sábado, 5 de junho de 2021

Entrevista | Raul Jungmann: ‘Bolsonaro persegue o modelo de Chávez’

Raul Jungmann afirma que militares estão diante de um processo similar aos passos iniciais do chavismo

Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo

O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann acredita que os militares brasileiros estão diante de um processo que assemelha-se aos passos iniciais do chavismo, na Venezuela, quando Hugo Chávez passou a transferir para si os poderes dos comandantes das Forças. Estes, ao evitarem um confronto, pensando em preservar a Constituição, acabaram permitindo a destruição da ordem legal. Leia a seguir, trechos de sua entrevista ao Estadão. 

O que o sr. acha que ocorreu para Pazuello não ser punido?

A narrativa que ouvi caminha em uma dupla direção. Houve uma reunião remota do Alto Comando anteontem. O comandante Paulo Sérgio pediu a opinião do Alto Comando, que teria sido majoritariamente pela punição. Não pelo ânimo de punir, mas pra preservar a hierarquia e a disciplina, sem as quais um Exército se transforma em um bando armado. Ele (Paulo Sérgio) teria comunicado que sua decisão era não punir, o que foi acatado por todos, pois essa é uma decisão privativa do comandante. Ouvi de outros que o general disse a oficiais mais próximos que teria agido para evitar uma crise maior, resultante da punição de Pazuello que viesse a ser anulada, o que implicaria no afastamento em dois meses do segundo comandante do Exército.

Ao fim e ao cabo, agrava-se a crise em vez de encerrá-la? 

Aqui vale a frase do Churchill em relação à política de apaziguamento de (Neville) Chamberlain (em 1938, em relação à Hitler): ‘Vocês não terão a paz, e terão a guerra’. O que quero dizer é que os militares daqui estão enfrentando o que os da Venezuela enfrentaram no início do período chavista. Bolsonaro persegue o modelo de Chávez. Ele, como Chávez, quer reduzir o comando dos militares para transferi-lo para a política. Ou seja, para ele. Temos o exemplo próximo da Venezuela, aonde, paulatinamente, Chávez tirou poder dos generais e transferiu para ele. Os militares, aqui como lá, guardadas as devidas proporções, evitam o confronto direto com o comandante para não ferir a Constituição, mas o dilema é que assim correm o risco de ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a disciplina.

João Gabriel de Lima - O fantasma de Trump na eleição brasileira

- O Estado de S. Paulo

Há sinalizações de que não haverá hierarquia a deter os bolsonaristas radicais

Em 2020, Donald Trump fez troça da pandemia, propagou tratamentos alternativos, viu sua popularidade ruir e perdeu uma eleição equilibrada. Saiu de cena com alegações delirantes de fraude, e seus apoiadores atacaram o Capitólio numa das cenas mais infames da bicentenária democracia americana.

Em 2020, Jair Bolsonaro fez troça do coronavírus e tornou o tratamento com cloroquina política de Estado. Neste ano, uma CPI expõe os erros e omissões de seu governo – que levaram a quase meio milhão de mortes – e a popularidade do presidente sofre abalos. Seus opositores, em plena pandemia, ganham as ruas em manifestações de peso.

Eis um cenário possível para 2022: Bolsonaro perde uma eleição equilibrada, alega fraude e seus apoiadores promovem algo equivalente ao ataque ao Capitólio. As cenas de violência da Polícia Militar no Recife e a passada de mão na cabeça do ex-ministro Eduardo Pazuello, o general recalcitrante, sinalizam que não haverá hierarquia a deter os bolsonaristas radicais.

O cenário da eleição equilibrada em 2022, semelhante à que opôs Trump a Biden, é a aposta do cientista político americano Christopher Garman, personagem do mini-podcast da semana. O diretor executivo da consultoria Eurasia previu, no início de 2018, que Bolsonaro chegaria ao segundo turno. Àquela altura poucos acreditavam no fôlego do capitão.

Miguel Reale Júnior* - Voto sem cabresto

- O Estado de S. Paulo

Ameaça de Bolsonaro revela a intenção de deslegitimar o pleito em que pode ser derrotado

Por via da Emenda Constitucional 135/19 pretende-se impor o voto impresso, pois as leis que introduziam tal sistema foram consideradas inconstitucionais por violação do sigilo do voto, intocável alicerce da democracia, como consta do artigo 60, § 4.º, II, da Constituição.

Ledo engano da proponente da emenda, a deputada de extrema direita Bia Kicis, pois não é por ser emenda à Constituição, e não lei, que deixa de poder ser considerada inconstitucional se extrapola o limite material fixado nas cláusulas pétreas. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que emenda constitucional, emanada, portanto, de constituinte derivado, incidindo em violação à constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo STF, cuja função precípua é de guarda da constituição (Adins 939-7 DF, 926-5 DF e 466 DF).

Atribui-se ao TSE má-fé ao defender sistema eletrônico destituído de segurança e rejeitar o voto impresso. Não é verdade. O TSE até colaborou, sendo Jobim presidente, na elaboração da Lei n.º 10.048/02, por isso denominada Lei Jobim, que introduziu o voto impresso, a ser adotado nas eleições de 2004.

Em 2002, o TSE, em vista de futura implantação do voto impresso, adotou, para teste, esse sistema em 150 municípios com 19.373 seções eleitorais, correspondendo a 7.128.233 eleitores, ou seja a 6,18% do eleitorado.

Os problemas surgidos foram imensos: 1) o tamanho das filas; 2) o número de votos nulos e em branco; 3) o porcentual de urnas com votação por cédula; 4) a quantidade de urnas que apresentaram defeito, além das falhas na impressora. O TSE e os TREs, com vantagens inquestionáveis sobre o voto impresso, propuseram o registro eletrônico do voto (cédula eletrônica), que espelha a composição do voto do eleitor, sem identificá-lo.

Bolívar Lamounier* - Dois becos sem saída

- O Estado de S. Paulo

 ‘Trânsito em julgado’ e polarização populista nos mantêm presos num cenário perverso

O que se tem chamado de crise brasileira é um cenário surrealista, dentro do qual dificilmente retomaremos o crescimento econômico e a busca do bem-estar social. Compõe-se de muitos fatores, mas tentarei descrevê-lo como a conjunção de dois becos sem saída, escuros e entrelaçados.

O primeiro, como o jurista Modesto Carvalhosa tem corajosamente ressaltado, é a própria Constituição de 1988. Embora tenha consagrado várias coisas boas, não há dúvida de que ela impede o combate ao crime de colarinho-branco, expressão a que recorro para designar as falcatruas continuamente perpetradas pelos poderosos em geral, dentro e fora do governo. Refiro-me, naturalmente, ao chamado “trânsito em julgado” (artigo 5.º, LVII): “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Num país onde o patrimonialismo e o corporativismo não só se mantêm, mas parecem crescer a cada 15 minutos, esse dispositivo é uma aberração inominável. Por duas razões: primeiro, porque institui quatro instâncias de julgamento; assim, a execução da pena só pode ter início após a confirmação da condenação nas instâncias inferiores pelo Supremo Tribunal Federal. Segue-se, evidentemente, que o citado dispositivo divide a Justiça brasileira em duas, a dos ricos e a dos pobres.

Mas o beco é mais escuro do que parece. O “trânsito em julgado” é uma das cláusulas pétreas da Constituição, aquelas que só podem ser alteradas pelo chamado “poder constituinte originário”, vale dizer, na prática, por meio da convocação de uma nova Assembleia Constituinte. Quem, no momento atual, com a polarização grassando com sua característica estupidez, com a economia patinando e com a pandemia já atingindo quase 500 mil mortos – quem, dizia eu, terá a coragem, o arrojo e a lucidez para liderar tal empreitada?

Adriana Fernandes – Arrecadação em alta em tempos de eleição

- O Estado de S. Paulo

A Receita Federal ainda está se debruçando atentamente sobre os dados da arrecadação para entender o fenômeno. Mas a previsão de aumento adicional de R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões na arrecadação de impostos, que entrou nas contas internas da equipe econômica para 2021, pode se revelar estrutural.

Uma mudança permanente de patamar da arrecadação, com um ajuste entre 1% e 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa é a primeira leitura da Receita sobre o comportamento da arrecadação este ano, que vem surpreendendo, segundo a coluna apurou.

Com o cenário do lado das receitas, os técnicos do Ministério da Economia passaram até mesmo a vislumbrar a possibilidade de um quadro melhor para as contas públicas. Tudo isso após o discurso, que marcou os tempos de pandemia da covid-19, de que as contas públicas estavam à beira de um precipício com a dívida pública em trajetória explosiva.

Se as previsões otimistas se concretizarem, a melhoria da arrecadação tem potencial para antecipar em dois anos a volta do superávit primário das contas do governo federal. Cenário que só estava previsto para o período entre 2026-2027 com a manutenção do teto de gastos. Por enquanto os números oficiais indicam uma meta de déficit de R$ 170, 4 bilhões em 2022, R$ 144,9 bilhões em 2023 e R$ 102,2 bilhões em 2024. 

Entrevista | José Murilo de Carvalho, historiador: 'Há perigo de politização das Forças Armadas com risco à democracia’

Autor do livro ‘Forças Armadas e Política no Brasil’, ele diz que a transformação do Exército em instrumento da política de Bolsonaro afetará as eleições de 2022

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO — Historiador que estuda a participação dos militares na política brasileira, José Murilo de Carvalho avalia que a decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello por participar de ato político com o presidente Jair Bolsonaro representa uma capitulação desmoralizante para o comando da instituição e pode ter “sérias consequências para o funcionamento da democracia brasileira”. Autor, entre outros, do livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, Carvalho acredita que o episódio pode levar “à politização da Força”.

A ausência de punição ao general Eduardo Pazuello pode levar a uma anarquia nas Forças Armadas?

Trata-se do episódio mais grave no que se refere à relação entre o Exército e o atual presidente. A justificativa de que o general envolvido não participara de ato político é ridícula e ele próprio o reconhecera logo depois do evento, quando pediu desculpas. Até mesmo o general Mourão, vice-presidente, duas vezes punido por fazer declarações políticas, defendeu a necessidade da punição para preservar a disciplina. O comandante da Força e o Alto Comando que o assessora tornaram-se responsáveis pela quebra de um dos esteios da corporação (o outro é a hierarquia). Tornou-se clara a consequência política negativa da alta presença de militares no governo.

O senhor acredita que exista hoje uma divisão dentro do Exército sobre a postura que deve ser adotada em relação ao presidente Jair Bolsonaro?

Se não havia, haverá agora. Será inevitável que a não punição de Pazuello gere um grande debate dentro do Exército e também da Marinha e da Aeronáutica. O argumento frequentemente usado pelas Forças Armadas de serem instituições de Estado e não de governo perde credibilidade.

Em março, os comandantes das Forças deixaram seus postos por aparentemente não se submeterem ao presidente. Agora, houve uma capitulação?

Houve uma capitulação desairosa e desmoralizante para o comandante e perigosa por poder levar à politização da Força, com sérias consequências para o funcionamento da democracia.

Ricardo Noblat - O vírus da anarquia militar escapou ao laboratório do Exército

- Blog do Noblat / Metrópoles

O perdão dado a Pazuello representa um risco para a unidade das Forças Armadas, e favorece a indisciplina

Quem diria que um dia, de volta aos quartéis há 36 anos depois de bancar uma ditadura que o desgastou e mandou pelo ralo a disciplina e a hierarquia militares, o Exército incorreria no mesmo erro. Ditadura à vista, por enquanto, não há nem parece provável.

Mas a disciplina e a hierarquia foram comprometidas com a decisão de não punir o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que compareceu a uma manifestação político-partidária em favor do presidente Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro.

Espera-se, e não deverá tardar, a presença de militares da ativa, de baixa patente, em manifestações da mesma natureza a favor ou contra o presidente da República. E se tal ocorrer? Serão poupados de punição como foi o general? Serão punidos ao contrário dele?

O Regulamento Disciplinar do Exército só vale para militares que não tenham alcançado ainda o generalato? Ou continua valendo para todos, menos para os simpatizantes do ex-capitão que, no passado, planejou atentados terroristas a unidades militares?

Disciplina e hierarquia devem ser desprezadas se o objetivo final é evitar a volta de partidos de esquerda ao poder? Em 2018, o Exército esqueceu os motivos que o levaram a afastar Bolsonaro dos seus quadros para apoiá-lo como candidato a presidente.

Sob o pretexto de não perder o controle dos praças e oficiais que votariam em massa no ex-capitão, o Exército, à época comandado pelo general Eduardo Villas Bôas, aderiu à candidatura Bolsonaro e fez o confessável e o inconfessável para que ele se elegesse.

Confessável foi pressionar o Supremo Tribunal Federal para que mantivesse Lula preso e inelegível. Inconfessável, por exemplo, compartilhar com Bolsonaro informações sigilosas, obtidas pelo serviço de inteligência da Arma, para que não fosse surpreendido.

Marco Antonio Villa - A carnificina bolsonarista

- Revista IstoÈ

Jair Bolsonaro intensificou seu projeto de golpear as instituições democráticas e impor uma ditadura. Sempre deixou claro, desde a longa carreira parlamentar, que era um adversário do Estado democrático de Direito.

No exercício da Presidência — antes ainda da pandemia — deu inúmeras declarações, no Brasil e no exterior, de simpatia para com as ditaduras e de incômodo com os limites constitucionais estabelecidos ao poder Executivo pela Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, foi solapando o aparelho de Estado, minando o que foi edificando, com muito esforço, nos últimos trinta anos.

Deve ser recordado que o Brasil tem uma longa presença autoritária na esfera política. A construção de uma cultura política democrática nunca foi um elemento presente no nosso cotidiano. As veleidades autoritárias sempre estiveram presentes, mesmo em momentos de relativo funcionamento de instituições democráticas. O uso da força rondou a nossa história republicana. O golpismo foi durante décadas uma carta guardada para ser utilizada em momentos de impasses. E desde 1889 inúmeras vezes foi utilizada. O entendimento que, na democracia, é necessário conviver com a diferença, com a pluralidade, com a alternância no poder, com o respeito às instituições, nunca foi compreendido pelas elites políticas. E o povo, no seu mutismo, não compreendeu que reside na democracia a única possibilidade de enfrentamento das desigualdades sociais – isto em um dos Países mais desiguais do mundo.

Ascânio Seleme - Analisou e agasalhou

- O Globo

Não punir Pazuello estimula outros militares a repetirem o gesto do general e representa o apreço dos militares por cargos e salários

O comandante resolveu flagelar o Exército e não punir o general, acabando por desmoralizar o código disciplinar da Força. Pazuello fica na ativa e Paulo Sérgio vira zumbi, como se estivesse ele próprio na reserva. Pela covardia, o comandante perdeu o respeito do seu Alto Comando, que lhe entregou o poder de decidir solitariamente sobre a indisciplina do general da ativa que foi ao palanque do presidente Bolsonaro ao fim do motocídio do dia 23 de maio. Na estrutura militar, em todos níveis hierárquicos, soube-se na quinta-feira que, apertado, o comandante afina. Se estivéssemos numa frente de batalha em desvantagem diante de um inimigo mais poderoso, a deserção seria estimulada e não seria punida.

Pela nota do Exército, o evento do Rio foi de natureza social e não política. Afirma que o comandante “analisou e acolheu os argumentos” do general. O argumento central, e talvez único, é de que o comício não pode ser chamado de político porque Bolsonaro não tem partido. Pode ser mais ridículo? Se Paulo Sérgio analisou, não sei, parece que não, mas é fato que agasalhou muito mais do que acolheu. Recebeu uma ordem e a cumpriu. Repetiu o papel patético cumprido pelo próprio Pazuello no ano passado. Só faltou repetir o famoso “um manda e outro obedece”. Saiu minúsculo do episódio e jamais conseguirá recuperar a estatura que um dia teve.

Nos bastidores, sabe-se que a decisão de arquivar o procedimento administrativo contra Pazuello baseou-se na hipótese de que Bolsonaro pudesse desautorizar o comandante do Exército, revogando eventual punição. Nesse caso, Paulo Sérgio teria de pedir o boné e ir efetivamente para a reserva. Seria conhecido dali para frente como o general que honrou o Exército, mesmo tendo sido breve seu comando. Entraria para a história na mesma galeria de Leônidas Pires Gonçalves. Mas, não, preferiu perfilar-se como um estafeta de capitão. Como disse Míriam Leitão, está explicado agora por que Bolsonaro o escolheu para substituir o general Edson Pujol.

Pablo Ortellado - Suspensão de Trump é aviso a Bolsonaro

- O Globo

O Facebook anunciou que manterá por dois anos a suspensão da conta de Donald Trump na plataforma. A decisão atende à recomendação do Conselho de Supervisão do Facebook e inaugura a aplicação da nova política sobre figuras públicas que fomentam distúrbios civis. A regra pode ser aplicada no Brasil se Bolsonaro se comportar como Trump.

Após a invasão do Congresso americano, Facebook e outras plataformas de mídia social, como Twitter e YouTube, suspenderam ou excluíram as contas de Donald Trump. A medida foi elogiada por uns e criticada por outros, que acharam que excluir um presidente do debate público evidenciava o poder excessivo das plataformas.

Apesar de apelarem para as circunstâncias extraordinárias da invasão do Congresso, muitas das empresas não tinham nas regras de uso ou na grade de punições previsões claras que se aplicassem ao caso. Por isso, o Facebook submeteu a seu conselho de supervisão a decisão que havia sido tomada, pedindo uma avaliação independente.

Carlos Alberto Sardenberg - Ao mercado!

- O Globo

De onde vem a animação do mercado financeiro? Pandemia, número de mortos crescendo, vacinas para poucos, quase 15 milhões de desempregados — e a Bolsa bate recordes quase todo dia.

Antes de examinar as explicações do próprio mercado, convém descartar algumas respostas mais amplas, políticas por assim dizer.

Primeiro, a euforia não vem de Bolsonaro e seu negacionismo. Gente educada, a turma do mercado torce o nariz para o presidente e suas insanidades. Além do mais, os índices de popularidade de Bolsonaro estão muito baixos, enquanto sobem os de Lula.

Aliás, aí está uma segunda resposta. O mercado não manifesta a menor inquietação com a subida de Lula. Muitos até acham que a situação pode melhorar. E se for o Lulinha paz e amor? Muitos analistas acham que Lula terá que tomar esse caminho em direção ao centro, justamente para impedir o surgimento de uma verdadeira candidatura de centro. Se esta não aparecer, não demora muito para que Lula entre nos cenários otimistas do mercado.

Vamos lembrar: o governo Lula foi a farra das grandes empresas, dos campeões nacionais, dos negócios do capitalismo de amigos. Entregou a esse pessoal muito mais que Guedes.

Eis, por sinal, uma terceira resposta: a animação não vem de Guedes, alvo de frequentes piadas nas mesas de operação.

Do ponto de vista econômico, há uma boa explicação para a valorização das ações: quais empresas estão na Bolsa? As grandes, as boas, aquelas com maior capacidade de resistir à crise e de aproveitar oportunidades. Exemplo evidente: Magalu. A varejista de lojas físicas tornou-se uma gigante do comércio eletrônico.

E quem investe? Obviamente as pessoas que têm dinheiro — recursos retirados, por exemplo, da renda fixa. Ou profissionais que puderam manter seus empregos trabalhando em casa, com menos despesas e mais poupança.

Nossa Bolsa é modesta em tamanho, suscetível, portanto, a pequenos movimentos.

Tem outra história. O pessoal do mercado entende que o Congresso está funcionando melhor com a dupla Rodrigo Pacheco no Senado e Arthur Lira na Câmara. Entende que muitos avanços já foram feitos na agenda de reformas e privatizações, com a votação da independência do Banco Central e o avanço na tramitação da reforma tributária.

Carlos Góes - Vacina como investimento

- O Globo

Política de combate à pandemia é política econômica. O governo brasileiro falhou em uma e, consequentemente, na outra

No mês passado, a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, assinou uma estratégia para financiar e distribuir vacinas para os países mais pobres. O porquê da participação de uma instituição financeira numa estratégia de saúde pública pode ser resumida numa das frases do documento: “não há fim para a crise econômica sem o fim da crise sanitária; portanto, política de combate à pandemia é política econômica.”

Apesar da vacinação ter avançado a passos largos nos países ricos, ela tem sido muito lenta nos países de renda baixa. Enquanto os Estados Unidos têm, hoje, mais de 60% da sua população tendo tomado pelo menos uma dose da vacina, na maior parte da África esse percentual sequer chega a 2%.

A proposta do FMI é tomar a vacinação global como um bem público global. Mesmo que países ricos vacinem seus cidadãos, quanto mais tardar a vacinação nos países em desenvolvimento, maior será a probabilidade do surgimento de novas cepas. Algumas das novas cepas têm se mostrado resistentes às vacinas existentes.

Por isso, uma aceleração da vacinação global beneficiaria não somente aqueles que moram em países pobres, mas também aqueles que, já vacinados, teriam menor risco de exposição a novas variantes. Todos se beneficiariam do controle de novas cepas, sendo impossível excluir pessoas desse benefício global. É isso que economistas chamam de “bem público”.

Oscar Vilhena Vieira* - Simulacro democrático

- Folha de S. Paulo

Líderes populistas fingem jogar dentro das quatro linhas da Constituição

Se a geração de meus professores se concentrou em responder quando termina o regime autoritário e se consolida a democracia, o desafio neste momento é, lamentavelmente, tentar compreender a partir de que ponto o regime democrático se converte em autoritário.

Essa pergunta se torna particularmente mais difícil quando as ameaças às instituições, aos direitos e aos valores republicanos ou liberais partem de líderes eleitos, que se apresentam como representantes exclusivos da soberania popular, como na mais recente vaga de populismo autocrático.

A questão não é nova. A degeneração da república romana e ascensão do despotismo imperial, como nos ensinou Montesquieu, foi marcada pelo emprego sistemático e abusivo de prerrogativas constitucionais e da legalidade, que terminou por subverter as próprias virtudes do governo das leis e da separação de poderes.

Embora as instituições políticas brasileiras venham sendo submetidas a um teste extremo de resiliência, que culminou com a eleição de Bolsonaro, é difícil negar que nas últimas semanas a pressão sobre as instituições democráticas tenha aumentado.

Cristina Serra - Bolsonaro e a anarquia militar

- Folha de S. Paulo

A desgraça deste país é uma obra coletiva

A indulgência do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, ao ato de flagrante indisciplina do general Eduardo Pazuello, terá consequências de alto risco para a conjuntura política brasileira. Mas não se pode dar a essa decisão a responsabilidade pela instalação da anarquia entre os fardados. Ela fomenta a anarquia, é certo. Mas o caldo da insubordinação começou a ferver faz tempo.

O marco mais explícito da permissividade nos quartéis deve-se a outro comandante da força, o general Villas Bôas, e seu post ameaçando o STF na véspera da votação do habeas corpus de Lula, em 2018. Na campanha daquele ano, militares da ativa engajaram-se com desenvoltura em exércitos digitais, públicos ou não, a favor de Bolsonaro. Como se sabe, em instituição hierarquizada o exemplo vem de cima.

Hélio Schwartsman - Países precisam de exércitos?

- Folha de S. Paulo

No cômputo de custos e benefícios, seria melhor que não existissem

Estados necessitam de Forças Armadas? Alguns sim, outros não. Segundo a “World Population Review”, 36 dos 232 países e territórios do planeta abriram mão de exércitos.

A maioria são microestados como Andorra e as ilhas Maurício, que delegam a tarefa de proteção externa a vizinhos mais poderosos, mas há casos de nações maiores, como a Costa Rica e a Islândia, que renunciaram a manter Forças Armadas por razões políticas ou econômicas.

Especialmente a partir do século 20, com a incorporação de cada vez mais tecnologia à atividade militar, os conflitos se tornaram ridiculamente assimétricos. Forças Armadas como as brasileiras servem para dissuadir vizinhos belicamente mais fracos de tentar qualquer bobagem, mas não durariam semanas diante de uma potência militarmente sofisticada como os EUA.

Dora Kramer - Partidos perdidos

- Revista Veja

As siglas se distanciam cada vez mais da sociedade, numa trajetória nefasta da qual só sairão mediante uma reforma referida nas demandas do eleitorado

O vaivém do presidente da República na escolha de um partido para se filiar a fim de concorrer à reeleição de 2022 — são dez as legendas que já transitaram pelo radar de Jair Bolsonaro — não traduz apenas o movimento de alguém que já pertenceu a oito legendas ao longo de trinta anos de vida política.

A indefinição evidencia, também, uma tendência já posta na sociedade, e agora crescente no mundo político, de menosprezar a importância das siglas na definição das escolhas dos candidatos a mandatos eletivos. Basta ver a ligeireza com que políticos mudam ou admitem mudar de legendas, algumas tradicionais, em razão das circunstâncias.

O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia sairá do DEM depois de uma vida inteira no partido devido a divergências com o seu presidente, ACM Neto. O destino mais provável de Maia seria o PSD, presidido por Gilberto Kassab. Hoje se diz que ele acompanhará o aliado prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Caso se confirme a filiação, ela vai significar a deglutição de um sapo robusto por parte de Rodrigo Maia. Pelo seguinte: Kassab saiu do DEM acusando o deputado, à época presidente do partido, de ter fraudado o estatuto para favorecer aliados e agora seria superior hierárquico do acusado. Uma condição tida como humilhante para Maia, discretamente comemorada por seus adversários.

Outra situação é a do ex-governador Geraldo Alckmin, autor da assinatura de número 7 na filiação ao PSDB. Ele está prestes a sair do ninho tucano para aderir a uma das nove agremiações (PSB, Podemos, DEM, Avante, PSL, PSD, PP, PV e PL) que lhe ofereceram abrigo para concorrer ao governo de São Paulo, caso o governador João Doria seja escolhido candidato à Presidência.

Murillo de Aragão - Os “isentões” são cruciais

- Revista Veja

Não serão os eleitores polarizados que vão definir o futuro presidente

Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva deveriam, se possível, combinar o jogo político para não dar espaço a que outro pré-candidato à Presidência surja entre os dois. Como já disse, a polarização entre ambos é relativamente previsível e confortável para eles. A política, contudo, supera a ficção. Tudo pode acontecer e o acaso sempre dá as caras, seja para confirmar tendências, seja para demoli-las. Existem inúmeras variáveis no caminho que leva à corrida sucessória de 2022. Mas é fácil mostrar que tanto Bolsonaro quanto Lula têm muito mais popularidade do que qualquer outro aspirante a presidente da República.

Bolsonaro tem a seu favor a máquina estatal e, em certa medida, o apoio da maioria do Centrão. Conta também com uma base de fanáticos que se mobiliza em prol do líder quando chamada. Lula, pelo seu lado, mantém um recall dos seus bons tempos de gestão e a estrutura das esquerdas, o que envolve sindicatos e corporações, além da máquina do PT, mesmo enfraquecida. Para melhorar seu perfil, aparece como vítima dos excessos da Operação Lava-Jato. Ambos, porém, correm com mochilas carregadas de problemas. Bolsonaro disputará a reeleição com o peso do luto das centenas de milhares de mortos pela Covid-19. Lula enfrentará o peso das estripulias do seu mundo diante das investigações da Lava-Jato e cercanias. Do mesmo modo que muita gente não se esquece dos fatores positivos dos governos petistas, muita gente não se esquece da corrupção nessas gestões, fartamente documentada.

Marcus Pestana* - Polarização e consensos: a verdade de cada um

Ao longo da vida formamos convicções. A busca da verdade não é desafio simples. Cada um é impactado por suas circunstâncias e pela dinâmica da sociedade que nos circunda. Os princípios que nos norteiam e a fé que nos move são diferentes de pessoa para pessoa. Às vezes, dogmas irremovíveis orientam as ações individuais. A propensão ao diálogo é obstruída por idiossincrasias e preconceitos. Aceitar o que é diferente é mais difícil que se encasular na “bolha de semelhantes”. Torcemos para um time, optamos por uma religião, assumimos posições ideológicas, construímos nossa identidade. Aceitar a diversidade e as diferenças é quase impossível para alguns. O sectarismo é o refúgio dos inseguros.

Li interessante ensaio do jornalista e filósofo Fabiano Lana, intitulado “Diga-me uma coisa que te convence e eu te direi quem és...” que introduz a pergunta: “O que faz algumas pessoas se tornarem intransigentes dogmáticos, enquanto outras se apressam em aceitar rapidamente qualquer explicação relativa que há pela frente?”. “Qual á origem das divergências? O que há em comum entre dúvidas e convicções?”. Perguntas feitas em 2009, mas que parecem endereçadas ao Brasil atual, rico em intolerância, desrespeito aos divergentes e inapetência para o diálogo.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Sociedade espera acenos do Exército na direção certa

O Globo

É inegável que a participação do general Eduardo Pazuello, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, numa manifestação de motocicletas seguida de comício no Rio de Janeiro, desrespeitou o Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto das Forças Armadas. O primeiro veda a militares da ativa manifestar-se publicamente “a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. O segundo proíbe manifestações de “caráter reivindicatório ou político”.

Ainda assim, o general Paulo Sérgio Nogueira, comandante do Exército, decidiu não punir Pazuello e mandou arquivar o procedimento administrativo instaurado para apurar o caso. “Não restou comprovada transgressão disciplinar”, afirma o comunicado oficial. Aparentemente, depois de consulta entre os 15 generais do Alto-Comando do Exército, Nogueira acatou a alegação da defesa de Pazuello, segundo a qual não se tratava de manifestação política nem partidária, já que Bolsonaro está sem partido.

Não há como aceitar tal argumento, pois era óbvio o caráter político do evento, parte da campanha antecipada de Bolsonaro à reeleição. No alto do palanque, ambos agradeceram entusiasmados o apoio da multidão.

Do ponto de vista da manutenção da disciplina militar, o Exército cometeu um erro. Deveria ter punido Pazuello, nem que apenas com uma advertência formal. É o mínimo que as Forças Armadas costumam fazer em episódios dessa natureza. Basta lembrar o exemplo do então general da ativa e hoje vice-presidente Hamilton Mourão, removido de um cargo de comando depois do discurso em que criticou a então presidente Dilma Rousseff em 2015.

A decisão do comandante do Exército despertou uma preocupação legítima com o tipo de recado que transmite às tropas. Bolsonaro não poupa esforços para tentar sujeitar as instituições da República a seus desígnios. Já desafiou inúmeras vezes o Supremo Tribunal Federal, falou em “meu Exército” e insinuou que usaria a força dos militares para fazer valer as liberdades que julga ameaçadas pelas restrições impostas por governos locais em virtude da pandemia. Não para, também, de emitir sinais de que pretende ficar no poder, ainda que as urnas lhe sejam desfavoráveis em 2022, acenando desde já com denúncias de fraudes que, todos sabemos, são fantasiosas.