O Globo
Até quando a elite brasileira se protegerá
na farsa reformista — na terra do nunca prometida por Paulo Guedes — de modo a
justificar a adesão ao governo Bolsonaro? A casa caiu, sem jamais ter sido
erguida. O futuro é Sérgio Reis intimando o Senado. Por que não, se o mito toca
o berrante? Ê, boi!
Até quando? “Ah! Mas isso é só discurso...
Só marola.” Ainda não viram — talvez esperando pelos efeitos fiscalistas da PEC
Emergencial, em 2024 — que a âncora fiscal já era, que o arranjo orçamentário
para 2022 pendura fundos teto solar de gastos afora e que não estão convidados
senão para pagar a fatura da reeleição?
Estão dispostos a continuar — sejamos
francos — financiando o projeto autocrático de um populista que tem o Onyx
Lorenzoni de Chicago como ministro da Economia e que entrega umas migalhas
requentadas-improvisadas como se reformas fossem?
Não observam que o calote, a tunga dos precatórios, é expressão do descalabro — de compromissos eleitorais assumidos para os quais não há recursos — e que a catação desesperada de espacinhos fiscais antecipa o estouro da boiada? Vai piorar. Ou não avaliaram ainda que o fim do Bolsa Família engaja um programa — mais caro e também de caráter permanente — a ser pago desde fonte movediça?
Quando essa gente — sustentada pelo cinismo
do ganho imediato — começará a fazer conta acerca do impacto da
imprevisibilidade institucional no lombo do equilíbrio republicano e, mais cedo
ou mais tarde, sobre a vitalidade orgânica das empresas em que se investe? No
mundo real: está tudo implicado.
A turma do mercado não afere a depauperação
da ordem democrática como condição fundamental — urgente — para
desinvestimento? Acha que há lucro em jogar — fazer rali — com os atropelos derivados
dos achaques de Bolsonaro contra a democracia liberal? É o que consideram tomar
risco, apoiar governo que solapa os Poderes da República prometendo razão nas
despesas públicas? Continuarão tomando risco com o mito quando, no ano que vem,
os caminhoneiros nos entregarem mais um pouco de Venezuela?
Essa galera não vê que a inconstância —
produto de Bolsonaro por excelência — gera muito mais desemprego e precarização
do trabalho do que a resistência da peste? Não vê que o projeto bolsonarista,
provocador de instabilidades por natureza, é paraíso para a inflação influente?
Perceberão que o palestrante Guedes é
bolsonarista, minion mesmo, e que, trabalhando sem cessar pela reeleição do
chefe, obrigatoriamente traiu a bandeira reformista/fiscalista? Ou já sabem
disso e é isso mesmo, satisfeitos com aquilo que, chamado de capitalização da
Eletrobras, resultará em que usineiros sem gás ergam suas termelétricas à custa
de pagarmos mais pela energia elétrica? A Eletrobras do mundo real privatizada
— rateada entre interesses patrimonialistas — para que pudesse avançar a
desestatização da Eletrobras paralela, lá naquele universo em que o ministro da
Economia sai às ruas e é aplaudido.
Quem bota dinheiro nas mãos de operadores
que, não sendo militares ou membros do Progressistas, fazem gestões agressivas
de granas alheias num país em que a incerteza é política de Estado? Quando
passarão a avaliar o custo de um presidente que diz que, não sendo como deseja,
não haverá eleição? A Bolsa não precifica isso? Não tem isso como elemento
decisivo? Considera coisa menor? A Bolsa é cretina. Sorry.
Não há riqueza que se sustente
isoladamente, a não ser que o rico seja fruto da bolha sistêmica que financia o
arranjo da sociedade entre governo militar de Bolsonaro e Centrão. Se considera
que o golpismo húngaro do bolsonarismo — esse que dilapida, diariamente, a
República, que a mastiga por dentro — não atrapalha os seus negócios, ou você é
burro ou é Ciro Nogueira, o amortecedor.
Já são dois anos e mais de meio desta
tragédia absoluta, expostos ao sol todos os daniéis-silveiras — os
robertos-jeffersons — da Faria Lima. Reforma estrutural, mesmo, para valer,
nunca foi possibilidade. Questão conceitual: como erguer algo se sobre solo
instável? Como poderia ser reformista — ainda que fosse Guedes competente — o
governo de um presidente, ademais líder corporativista, que é o centro gerador
de instabilidades? Que reforma administrativa, se o presidente administra
bem-sucedida empresa familiar constituída nas bordas do Estado que se pretenderia
diminuir?
Nunca pôde dar certo, se tem lugar no
Planalto a mais profícua forja de inimigos, se a existência competitiva de
Bolsonaro depende da difusão permanente de conflitos — o oposto perfeito do que
seria o ambiente de necessidades para uma reforma.
Fala-se em Congresso reformista, a pior
legislatura da História. Congresso reformista, este em que Arthur Lira depreda
os instrumentos regimentais de defesa das minorias para impor pautas. Mas vá
lá: ainda que reformista fosse, de onde se tirou que essa condição significaria
qualidade per se? Sempre se
dependerá da reforma. Mil reformas ruins também definem um reformista.
Sempre se dependerá do formulador. E temos
que este Congresso, dito reformista, é também aquele da renovação. Quem se
lembra? Criminalizou-se a atividade política para que, afinal, major Vitor Hugo
ascendesse e Lira soltasse o freio do trator. Em alguma altura de nossa febre,
acreditou-se igualmente que mudança — renovação — seria qualidade per se; até que nos quedássemos num
Parlamento de zambellis e bibos liderados por Ricardo Barros em versão segundo
a qual a República deve se moldar a Bolsonaro.
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