quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Opinião do dia - Carlos Melo*

No Brasil, setores que estiveram juntos na oposição ao regime autoritário e na transição democrática vivem hoje em discórdia, sob um risco comum. Há miopia e mesquinhez eleitoral. E pouca responsabilidade. A esfera democrática - ou pelo menos a sua defesa - não será assegurada sem realinhamentos políticos e a construção um arco de alianças cuja abrangência se dê do centro democrático liberal à esquerda igualmente democrática e progressista, aberto a quem mais aderir ao trinômio “democracia, políticas públicas e equilíbrio fiscal”.

Já não há Ulysses, Tancredo, tampouco há Nelson Mandela brasileiro - redentor ou mito, não importa. O processo construirá novas referências, mas não cabe idealizá-las. Antes, a sociedade política terá que se recompor e caminhar com aquilo que possui: cidadãos que à parte dos partidos se indagam sobre os riscos à democracia; que calculando perdas fundamentais convencem-se a forçar lideranças de que sentarem-se em torno de mesma mesa é o melhor a fazer - até para que ninguém se aventure a virá-la.

*Carlos Melo é cientista político e professor do Insper. “Riscos à democracia e realinhamento político”, Valor Econômico, 5/2/2020.

Merval Pereira – Relações delicadas

- O Globo

Iniciativa de deputados de alterar forma da escolha dos ministros do STF está sendo considerada provocação

As implicações da condenação em segunda instância voltaram ao debate político em dois planos ontem. No Supremo Tribunal Federal (STF), com a decisão majoritária de que ela interrompe a prescrição da pena. Na Câmara, com as audiências públicas sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância na Comissão de Constituição e Justiça.

O plenário do STF esclareceu uma das pendências mais delicadas provocadas pela mudança da jurisprudência contra a prisão em segundo grau. Interpretando literalmente a Constituição, que prevê que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado do processo, isto é, quando não restarem mais recursos, voltou-se ao tempo em que a prisão era quase uma miragem diante da infinidade de recursos possíveis. Boa parte das vezes a prescrição do crime encerrava o caso antes que a possibilidade de recursos se encerrasse.

O voto vitorioso do relator, ministro Alexandre de Moraes, determina a interrupção da prescrição quando a segunda instância confirma a sentença de primeiro grau, mesmo com aumento ou redução da pena.

Essa medida atenua muito a mudança de posição do STF, provocada pelo voto do ministro Gilmar Mendes, que votara a favor da prisão em segunda instância e mudou de ideia.

Outro que mudou de ideia, e tem o peso de sua posição, mas já não do voto, pois está aposentado, foi o ministro Eros Grau, que, há cerca de dez anos, foi o relator que mudou a jurisprudência do caso para proibir a prisão em segunda instância, que vigorava há anos.

Ele continua achando que a Constituição só permite a prisão a partir do trânsito em julgado, mas concorda que é possível alterar os códigos de Processo Civil e Penal para que o trânsito em julgado seja definido depois da condenação em segunda instância, antes dos recursos ao STJ e ao STF.

Com isso, o artigo 5º da Constituição não precisaria ser alterado, o princípio da presunção de inocência continuaria mantido, pois os recursos, como acontece hoje, não influiriam no mérito da decisão penal.

O ministro Eros Grau, aposentado em 2010, mudou de posição diante de uma proposta apresentada pelo ministro Cezar Peluso, que ontem foi o primeiro a opinar nas audiências públicas da CCJ da Câmara. Como presidente do STF em 2011, foi à Câmara justamente discutir uma proposta de emenda constitucional (PEC), que alterava os artigos 102 e 105 da Constituição para transformar os recursos extraordinário (STJ) e especial (STF) em ações rescisórias.

Ascânio Seleme - Bolsonaro leniente com a corrupção

- O Globo

Há indícios de que atentados contra o Erário foram cometidos

Não se pode dizer que o presidente Jair Bolsonaro é corrupto. Mas é possível afirmar que ele é leniente com a corrupção.

Três casos confirmam esta doçura com o malfeito. O primeiro é o da Comunicação Social. Todos sabem que é o próprio Bolsonaro, com auxílio de seu filho Carlos, quem planeja a comunicação do presidente com a mídia. O GLOBO publicou na semana passada reportagem mostrando o ostracismo do porta-voz do Palácio do Planalto. O general Rêgo Barros não tem palavra a portar porque o seu dono fala todos os dias na porta do Alvorada e, sempre que vê um microfone, reduz o passo para dar uma bronca ou fazer uma declaração.

Assim como o porta-voz, o secretário de Comunicação tem função limitada no Palácio do Planalto. Estratégia de relação com a imprensa Fabio Wajngarten não faz. Um dia sugeriu que Bolsonaro suspendesse as entrevistas no Alvorada, alegando exposição desnecessária. Foi ignorado. Resta ao secretário cuidar da propaganda e da publicidade do governo. Nesse quesito ele se movimenta bem, já que é sócio de uma empresa que tem contratos com diversos veículos e agências que recebem recursos da sua Secretaria.

Esta mistura de público e privado atende pelo nome de conflito de interesses. Com um pouco de atenção de órgãos oficiais, como a Comissão de Ética da Presidência e agora a Polícia Federal, pode-se chegar a outra denominação. Mas no governo Bolsonaro, amigos não são alcançados por escândalos de corrupção. O presidente segura. No caso de Wajngarten, afirmou que “se houve crime a gente vê lá na frente”. Quer dizer, vamos convivendo com o crime e depois a gente cuida disso. Ontem, botou a mão no fogo: “(Ele) não é criminoso”.

Carlos Alberto Sardenberg - Populismo à direita

- O Globo

Parece que o presidente não se conforma com o fato de que não pode mandar na Petrobras, ou no Banco Central ou na PF

Populistas adoram oferecer gasolina barata. Populistas que controlam uma estatal de petróleo, mais ainda. Repararam nas palavras do presidente Bolsonaro? “Eu já cortei o preço três vezes, e o preço não cai na bomba”.

Ora, a Petrobras não tinha autonomia para administrar os preços de combustíveis? Bolsonaro já havia feito uma intervenção direta, quando a estatal elevara seus preços, mas a questão acabou sendo contornada, e — disseram — o presidente da República havia sido convencido de que era melhor deixar a coisa por conta da Petrobras.

Devem ter dito a ele que a então presidente Dilma quebrara a estatal ao obrigá-la a vender gasolina e diesel a preços mais baratos do que pagava na importação. Ele não era contra tudo do PT?

Então, ficou assim: o custo do combustível tem uma estrutura que envolve diversos fatores, inclusive externos, e a Petrobras administra isso.

Acontece que os fatores externos, desta vez, estão ajudando: os preços do petróleo estão em queda por causa da demanda menor causada pela crise do coronavírus. Há menos aviões, navios e caminhões circulando na China, que é uma das maiores consumidoras do combustível.

Pintou a chance para Bolsonaro. Na verdade, não foi ele que reduziu os preços três vezes e mais uma vez ontem. O preço caiu no mundo todo, e o presidente achou que poderia tirar uma boa lasquinha e oferecer ao consumidor uma gasolina mais barata — sem quebrar a Petrobras.

Para os governadores estaduais, porém, o preço mais barato do combustível é até uma oportunidade de arrecadar mais — oportunidade de ouro para administrações que estão em dificuldades financeiras.

Logo, na cabeça de Bolsonaro, a culpa é dos governadores e daí a aposta: “Eu zero o federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui, agora”, disse o presidente numa daquelas conversas na saída do Palácio da Alvorada.

Claro que os jornalistas foram perguntar no posto Ipiranga. Paulo Guedes, claro, fugiu do assunto.

Bernardo Mello Franco - O presidente contra os índios

- O Globo

Num só dia, Bolsonaro fortaleceu o lobby de garimpeiros e missionários de olho nas terras indígenas. As medidas afrontam direitos garantidos na Constituição, afirma Márcio Santilli

Jair Bolsonaro nunca escondeu o que pensa dos povos indígenas. O presidente já comparou os brasileiros que vivem em áreas demarcadas a “animais no zoológico”. Há duas semanas, disse que eles “estão evoluindo”. “Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”, afirmou.

Ontem o governo passou da retórica à ação. De manhã, o “Diário Oficial” confirmou a entrega de um cargo-chave da Funai a um missionário evangélico. À tarde, o presidente assinou projeto que libera a extração de minério em terras indígenas.

Ligado a uma organização americana, o evangelizador Ricardo Lopes Dias assumirá o setor de proteção aos índios isolados. Para permitir sua posse, a Funai mudou a regra que reservava o cargo a servidores de carreira.

Míriam Leitão - Queda dos juros e dúvida do BC

- O Globo

Em comunicado confuso, Banco Central baixa os juros, diz que vai interromper as quedas, mas que pode mudar de ideia mais à frente

O Banco Central reduziu mais uma vez os juros, agora para 4,25%, apesar do pouco ou nenhum espaço de redução, mas avisou que é hora de interromper o ciclo de queda. Em um comunicado confuso, o Banco Central diz uma coisa e o seu contrário, usando para isso aquela linguagem própria, que carece de tradução para o idioma corrente do país. Diz que as expectativas de inflação estão baixas até 2022, mas ao mesmo tempo avisa que há riscos de que o atual nível de juros possa “elevar a trajetória da inflação acima do esperado”. Ora, se há risco, era o caso de não ter reduzido de novo a Selic.

Se cortou, é porque acha que a economia ainda precisa de estímulo, ou seja, acredita que a recuperação da atividade está mais fraca do que o imaginado. Mas diz na abertura do comunicado que os dados recentes mostram “a continuidade do processo de recuperação da economia”. Bom, se está tudo bem com a recuperação não precisava reduzir novamente os juros que já estavam no menor nível da história. Mais adiante, contudo, aponta como o primeiro risco “o nível de ociosidade elevado” que pode levar a um crescimento abaixo do esperado. Em resumo, avisa que o país está se recuperando, mas a retomada pode ser menor, que a taxa de inflação está controlada até o fim do atual mandato, mas pode subir pelo estímulo dos juros baixos.

Por fim, alertou que pode mudar de ideia, ou seja, voltar a cortar juros dependendo da evolução da economia. E mandou o recado de que é preciso continuar as reformas e perseverar no ajuste fiscal.

Roberto Dias – Abaixo da cintura

- Folha de S. Paulo

Titular da secretaria, Fabio Wajngarten dedica-se a negar a realidade

Fabio Wajngarten é o responsável pela comunicação de um presidente da República que dá entrevistas coletivas diárias embaixo de uma mangueira.

Vai muito além do campo técnico (e folclórico), porém, o principal problema da Secom. Seu titular dedica-se a negar a realidade.

Questionado pela Comissão de Ética da Presidência se exerceu atividades que possam gerar conflitos de interesse na área, respondeu com um não peremptório mesmo tendo 95% das cotas de uma empresa que trabalha para agências e televisões contratadas por sua secretaria.

Paralelos históricos mostram que sua defesa não para em pé. A Polícia Federal passou a investigá-lo a pedido do Ministério Público. Assessores dizem ao presidente que a situação é insustentável.

Bruno Boghossian - Bolsonaro tira bomba do colo

- Folha de S. Paulo

Presidente ganha fôlego e evita choques ao fabricar impasse com governadores

Jair Bolsonaro sabe o prejuízo que um governante pode ter com o giro dos centavos nas bombas de combustíveis. Quando caminhoneiros bloquearam estradas em protesto contra o preço do diesel, em 2018, ele incentivou o movimento e disse que só uma paralisação poderia "forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso".

Embora o valor cobrado nos postos envolva fatores como custos de produção, preços internacionais e tributos, a ira dos motoristas costuma ficar concentrada nos inquilinos do Palácio do Planalto. Michel Temer e Dilma Rousseff foram alvos de ataques. Bolsonaro aplicou um drible para se proteger desse mau humor.

O presidente fabricou um impasse com os 27 governadores e ganhou fôlego para enfrentar os choques provocados por futuras altas nos preços. Nas últimas semanas, Bolsonaro insistiu que o aumento dos combustíveis não era culpa sua, mas dos impostos cobrados nos estados.

O argumento fazia pouco sentido, já que três tributos federais também incidem sobre a gasolina, o diesel e o etanol. Nesta quarta (5), o presidente emendou uma provocação: desafiou os governadores e disse que zeraria essas cobranças da União se os estados fizessem o mesmo. Ele sabe que isso jamais acontecerá, mas pode se dar por satisfeito.

Mariliz Pereira Jorge - Mais ódio no gabinete do ódio

- Folha de S. Paulo

Perto de Galeazzo, Weintraub parece um coroinha

A gestão Bolsonaro parece ter decidido dobrar a meta de gente asquerosa entre seus contratados. Só isso explica a possível nomeação do publicitário Luiz Galeazzo para cuidar da área digital do governo. Perto dele Abraham Weintraub parece um coroinha.

Galeazzo é figura conhecida nas redes sociais. Bolsonarista radical, faz piadas grotescas, insulta mulheres, dispara críticas raivosas contra o STF, compartilha fake news, diz que gente de esquerda não merece ser tratada como "pessoas" e, baixaria das baixarias, postou foto da vereadora assassinada Marielle Franco com a legenda "morri kkkkk".

Como sabemos, toda canalhice em favor desse governo será recompensada. Na semana passada, Galeazzo foi convidado pelo encrencado Fabio Wajngarten, da Secom, e sua nomeação aguarda aprovação do Gabinete de Segurança Institucional, que analisa, por exemplo, seus antecedentes criminais. O comportamento abjeto de Galeazzo nas redes parece não ter importância nessa vistoria.

Maria Hermínia Tavares* - Pobre paisagem

- Folha de S. Paulo

Cabe às oposições construir uma visão contemporânea de crescimento com equidade social

A ilustradora Juliana Russo saiu a pé de sua casa, em um bairro paulistano de classe média alta, rumo ao centro da cidade. Lápis na mão e olhar sensível, foi anotando o que via no seu caderno. O resultado do passeio foi "Pequenos Acasos Cotidianos", livro de desenhos a um tempo delicado e contundente, editado em 2019 pela Sala Aberta. Os pobres estão por toda parte e em muitas páginas, ali, como se fossem parte da paisagem. A nos lembrar o quanto a iniquidade é onipresente entre nós.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, cerca de 1/3 da força de trabalho do país —ou 27,3 milhões de pessoas— ganha até um salário mínimo. Em 2019, a fila de espera para o Bolsa Família chegou a meio milhão de famílias.

Ainda assim, tendo ocupado posição de relevo na agenda de todos os governos democráticos das últimas três décadas, a preocupação com a pobreza sumiu até mesmo da retórica da gestão Bolsonaro.

A mensagem presidencial enviada ao Congresso para a abertura dos trabalhos deste ano definiu com clareza a prioridade do Executivo: as reformas econômicas destinadas a destravar o ansiado crescimento econômico. Ninguém, com razoável bom senso e informação, pode duvidar de que há muita reforma por fazer: no sistema tributário, nas regras fiscais, nas relações federativas, para citar apenas as que foram ressaltadas no texto.

Fernando Schüler* - Ódio do bem

- Folha de S. Paulo

Se alguém quiser ajudar, pare de fingir que está tudo certo do seu lado e errado do outro

Zé de Abreu sairá intacto depois de dizer o que disse de Regina Duarte. Habituais feministas, como previsível, não saíram em defesa de Regina, pela exata razão posta pelo Zé: não basta ser mulher para merecer alguma coisa (respeito?). É preciso mais.

Fundamentalmente, é preciso não ser uma “fascista”, sendo o fascismo, nos dias que correm, um conceito bastante flexível. Tudo, aliás, parece bastante flexível. Ninguém larga a mão de ninguém, desde que seja uma mão amiga. Se for a mão da Regina Duarte, larga. Sem pena. Afinal ela é uma “fascista”, um tipo abaixo do “ser humano”, não é mesmo?

É a mesma lógica que permite dizer que não basta ser negro, é preciso pensar do jeito certo, e a partir daí achar normal chamar o vereador negro Fernando Holiday de “capitãozinho do mato”. Afinal, a cor da pele é apenas um critério muito frágil para o respeito. A questão central continua sendo a mesma: qual é mesmo o seu “lado”?

No caso de Holiday, a Justiça não caiu nessa conversa. Condenou Ciro Gomes por injúria racial. Racismo é crime no Brasil, independentemente da orientação ideológica e da cor da pele de agressores e agredidos. Talvez Ciro tenha imaginado que iria escapar da Justiça por ofender alguém de “direita”. Não colou.

Desconfio que Zé de Abreu pensou o mesmo sobre Regina Duarte. Agredir uma mulher de direita não dá nada, certo? É o machismo do bem, como bem definiu o Pedro Fernando Nery. Nesse caso parece que colou.

Há muito o que aprender com essas coisas todas. A primeira delas é que elas ocorrem em torno da internet. Sempre lembro da tese da neurocientista Susan Greenfield: a internet é um espaço de baixa empatia. “Não vemos a pessoa ficar vermelha, engolir a seco, ficar nervosa”. É mais fácil atacar um boneco do que um ser humano.

Outra lição é que o ódio não tem lado. Por algum tempo se cultivou a lenda de que havia uma direita intolerante e uma esquerda bacana. Na campanha eleitoral, lembro da turma que achava que as fakenews vinham apenas de um lado do jogo.

Luiz Carlos Azedo - Tolerância

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

”A xenofobia, a misoginia, a homofobia, a justiça pelas próprias mãos e o desrespeito aos direitos e às garantias individuais são ameaças à democracia, ainda que aparentemente sejam isolados os casos”

O consagrado ator José de Abreu anunciou no Instagram que embarca hoje para a Nova Zelândia, onde pretende morar. Depois de muita malcriação nas redes sociais — para dizer o mínimo —, resolveu dar um tempo e curtir a namorada Carol Junger, com quem recentemente fez um périplo de 75 dias, por 11 países. Radical aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cai fora do rodamoinho em que entrou depois das grosserias que fez com a também consagrada atriz Regina Duarte, que aceitou o convite para ser secretária de Cultura do governo Bolsonaro.

Os ataques de José de Abreu a Regina Duarte deixaram perplexos até mesmo os seus aliados: “Fascista não tem sexo. Vagina não transforma uma mulher em um ser humano. Eu não vou parar, eu sou radical mesmo e estou em um caminho sem volta”, declarou ele, em áudio enviado para a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, depois de várias postagens nas redes sociais atacando a atriz.

Saiu de cena como quem resolveu curtir a vida sem maiores compromissos: “Amanhã, começaremos uma nova fase de nossa vida em comum, vamos morar na Nova Zelândia. No começo, em Auckland. Se gostarmos, ficamos. Se não, Wellington ou Christchurch. Opções não faltam: país lindo, padrão de vida comparado aos países escandinavos, mas sem o ônus do frio. Pequeno, povo bacana, natureza… Que Deus nos ilumine e proteja #newzealand #newzealandlife #auckland #expatlife #novazelandia #vidamaluca”, escreveu.

Um radical que bate em retirada por livre e espontânea vontade da cena política brasileira deve ser motivo de comemoração, seja ele de esquerda, seja de direita. Às vésperas do Oscar, a cineasta Petra Costa, cujo filme Democracia em vertigem está entre os finalistas da categoria documentário, também sofre uma campanha intensa na internet por causa de sua abordagem sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff. De forma inédita, a secretaria de Comunicação do governo classificou a cineasta como uma “ativista anti-Brasil”.

Mas quem acabou indo para o pelourinho foi o jornalista Pedro Bial, que fez duras críticas ao filme e à cineasta, que narrou o filme. Segundo ele, Petra protagonizou uma “miada” insuportável. Em sua crítica, Bial disse que a cineasta ficou choramingando o filme inteiro, o que mobilizou uma cadeia de solidariedade à diretora, liderada pela ex-presidente Dilma Rousseff, personagem central do documentário. Bial está sendo atacado até mesmo por ex-colegas da TV Globo.

Estabeleceu-se uma polêmica sobre o filme que mistura alhos com bugalhos. O simples fato de ter sido selecionado como finalista do Oscar já garante à diretora Petra Costa o reconhecimento pela qualidade de sua obra, o que não tem nada a ver com concordar com a sua interpretação dos fatos, ainda mais quando sabemos que os documentários norte-americanos nunca primaram pela isenção política e ideológica. Onde está a intolerância? Nos ataques pessoais à diretora, não nas críticas ao filme, que podem ser consideradas justas ou injustas, dependendo do interlocutor.

Vinicius Torres Freire – Bolsonaro faz demagogia com gasolina

- Folha de S. Paulo

Sem tributo, educação ficaria sem dinheiro. Ideia é demagogia agressiva

Zerar os impostos sobre combustíveis é uma ideia obviamente lunática. Os motivos do desvario são mais obscuros.

Foi apenas mais um tiro da roleta russa de disparates de Jair Bolsonaro? Ou foi tentativa muito vulgar e manjada, nem por isso ineficaz, de fazer demagogia, de arrumar bodes expiatórios?

Ou seja, o governo lança uma ideia inexequível, de apelo popular, mas que será criticada por qualquer governante equilibrado ou observador razoável dos assuntos públicos. Assim, o povo desavisado ou fanático recebe mais uma mensagem de que “o sistema não deixa o mito trabalhar”. É propaganda e um trabalho de destruição institucional.

Por que o imposto zero é disparate?

Caso o governo federal e os estados deixassem de cobrar impostos sobre combustíveis, perderiam receita equivalente a 1,6% do PIB, uns R$ 115 bilhões, por aí. É a ordem de grandeza, pois não há dados recentes e detalhados da carga tributária. Os estados perderiam 1,2% do PIB.

O que é 1,2% do PIB? Mais ou menos a metade do que estados gastam em educação ou o gasto nacional em ensino médio. Etc.

O governo federal perderia uns R$ 28 bilhões por ano (de PIS/Cofins e Cide). É quase um ano inteiro de Bolsa Família. Há outros problemas fiscais, econômicos e legais de acabar com essa receita de impostos, mas já deve ter dado para entender o tamanho do problema.

"Eu zero o [imposto] federal se eles [governadores] zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui, agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?", disse Bolsonaro em uma das suas saidinhas do Palácio da Alvorada.

Luis Fernando Verissimo - Teste

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Quanto mais se pensa na evocação do Goebbels feita pelo então secretário Roberto Alvim na apresentação dos seus planos para a cultura brasileira, mais estranha ela fica. A estranheza não teve a cobertura que merecia. O que foi aquilo, afinal? Existir, como a Cajuína do Caetano, a que será que se destinava? Foi ingenuidade do moço Alvim, que literalmente não sabia o que estava dizendo e confiou demais em maus conselheiros com más leituras? Mas as citações de Goebbels não foram as únicas alusões ao nazismo no pronunciamento do secretário.

O próprio cenário despojado da sua fala, os adereços em cena, como o crucifixo medieval sobre a mesa, a posição do retrato do chefe na parede e da bandeira nacional num canto da tela, tudo era mensagem, e o primeiro exemplo da cultura “imperativa” que Alvim, se continuasse no cargo, nos imporia, sabe-se lá como. A música de fundo escolhida por Alvim para seu discurso foi a ópera de Richard Wagner preferida de Hitler, para ninguém ter dúvida que as referências ao Terceiro Reich foram deliberadas e não – como Alvim chegou a dizer depois de exonerado – coincidências urdidas pelo demônio. A música de fundo da ascensão triunfal do nazismo, da sua derrocada e das suas atrocidades, foi de Wagner, do começo ao fim.

William Waack - Zeitgeist com Twitter

- O Estado de S.Paulo

Forças profundas favorecem a reeleição de Trump, além da incompetência dos adversários

É evidente a consternação com que parte muito relevante da imprensa americana constata a sucessão de fatos que sugerem um grande impulso para a reeleição de Donald Trump em novembro. Livre do impeachment, comemorando o mais longo período recente de expansão da economia americana e até aqui sem adversários do Partido Democrata capazes de enfrentá-lo, “não tem mais coleira alguma que segure Trump”, resignou-se o The New York Times.

De fato, as mudanças que Trump já provocou no sistema político americano e, mais ainda, na visão que os americanos têm de si mesmos e seu papel no mundo parecem irreversíveis – se são benéficas para o futuro do país e a ordem internacional é outra questão. Pois essas transformações têm causas muito mais amplas do que o comportamento que se possa considerar desprezível e ilegal de um indivíduo (Trump). Elas têm de ser vistas como parte de uma revolta mundial contra a democracia liberal. O nosso “Zeitgeist” (espírito de uma época) com Twitter.

Por ser Trump um anti-intelectual a ponto do analfabetismo cultural e errático em seus pronunciamentos, a mesma parte relevante da imprensa americana e internacional assume que ele não tem projeto coerente que precise de uma teoria para ser explicado. Mas é óbvio que visões de mundo podem ser “intuitivas” em vez de “ideológicas” ou “filosóficas”, e que estratégias podem ser instintivas em vez de claramente delineadas e sistematizadas (Bolsonaro entraria nessa última categoria).

Zeina Latif* - Palavras vazias ou compromisso?

- O Estado de S.Paulo

O STF se mostra sensível a pleitos de Estados e municípios contra a União

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, em seu discurso de abertura do ano do Judiciário defendeu a responsabilidade da Corte com o ambiente econômico, afirmando: “Gerar confiança, previsibilidade e segurança jurídica: esse é o objetivo primordial do Poder Judiciário na atual quadra da história do país, em que se anseia pela retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentável”.

O Judiciário com frequência mostra-se insensível à racionalidade econômica em suas decisões, beneficiando alguns em detrimento da sociedade.

Um exemplo recente é que depois de quase 20 anos da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o STF retomou no ano passado a análise de dispositivo (suspenso desde 2002) que permite que Estados e municípios reduzam temporariamente a jornada de trabalho e salário de servidores quando os gastos com pessoal ultrapassarem o teto previsto em lei, de 60% da Receita Corrente Líquida. A votação não foi concluída e será retomada em abril. O placar, porém, está em 6 a 4 (falta apenas 1 voto) para proibir um dispositivo essencial para o ajuste fiscal desses entes, diante do rápido envelhecimento populacional que pressiona a Previdência, em que pese a necessidade de evitar o sacrifício excessivo do funcionalismo.

Roberto Macedo* - Ampliar ascensão social é menos difícil que desconcentrar renda

- O Estado de S.Paulo

Só com o PIB crescendo bem mais voltará a haver condições de ascender socialmente

Continuo a pregar que a situação da economia é ainda pior que a percebida pelo governo, pelos meios de comunicação, pelo tal mercado e pela sociedade em geral. Meu último artigo neste espaço, em 16/1, foi PIB – 2010-2019, a pior de 12 décadas. O texto analisou dados desde 1901 e assim sintetizou a situação atual da economia: teve uma recessão que durou dois anos, embutida numa depressão que já tem cinco anos, e também passa por uma estagnação de quatro décadas.
Hoje relacionarei essa situação com outro enorme problema do País, a desigualdade de sua distribuição de renda, sabidamente enorme, e argumentarei que ampliar a ascensão social é menos difícil do que desconcentrar a renda. Não sou contra essa desconcentração, mas a desigualdade começou com a nossa colonização, com destaque para a escravidão, que vicejou por três séculos, e aliviá-la envolveria imensas dificuldades.

A título de exemplo, entre outras medidas, seria necessária uma profunda reestruturação da estrutura tributária, dando maior peso a impostos sobre a renda e sobre heranças, pois hoje predominam impostos indiretos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que onera relativamente mais os pobres, ao ter forte incidência sobre o consumo, que absorve maior parcela da renda desse grupo que da dos ricos.

Everardo Maciel* - Litígio tributário, o problema

- O Estado de S.Paulo

Dívida ativa e contenciosos administrativo e judicial dos Estados chegam a superar metade do PIB brasileiro

Problemas existem em todos os sistemas tributários, em virtude de sua natureza intrinsecamente imperfeita combinada com elevada volatilidade das circunstâncias econômicas e políticas. O que muda é o tipo de problema.

As grandes discussões tributárias são, hoje, a taxação da economia digital, o enfrentamento da erosão tributária associada a paraísos fiscais e a identificação de novas fontes de financiamento da previdência social.

No âmbito da taxação da economia digital, a União Europeia não hesitou em cogitar um imposto sobre a receita bruta das empresas de economia digital, de caráter cumulativo, para surpresa dos que professam o dogma da não cumulatividade. De igual forma, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) começa a admitir a tributação na fonte, em lugar da residência, por força do crescente esvaziamento do conceito de estabelecimento permanente.

Tudo isso decorre da evidência de que sistemas tributários devem ser pragmáticos e resilientes para enfrentar uma revolução tecnológica cada vez mais veloz. Quem não entender essa realidade vai ficar para trás.

Aqui, permanecemos em debate estéril sobre modelos tributários que vão se tornar obsoletos, sem cuidar dos verdadeiros problemas e, muito menos, olhar para a frente.

Maria Cristina Fernandes - Um laboratório de Brasil

- Valor Econômico

Penúria fiscal vira semente do pragmatismo político

Presidente do terceiro maior sindicato do país, o dos professores do Rio Grande do Sul, Helenir Schürer, não mudou suas convicções contrárias ao pacote de reformas aprovado pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em tempo recorde, durante convocação extraordinária da Assembleia Legislativa. O pacote, no entanto, forçou o sindicato a negociar com o MDB uma emenda para mitigar perdas no plano de carreiras da categoria, modificado substancialmente pela primeira vez desde sua adoção durante a ditadura militar - “A estratégia foi a de reduzir danos. Fizemos o que foi possível ante um governo que tem 40 das 55 cadeiras da Assembleia”.

O desfecho é prenhe de sinais sobre as mudanças em curso no país. O PT chegou ao Palácio do Piratini quatro anos antes de tomar posse do Planalto e também foi de lá desalojado antes de o impeachment varrê-lo da capital federal. A bancarrota fiscal dos pampas teve início nos anos 1990 e atravessou governos do MDB, PT e PSDB sem que nenhum deles tenha sido capaz de estancar a sangria.

O buraco com o qual o atual governador assumiu o Estado só perde para o do Rio de sucessivas pilhagens. A penúria foi a semente do pragmatismo. Há cinco anos os servidores têm recebido salário parcelado até o último dia do mês seguinte. Depois de um 2019 de longas greves, o governador emplacou um pacote que extingue gratificações e promoções por tempo de serviço, prevê perda de cargo por avaliação periódica de desempenho e antecipa medida que está na PEC Emergencial no Congresso Nacional e permite ao servidor pedir redução de jornada - e de salário - de até 25%.

Líder do governo anterior, derrotado por Leite, o deputado Gabriel Souza (MDB) percebeu a brecha e negociou uma emenda com Helenir que amenizou a proposta e permitiu algum aumento salarial este ano. A esquerda se dividiu na votação. O PDT votou a favor, mas o PT (partido ao qual a presidente do sindicato é filiada) votou contra, bem como o PSOL.

Ribamar Oliveira - Incentivos distorcidos na escolha da profissão

- Valor Econômico

Governo acredita que medida contribuirá para melhoria alocativa na economia

Além de tornar a máquina estatal mais eficiente, para que preste melhores serviços aos cidadãos, a reforma administrativa a ser proposta pelo governo tem um outro objetivo que não é facilmente perceptível. Ela pretende corrigir os incentivos distorcidos dados aos trabalhadores na escolha de uma profissão, informa uma nota produzida pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, que será divulgada hoje.

O governo avalia que, atualmente, existe um prêmio salarial para o ingresso no setor público, que paga melhores salários do que o setor privado para ocupações semelhantes. Ao reduzir esse prêmio, o governo acredita que contribuirá para uma melhoria alocativa na economia.

O pressuposto é que a alocação dos talentos é direcionada de acordo com o retorno em cada ocupação. Uma economia com elevado nível de burocracia, observa a nota da SPE, tende a estimular ocupações orientadas por busca de renda (rent-seeking, no termo em inglês), em vez de busca pelo lucro (profit-seeking), que seria a recompensa do empreendedorismo e da produção.

“Ao invés de enviesar as escolhas de carreiras através do pagamento de um prêmio salarial artificial, a nova estrutura de salários e carreiras do setor público (que será proposta pela reforma administrativa) tornará os incentivos mais adequados à alocação dos talentos onde eles têm maior vocação e logo maior retorno”, diz a nota, intitulada “Redução do Misallocation para a Retomada da Produtividade Brasileira”.

A nota garante que “os impactos sobre o crescimento (com a redução do prêmio salarial do setor público) devem ser superlativos”. Ela cita um estudo feito pelos pesquisadores Tiago Cavalcanti, da Universidade de Cambridge, e Marcelo Santos, do Insper, o qual estima que a redução do prêmio salarial em seis pontos percentuais e o alinhamento das perspectivas de previdência entre o setor público e privado, conforme estabelecido pela reforma recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, produziriam um aumento de 17% no Produto Interno Bruto (PIB) per capita a longo prazo no Brasil.

Ricardo Abramovay* - As empresas e as mudanças climáticas

- Valor Econômico

As empresas ainda estão longe de fazer o mínimo necessário para enfrentar uma crise que só vai se agravar

Apesar do avanço do negacionismo climático em países tão importantes como os EUA, a Austrália e o Brasil, é um equívoco afirmar que o mundo dos negócios, as organizações multilaterais e a maior parte dos governos estejam paralisados diante dos desastres e das ameaças trazidos pelo aquecimento global.

O “State of Green Business” de 2020 mostra que 86% das grandes empresas americanas publicam relatórios de sustentabilidade. Em 2014 esta proporção não passava de 10%. Mais que isso: 79% delas descrevem riscos físicos relacionados à crise climática. 60% das empresas do índice S&P 500, dos EUA (com uma capitalização de mercado de US$ 18 trilhões) e 40% das que integram o S&P Global 1.200 (representando US$ 27,3 trilhões) possuem ativos sob alto risco diante da crise climática.

As informações contidas nestes relatórios não se referem apenas à própria empresa, mas envolvem, em 73% dos casos, o conjunto de seus fornecedores. Em 2014 apenas 16% das maiores empresas globais e americanas tinham objetivos quantificados de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Hoje, estas metas fazem parte do planejamento de 58% destas empresas.

Transportes marítimos, usos do solo, mobilidade, mercados de carbono, construção civil, alimentação, agricultura, finanças e revolução digital, são alguns dos setores em que o “Green Business” 2020 localiza iniciativas importantes, bem como as empresas ou organizações que as estão levando adiante (“key players to watch”). O relatório apoia-se em 40 indicadores de progresso em temas como eficiência no uso dos recursos, transparência, avaliação de riscos, investimentos em tecnologias limpas, economia circular, entre outros.

Simon Johnson* - Desigualdade e crescimento econômico

- Valor Econômico

A desigualdade, nos níveis contemporâneos, não é um acaso. Resulta de escolhas de políticas públicas influenciadas ou impulsionadas por pessoas relativamente ricas

Em eras anteriores, as principais autoridades da área econômica consideravam a desigualdade como algo que se distinguia das principais preocupações da política macroeconômica. Desde a Revolução Industrial, a visão geral é a de que, em média, as pessoas querem ter maior renda e um maior número de bons empregos - e que a melhor maneira de alcançar essas metas é por meio de um crescimento econômico mais acelerado. Não surpreende, portanto, que muita energia mental tenha sido dedicada à questão de como projetar e gerir políticas monetárias e fiscais capazes de sustentar taxas mais elevadas de crescimento agregado.

A desigualdade era encarada como um problema distinto, que poderia ser enfrentado, no limite, pela conversão dos impostos líquidos em mais ou menos progressivos. As pessoas ricas contribuiriam com uma maior parcela de sua renda total para as finanças públicas do que a classe média.

Está cada vez mais evidente que há três problemas principais nessa visão de mundo, pelo menos considerando-se sua adequação aos Estados Unidos contemporâneos. Todos esses três aparecem com toda a sua clareza no brilhante livro novo da economista Heather Boushey, “Unbound: How Inequality Constricts Our Economy and What We Can Do About It”.

Em primeiro lugar, o sistema fiscal deixou de ser progressivo. Warren Buffett observou, celebremente, em 2011, que sua alíquota de imposto é mais baixa que a de seu assistente - e essa não é uma ocorrência isolada. Desde a década de 1970, as alíquotas efetivas de impostos sobre a renda auferida por meio de ganhos de capital (para Buffett) caíram drasticamente, enquanto permaneceram muito mais estáveis os impostos cobrados dos que auferem renda do trabalho assalariado como os assistentes (inclusive os de bilionários, pelo visto).

Ricardo Noblat - Bolsonaro, um presidente de palavra

- Blog do Noblat | Veja

Garimpeiros em festa. O combate à corrupção pode esperar

Dele não se poderá dizer que esconde o que lhe vai na alma. Muitos políticos agem assim – dissimulam, falam o que o interlocutor quer ouvir ou se recolhem ao silêncio. Bolsonaro é diferente. Para atrair os holofotes, exagera em algumas ocasiões, é fato, mas o exagero só reforça o que de fato pensa.

Quando disse que o índio está evoluindo para ficar parecido “conosco” é porque de fato acredita nisso – que se parecer com um homem branco, renunciando aos seus próprios valores, cultura, religião e modo de viver, significa um passo adiante e não atrás. O atraso seria se o índio teimasse em viver como sempre viveu.

Por acreditar em tal coisa, nada mais natural que Bolsonaro vá em frente e, como presidente da República, passe da teoria à prática, redesenhando o mundo ao seu gosto. Foi o que fez ao nomear um missionário evangélico para cuidar dos índios que vivem isolados e assinar o projeto que libera o garimpo em terras indígenas.

O esvaziado chefe da Casa Civil da presidência da República, Onyx Lorenzoni, da turma dos mortos-vivos deste governo, batizou o projeto de nova “Lei Áurea”. A antiga, de 1888, assinada pela Princesa Isabel, ficou conhecida como a que extinguiu a escravidão no Brasil. Não ficou claro o que Lorenzoni quis dizer.

Que o projeto do seu chefe libertará os índios da escravidão de viverem em partes ainda preservadas do seu habitat? Ou que o projeto libertará os garimpeiros e, no rastro deles, as grandes empresas de mineração, da obrigação prevista em lei de respeitarem os limites das reservas indígenas?

Lorenzonni não entende nem de índio nem de garimpo. De garimpo, Bolsonaro entende. Às escondidas dos seus superiores, o cabo Bolsonaro, para embolsar mais algum, garimpou no Mato Grosso. Recebeu mais tarde uma advertência por conta disso. Sujou sua folha corrida. Mas encantou-se pelo garimpo.

O que a mídia pensa – Editoriais

Governo de Bolsonaro dá a primazia aos militares – Editorial | Valor Econômico

Bolsonaro deveria governar para a nação, não para a corporação

O Orçamento da União é finito, mas as demandas por recursos, não. Entre os dois surgem para se apropriar das verbas os lobbies, que, na atual administração, ganharam um integrante visível, o militar - encabeçado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Ao dar prioridade aos salários, aparelhamento e emprego dos militares, o dinheiro escasso tem de ser cortado de algum lugar - de hospitais, da educação etc. Para o país, não é uma política correta, austera e sequer liberal.

As contas públicas encerraram 2019 com um déficit primário menor do que o esperado, mas, ainda assim, surpreenderam ao fechar em R$ 10,5 bilhões acima do esperado - para surpresa do próprio secretário do Tesouro. A lei do teto de gastos exclui a capitalização das estatais e no apagar das luzes surgiram aportes de R$ 7,6 bilhões para a Emgepron, que existe desde 1982, para a construção de corvetas para a Marinha.

No governo Temer, havia sido feito um pedido de R$ 1,5 bilhão para a estatal e a expectativa no atual governo era a de que ela recebesse dinheiro ao longo dos próximos anos, e não tudo de uma vez. O argumento é o mesmo de antes, o de que o país não tem essas embarcações para a defesa da costa brasileira, mas a urgência é discutível. O ataque mais ameaçador ao litoral brasileiro veio na forma de manchas de óleo, cujo combate prescindiu, obviamente, de corvetas. Outro R$ 1 bilhão foi destinado à Telebras, que ainda existe e serve de desafio ao encalhado programa de privatizações do governo - aquele estimado em R$ 1 trilhão pelo ministro Paulo Guedes.

Poesia | Cora Coralina - Todas as vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.