O Globo
Há dois anos, Jair Bolsonaro chegou ao
Japão para participar de sua primeira reunião de cúpula do G20 pressionado por
cobranças das grandes potências a respeito de suas políticas ambientais e
constrangido pela prisão de um sargento da FAB que transportava 39 quilos de
cocaína num avião da comitiva presidencial. Irritado, interrompeu uma
entrevista quando perguntaram sobre o caso e foi logo dizendo que não admitiria
ser advertido pelos outros chefes de Estado sobre meio ambiente.
Ainda assim, encontrou-se com os
presidentes da França e dos Estados Unidos, com o príncipe herdeiro da Arábia
Saudita e com os primeiros-ministros da Índia, do Japão, da Alemanha e de
Cingapura.
Participou de um encontro de dirigentes do Brics, o bloco de países emergentes, e saiu com um acordo da União Europeia com o Mercosul. O acordo até hoje não foi assinado, e Bolsonaro sofreu uma enxurrada de críticas, mas àquela altura ele ainda estava no jogo.
A última passagem do presidente pelo
encontro do G20 nos deu a certeza de que o que já era medíocre podia piorar
muito. O constrangimento, agora, foi causado pela própria figura de Bolsonaro,
que perambulava pelo encontro como uma criança sem amigos no parquinho, sem
conseguir travar sequer um diálogo produtivo com nenhum chefe de Estado.
Foi e voltou sem nada na mala, a não ser
mais uma lista de vexames e barbaridades para agregar a seu vasto portfólio —
como as inaceitáveis agressões aos jornalistas que cobriam a viagem.
Assim como em 2019, quando faltou a Madri,
Bolsonaro também não foi à conferência do clima, na Escócia, onde discursaram o
americano Joe Biden, o britânico Boris Johnson e outros líderes mundiais. Mas,
ao contrário daquele ano, quando havia um grande incômodo porque o Brasil se
negara a sediar o evento, desta vez mal se falou do presidente brasileiro. Bem
ao contrário.
Nos painéis da COP26 e nas conversas entre
os representantes de países estrangeiros com a delegação brasileira, o que mais
se comenta é que a ausência de Bolsonaro é bem-vinda. “Pelo menos assim ele não
atrapalha”, dizem os negociadores nas conversas privadas.
A própria atitude do Brasil está mudada.
Depois de uma participação na COP25 em que o então ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, só criou conflitos, dificultou a assinatura de acordos e acusou
os países ricos de não querer “colocar a mão no bolso”, a representação
brasileira em Glasgow está bem mais humilde.
Já aceitou o acordo para a redução das
emissões de metano em 30% até 2030, assinou a declaração internacional para a
proteção de florestas e se comprometeu a zerar o desmatamento também até 2030,
revertendo a criticada “pedalada ambiental”. Porta-vozes de vários países
elogiaram a mudança de postura.
Mas, nos bastidores, como ninguém acredita
na sinceridade desses propósitos, a piada é que os brasileiros chegaram à COP26
com uma caneta procurando papel para assinar.
Muitas coisas mudaram no intervalo entre os
encontros de 2019 e os de agora, mas, do ponto de vista geopolítico, a
principal diferença é a ausência de Donald Trump no cenário mundial.
No Japão, Trump recebeu Bolsonaro com um
abraço e um afago e deixou claro que se tratava de um aliado: “Ele é um homem
especial que está indo muito bem e é muito amado pelas pessoas do Brasil”.
Mesmo detestado por boa parte de seus
pares, Trump comandava a maior potência e a máquina diplomática mais poderosa
do planeta. Se os Estados Unidos estavam com Bolsonaro, convinha pelo menos
ouvi-lo.
Agora sob Biden, que não o convida nem para
um café, Bolsonaro deixou de ser aquele sujeito incômodo que todo mundo tem de
suportar para ser alguém que ninguém mais precisa ouvir.
Não é o caso de dizer que ele se tornou um
pária, porque de fato Bolsonaro continua sendo o que sempre foi. O presidente,
seu governo e sua visão de mundo são os mesmos de antes — só que agora sem as
costas quentes de Trump.
Resta a ele pouco a fazer além de vagar sem
rumo em meio aos líderes mundiais, enquanto seus negociadores tentam obter
alguma boa vontade das grandes potências para não ficar completamente fora do
jogo geopolítico.
Em troca, recebem a condescendência daqueles
que torcem para que o mandato de Bolsonaro termine logo. E, quem sabe, passe a
falar então pelo Brasil alguém com algum brilho e ideias próprias que façam
sentido.
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