quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Retomada fraca e inflação baixa permitem mais corte de juros – Editorial | Valor Econômico

Trajetória fiscal passa a condicionar grau de estímulos monetários


Em relação à ata de junho, a de agosto é muito mais inclinada a doses adicionais de estímulo. A probabilidade de os programas de apoio ao crédito e auxílios emergenciais sustentarem uma demanda em nível acima do previsto, e “potencialmente” causarem inflação maior que o projetado ainda consta do balanço de riscos da ata - mais como um hedge, se comparado a outras premissas.


As enormes incertezas sobre a recuperação da economia se deslocaram do segundo semestre, na ata de junho, para o próximo ano, depois que se encerrarem os efeitos dos ajustes emergenciais. O BC constatou que, depois de quedas horríveis no segundo trimestre, a economia reagiu com considerável vigor no consumo (especialmente de bens duráveis) e até mesmo nos investimentos. Mas a retomada é desigual, e seguem deprimidos vastos segmentos da área de serviços (dois terços do PIB) que mais sofrem os efeitos do distanciamento social.

As chances de que os serviços acertem o passo com os demais são incertas porque, entre outras coisas, dependem da evolução da pandemia. Uma definição importante da ata é que o cenário doméstico poderá ser “caracterizado por uma retomada ainda mais gradual da economia”.

As expectativas de inflação, tanto as dos investidores, inscritas no boletim Focus, quanto as do BC quase não variam para este ano e o próximo, tanto com Selic de 2,25% (hipótese anterior à decisão de reduzi-la a 2%) quanto na de juro a 3%, previsto para o fim de 2021 no Focus. O IPCA encerraria 2020 em 1,6%, bem abaixo do piso da meta (2,5%) e chegaria a 3% no ano seguinte.

Na ata anterior se mencionavam reajustes do petróleo, preços administrados e alimentos como fatores de impulso da inflação. Julho passou e o BC aponta que a inflação arrefeceu e no curto prazo deve se manter estável. Tanto a desvalorização do real como a alta das commodities “foram compensadas por revisões em alguns componentes da inflação de serviços”.

Disto decorre outra definição fundamental da ata, a de que, pela natureza da crise provocada pela covid-19, “pressões desinflacionárias provenientes da redução de demanda podem ter duração maior do que em recessões anteriores”. Após essa constatação, resta saber como a ameaça da deterioração fiscal interferirá na condução da política monetária no cenário relevante - 2021 e, em parte, 2022. Pela ata, a rota fiscal deixou de considerar apenas a não continuidade das reformas mas, com ênfase crescente, “políticas fiscais em resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal de forma prolongada”.

O BC decidiu que, com a inflação abaixo da meta, enorme ociosidade na economia e “em linha com seu mandado de metas”, não seria apropriado reduzir agora o grau de estímulo. 

No futuro será diferente. Cortes nos estímulos levarão em consideração, como sempre, expectativas e projeções de inflação do cenário básico e a meta de inflação no horizonte relevante. Aí então, duas mudanças: “ Essa intenção é condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo”, registra a ata. A desancoragem, segundo o Copom, “indicaria que os custos derivados do estímulo monetário estariam se sobrepondo a seus benefícios”.

Cautela e gradualismo adicionais, aponta o Copom, são necessários porque o ambiente de juros baixos “sem precedentes” pode trazer volatilidade aos ativos e afetar o “bom funcionamento do sistema financeiro e do mercado de capitais”. Não está explícito o que o BC teme - uma “bolha” de ações (situação em que os BCs não interferem), ou distorções advindas da migração de aplicações que passaram a ter juro negativo para outras mais arriscadas ou para ativos reais. A ata, porém, deixa espaço para nova queda da Selic, de baixa magnitude e possivelmente não na próxima reunião do Copom.

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