil. Não tem disputa nenhuma.”

Em seguida, Doria discursou ao público sob gritos de “Brasil pra frente com Doria presidente” e defendeu uma parceria com Leite em “ideias e princípios” em nome de um projeto para o País.

Janio de Freitas - Os fiéis na balança

- Folha de S. Paulo

Marcelo Crivella é um pastor evangélico em missão na prefeitura do Rio

O cerco à modesta democracia vem de mais quadrantes do que se tem reconhecido. Os generais do capitão, o próprio e determinadas forças econômicas não são tudo o que pressiona a democracia. Nem, talvez, a força portadora de maiores ambições. O movimento liberticida tem uma dimensão esquecida, que recente arbitrariedade traz à tona.

O impulso de Marcelo Crivella para vetar repórteres do Grupo Globo em entrevista "coletiva", veio, mais que do próprio prefeito, do avanço antidemocrático de Bolsonaro nos ataques à Folha e à Globo. Incluído em investigação sobre possíveis subornos na prefeitura do Rio, não era ao jornal e sua notícia objetiva que poderia caber alguma reação do prefeito. Ainda menos uma forma de censura, inútil embora.

Pastor, Crivella é reservado, mas não há dúvida de que tem posição muito influente na sua igreja, não só porque sobrinho de Edir Macedo, e entre os pastores em geral. O ar de desinteresse por seu cargo tornaria inexplicável a decisão de candidatar-se. E então se nota que Crivella, por uma infinidade de atitudes e falta de, é um pastor evangélico na prefeitura, maneiroso na sua antipolítica e nas obstruções aos costumes, aos eventos e modos pessoais reprováveis por sua igreja. Um pastor em missão. Sem base política para eleger-se, eleito pela indução (não ilegítima) dos demais pastores nos seus fiéis.

Hélio Schwartsman - Reivindicando o fracasso

- Folha de S. Paulo

O país fracassa quando 43% dos alunos não aprendem aquilo que se define como o mínimo necessário

Saíram os resultados de mais um Pisa, o exame internacional a que são submetidos alunos de 15 anos de 79 países ou regiões. O Brasil interrompeu os tímidos avanços que vinha obtendo e estabilizou-se entre os últimos colocados. Em matemática, prova em que teve seu pior desempenho, ficou em 58º lugar.

A melhor forma de humilhar um futurologista é pedir-lhe que descreva com algum detalhamento como será o mundo dentro de 20 ou 30 anos. Aí, é só esperar o tempo passar e confrontar as previsões com a realidade. A taxa de acertos costuma ser irrisória.

Tal constatação não deve nos impedir de arriscar palpites. É da natureza humana imaginar o porvir. Se formos prudentes e nos limitarmos a apontar tendências muito gerais, há até uma chance de acertarmos.

Bruno Boghossian - Queimando crédito

- Folha de S. Paulo

Governo queima parte do crédito e passa a depender de efeito da recuperação econômica

Logo antes da posse, 65% dos brasileiros diziam que a gestão de Jair Bolsonaro seria ótima ou boa. O índice era o menor entre todos os presidentes desde a redemocratização, mas dava algum fôlego para o recém-eleito. Em pouco mais de 11 meses de mandato, o novo governo queimou parte desse crédito.

A última pesquisa Datafolha mostra que o índice de expectativas positivas em relação a Bolsonaro caiu para 43%. Isso significa que, de cada três eleitores que acreditavam que ele faria um governo ótimo ou bom, um mudou de ideia.

A população não tem bola de cristal, mas a deterioração indica que o presidente deve enfrentar um país mais inquieto nos próximos anos. Sua conduta irresponsável pode ter ajudado a consolidar uma base fiel e segurar um índice de aprovação de 30%, mas também contribuiu para a erodir a confiança em seu trabalho.

Vinicius Torres Freire - A inflação vai bem, o povo vai mal

- Folha de S. Paulo

Não há alta geral de preços ou carestia da comida; faltam emprego e salário

O preço da carne de boi dominou o carnaval de escárnio e memes das redes sociais das últimas semanas. Tomou o lugar do dólar como motivo de piada e tema da análise econômica popular, por assim dizer.

O preço do boi gordo teve aumentos exorbitantes desde novembro; o do porco subia assim desde abril.

Esses saltos mexeram apenas um pouquinho com a média da inflação recente, embora ainda assim a carestia da carne reduza o bem-estar e implique restrição do consumo de um alimento simbólico, sinal de vida remediada.

A inflação geral (IPCA) foi de 3,3% nos últimos 12 meses. O preço da comida que a gente leva para casa, “alimentação no domicílio”, no dizer do IBGE, aumentou 3,5%. A inflação vai bem, mas o povo vai mal.

A inflação do bife não é, portanto, símbolo de uma inflação da comida. Não foi o caso da inflação do tomate, que era assunto pop e sinal expressivo de grande irritação com o custo dos alimentos pouco antes do Junho de 2013.

Ruy Castro* - Inesgotável. Mas indestrutível?

- Folha de S. Paulo

Nos 25 anos de sua morte, parte da obra de Tom Jobim enfrenta o silêncio

Todo mundo conhece pelo menos cinco canções de Tom Jobim. As que vêm primeiro à mente, e com razão, são “Chega de Saudade”, “Samba do Avião”, “Garota de Ipanema”, “Wave” e “Águas de Março”. Outros serão capazes de citar as quase tão famosas “Desafinado”, “Corcovado”, “Dindi”, “Sabiá” e “Retrato em Branco e Preto”. Muitos se lembrarão de “Só Danço Samba”, “Chovendo na Roseira”, “Lígia”, “Gabriela” e “Anos Dourados”. E os sofisticados falarão de “Modinha”, “O Grande Amor”, “Passarim”, “Borzeguim” e “Two Kites”.

Um universo de 20 fabulosas canções. Se isso parece pouco —pouco?—, é porque o próprio Tom, em suas apresentações com a Banda Nova nos últimos dez anos de vida, fez delas a base de seu repertório. Como não havia muito tempo para ensaios, era difícil incluir variações —exceto, às vezes, “Samba de Uma Nota Só”, “Correnteza”, “Bonita”, “Luiza”, “Chansong”. E, com isso, dezenas de outras pequenas obras-primas podem estar sendo excluídas do cânone.

Merval Pereira - Longe da virtude

- O Globo

A polarização entre Bolsonaro e Lula continua forte, como os dois desejam. Má notícia para os candidatos de centro.

Três anos antes de uma eleição, é difícil fazer-se uma prospecção sobre o que acontecerá, especialmente em um país como o Brasil, de passado incerto e imprevisível futuro. Mas a pesquisa FSB/Veja publicada esta semana traz interessantes registros que indicam, por exemplo, que a polarização entre Bolsonaro e Lula continua forte, como os dois desejam.

O presidente, que caía de popularidade a cada pesquisa, mantém-se firme no patamar de 33%, e tende a melhorar caso as boas perspectivas da economia se confirmem.

Já Lula livre, mesmo sem conseguir mobilizar a esquerda como antigamente, também resiste no nível histórico do PT de 29%. Má notícia para os candidatos de centro, que continuam esmagados pela polarização.

O ministro da Justiça Sérgio Moro, que poderia ser um candidato de centro, a cada dia se aproxima mais de Bolsonaro no que se refere à visão de combate à criminalidade, apoiando, por exemplo, o excludente de ilicitude.

Bernardo Mello Franco - Os delírios do maestro

- O Globo

Os desvarios do novo presidente da Funarte preocupam servidores e artistas. No primeiro discurso no cargo, ele adotou tom pastoral e exaltou “a fé no nosso senhor Jesus Cristo”

Numa fauna repleta de lunáticos e teóricos da conspiração, Dante Mantovani tem conseguido se destacar pelo exotismo. Não é pouca coisa. Antes de pousar no governo Bolsonaro, o novo presidente da Funarte fez questão de registrar seus delírios em vídeo. Num deles, associou o rock ao satanismo e ao aborto.

“O rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertamente, mais de uma vez, que ele fez um pacto com o diabo”, divagou.

Em outra gravação, o maestro disse que agentes soviéticos infiltrados na CIA distribuíram ácido para os hippies em Woodstock. Num terceiro vídeo, ele garantiu que a Terra é plana. Devia ser convocado para uma acareação com o ministro da Ciência e Tecnologia, que já foi ao espaço e viu o planeta de cima.

Elio Gaspari - Um jabuti gigante olhando para Bolsonaro

- O Globo | Folha de S. Paulo

Licitação de R$ 3 bi da Educação foi cancelada por irregularidades

O repórter Aguirre Talento botou aos pés de Jair Bolsonaro um caso que lhe permitirá mostrar a extensão de seu compromisso com a defesa da bolsa da Viúva.

No dia 21 de agosto o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, FNDE, anunciou que realizaria um pregão eletrônico (13/2019) para a compra de “equipamentos de tecnologia educacional para a rede pública de ensino”.

Os educatecas queriam comprar 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops. Até aí seria coisa de Primeiro Mundo, com a Boa Senhora gastando R$ 3 bilhões.

Alguém sentiu cheiro de queimado. O presidente do FNDE, nomeado em fevereiro, foi dispensado e seu sucessor, Rodrigo Dias, assumiu no dia 30 de agosto. Em 4 de setembro revogou preventivamente o edital.

Entre agosto e as duas primeiras semanas de setembro a Controladoria-Geral da União apontou “inconsistências” no edital. Põe inconsistência nisso.

Dorrit Harazim - Das duas uma

- O Globo

Se o protocolo é correto e a ação policial descambou para a morte de 9 jovens, punem-se os responsáveis e mantém-se o protocolo?

É quase esdrúxulo o repentino foco do governo de São Paulo na urgência de uma revisão dos protocolos.

O posicionamento inicial do governador João Doria, ao se manifestar sobre a morte de nove jovens encurralados num beco de Paraisópolis em ação da PM num baile funk, foi de blindagem. Enquanto os cem mil habitantes da favela viviam a tragédia de perto, e o resto do país acompanhava o noticiário de coração apertado, Doria tratou do episódio no tom higienizado e businesslike que lhe é habitual. Decretou que “a letalidade” não fora provocada pela Polícia Militar, e sim por bandidos em fuga, e que a política de segurança pública de São Paulo não iria mudar. Ou seja, são corretos os atuais protocolos que regem a atuação da PM em comunidades do estado, e esses protocolos serão mantidos. Se houve “excessos circunstancialmente cometidos”, serão apurados com rigor e em profundidade.

Nos três dias seguintes, como se sabe, brotaram vídeos caseiros feitos por moradores de outras comunidades paulistanas retratando tratamento gratuitamente abusivo, quando não sádico, por parte de PMs. Desta vez o governador declarou-se muito chocado, e anunciou que orientou o secretário de Segurança Pública a rever os protocolos e procedimentos de conduta por parte da instituição.

Míriam Leitão - Número melhor e horizonte opaco

- O Globo

Grande conquista na economia foi afastar o risco de insolvência do governo, mas ainda falta muito para o país garantir um ciclo sustentado de alta do PIB

Os números nas planilhas dos economistas dos bancos começam a ficar ligeiramente melhores para este ano e o próximo. Os dois maiores bancos privados do país na sexta-feira correram para divulgar que mudaram de 2,2% para 2,5% a previsão para o PIB de 2020. Para este ano, o dado se move para 1,2%. A grande pergunta é se entramos numa nova fase da economia que levará a um crescimento sustentado. Ainda não. Projeção não é fato. Em janeiro, a mediana era que o PIB subiria 2,6% em 2019. Mas aconteceu sim um fato que altera o quadro econômico: o fantasma do insolvência do país foi afastado.

No meio da recessão de 2015-2016 foi assustador ver o ritmo de crescimento da dívida. Ela era cara, alta e crescente. O custo da dívida chegou a ser quase 9% do PIB ao ano e hoje está abaixo de 5%. Ela subiu de 52% em 2014 para 79% em 2019. E o déficit primário alimentava esse crescimento. A projeção do Itaú é que sem o teto de gastos e a reforma da Previdência iria para 104% no final da próxima década. Como toda a poupança das famílias, das empresas, dos fundos de pensão, do setor financeiro está lastreada por títulos públicos, as projeções assustavam. O temor não era superar 100% do PIB, nível nunca antes atingido, mas o de, em algum momento, haver uma crise de confiança na capacidade de o Tesouro pagar seus títulos. Os poupadores em geral poderiam achar que o Tesouro não honraria sua dívida e isso geraria uma crise de proporções inimagináveis.

O que a mídia pensa – Editoriais

Programa bolsonarista de demolições – Editorial | O Globo

Ações destrutivas do governo no meio ambiente e em áreas da Cultura constituem uma política

Os governos do PT, principalmente de Lula, tiveram a característica de manter áreas-chave em mãos de pessoas com experiência no ofício. No primeiro mandato, nomeou ministro da Fazenda um médico petista, Antonio Palocci, mas que soube conduzir uma equipe de profissionais do ramo.

Para a militância petista e aliados fisiológicos, Lula cedeu segmentos específicos da máquina do Estado: Incra (reforma agrária), Ministério do Trabalho e seu guichê sindical, entre outros exemplos de postos em que grupos organizados como o MST puderam, de alguma forma, ter acesso ao dinheiro público.

Com Bolsonaro, também há uma distribuição de espaços. Há o mesmo critério lulopetista da afinidade ideológica, mas o aparelhamento bolsonarista demonstra ter outras funções. Sem prejuízo de pendores patrimonialistas tradicionais da política brasileira, há segmentos do novo governo que atuam com intenções destrutivas, travando o que chamam de “guerra cultural”.

Um dos exemplos é a atuação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que se desdobra em desmontar a estrutura de vigilância e contenção de atividades potencialmente destrutivas, como desmatamento e garimpo, forças poderosas na devastação de florestas e na poluição de rios, agentes de devastações na Amazônia de repercussão mundial.

Poesia |João Cabral de Melo Neto - Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.