terça-feira, 17 de agosto de 2021

Carlos Andreazza - Onyx Lorenzoni de Chicago

O Globo

Até quando a elite brasileira se protegerá na farsa reformista — na terra do nunca prometida por Paulo Guedes — de modo a justificar a adesão ao governo Bolsonaro? A casa caiu, sem jamais ter sido erguida. O futuro é Sérgio Reis intimando o Senado. Por que não, se o mito toca o berrante? Ê, boi!

Até quando? “Ah! Mas isso é só discurso... Só marola.” Ainda não viram — talvez esperando pelos efeitos fiscalistas da PEC Emergencial, em 2024 — que a âncora fiscal já era, que o arranjo orçamentário para 2022 pendura fundos teto solar de gastos afora e que não estão convidados senão para pagar a fatura da reeleição?

Estão dispostos a continuar — sejamos francos — financiando o projeto autocrático de um populista que tem o Onyx Lorenzoni de Chicago como ministro da Economia e que entrega umas migalhas requentadas-improvisadas como se reformas fossem?

Não observam que o calote, a tunga dos precatórios, é expressão do descalabro — de compromissos eleitorais assumidos para os quais não há recursos — e que a catação desesperada de espacinhos fiscais antecipa o estouro da boiada? Vai piorar. Ou não avaliaram ainda que o fim do Bolsa Família engaja um programa — mais caro e também de caráter permanente — a ser pago desde fonte movediça?

Quando essa gente — sustentada pelo cinismo do ganho imediato — começará a fazer conta acerca do impacto da imprevisibilidade institucional no lombo do equilíbrio republicano e, mais cedo ou mais tarde, sobre a vitalidade orgânica das empresas em que se investe? No mundo real: está tudo implicado.

A turma do mercado não afere a depauperação da ordem democrática como condição fundamental — urgente — para desinvestimento? Acha que há lucro em jogar — fazer rali — com os atropelos derivados dos achaques de Bolsonaro contra a democracia liberal? É o que consideram tomar risco, apoiar governo que solapa os Poderes da República prometendo razão nas despesas públicas? Continuarão tomando risco com o mito quando, no ano que vem, os caminhoneiros nos entregarem mais um pouco de Venezuela?

Essa galera não vê que a inconstância — produto de Bolsonaro por excelência — gera muito mais desemprego e precarização do trabalho do que a resistência da peste? Não vê que o projeto bolsonarista, provocador de instabilidades por natureza, é paraíso para a inflação influente?

Perceberão que o palestrante Guedes é bolsonarista, minion mesmo, e que, trabalhando sem cessar pela reeleição do chefe, obrigatoriamente traiu a bandeira reformista/fiscalista? Ou já sabem disso e é isso mesmo, satisfeitos com aquilo que, chamado de capitalização da Eletrobras, resultará em que usineiros sem gás ergam suas termelétricas à custa de pagarmos mais pela energia elétrica? A Eletrobras do mundo real privatizada — rateada entre interesses patrimonialistas — para que pudesse avançar a desestatização da Eletrobras paralela, lá naquele universo em que o ministro da Economia sai às ruas e é aplaudido.

Quem bota dinheiro nas mãos de operadores que, não sendo militares ou membros do Progressistas, fazem gestões agressivas de granas alheias num país em que a incerteza é política de Estado? Quando passarão a avaliar o custo de um presidente que diz que, não sendo como deseja, não haverá eleição? A Bolsa não precifica isso? Não tem isso como elemento decisivo? Considera coisa menor? A Bolsa é cretina. Sorry.

Não há riqueza que se sustente isoladamente, a não ser que o rico seja fruto da bolha sistêmica que financia o arranjo da sociedade entre governo militar de Bolsonaro e Centrão. Se considera que o golpismo húngaro do bolsonarismo — esse que dilapida, diariamente, a República, que a mastiga por dentro — não atrapalha os seus negócios, ou você é burro ou é Ciro Nogueira, o amortecedor.

Já são dois anos e mais de meio desta tragédia absoluta, expostos ao sol todos os daniéis-silveiras — os robertos-jeffersons — da Faria Lima. Reforma estrutural, mesmo, para valer, nunca foi possibilidade. Questão conceitual: como erguer algo se sobre solo instável? Como poderia ser reformista — ainda que fosse Guedes competente — o governo de um presidente, ademais líder corporativista, que é o centro gerador de instabilidades? Que reforma administrativa, se o presidente administra bem-sucedida empresa familiar constituída nas bordas do Estado que se pretenderia diminuir?

Nunca pôde dar certo, se tem lugar no Planalto a mais profícua forja de inimigos, se a existência competitiva de Bolsonaro depende da difusão permanente de conflitos — o oposto perfeito do que seria o ambiente de necessidades para uma reforma.

Fala-se em Congresso reformista, a pior legislatura da História. Congresso reformista, este em que Arthur Lira depreda os instrumentos regimentais de defesa das minorias para impor pautas. Mas vá lá: ainda que reformista fosse, de onde se tirou que essa condição significaria qualidade per se? Sempre se dependerá da reforma. Mil reformas ruins também definem um reformista.

Sempre se dependerá do formulador. E temos que este Congresso, dito reformista, é também aquele da renovação. Quem se lembra? Criminalizou-se a atividade política para que, afinal, major Vitor Hugo ascendesse e Lira soltasse o freio do trator. Em alguma altura de nossa febre, acreditou-se igualmente que mudança — renovação — seria qualidade per se; até que nos quedássemos num Parlamento de zambellis e bibos liderados por Ricardo Barros em versão segundo a qual a República deve se moldar a Bolsonaro.

 

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