O Globo
Uma mistura de pressão diplomática,
isolamento internacional e posição forte do empresariado fizeram o governo
brasileiro adotar posições mais avançadas na COP26. Jair Bolsonaro não mudou,
nem mudará, mas o governo está sendo empurrado para posições mais razoáveis.
Por isso aceitou assinar o acordo de redução do metano, e o acordo de
florestas, que tem a meta de desmatamento zero até 2030. O tema que começou a
ser discutido ontem, em Glasgow, o financiamento aos países pobres e em
desenvolvimento, deve ser adiado de novo para 2023.
O item financiamento é o mais conflituoso da COP. A conversa começou ontem, mas só deve ganhar força quando ocorrer a reunião de ministros na semana que vem. É promessa velha não cumprida pelos ricos. Eles prometeram, em 2009, na COP15, US$ 100 bilhões por ano entre 2020 e 2025. Depois isso foi confirmado em 2015 em Paris. Não aconteceu. Agora, os países ricos estão querendo adiar para 2023 o começo do desembolso. Esse valor hoje é considerado insuficiente para atingir o objetivo de financiar as ações de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas nos países pobres e em desenvolvimento. As economias maduras são as que mais emitiram gases de efeito estufa no passado, portanto são as principais responsáveis pelo que está acontecendo hoje e precisam financiar o resto do mundo a se proteger e a fazer a transição para uma economia de baixo carbono.
Nesses primeiros dias houve vitórias
parciais, segundo observadores brasileiros. Conseguir esse acordo com o
compromisso de reduzir em 30% a emissão de metano até 2030 é um grande avanço.
O Brasil ter assinado foi inesperado, como explicou a jornalista Daniela
Chiaretti em matérias publicadas no GLOBO e no “Valor”. Fontes do Itamaraty
haviam dito que o Brasil não assinaria, conforme apurei ontem. Isso provocará
certamente muitos conflitos dentro da base governista, principalmente na
bancada ruralista. Dos 20,2 milhões de toneladas de metano emitidas pelo Brasil
em 2020, 72% foram da agropecuária. A assinatura do acordo é vista com bons
olhos por empresários mais modernos. A agropecuária de ponta já vem adotando
medidas para reduzir as emissões de metano, inclusive com investimento na
genética do rebanho bovino.
O desmatamento zero que está no acordo de
florestas é um passo além do que o governo brasileiro vinha se comprometendo,
que é o “desmatamento ilegal zero”. A propósito, cumprir a lei deveria ser uma
obrigação do Brasil a ser atingida imediatamente e não no fim da década. Faz
mais sentido o compromisso de zerar o desmatamento. Ponto. Até porque o ilegal
de hoje vira legal amanhã pela força de leis lesivas ao meio ambiente que
tramitam atualmente no Congresso.
Um natural ceticismo cerca esses
compromissos do governo Bolsonaro, porque ele tem andado na direção exatamente
oposta. Contudo, a pressão dos empresários, a lenta costura do embaixador John
Kerry, no caso do metano, o enorme isolamento sentido pelo presidente no G-20
produziram esse resultado. Isso foi consequência de pressão, segundo os
observadores com quem eu conversei.
O presidente continua a mesma pessoa
nefasta que sempre foi. Ontem Bolsonaro criticou Txai Suruí, a jovem ativista
que falou na reunião de abertura da Conferência. Segundo a interpretação de
Bolsonaro ela “atacou o Brasil”. Não há no discurso dela qualquer ataque ao
Brasil. Txai criticou as promessas mentirosas e as palavras vazias. Mas isso se
aplica aos governantes em geral. Ela também falou do seu amigo Ari
Uru-Eu-Wau-Wau. O jovem líder defendia a Amazônia contra a ação de grileiros, e
foi morto no dia 17 de abril de 2020. Deixou dois filhos. Quem ataca o Brasil,
quem ameaça o país é Bolsonaro e não a jovem Suruí, que falou de forma segura e
serena, aos chefes de Estado, que a hora de agir é agora.
Cientistas, ambientalistas, empresários,
fundos de investimento, autoridades multilaterais estão dizendo a mesma coisa,
que o tempo está se esgotando. O planeta atingido pela fúria dos eventos
extremos precisa de ação imediata. Algumas fontes com quem falei acham que a
COP26 já deu alguns bons passos como os dois acordos que o Brasil assinou.
Outras acham que a encruzilhada será o dinheiro. Se os países ricos não
definirem o financiamento a reunião não terá sucesso.
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