sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Alberto Aggio* - O nó tático de Bolsonaro

- Blog do Aggio

Nos dias que correm, não há razão alguma para otimismo. Como um técnico de futebol que faz uma aposta em meio a um jogo que se mostrava complicado, Bolsonaro deu um nó tático nas oposições. Seus últimos lances são de vitorioso, antes do término da contenda. Sua “guerra de posições” começa a dar resultados práticos e, por isso, ele pode voltar a vociferar como dantes, “sem medo de ser feliz”, com a galera em coro vociferando: “mito, mito, mito”.

Fato é que Bolsonaro invadiu o espaço parlamentar e conquistou apoio para sua blindagem e sua família. Conquistou posições onde antes não punha os pés: na cúpula do poder Legislativo. Quem fez isso para ele? O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Secretaria Geral de Governo, e os líderes do Centrão. Tá tudo dominado. A vitória na presidência das duas Casas, como já se disse, é a antessala da eleição de 2022 e vai implicar em imensos desafios para as forças democráticas.

Este movimento conseguiu quebrar a espinha dorsal de quem se opunha a Bolsonaro no Parlamento: Rodrigo Maia. O DEM rachou e Maia viu sua liderança esfumaçar, combatido pela direita e pela esquerda. O movimento articulado por Maia alguns meses atrás, que buscava articular o MDB e o PSDB, não conseguiu sustentação entre os partidos e os parlamentares, mostrando como são frágeis suas convicções democráticas bem como suas perspectivas de futuro, superando o bolsonarismo. No mais, o de sempre: PSDB indefinido, PT oportunista, Psol confuso e o resto como barata tonta. E os partidos do Centrão negociando freneticamente tudo com os representantes do Planalto. Desta maneira, a sociedade não tem uma liderança em quem mirar e o Parlamento será capturado integralmente por Bolsonaro. 

Merval Pereira - A incerteza continua

- O Globo

A decisão do ministério da Saúde de não garantir a compra das 54 milhões de doses de Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan não tem explicação, a não ser essa interminável guerra política entre o governo central e o governador de São Paulo João Dória.  Não há vacina suficiente no mundo até o momento, mesmo os países desenvolvidos estão com problemas para vacinar seus cidadãos, e o Brasil parece menosprezar a possibilidade de adquirir milhões de doses, simplesmente por sua origem, não mais chinesa, mas paulista.

Essa birra está dando oportunidade a que Dória amplie o alcance de seu nome a nível nacional, prometendo vender as vacinas para outros estados, que lutam para conseguir as doses que o governo central não teve capacidade de garantir. A incerteza é tamanha que ontem, ao anunciar o calendário para vacinação na cidade do Rio de Janeiro de pessoas acima dos 80 anos em fevereiro, o secretário de Saúde Daniel Soranz avisou que as datas dependem da chegada das doses das vacinas da AztraZeneca da Fiocruz, e Coronavac do Instituto Butantã.

Nós, que não somos do primeiro mundo, estamos arriscados a ficarmos sem vacina por um bom tempo, já que a escassez de produção no mundo está obrigando a que várias mudanças sejam feitas na entrega das doses, e na utilização das vacinas. Já há países que pretendem dar apenas a primeira dose das vacinas, para conseguir começar a imunizar mais cidadãos. Aqui no Brasil, esta possibilidade foi aventada, mas o Instituto Butantan insiste em que as doses da Coronavac devem ser aplicadas com uma diferença máxima de 15 dias.

Eliane Cantanhêde - Vitória do chiclete

- O Estado de S. Paulo

Como Pazuello e Forças Armadas, Congresso adere ao ‘Bolsonaro manda, todos obedecem’

Parabéns, presidente Jair Bolsonaro! Quanto mais erra escandalosamente em todas as frentes de combate à pandemia, com um saldo macabro acima de 220 mil mortos e 9 milhões de infectados, mais ele vai se revelando um craque sem escrúpulos no jogo da velha política. Interfere em outro Poder, não desperdiça em emendas e cargos e está a dias de botar no bolso os presidentes da Câmara e Senado. De quebra, embaralhou o tabuleiro da oposição para 2022.

Centrão e a direita estão unidos e de barriga cheia, enquanto o PT trincou vergonhosamente as esquerdas no Senado e o DEM da Bahia traiu miseravelmente Rodrigo Maia na Câmara. É assim que o PT vai inviabilizando uma frente de esquerdas, ao mesmo tempo em que o DEM do ex-prefeito ACM Neto dá as mãos ao DEM de Davi Alcolumbre para queimar a largada de uma candidatura de centro em 2022. A reeleição de Bolsonaro agradece.

Nunca se viu o presidente irritado, ao menos chateado, diante do avanço do coronavírus e das mortes de milhares de brasileiros. Sempre que ele aparece bravo, aos palavrões, é porque a PF e o Ministério Público descobriram mais uma dos filhos ou porque a imprensa revelou mais um chiclete e um leite condensado milionários. O País que se dane. Só importa o que dói nele e na família.

Murillo de Aragão - O jogo do impeachment

- Revista Veja

Tema renasce em razão dos pedidos contra Bolsonaro

 Desde 1992, como analista político, convivo com a questão do impeachment. Naquele ano, quando Fernando Collor entrou na mira do Congresso, nosso call foi o de que o impeachment seria inevitável. No caso do mensalão, escândalo envolvendo a compra de apoio no Congresso pelo governo que veio a público em 2005, tivemos uma abordagem mais cautelosa. O impeachment de Lula, então presidente da República, não era óbvio, apesar da gravidade das acusações.

No final do primeiro mandato do governo Dilma Rousseff, por causa da Operação Lava-Jato e da mastodôntica incompetência política da presidente, o impeachment reapareceu como possível no radar político. Deu no que deu. Já no governo de Michel Temer, quando ocorreu o episódio JJ (Joesley Batista e Rodrigo Janot), muitos apostaram que o impeachment seria aprovado. Nosso call foi o de que isso não aconteceria. E não aconteceu.

Para avaliar a questão, devemos examinar três aspectos críticos: a popularidade do presidente, sua base política e o motivo do pedido. Obviamente, um presidente popular é menos vulnerável ao impeachment, independentemente da gravidade do motivo. Temer, porém, embora não fosse popular, sobreviveu aos pedidos de abertura do processo contra ele por causa de um aspecto fundamental: ele tinha uma base política no Congresso.

Alon Feuerwerker - Teste de resiliência

- Revista Veja

Adversários vão trabalhar com afinco o desgaste de Bolsonaro

Este ano de 2021 vai merecer um rótulo já bem usado: “decisivo”. Atravessar politicamente vivo é condição sine qua non para Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo. E vai ser um ano daqueles. Mesmo que a vacinação se prove um sucesso, seus efeitos macro só devem ser sentidos em (muitos) meses. Um período suficientemente longo para os adversários trabalharem com afinco o desgaste presidencial.

Três ameaças rondam o Palácio do Planalto. Um agravamento da Covid-19, um repique da recessão e uma instabilidade institucional — essa última podendo vir do Legislativo ou do Judiciário. Para atravessar o ano, o presidente e seu governo precisarão mostrar capacidade operacional e política num cenário de turbulências, em que deixar o avião no piloto automático não será opção.

Sobre o agravamento dos índices da pandemia aqui no Brasil, mesmo países com vacinações muito mais agressivas enfrentam pioras de curto prazo nos índices da Covid-19. E há as novas variações do Sars-CoV-2. E junto vem a dúvida sobre se as vacinas produzidas a partir do vírus “velho” servem para combater os novos. Ou quanto tempo levará para adaptar os imunizantes, se isso for necessário para que sejam eficazes contra as novas variantes.

A segunda onda da Covid-19 terá necessariamente impacto na economia. Pois a reação natural das autoridades locais vai ser apertar o torniquete do isolamento e do distanciamento sociais. Haverá reação popular, então se pode prever movimentos de sístole e diástole, por um período em que a única certeza será a incerteza sobre que medida governadores e prefeitos vão tomar no dia seguinte ao anúncio de novos números.

Dora Kramer - Checklist eleitoral

- Revista Veja

Não existe uma receita infalível de bom governante, mas existe uma série de atributos a ser observados pelo eleitor diligente

Governar dá trabalho. Para dar certo requer prática, discernimento, experiência e habilidade. Escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, desde que se dê importância ao ato. Donde o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa eleição.

Não tem sido, no entanto, a regra no período de três décadas e meia de redemocratização. Com exceção de Fernando Henrique Cardoso, eleito duas vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, o que temos visto são escolhas referidas em presunções não raro enganosas que no confronto com a realidade mais adiante geraram decepções.

Em 1989 havia 22 opções, entre as quais umas muito boas, outras com certeza bem melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a continuidade de FH representada por homem (José Serra) de inequívoco preparo em nome da ideia de que Luiz Inácio da Silva seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.

Míriam Leitão - Mundo paralelo da equipe econômica

- O Globo

No ano passado o mercado de trabalho encolheu, fortemente. É até óbvio. Aqui e no mundo a pandemia foi devastadora para o emprego. A equipe econômica de Jair Bolsonaro quer fazer crer que houve criação de emprego e que ao fim do ano o país tinha 142.690 de vagas a mais com carteira assinada do que em 2019. No mesmo dia, no mesmo governo, a informação do IBGE é que no trimestre terminado em novembro havia 3,5 milhões de trabalhadores a menos com carteira assinada em relação a 2019. No mercado como um todo, a queda é de 8,8 milhões de pessoas ocupadas.

O Caged, divulgado pelo Ministério da Economia, registra as demissões e contratações do mercado formal. O IBGE faz a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Eles medem coisas diferentes, mas quando o IBGE diz que são empregados com carteira está, teoricamente, medindo a mesma parcela do mercado de trabalho que o Caged. Em algum momento, deveriam convergir, mas estão discrepantes.

O ministro Paulo Guedes anunciou o número do Caged, que registrava perda de emprego, 67 mil em dezembro, mas que terminava o ano com o saldo positivo. E o fez repetindo discurso político com comparações com o pior período petista. 

Uma perda de tempo, porque ele poderia até contar uma boa história comparando esse ano singular que foi 2020 com o que poderia ter sido. As medidas do governo de fato atenuaram as demissões e a recessão. O PIB deve ter uma queda em torno de 4,5%. As previsões iniciais eram bem piores. Mas não há como negar que foi um ano terrível para o mercado de trabalho.

Maria Cristina Fernandes - Fim do auxílio congestiona miséria

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Pesquisador vê o surgimento de novos pobres, egressos da classe média, que, sem emprego ou vacina, pressionam pela retomada do benefício governamental

Em dois domingos consecutivos de janeiro, o historiador Raphael Ruvenal, de 31 anos, saiu de casa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, às 5h45 para, depois de três horas de trem, ônibus e barca, chegar a um colégio estadual em Niterói, a mais de 50 km dali, onde foi fiscal do Enem. Apesar de as provas só terem início às 13h30, todos os fiscais deveriam se apresentar às 8h45. Liberado às 19h, Raphael chegou em casa às 22h.

Por cada um dos dias do Enem, recebeu R$ 90. Descontado o transporte, sobraram R$ 73. Se as provas tivessem acontecido dez dias depois, seus vencimentos teriam sido 25,5% menores por causa do reajuste no transporte metropolitano já confirmado para o início de fevereiro. O ganho líquido só não foi mais reduzido porque a direção da escola ofereceu lanche para a jornada de 16 horas.

Para ser selecionado como fiscal, ele teve que se submeter a um curso on-line de 20 horas e a uma avaliação. Formado, com a ajuda do Prouni, e pós-graduado em história, roteirista e escritor, Raphael está desempregado há mais de um ano e tem penado para dar aulas particulares remotamente. Os R$ 146 que lhe renderam o Enem foram sua única renda ao longo de janeiro.

Falante, articulado e lido, Raphael resume numa frase a pedreira que enfrentou como fiscal do Enem: “Recusa trabalho quem pode”. Filho de uma diarista e de um agente administrativo do Ministério da Saúde, com renda de R$ 3,5 mil, Raphael não entrou para a fila da miséria porque vive com os pais. Beneficiário do auxílio emergencial até dezembro, o historiador da Baixada Fluminense é parte das mudanças no perfil da pobreza que emergiram com o fim do benefício.

Pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole na USP e estudioso de desigualdade social, Rogério Barbosa apenas começou a mapeá-los, mas já descobriu que os novos empobrecidos pelo fim do auxílio estão no meio da distribuição de renda. Em sua maioria, são egressos do mercado formal que ainda não se recuperou e tinham, antes da pandemia, uma renda domiciliar per capita média de R$ 859. O pesquisador vê os pobres apenas de volta ao assento de baixo de uma gangorra da qual não saem desde 2015. Quem grudou no chão com o fim do auxílio, e não sabem como nem quando poderão sair, foram os mais remediados.

Claudia Safatle - Auxílio depende de desindexar gastos

- Valor Econômico

Acabar com a desindexação é concluir o que ficou faltando no Plano Real

A três dias da definição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o governo afia as suas propostas, a começar da aprovação do Orçamento da União para este exercício e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, encorpada com os três D - desindexação, desvinculação e desobrigação do gasto público. Para uma fonte do Ministério da Economia, “o Orçamento deste ano e a PEC são peças definidoras do xadrez que vamos jogar”, a partir da posse dos presidentes da Câmara e do Senado, na semana que vem.

As informações que chegam à equipe econômica são de que, se o vencedor do pleito para a presidência da Câmara dos Deputados for Artur Lira (PP-AL), será possível sonhar com a desindexação dos gastos orçamentários, que é, de longe, o D que mais pressiona a despesa pública. Com o apoio de Jair Bolsonaro, Lira entraria para tocar uma agenda bem afinada com o Executivo, ao contrário do antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Cálculos feitos por técnicos do governo ainda em 2019 davam conta de que a indexação respondia por cerca de R$ 60 bilhões de expansão do gasto naquele ano. Ou seja, segundo esse levantamento, 67,7% da despesa orçamentária é indexada à inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou ainda à variação do salário mínimo. Com a aceleração recente da inflação, essa conta está sendo refeita e é, seguramente, superior àquela cifra.

José de Souza Martins* - Nossa cultura genocida

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A morte equilibra as contas: esse tem sido um cálculo cruel subjacente a falas e decisões de responsáveis por nossos dilemas políticos

Em menos de um ano, mais de 200 mil mortos no Brasil, em decorrência da covid-19, são mais do que os mortos de Hiroshima em decorrência da bomba atômica que os americanos explodiram sobre a cidade.

Ao colocar o presidente da República um general da ativa, especialista em logística, como ministro da Saúde, está ele dando status militar ao combate à pandemia. Justifica-se, pois, a comparação que faço.

Estamos diante de uma guerra - e guerra que, em consequência de seus efeitos socialmente colaterais, estamos perdendo. E o estamos porque até aqui fizemos e conseguimos menos do que teríamos feito e conseguido se tivessem prevalecido a ciência e os critérios e recomendações científicos na administração do problema sanitário.

Em alguma medida, o número das mortes decorrentes da pandemia reflete efeitos das recomendações de medicação sabidamente equivocada e dos maus exemplos do próprio governante nas atitudes em relação à doença.

Ricardo Noblat - Os fatos teimam em contrariar as falas do presidente

- Blog do Noblat / Veja

Diário do dia de ontem

O dia em que o presidente Jair Bolsonaro disse que “está fazendo a coisa certa e que não é fácil fazer a coisa certa “foi também o dia em que ele, em live no Facebook, reforçou o desejo de que as torcidas voltem a frequentar os estádios. Em suas palavras:

Temos que voltar a viver, pessoal. Sorrir, fazer piada, brincar. Voltar (o público) nos estádios de futebol o mais cedo possível, que seja com uma quantidade menor, 20%, 30% da capacidade do estádio.

Foi também o dia em que Bolsonaro aconselhou a um grupo de devotos admitido nos jardins do Palácio da Alvorada:

Se eu fosse um dos muitos de vocês, obrigados a ficar em casa, ver a esposa com três, quatro filhos, e eu não ter, como chefe do lar, como levar comida para a casa, eu me envergonharia. Sempre disse que a economia anda de mãos dadas com a vida.

E foi também o dia que em visita a Propriá, na divisa entre Sergipe e Alagoas, ele discursou para uma pequena multidão:

A Europa e alguns países aqui da América do Sul não têm vacina. Sabemos que a procura é grande. Nós assinamos convênios, fizemos contratos desde setembro do ano passado com vários laboratórios. As vacinas começaram a chegar. E vão chegar, para vacinar toda a população em um curto espaço de tempo.

Nesse dia, o Brasil registrou o terceiro maior número de novas mortes por covid-19 em um intervalo de 24 horas. Foram 1.439 óbitos e 60.301 novos casos da doença. No total são 221.676 óbitos até agora e 9.060.786 pessoas contaminadas.

E o Instituto Butantã revelou que tem 54 milhões da vacina Coronavac em estoque, mas que o governo federal não quer dizer se irá comprá-las ou não. Há Estados e países interessados em comprar, mas o silêncio do Ministério da Saúde é um empecilho.

E o Lowy Institute, centro de estudos baseado em Sydney, na Austrália, apontou em relatório que o Brasil foi o país que teve a pior gestão pública durante a pandemia. Ficou na última posição entre 98 governos avaliados.

Luiz Carlos Azedo - Só falta chamar de Cristiana

- Correio Braziliense

Os caciques do MDB “cristianizaram” a senadora Simone Tebet (MS), que se lançou candidata avulsa à Presidência do Senado, sem o apoio formal da bancada

Mineiro de Sabará, Cristiano Monteiro Machado foi prefeito de Belo Horizonte no final da década de 1920. Partidário da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, conquistou uma cadeira na Assembleia Nacional Constituinte em 1933. Renunciou ao mandato em 1936, para ser secretário de Educação e Saúde Pública de Minas Gerais, no governo de Benedito Valadares. Deixou o cargo no início de novembro de 1945, em decorrência da deposição de Getúlio Vargas (29/10/1945) e do consequente fim do governo Valadares. Filiado ao recém-fundado Partido Social Democrático (PSD), foi eleito deputado à Constituinte de 1946.

Em 15 de maio de 1950, Cristiano Machado foi lançado candidato à Presidência da República pelo PSD nas eleições que se realizariam em outubro. Entretanto, a ala getulista do PSD do Rio Grande do Sul era favorável à indicação de Nereu Ramos e se recusou a aceitar Cristiano como candidato. Logo depois, membros do Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, comunicaram ao PSD que não apoiariam Cristiano. A candidatura de Getúlio Vargas, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), já estava sendo articulada e viria a ser apoiada por Ademar. Mesmo com o PSD dividido, Cristiano foi aclamado na convenção nacional do partido. Coube ao Partido Republicano (PR) indicar Altino Arantes para a vice-presidência. Cristiano ainda fez uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).

Nas eleições de 3 de outubro de 1950, Cristiano Machado concorreu com o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) e Getúlio Vargas (PTB). Vargas teve uma vitória acachapante, inclusive, nos redutos eleitorais do PSD. A transferência dos votos de Cristiano para Vargas caracterizou um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”. Passou a ser uma marca registrada do MDB nas eleições para presidente da República, sempre que a legenda lançou candidato, com aconteceu com Ulyssses Guimarães (1989) e Orestes Quércia (1994).

César Felício - A dificuldade que virá

- Valor Econômico

Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara independente. Embora apoiado por Bolsonaro, Arthur Lira não tende a ser servil caso eleito

Será uma enorme surpresa para todos os observadores da cena política se na próxima segunda-feira o deputado Arthur Lira (PP-AL) não se eleger presidente da Câmara, no primeiro ou no segundo turno. A polêmica agora é dimensionar a magnitude deste evento no transcurso do governo Bolsonaro, questão em que é extremamente importante prestar atenção em quem está saindo de cena e quem está entrando. Comecemos por quem sai.

Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara singular, não apenas pelos cinco anos e meio que ficou no cargo. Ele dependeu pouco tanto de Michel Temer quanto de Bolsonaro para conquistar o que conquistou. Foi eleito pela primeira vez em um mandato tampão, na atabalhoada saída de Eduardo Cunha do cargo, primeiro por força de uma decisão judicial e depois da renúncia na fracassada tentativa de preservar o mandato.

Em julho de 2016, ele se apoiou em uma coligação branca com as oposições para derrotar o candidato do Centrão, Rogério Rosso (PSD-DF). É um pouco o que tenta repetir agora, ao urdir a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP). Ainda muito tributário de Cunha, mas bastante interessado em quebrar esta dependência, o então presidente Michel Temer pouco pôde fazer para interferir no processo.

Maia assumiu sem dívidas com o Planalto. A reeleição em 2017 foi viabilizada por uma exceção aberta pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2019 tinha o direito de permanecer assegurado e Bolsonaro sequer ousou articular contra ele.

José Serra* - Por um Congresso autônomo


- Folha de S. Paulo

Nas eleições do Legislativo, devemos preservar o Estado democrático de Direito

A autonomia do Poder Legislativo é a espinha dorsal da democracia representativa, especialmente no regime presidencialista. Nossa Constituição é cristalina em seus dois primeiros artigos: o Brasil constitui-se em Estado democrático de Direito e os Poderes da União —Legislativo, Executivo e Judiciário— representam, cada um em sua esfera, a soberania popular.

Note-se que o primeiro dos sete artigos da Constituição norte-americana —famosa por ser sintética e objetiva— trata do Poder Legislativo. É a parte mais extensa do documento que configura uma das democracias mais importantes do mundo. Pode-se dizer que a primeira emenda constitucional, introduzida em 1789 por James Madison, é considerada o coração da democracia americana: “...que o Congresso não faça nenhuma lei submetido a uma religião ou proibido de seu livre exercício”.

Com a convicção de que precisamos preservar nosso Estado democrático de Direito e a independência do Poder Legislativo, participarei do processo de escolha do presidente do Senado Federal, a quem caberá presidir o Congresso Nacional nos próximos dois anos.

O desafio de conduzir o Senado nesses tempos de pandemia de Covid-19 é imenso. Assim sendo, cabe ao senadores escolher com completa independência, dada a agenda de deliberações decisivas que o Congresso terá pela frente em colaboração com o Poder Executivo.

Bruno Boghossian – Tragédia para todo lado

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não mostra interesse em manter uma rede de proteção até que a economia se recupere

Jair Bolsonaro foi ao Nordeste para lançar a obra de uma ponte entre Sergipe e Alagoas. De um lado, em Propriá (SE), um terço da população recebeu o auxílio emergencial. Do outro, em Porto Real do Colégio (AL), o benefício chegou a 43% dos moradores. Se algum deles esperava uma luz sobre os próximos meses, continuou no escuro.

O governo tem o direito de se opor a novas parcelas do auxílio. A equipe econômica, aliás, resistiu ao pagamento de R$ 600 desde o início da crise do coronavírus, e Bolsonaro avisou que o benefício não seria permanente. Todos eles sabiam que o programa terminaria em 2020, mas, até agora, não quiseram apresentar um projeto de saída viável.

Reinaldo Azevedo – Lira seria a vitória da contrarreforma

- Folha de S. Paulo

Deputado encarnaria antiliberalismo na sua modalidade reacionária

É evidente que considero desastrosa para o país a eventual vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara. E de várias maneiras. Com ele, eleger-se-ia não só a antirreforma, mas a contrarreforma.

Se já há dificuldade para emplacar no Congresso qualquer coisa que possa lembrar, de longe, uma pauta liberal, o parlamentar encarnaria esse antiliberalismo na sua modalidade reacionária.

Uma mágoa de Jair Bolsonaro com Rodrigo Maia (DEM-RJ) faz sentido. O atual presidente da Câmara, de fato, criou obstáculos civilizatórios para que o outro levasse adiante sua agenda fúnebre na Casa --que Lira, se vencer, promete retomar.

Bolsonaro admite —com o despudor com que anseia enfiar leite condensado na parte terminal do aparelho digestivo da imprensa— que resolveu meter a mão grande na disputa. Seu escolhido é uma espécie de Eduardo Cunha redivivo nos transes da ventura e nos dons do pensamento.

Há, no entanto, uma diferença: Cunha fez-se presidente da Câmara na contramão da tentativa de Dilma Rousseff de emplacar um nome. Bolsonaro, consta, pode ser mais feliz na empreitada, mas isso não muda a natureza e o caráter do seu parceiro. Perderá ganhando ou perdendo.

Nelson Motta - O pós-Bolsonaro

- O Globo

Mourão pode ser ainda pior

Elio Gaspari fez a pergunta que não quer calar: “Fora Bolsonaro. Mas para quê?”.

Para nos livrarmos do pior, mais odioso e incapaz presidente da nossa história, já seria um motivo nobre. Mas também pode dar em algo, ou alguém, pior do que ele.

A estupidez e a insanidade mental são os maiores inimigos de Bolsonaro, mas ele poderia ser ainda mais maligno se fosse inteligente e preparado e com a mesma cabeça golpista, paranoica e autoritária nostálgica da ditadura. Um falso liberal econômico, nacionalista e estatizante, um falso anticorrupção que acabou com a Lava-Jato. A inteligência voltada para o mal é pior do que a burrice.

Nos livrarmos dos filhos dele também seria um bônus de alívio. Bolsonaro gosta de dizer que “não há corrupção no meu governo”. Só na sua família. E nele mesmo, desde os tempos de deputado, como um patriarca da rachadinha, quando iniciou uma bela amizade com o Queiroz, que passaria de pai para filho, como as velhas babás.

Ruy Castro - Novas definições para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Outros 146 substantivos e adjetivos que têm sido aplicados a ele

Na quarta-feira (27), arrolei 24 epítetos para definir Jair Bolsonaro, recolhidos por mim nos mais diversos veículos. Alguns leitores acharam a lista insuficiente. Um deles, meu amigo João Augusto, grande produtor musical, me mandou sua própria lista, que ele começou a compilar já no dia da posse de Bolsonaro. Eis:

Abjeto, abominável, abutre, achacador, acintoso, alimária, amoral, animal, asno, asqueroso, assassino, atroz. Babaca, baderneiro, belicista, beócio, besta-fera, biltre, boçal, boca-suja, bosta, brega, bronco, bufão. Cabotino, cafajeste, cafona, canalha, canastrão, cancro, capadócio, carbonário, cascavel, catastrófico, cavalgadura, charlatão, chulo, cínico, complexado, contagioso, crasso, cruel. Daninho, dantesco, debochado, degenerado, degradante, delinquente, demagogo, depravado, desbocado, desequilibrado, desleal, déspota, desprezível, desqualificado, destrutivo, desumano, doente.

Flávia Oliveira - Não há vacina para o Brasil

- O Globo

Não é uma nação um país onde autoridades e servidores, em benefício próprio, furam a fila da imunização

Nenhuma nação ostenta sem motivo, e por tanto tempo, o título de mais desigual do mundo. Tampouco o supera rapidamente — nem mesmo com a pior crise sanitária em um século. A semana desoladora nos fez lembrar por que um país do grupo das dez maiores economias do planeta é o 84º em desenvolvimento humano, conceito que mescla renda, escolaridade e longevidade da população; e segundo em mortes por Covid-19 — mais de 220 mil óbitos e contando. Ficaram para trás os dias festivos pela (demorada) aprovação pela Anvisa do uso emergencial das vacinas CoronaVac e AstraZeneca e pelo (atabalhoado) início da imunização. Vibramos com a enfermeira negra Mônica Calazans, primeira pessoa vacinada no Brasil, para nos entristecermos na sequência. Contra a desigualdade, não há antídoto.

Minha mãe, Dona Anna, uma mulher que passou não mais de cinco anos nos bancos escolares na primeira metade do século XX, me educou com ditos populares. Em frases curtas, imensos saberes. Uma delas não me tem saído da cabeça no Brasil de 2021, esse prolongamento do 2020, o ano que não terminará: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Cinco palavras que resumem o descalabro de uma sociedade que deixou de lado a empatia para se atracar, sem vergonha, à incompetência e, sem decoro, ao privilégio.

Ignácio de Loyola Brandão* - A noite em que Natuza chorou

- O Estado de S. Paulo

Diante dos fatos daquele inferno amazônico, diante da crueldade, lágrimas correram

Há pouco tempo, na lista de meios já utilizados por mim, faltavam o camburão e a ambulância. Agora, só falta o camburão. Semanas atrás, incomodado por uma constipação intestinal, belo eufemismo da medicina, e pelo que me parecia um quisto em lugar incômodo, me vi no Pronto Atendimento, outra expressão mais tênue, simpática, do que pronto-socorro, que nos dava a sensação de fim de linha. Terminados alguns exames, me assustaram: “O senhor vai direto para o hospital, a ambulância já está à espera”. Pronto, meu catastrofismo, herdado de minha mãe, aflorou. A vida inteira dona Maria do Rosário, boa e piedosa, teve medo de perder a casa, hipotecada à Caixa durante uma reforma. A casa está na família até hoje. Colocaram-me em uma cadeira de rodas, apesar de eu poder caminhar. Cadeira de rodas é boa nos aeroportos, principalmente no de Guarulhos, com seus corredores quilométricos. O motorista da ambulância me devolveu o humor. “Quer com emoção ou sem emoção? Ou seja, a toda velocidade com sirenes abertas ou normal?” Não sabia se eu ia morrer logo ou se dava tempo de chegar ao Einstein, respondi: “Sem emoção”. 

Sem? Quem disse? As ruas estropiadas desta cidade são um inferno para quem vai deitado, sofrendo sacudidelas que não nos jogam no chão porque nos prendem com cinturões. Eu me imaginava louco metido em camisa de força.

Por sorte (ou merecimento, não vá o psicoterapeuta Hiroshi Ushikusa dizer: pare com essa culpa), o convênio médico que a Academia Brasileira de Letras me concedeu cobre tudo e fui entregue ao doutor Alberto Goldenberg, que rápido correu com os procedimentos. Adoro esta palavra, é boa para tudo. E eu pensava o quê? Aqui terá oxigênio? Ou me angustiava: claro que não conseguirão um diagnóstico. Sou o paciente que não anima nenhum médico. Mas alguém lá em cima – pode ser até no andar superior – olha por mim. 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O julgamento da História não basta – Opinião | O Estado de S. Paulo

Mais cedo ou mais tarde, Jair Bolsonaro terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia

O tempo vai dizer se um dos mais perigosos, desbocados e vulgares presidentes da história do País será destituído do cargo pela via constitucional. Razões para que isso aconteça não faltam. A cafajestagem que ele protagonizou anteontem prova isso. A portentosa ficha de crimes de responsabilidade cometidos pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro já foi desfiada nesta página e em tantas outras das mais de cinco dezenas de pedidos de impeachment já apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados. A bem da verdade, tal desgoverno é um crime continuado.

A ver, pois, se as chamadas condições políticas para o afastamento do presidente restarão materializadas, pelo bem maior do Brasil. Os candidatos apoiados por Bolsonaro nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, creem não haver sequer elementos para instalação de uma CPI da Saúde.

Porém, uma coisa é certa: a destituição política de Bolsonaro, no momento, pode não passar de uma possibilidade remota, mas, se esta é uma República que se pretende séria, mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até agora matou mais de 220 mil brasileiros.

A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.

Poesia | Fernando Pessoa - Gostava

Gostava de gostar de gostar. 
Um momento... Dá-me de ali um cigarro, 
Do maço em cima da mesa de cabeceira. 
Continua... Dizias 
Que no desenvolvimento da metafisica 
De Kant a Hegel 
Alguma coisa se perdeu.   
Concordo em absoluto.   
Estive realmente a ouvir. 
Nondum amabam et amare amabam (Santo Agostinho). 
Que coisa curiosa estas associações de ideias! 
Estou fatigado de estar pensando em sentir outra coisa. 
Obrigado.  Deixa-me acender.  Continua.  Hegel...