quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Malu Gaspar - Sem Trump, Bolsonaro ficou falando sozinho

O Globo

Há dois anos, Jair Bolsonaro chegou ao Japão para participar de sua primeira reunião de cúpula do G20 pressionado por cobranças das grandes potências a respeito de suas políticas ambientais e constrangido pela prisão de um sargento da FAB que transportava 39 quilos de cocaína num avião da comitiva presidencial. Irritado, interrompeu uma entrevista quando perguntaram sobre o caso e foi logo dizendo que não admitiria ser advertido pelos outros chefes de Estado sobre meio ambiente.

Ainda assim, encontrou-se com os presidentes da França e dos Estados Unidos, com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita e com os primeiros-ministros da Índia, do Japão, da Alemanha e de Cingapura.

Participou de um encontro de dirigentes do Brics, o bloco de países emergentes, e saiu com um acordo da União Europeia com o Mercosul. O acordo até hoje não foi assinado, e Bolsonaro sofreu uma enxurrada de críticas, mas àquela altura ele ainda estava no jogo.

A última passagem do presidente pelo encontro do G20 nos deu a certeza de que o que já era medíocre podia piorar muito. O constrangimento, agora, foi causado pela própria figura de Bolsonaro, que perambulava pelo encontro como uma criança sem amigos no parquinho, sem conseguir travar sequer um diálogo produtivo com nenhum chefe de Estado.

Foi e voltou sem nada na mala, a não ser mais uma lista de vexames e barbaridades para agregar a seu vasto portfólio — como as inaceitáveis agressões aos jornalistas que cobriam a viagem.

Assim como em 2019, quando faltou a Madri, Bolsonaro também não foi à conferência do clima, na Escócia, onde discursaram o americano Joe Biden, o britânico Boris Johnson e outros líderes mundiais. Mas, ao contrário daquele ano, quando havia um grande incômodo porque o Brasil se negara a sediar o evento, desta vez mal se falou do presidente brasileiro. Bem ao contrário.

Nos painéis da COP26 e nas conversas entre os representantes de países estrangeiros com a delegação brasileira, o que mais se comenta é que a ausência de Bolsonaro é bem-vinda. “Pelo menos assim ele não atrapalha”, dizem os negociadores nas conversas privadas.

A própria atitude do Brasil está mudada. Depois de uma participação na COP25 em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, só criou conflitos, dificultou a assinatura de acordos e acusou os países ricos de não querer “colocar a mão no bolso”, a representação brasileira em Glasgow está bem mais humilde.

Já aceitou o acordo para a redução das emissões de metano em 30% até 2030, assinou a declaração internacional para a proteção de florestas e se comprometeu a zerar o desmatamento também até 2030, revertendo a criticada “pedalada ambiental”. Porta-vozes de vários países elogiaram a mudança de postura.

Mas, nos bastidores, como ninguém acredita na sinceridade desses propósitos, a piada é que os brasileiros chegaram à COP26 com uma caneta procurando papel para assinar.

Muitas coisas mudaram no intervalo entre os encontros de 2019 e os de agora, mas, do ponto de vista geopolítico, a principal diferença é a ausência de Donald Trump no cenário mundial.

No Japão, Trump recebeu Bolsonaro com um abraço e um afago e deixou claro que se tratava de um aliado: “Ele é um homem especial que está indo muito bem e é muito amado pelas pessoas do Brasil”.

Mesmo detestado por boa parte de seus pares, Trump comandava a maior potência e a máquina diplomática mais poderosa do planeta. Se os Estados Unidos estavam com Bolsonaro, convinha pelo menos ouvi-lo.

Agora sob Biden, que não o convida nem para um café, Bolsonaro deixou de ser aquele sujeito incômodo que todo mundo tem de suportar para ser alguém que ninguém mais precisa ouvir.

Não é o caso de dizer que ele se tornou um pária, porque de fato Bolsonaro continua sendo o que sempre foi. O presidente, seu governo e sua visão de mundo são os mesmos de antes — só que agora sem as costas quentes de Trump.

Resta a ele pouco a fazer além de vagar sem rumo em meio aos líderes mundiais, enquanto seus negociadores tentam obter alguma boa vontade das grandes potências para não ficar completamente fora do jogo geopolítico.

Em troca, recebem a condescendência daqueles que torcem para que o mandato de Bolsonaro termine logo. E, quem sabe, passe a falar então pelo Brasil alguém com algum brilho e ideias próprias que façam sentido.

 

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