domingo, 31 de outubro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Mais Brasil e mais Brasília: a via política como solução

“Mais Brasil, menos Brasília” era um slogan a que Jair Bolsonaro apelava quando o governo eleito em 2018 ainda despertava expectativa positiva em partes da sociedade brasileira, fora do círculo cada vez mais estreito do eleitorado que hoje ainda o trata como mito. Mas o slogan não guardava afinidade apenas com a candidatura vencedora naquelas eleições. Funcionava, subliminarmente, como cartão de visitas da chamada “nova política”, que muitos imaginavam estar surgindo no Brasil, após a blitz que a Operação Lava-jato dirigiu à chamada “velha política”. Esse foi o nome-fantasia com que a ética faxineira batizou seu real adversário, o sistema institucional onde se opera a política de todos os partidos e lideranças políticas. Lamentavelmente, a elite política reagiu à blitz de autoproclamados guardiães de virtudes republicanas com uma espécie de strip tease. Entregou-se a ritos autofágicos, com quase todas as suas facções partidárias caindo no autoengano de tentar surfar na onda do lava-jatismo para escapar do afogamento geral que ela pretendia causar.

A omissão e o escapismo das lideranças e partidos que acabaram entregando o país à extrema-direita foram de tal monta que correram da raia tanto a facção de esquerda que ocupava o governo e que - exatamente por estar no governo - havia sido atingida pelos primeiros petardos da Lava-Jato, quanto as facções de centro e de direita que se uniram pelo impeachment de uma presidente já caída em desgraça pela rejeição popular e foram igualmente alcançadas, na sequência, pela perversidade de uma operação que degenerou, como se sabe, em toda sorte de arbitrariedades.  Omitiu-se o grupo governante até 2016 ao fazer ouvidos moucos aos protestos de 2013 (que legitimamente e pacificamente cobravam eficácia e transparência do governo na prestação de serviços públicos) e ao tentar refratá-los pelo despiste para uma fictícia reforma política, chegando ao ponto de ameaçar a Carta de 1988 com uma insólita ideia de Constituinte. Já os grupos que apearam do poder aquele grupo governante também se omitiram ao negarem ao governo de transição que criaram o apoio e a solidariedade necessários para que se desse em clima de unidade a travessia até as urnas, hora em que os litigantes prestariam contas aos eleitores. As forças derrotadas na batalha do impeachment tentaram escapar pela narrativa do “golpe” e as vencedoras por um salve-se-quem-puder que fugia à responsabilidade política pela solução encontrada. Da combinação desses escapismos resultou a catástrofe atual.

Merval Pereira - Sem lugar de fala

O Globo

A ida de Bolsonaro à reunião do G20 não tem a menor importância. O importante é ele não ir à reunião mundial do clima na Escócia, da qual depende nosso futuro, e o do mundo. Tanto no G20 quanto na COP26, ele não tem lugar de fala, não tem nada a dizer. Não ir à COP26 é sinal de que o assunto não é prioridade do país. Como explicar que acabou de dar uma pedalada para mudar o critério de emissão de carbono, para poder poluir mais ?

Somos o quarto ou quinto país em emissão de carbono, ao lado de China, Rússia, Índia e Estados Unidos. O Brasil já foi protagonista na discussão sobre meio ambiente, e no esforço de reduzir a emissão de carbono. Hoje é um pária internacional. O país tem uma fonte de riqueza espetacular na Amazônia, e o governo só faz destruí-la, não entende que uma árvore em pé é mais importante economicamente do que derrubada.

O Brasil estaria com a faca e o queijo na mão nesse assunto. Se tem um país no mundo que tem todas as condições, uma matriz energética muito limpa, este é o Brasil. Nossa energia é 80% limpa, renovável com as hidrelétricas, a da China é 60% de carvão mineral, nossa vantagem comparativa é imensa. Para Sérgio Margulis, doutor em economia ambiental pelo Imperial College de Londres e  pesquisador sênior  do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), a racionalidade econômica seria o Brasil puxar por essa agenda, onde temos uma vantagem enorme. “É uma questão econômica, comercial, não tem nada de esquerda ou de direita”, ressalta.

Elio Gaspari - O aviso do xerife de 2022

Folha de S. Paulo / O Globo

Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro

Um ano antes do pleito de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral escreveu uma boa página de sua história. Livrou a chapa de Jair Bolsonaro da cassação e avisou aos interessados que se repetirem o golpe das notícias falsas e das milícias eletrônicas, pagarão pelos seus delitos. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte em 2020: “Irão para a cadeia”.

A decisão unânime do TSE acompanhou o voto de 51 páginas do corregedor Luiz Felipe Salomão. No ambiente envenenado da política nacional, Salomão apresentou uma peça redonda e cirúrgica na demonstração das malfeitorias cometidas e equilibrada na conclusão de que faltaram provas e as impressões digitais necessárias para justificar a cassação de uma chapa três anos depois de sua posse. O magistrado mostrou a letalidade do vírus e abriu o caminho para a advertência de Moraes.

Passados três anos do festival de patranhas de 20018, Alexandre de Moraes chegará à presidência do TSE em agosto, com a estrela de xerife no peito. Salomão fez sua carreira na magistratura; Moraes, no Ministério Público, com uma passagem pela Secretaria de Segurança de São Paulo. Além disso, na condução do inquérito das notícias falsas conhece as obras e pompas das milícias eletrônicas e mostrou-se rápido no gatilho ao mandar delinquentes para a cadeia. Zé Trovão, o caminhoneiro foragido, decidiu entregar-se à Polícia Federal. Na estrela de xerife de Moraes brilha o destempero com que Jair Bolsonaro investiu contra ele, chamando-o de “canalha”.

Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro. Salomão, por seu turno, já firmou a jurisprudência que congela os recursos que as alimentam. As conexões internacionais dessas milícias, um fato que há três anos estavam no campo da ficção cibernética, hoje estão mapeadas. Se há um ano elas tinham o beneplácito do governo americano, hoje têm o FBI no seu encalço.

Com Moraes na presidência do TSE é possível prever que entre o início dos disparos propagadores de mentiras e a chegada dos responsáveis à carceragem passarão apenas dias ou, no máximo, poucas semanas. Basta ler o voto de Salomão e acompanhar as decisões de Moraes para se perceber que os reis das patranhas de 2018 são hoje sócios de colônias de nudismo.

Eliane Cantanhêde – Pedras lá, tapete cá

O Estado de S. Paulo

Ausente da COP26 e isolado no G20, o risco de Bolsonaro é, sim, levar ‘pedrada’

Com seu jeitão de caserna e a sinceridade de (quase) sempre, o general e vice-presidente Hamilton Mourão explicou por que o capitão e presidente Jair Bolsonaro, apesar de estar ali perto, na Itália, se recusou a ir à COP 26, na Escócia: “Ele vai chegar num lugar em que todo mundo vai jogar pedra nele?”

Mourão, que é responsável pela Amazônia, mas foi dispensado da COP, ainda tentou ajeitar as coisas, justificando que muitas críticas são “equivocadas”, por um certo viés ideológico e o peso do interesse econômico. Mas, como todo o mundo, literalmente, sabe, há motivos aos montes para “pedradas”.

Segundo o Observatório do Clima, o Brasil andou na contramão do mundo em 2020. Com pandemia e recuo na atividade econômica, a emissão de CO² teve uma redução média mundial de 7%, mas o País emitiu 10% a mais, um desastre na comparação internacional e também interna. Foi o pior resultado desde 2016. Por quê? Por causa do desmatamento da Amazônia, um marco da era Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo - Quando o conceito é fatal

Correio Braziliense / Estado de Minas

De agosto de 2020 a junho deste ano, registramos os maiores índices de desmatamento. São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso registraram mudanças impressionantes

Houve uma mudança muito significativa na conjuntura política. Em primeiro lugar, a ameaça de um golpe de Estado, que deixou o país à beira de um ataque de nervos, desapareceu do horizonte próximo após o 7 de Setembro. Não houve a adesão militar contra o Supremo Tribunal Federal (STF) que o presidente Jair Bolsonaro esperava, as reações das instituições políticas e da sociedade esvaziaram a mobilização golpista. Desde então, o eixo da vida política nacional se deslocou da crise sanitária, cuja crônica política e criminal está no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a pandemia da covid-19, para a crise da nossa economia, tendo por pano de fundo a antecipação da disputa eleitoral de 2022.

Especialistas em planejamento sabem que um erro de conceito pode ser fatal. Muitas vezes, o erro decorre de um falso diagnóstico; outras, de um conceito errado. A tempestade perfeita pode ser fabricada quando as duas coisas coincidem com uma concepção equivocada, por exemplo, o negativismo em relação à ciência. No caso da pandemia, o erro de diagnóstico foi considerar a covid-19 uma “gripezinha”; o de conceito, apostar na “imunização de rebanho” para manter a economia aquecida. Com isso, buscou-se toda sorte de atalhos para evitar a recessão, que passou a ser o objetivo do governo, em vez de salvar a vida das pessoas. A cloroquina entra nessa história como uma poção mágica. Havia outra solução simples para um problema tão complexo (acreditem, elas também existem) — a vacinação em massa.

Bruno Boghossian - A teoria do caos

Folha de S. Paulo

Presidente opera nessa frequência para conseguir dividendos políticos sem muito trabalho

Quando caminhoneiros ameaçavam bloquear estradas em protesto contra a disparada do preço do diesel, em 2018, Jair Bolsonaro assumiu o papel de padrinho político do movimento. Então pré-candidato ao Palácio do Planalto, ele disse que só uma paralisação poderia "forçar o presidente da República" a dar uma resposta aos motoristas.

Bolsonaro enxerga as questões econômicas pela lente do caos e das soluções mágicas. Naquela época, ele incentivou um ato que provocaria desabastecimento, acreditando que o governo seria obrigado a baixar o preço dos combustíveis numa canetada. Depois de chegar ao poder, o presidente mostrou que não tem outra doutrina para encarar os problemas que surgem pela frente.

Vinicius Torres Freire - Vai ter CPI das emendas parlamentares do 'Bolsolão'?

Folha de S. Paulo

Lira teme investigação do dinheiro que sela o acordo governo-centrão, diz Calheiros

O senador Renan Calheiros (MDB) disse que o deputado Arthur Lira (PP) está preocupado "com o que pode vir de investigação" sobre um certo tipo de emenda parlamentar, as ditas "emendas de relator".

A fim de garantir dinheiro também para essas emendas, Jair Bolsonaro, Lira e o centrão querem aumentar o gasto federal em 2022 e decretar moratória de parte dos precatórios.

"Isso [emendas de relator] vai causar talvez o maior escândalo do Brasil de todos os tempos", disse Calheiros na semana passada, em nova querela com Lira, seu inimigo em Alagoas.

Calheiros estava falando do quê? Foi apenas canelada ou conhecimento de causa? Essas emendas também são investigadas pelo Tribunal de Contas da União e serão examinadas pelo Supremo. São rolos dentro de rolos.

Bernardo Mello Franco – A Marinha e a chibata

O Globo

A Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou a inscrição de João Cândido Felisberto no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. O marujo morreu há 52 anos, foi anistiado duas vezes e é reconhecido como um ícone da luta contra o racismo. Ainda assim, a Marinha tenta barrar a homenagem.

Filho de escrava, João Cândido liderou a Revolta da Chibata, movimento de marinheiros que parou o Rio em 1910. Os rebeldes tomaram quatro navios na Baía de Guanabara e apontaram os canhões para a cidade. Ameaçavam abrir fogo se as punições físicas não fossem abolidas.

Às vésperas do motim, o marujo Marcelino Rodrigues Menezes havia sido castigado diante da tripulação do encouraçado Minas Gerais. Foi amarrado ao mastro e levou 250 chibatadas.

A rebelião mobilizou 2.379 praças aos gritos de “Viva a liberdade” e “Abaixo a chibata”. Em mensagem ao presidente Hermes da Fonseca, eles protestaram contra a rotina de maus-tratos:

“Pedimos a V. Exª. abolir a chibata e os demais bárbaros castigos pelo direito da nossa liberdade, a fim de que a Marinha brasileira seja uma Armada de cidadãos, e não uma fazenda de escravos que só têm dos seus senhores o direito de serem chicoteados.”

Míriam Leitão - O país candidato a vilão em Glasglow

O Globo

A Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, COP-26, começa hoje com o Brasil sendo o mais óbvio candidato a vilão.O país será acusado de violar o Acordo de Paris e, além disso, aumentou suas emissões quando o mundo as reduziu. Os especialistas dizem que nada do que o governo disse até agora faz sentido, porque não existe plano de implementação. A direção da Conferência já disse, reservadamente, a alguns observadores, que se o Brasil não atrapalhar já será bom. Um país na contramão do mundo e da História. A única boa notícia é a ausência de Jair Bolsonaro na reunião de líderes. Assim, não passaremos muita vergonha.

—O Brasil chega como vilão na COP por dois motivos. O primeiro pela pedalada climática que o GAP Report (divulgado pela ONU) deixou claro. Ela permite ao Brasil o aumento das emissões em relação ao que estava acordado. Outra coisa é que o mundo reduziu as emissões em 7%, e o Brasil subiu em 9%. Então esse é o desenho de um vilão. A gente chega como uma caricatura —disse a advogada Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima e que está em Glasgow.

Dorrit Harazim - O coral humano

O Globo

Fervilha o mundo da coreografia geopolítica. A cúpula de líderes do G-20, em Roma, engatada na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), em Glasgow, pretende imprimir um sentido de urgência e emergência para os múltiplos problemas que afligem a Terra. Dado o estado de desesperança geral, o noticiário sobre os dois conclaves está sendo caudaloso. E é bom que assim seja, pois, para a humanidade que encerra 2021 com fome, falta de ar e futuro incerto, seria importante poder confiar na existência de um ou mais líderes com visão e maturidade. Difícil. Todos parecem trazer na bagagem poucos remédios, só fardos.

Por sorte, sempre podemos nos abrigar em vozes humanistas que ajudam a não esquecer o ontem e a pensar no amanhã. Assim, foi um bálsamo captar, por mero acaso, uma longa entrevista do dramaturgo Ariel Dorfman ao programa Hard Talk, da BBC de Londres. Dorfman, aos 79 anos, disserta sobre sua condição de cidadão em trânsito entre duas culturas, duas línguas, dois mundos. Nascido na Argentina de pais imigrantes judeus, crescera nos Estados Unidos, mas foi fincar raízes no Chile do presidente socialista Salvador Allende, de quem se tornou conselheiro cultural. Ali desabrochou sua carreira de escritor. Com o golpe militar de 1973, viu seus livros serem banidos e queimados e retornou como exilado aos EUA — justamente o país que havia desempenhado papel crucial para a instalação da ditadura no Chile.

Em parte devido a essas circunstâncias pessoais, acabou se tornando um voyeur que olha o mundo com compaixão. Nestes tempos de nacionalismos em ascensão e muros em profusão, Dorfman explica não precisar pertencer a lugar algum, pois fez da literatura seu lar e da família, amigos e imaginação, suas raízes. “Já vivi momentos de terror absoluto e de alegrias intensas... mas não sou pregador de nada, apenas tenho o privilégio da imaginação. Como intelectual, tenho o dever de fazer perguntas difíceis”, diz o autor da monumental “A morte e a donzela”, peça teatral que leva ao palco apenas uma mulher sentada frente a frente de seu presumível torturador.

José Roberto Mendonça de Barros - Descendo a ladeira

O Estado de S. Paulo

O desarranjo da política econômica solidifica nossa trajetória em direção à estagnação

A semana passada foi um marco em direção à perda de sustentação da economia. O populismo econômico, que já domina a Câmara e o Palácio do Planalto, finalmente conseguiu o aval do Ministério da Economia para quebrar o teto de gastos, com a mentirosa desculpa de que não existe outra forma para ajudar os pobres. Como inúmeros colegas já demonstraram, não existe escassez de boas soluções, como a redução da escandalosa farra do boi com as emendas parlamentares de todos os tipos, especialmente as secretas.

O relevante é que o regime fiscal foi destruído e está aberto o caminho para a volta da elevação do endividamento público, por meio da expansão eleitoreira dos gastos. A primeira rodada atinge algo como R$ 90 bilhões, sendo metade financiada pela redução dos pagamentos de precatórios, por meio de uma PEC específica, e que equivale a um calote parcial da dívida pública. A outra metade resultará da alteração do cálculo do valor nominal do teto, na qual a antiga fórmula (que pegava os 12 meses de inflação terminados em junho) foi substituída pela utilização da inflação no ano corrente.

Celso Ming - Descasamento de objetivos e a COP 26

O Estado de S. Paulo

A Conferência do Clima da ONU (COP 26) que começa neste domingo, em Glasgow, Escócia, está mais carregada de ceticismo do que de boas expectativas.

Os comentaristas já apontaram dificuldades que comprometem seus resultados, como a pandemia, a ausência de importantes chefes de Estado e de governo e a falta de recursos para as iniciativas dos países em desenvolvimento.

Mas nenhuma explicação seria completa se não começar pelo enorme descasamento entre os macro-objetivos da agenda ambiental atual e da COP 26.

O primeiro é o que já foi definido no Acordo de Paris, em 2015, que é de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

Essa meta implica drástica substituição da energia de fonte fóssil por energia de fonte renovável. É por isso que a questão climática passa pelo equacionamento da transição energética e também por que as grandes negociações se concentram sobre a maneira de administrar essa transição.

Lourival Sant’Anna - Déficit de liderança generalizado

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não vai a Glasgow para não enfrentar hostilidade pela imagem de vilão do meio ambiente

A Conferência sobre Mudança Climática (COP26) é um teste de liderança. É papel dos governantes convencer as populações de que os sacrifícios para conter o aquecimento hoje são necessários para evitar sofrimento maior no futuro. Entretanto, a COP-26 começa com um déficit de liderança generalizado.

O presidente dos EUA, Joe Biden, não conseguiu, antes de viajar, desatar o nó dentro da própria bancada democrata para encaminhar a aprovação na Câmara do pacote de US$ 1 trilhão para infraestrutura convencional, que por sua vez abriria caminho para a apreciação dos programas sociais e ambientais no valor de US$ 1,75 trilhão – reduzido à metade do montante inicial de US$ 3,5 trilhões.

O presidente da China, Xi Jinping, nem sequer vai à conferência, por causa das múltiplas crises que enfrenta em casa: escassez de energia – causada em parte pela brusca redução do uso do carvão –, estouro da bolha do setor imobiliário e desaceleração econômica. Vladimir Putin também ficará em Moscou, para enfrentar o surto de covid-19, que está mais uma vez fora de controle na Rússia.

Cristovam Buarque* - Coalizão Responsável

Blog do Noblat / Metrópoles

Os representantes da chamada “terceira via” precisam entender que este não é um tempo de Nem Nem, mas de Não

Nesta semana, a terceira via apresentou seu 12º candidato à presidência da república, com poucas intenções de voto e sem apresentar narrativas do que propõem para seus governos. Não se vê a construção de um nome que possa enfrentar os dois polos e nenhum projeto que possibilite minimamente conduzir o país à partir de 2023. Tampouco se percebe estratégia no sentido de uma composição entre todos que se opõem a reeleição do atual desgoverno, e tudo que isto representaria para o futuro do país.

A sensação é que o quadro político se divide em três sectarismos: petistas, bolsonaristas e nem-nemistas, estes fragmentados, até aqui, em 12 partes. A divisão e recusa dos nem-nemistas para dialogar com o PT só se explica pela possibilidade de Bolsonaro ser excluído do segundo turno. Alternativa que parece pouco provável. Contar com isto é uma irresponsabilidade que precisa ser evitada.

Dificilmente qualquer dos 12 fragmentos da terceira via chegará ao segundo turno sem apoio do PT, e outra vez poderá ser difícil ao PT ganhar no segundo turno sem apoio explícito dos candidatos contrários ao Bolsonaro. Além disto, não será bom para o Brasil ser governado pelo PT sem apoio das demais forças democráticas responsáveis. Mas o silêncio do PT em relação à unidade no primeiro turno e à coalizão depois da eleição leva os democratas brasileiros temerem que 2022 repita 2018, e o PT perca a eleição por falta de apoio das demais forças, ou repita 2014, e o governo do PT se perca por falta das correções de rumo que permitam governar. Em 2018 o PT perdeu por falta de apoio, em 2014 por falta de coalizão responsável. O clima de antagonismo que se está vivendo e vai se agravar durante o primeiro turno pode inviabilizar aliança no segundo turno, levando à continuação da tragédia do atual desgoverno, e ao risco de um governo do PT fragilizado e radicalizado.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O que o Brasil tem a ganhar com o sucesso da COP-26

O Globo

De hoje até dia 12 de novembro, a cidade de Glasgow, na Escócia, receberá a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). Todos aqueles que reconhecem a importância do aquecimento global, mas acompanham o tema à distância têm pelo menos dois bons motivos para prestar mais atenção desta vez. Primeiro, é possível que sejam tomadas decisões históricas, uma vez que grandes potências parecem convencidas da necessidade de avanço nas negociações rumo ao corte nas emissões. Segundo, o Brasil poderá ser um dos maiores beneficiários da evolução de uma economia global de baixo carbono.

Ao fim do encontro, ficará evidente quais países fazem parte da solução e quais querem continuar sendo problema. Desgraçadamente, há um risco nada desprezível de que o Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, seja incluído no segundo grupo. A última evidência veio à tona na semana passada, quando o Relatório sobre Lacuna de Emissões 2021 confirmou que o governo brasileiro tenta usar uma manobra contábil para, numa “pedalada climática”, aumentar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030, em vez de reduzi-las no ritmo com que o país se comprometera antes.

Há um problema de fundo. Bolsonaro comunga a ideia retrógrada do tempo da ditadura militar, acreditando que a soberania sobre as áreas de floresta só pode ser exercida por meio de destruição e ocupação. Isso explica a vida fácil de grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais no seu governo. Se for essa a diretriz a nortear a delegação brasileira ao chegar em Glasgow, é certeza que perderemos uma grande chance.

Poesia | Graziela Melo - Apito final

Silêncio

na alma

medo

no coração!

É

o ponto

final,

a ultima

estação

   dos que

   nascemos

   juntos,

dos que

vivemos

juntos,

da nossa

geração!

O jogo

Acabou,

o juiz

apitou,

sem

prorrogação...

Se foram

os amores

tardios

ficaram

os

recantos

vazios

e

a solidão!!!

sábado, 30 de outubro de 2021

Ascânio Seleme - Justiça de ocasião

O Globo

TSE decidiu que Bolsonaro terá seu registro cassado e pode ser preso por disparo de mensagens em massa durante a campanha de 2022. Hoje, segue sendo presidente do Brasil

Três anos depois de receber a denúncia, o Tribunal Superior Eleitoral arquivou o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por abuso de poder econômico no disparo de mensagens em massa. Todos os ministros concordaram que houve abuso, alguns foram mais enfáticos do que outros, mas cada um deles confirmou que viu, sim, indícios de crime eleitoral no episódio. Nenhum, contudo, condenou a chapa. Alegaram que não foram apresentadas provas de que houve benefício eleitoral para a dupla vencedora com os disparos em massa. Não precisa ser especialista para saber do poder e da eficiência das redes sociais em campanhas eleitorais. Desde a primeira eleição de Barack Obama, em 2008, é assim. No Brasil de 2018, foi escandaloso. Você sabe, eu sei, os ministros do TSE também sabem.

Alexandre de Moraes disse em seu voto que “a justiça é cega, mas não é tola”. O julgamento dos disparos em massa pelo TSE teve um inegável mérito, o de estabelecer parâmetros para a conduta eleitoral nas redes sociais daqui em diante. Por outro lado, significa que o que não foi crime hoje será crime amanhã. Se não há provas hoje para punir, elas serão desnecessárias em 2022. Pela tese aprovada pelos ministros, os simples disparos em massa com desinformação serão considerados abuso de poder. O tribunal decidiu que o abuso cometido hoje só será punido se for cometido de novo a partir das próximas eleições. Aparentemente, o TSE julgou olhando para o cenário político.

O país está calmo, o presidente obsceno está quieto e parou de ameaçar as instituições, por que então o TSE geraria turbulência no cenário pacificado, mesmo que artificialmente? Para aplicar a lei, talvez fosse a resposta mais apropriada. Outra pergunta, como seria este mesmo julgamento se Bolsonaro tivesse continuado em sua sanha golpista que quase explodiu no Sete de Setembro? Se o país estivesse contaminado pelo ódio bolsonarista e anti-institucional que se viu com a ameaça de invasão do Supremo, os senhores juízes votariam da mesma forma? Eu acho que não. Minha impressão é que, neste caso, teriam cassado a chapa e posto fim ao mandato e aos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos.

Carlos Alberto Sardenberg - Para evitar o pior

O Globo

Se o deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter feito live em 2018 divulgando fake news sobre as urnas eletrônicas e atacando o sistema eleitoral, então o presidente Jair Bolsonaro também deveria ter sido punido. Não apenas o presidente atacou as urnas e o sistema quando ainda candidato, como continuou com esses ataques depois de eleito.

Considerando ainda o evidente disparo ilegal de fake news durante o processo eleitoral —que “todo mundo viu”, como disse o ministro do STF Alexandre de Moraes —, então a chapa Bolsonaro-Mourão deveria ter sido cassada duas vezes. E há mais tempo.

Mas não foi — e justamente pela lentidão da Justiça, que criou uma ameaça de grave instabilidade política.

Como Bolsonaro e Mourão já ultrapassaram dois anos de mandato, a substituição se daria assim, caso fossem cassados. O primeiro na linha de sucessão é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que assumiria interinamente para convocar eleições em 30 dias. Atenção: eleição indireta, no Congresso Nacional.

Como Lira está enrolado em processos no STF, provavelmente não poderia assumir. A vaga então passaria para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, com a mesma função de chamar eleições indiretas em 30 dias.

Se Pacheco não pudesse assumir por alguma razão, o cargo, interino de novo, iria para o presidente do STF, Luiz Fux, também para chamar eleições indiretas.

Já pensaram a confusão? Já imaginaram as barganhas congressuais para escolher presidente e vice? A festa do Centrão?

Pablo Ortellado - Em defesa da meia-entrada

O Globo

Foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei que tenta pôr fim à meia-entrada, desconto concedido a estudantes e idosos para a compra de ingressos. O projeto deve ser vetado pelo governo do estado, mas reacendeu um antigo debate sobre a justiça desse tipo de política.

A meia-entrada é uma forma de subsídio cruzado, por meio do qual quem paga a tarifa cheia subsidia quem paga a meia. Conceder o benefício a estudantes significa que os adultos pagarão um pouco mais em cinemas e teatros para que os jovens paguem um pouco menos. Isso faz muito sentido, porque a renda dos estudantes é pequena, seja porque os jovens recebem apenas uma mesada dos pais, seja porque, se trabalharem, ganham muito menos que os mais velhos.

O desconto, se bem implementado, produz justiça distributiva. Além disso, estimula a autonomia e a formação cultural dos jovens, que estão num período-chave da educação. É boa política pública. O problema nasce com sua implementação.

Historicamente, a concessão do desconto foi condicionada à apresentação da carteirinha de estudante emitida por entidades como UNE e Umes. Isso sempre gerou desconforto entre os estudantes, porque os obrigava a se filiar e a financiar entidades estudantis zelosamente controladas por grupos político-partidários.

Demétrio Magnoli - Esquerda universitária

Folha de S. Paulo

Campo político revela-se incapaz de decifrar suas derrotas

Câmara de Nova York removeu de suas instalações a estátua de Thomas Jefferson, sob a acusação de que o autor principal da Declaração de Independência era proprietário de escravos –como, aliás, 5 dos 7 "pais fundadores". O banimento derivou da pressão do grupo de legisladores negros e latinos, que pertencem ao Partido Democrata. O degredo de Jefferson explica a força política de Trump.

A revista The Economist (27.out) publicou um gráfico construído por Gethin et al. que sintetiza a mudança nos padrões de voto segundo o nível educacional dos eleitores entre 1950 e 2010.

Em 5 das 6 democracias analisadas (EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Nova Zelândia), verifica-se uma tendência histórica implacável: o deslocamento para a esquerda dos mais escolarizados e um deslocamento simétrico dos menos escolarizados. O Canadá figura como exceção parcial à regra, mas apenas porque sua esquerda sempre teve sólidas bases na classe média urbana.

No passado, entre as décadas de 1950 e 1970, os partidos de esquerda e centro-esquerda controlavam majoritariamente o voto da população de menor nível educacional –ou seja, da classe trabalhadora.

Por outro lado, os partidos de centro-direita e direita venciam largamente entre as camadas de maior escolaridade –ou seja, na classe média e na elite. O padrão inverteu-se na década de 1990 e continua a infletir em curva acentuada: o diploma universitário tornou-se o maior indicador estatístico do voto à esquerda.

Hélio Schwartsman - Pau no Brasil

Folha de S. Paulo

Há mais seres afetados pelo aquecimento global que brasileiros beneficiados pelo agronegócio

Espero que o Brasil apanhe bastante na COP26. Não acharei ruim nem se países europeus erguerem barreiras ambientais contra nossos produtos ou se decidirem boicotá-los.

Meu raciocínio é consequencialista. Como brasileiro, tenho interesse em que nossas empresas se saiam bem, o que em tese resulta em mais riqueza para distribuir à população. Mas eu também sou terráqueo e, nessa condição, tenho interesse em que lidemos da melhor forma possível com a emergência climática. O segundo objetivo, creio, prepondera sobre o primeiro. Há muito mais indivíduos (humanos e não humanos) afetados negativamente pelo aquecimento global do que brasileiros beneficiados pelo sucesso do agronegócio.

Cristina Serra - COP, Bolsonaro e ruína ambiental

Folha de S. Paulo

O Brasil de Bolsonaro é ruína de terreno baldio

O que o governo brasileiro tem a apresentar na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow (Escócia), para conter o aumento da temperatura no planeta? Nada além de um pacote verde de mofo, sem nenhum compromisso com o que deveria ser a nossa maior contribuição: conter o desmatamento.

Bolsonaro empreende uma política de extermínio ambiental que só encontra paralelo em intensidade com o morticínio de brasileiros na pandemia, resultado de conduta igualmente criminosa. Sua guerra contra o meio ambiente é guiada por mentalidade colonizadora, que combina usurpação da terra, assassinato de seus donos originais e destruição de ecossistemas.

Adriana Fernandes - Cadê o profissionalismo do Centrão na economia?

O Estado de S. Paulo

Deputados passaram a olhar perplexos com a possibilidade de votar a favor de um desmonte do teto

Ao menos, esperava-se mais “profissionalismo” dos caciques do Centrão na condução da política econômica do governo Jair Bolsonaro.

Eles tomaram as rédeas do comando da economia, mas estão desorganizados, sem rumo certo e atirando para todos os lados. Tem faltado planejamento. É verdade.

O último depósito do auxílio emergencial ocorre no domingo, e os governistas não entregaram ainda uma solução para o programa social como prometeram, aumentando as incertezas sobre o futuro de quem recebe o benefício.

Os últimos dias mostraram que os comandantes do Congresso ficaram perdidos com a articulação política que vem sendo costurada para derrubar a PEC dos precatórios na votação da Câmara.

Se essa articulação falhar e a PEC for aprovada na próxima quarta-feira, as lideranças do Centrão enfrentarão problemas também no Senado.

A Casa se transformou num depósito de projetos mal feitos enviados na Câmara com aval do candidatíssimo à cadeira de Bolsonaro, o seu presidente Rodrigo Pacheco.

João Gabriel de Lima* - Sociedade de um lado, governo do outro

O Estado de S. Paulo

As delegações brasileiras na COP sempre foram plurais. Tudo mudou com Bolsonaro

Duas características marcantes e positivas do Brasil sempre estiveram presentes nas COPS, as conferências mundiais sobre o clima: a força da sociedade civil e sua sintonia com os governos eleitos. O símbolo dessa união é a credencial rosa – que, nesses eventos, dá acesso irrestrito aos pavilhões e discussões. Tradicionalmente, o governo brasileiro sempre distribuiu essa credencial entre ambientalistas, empresários e acadêmicos estudiosos das questões climáticas, com o objetivo de envolvê-los nas discussões.

O resultado é que as delegações brasileiras na COP sempre foram plurais, animadas e numerosas. Enquanto a maioria dos países levava no máximo dez assessores técnicos, os brasileiros chegavam a ser 300. Essa tradição perpassou todos os governos, de direita e de esquerda. Isabella Teixeira e Sarney Filho, ministros do Meio Ambiente, respectivamente, de Dilma e Temer, lideraram comitivas vibrantes em suas gestões.

Marcus Pestana* - O falso dilema entre responsabilidade social e fiscal

A discussão não é nova. Há muito, no Brasil e mundo afora, se discute quais são os limites dos gastos públicos para políticas sociais e investimentos para alavancar a economia. Isto remete às discussões entre os economistas neoclássicos e Keynes na depressão de 1929.

Na pandemia, a questão se recolocou e diversos governos desencadearam pacotes de auxílios sociais e estímulos econômicos para enfrentar as consequências legadas pela COVID-19. Ainda esta semana, Portugal mergulhou numa crise de governo exatamente por uma polêmica sobre o uso de recursos extraordinários disponíveis para investimentos ou para aumento do salário mínimo e das pensões, gastos de natureza permanente.

No Brasil, a semana foi dominada pela falsa polêmica entre o Auxílio Brasil e o Teto de Gastos. É um grave equívoco dissociar responsabilidade fiscal e políticas sociais. Quem paga o preço de uma política fiscal irresponsável são exatamente os mais pobres via inflação, juros altos, câmbio desvalorizado e desemprego. A Instituição Fiscal Independente -IFI, do Senado Federal, demonstrou sobejamente que era possível garantir o auxílio à população vulnerável sem quebrar a atual âncora que restabeleceu um mínimo de credibilidade à política fiscal, gravemente afetada pelas aventuras econômicas do Governo Dilma e sua “Nova Matriz Econômica”.

Dora Kramer - Volta do cipó

Revista Veja

Doria conta com vitória sabendo que dirigentes do PSDB trabalham contra ele nas prévias

O governador João Doria faz jus ao seu estilo e se vale do perfil confiante para considerar como mera impressão o cenário em que o adversário Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, representaria grave ameaça aos seus planos de vencer as prévias marcadas para o próximo dia 21 de novembro e, assim, concorrer à Presidência da República pelo PSDB.

Os adeptos da postulação do paulista atribuem o crescimento (aparente, segundo eles) do gaúcho a duas razões: o trabalho contra João Doria feito pelos dirigentes — incluídos aí vários integrantes do tucanato tradicional, de “raiz” — e o esforço de Eduardo Leite na conquista de visibilidade para se firmar como figura de relevância nacional.

Na visão dos defensores de Doria, esses fatores asseguram posição de destaque para Leite no noticiário político, mas não alteram a preferência interna pelo candidato deles, que hoje contabiliza uma dianteira de 64% a 34% em relação ao principal oponente. O terceiro concorrente, o ex-­prefeito de Manaus e ex-senador Arthur Virgílio Neto (simpático a Doria), nessa conta estaria com cerca de 2% dos votos.

Mesmo que esses números correspondam à realidade, ainda assim surpreende que um terço do partido se mostre disposto a escolher a candidatura de um novato em detrimento de alguém, como o governador de São Paulo, que é conhecido, tem uma gestão bem avaliada e, sobretudo, atuou em favor da vacinação, obrigando o governo federal a sair do negacionismo e abraçar a causa da imunização.

Ricardo Rangel - O maremoto e o capitão

Revista Veja

Uma coisa é certa: 2022 não será um ano fácil para Jair Bolsonaro

Com 19 milhões de brasileiros com fome, não se discute que a renovação do auxílio emergencial é necessária. Também não se discute de onde o dinheiro deveria vir: das emendas do orçamento secreto que Arthur Lira e Ciro Nogueira pilotam. Mas Bolsonaro, temendo desagradar ao Centrão, que o mantém na cadeira, achou que furar o teto era uma boa alternativa. A PEC dos Precatórios, turbinada com o jabuti do auxílio, criará um rombo de até 95 bilhões de reais.

A proposta nem foi aprovada ainda, mas o estrago já está feito: dólar, juros e inflação muito mais altos do que o previsto. O presidente dará com uma mão, tirará com a outra e enfrentará uma campanha eleitoral com a crise econômica muito agravada.

Não há sequer garantia de que a proposta será aprovada. Noves fora o permanente interesse dos parlamentares em abrir espaço para as emendas de relator (até porque é ano eleitoral), uma emenda constitucional exige dois terços dos votos no Congresso, a oposição busca caminhos para barrar, o Senado nunca dá vida fácil ao presidente e Rodrigo Pacheco é candidato ao Planalto.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

TSE defende a democracia

O Estado de S. Paulo

Duas decisões do TSE são um recado importante para 2022. Quem tentar fraudar a lisura das eleições, seja por qual for o meio, enfrentará as consequências da lei

Quem tentar fraudar lisura das eleições enfrentará as consequências da lei.

Na quinta-feira passada, em duas decisões aparentemente opostas – uma com pedido julgado improcedente e outra, procedente –, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez enfática defesa da democracia diante das novas táticas de difusão massiva de desinformação. Os dois casos revelam tanto o esforço da Corte na proteção da lisura das eleições como as insuficiências da atual legislação para lidar de forma efetiva com os novos ataques digitais.

No primeiro caso, o TSE não cassou a chapa Bolsonaro e Mourão, acusada de abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação na campanha de 2018. Segundo a Corte, ainda que contivessem elementos de ilicitude, as provas apresentadas eram insuficientes para atestar a gravidade dos fatos, o que é requisito para a cassação da chapa.

O TSE aproveitou o caso para estabelecer uma orientação para situações futuras. Segundo a nova tese fixada, as hipóteses previstas no art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990, a respeito de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, também podem ocorrer pelo “uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato”.

No segundo caso, o plenário do TSE cassou o mandato e tornou inelegível o deputado estadual Fernando Francischini, por divulgar informações mentirosas contra o sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno das eleições de 2018, Francischini – então deputado federal pelo Paraná – fez uma live afirmando que urnas fraudadas não estavam aceitando votos em Jair Bolsonaro.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Vera Magalhães - Todo mundo quer ser JK

O Globo

Presunção e água benta, dizia minha avó, cada um toma quanto quer. É daqueles ditados que, quando se é criança, custam a fazer sentido, mas ficam na cabeça de tanto que são repetidos.

Pois foi nele que pensei quando vi Rodrigo Pacheco, 44 anos, se esforçando para ficar empertigado e emular a pose de um dos muitos pôsteres de seu conterrâneo Juscelino Kubitschek na solenidade em que se filiou ao PSD, primeiro passo de um ainda embrionário projeto de candidatura presidencial.

O dito faz menção à falta de limite para a vaidade humana, e, no caso dos políticos brasileiros, haja água benta. Diante de uma realidade em que todos juntos têm menos que Lula e Jair Bolsonaro separadamente nas pesquisas, os quase dez candidatos a ser a alternativa à polarização em 2022 se comportam como se fossem a última bolacha de um pacote disputado a tapa pelos eleitores.

Não fosse essa autoestima exacerbada, como explicar o surgimento diário de candidatos de si mesmos, antes de qualquer mínima definição de propositura para o país?

Fernando Gabeira - Os pobres como álibi

O Estado de S. Paulo

Para políticos cujo único objetivo é o poder, é possível ver o País entrar num processo de decadência e não se importar tanto com isso

Existe um consenso, não unanimidade, é claro, de que o teto de gastos não pode ser rompido. Bolsonaro usou as condições dramáticas da população para estourar os limites de gastos.

A maioria das análises indica que isso pode trazer quebra de confiança dos investidores, aumento de preço dos combustíveis, inflação, enfim. Não vi ninguém condenar uma ajuda aos mais pobres. Os argumentos mais comuns são os de que, feita dessa maneira, ela dá com uma das mãos e tira com a outra, pois a economia vai estagnar, o desemprego vai crescer, e isso com repercussão negativa para todos, principalmente para os mais vulneráveis.

Essa é a discussão mais frequente. Alguns chegam a indicar as famosas emendas de relator, do também famoso orçamento secreto, como a fonte ideal para financiar a nova versão do Bolsa Família. Mas nem os deputados ligados ao governo nem o próprio governo estão dispostos a abrir mão dessas emendas, pois ela são uma das formas de pagamento de Jair Bolsonaro para evitar o impeachment.