segunda-feira, 5 de julho de 2021

Fernando Gabeira - Desmatar, matar e roubar

O Globo

Matar e desmatar são verbos que têm uma forte relação entre si. Na verdade, a violenta tarefa de desmatar predispõe o ser humano a matar.

Uso o verbo desmatar num sentido mais amplo de devastação da natureza. Pensadores alemães, com diferentes trajetórias e visões políticas, chegaram a conclusões semelhantes ao analisar o país no fim da Segunda Guerra.

Martin Heidegger afirmava que, ao transformar o mundo num objeto de inescrupulosa dominação sobre a natureza, o sujeito humano acabava se concebendo como uma coisa entre coisas.

Num outro ponto do espectro ideológico, Theodor Adorno e Max Horkheimer, em “Dialética do esclarecimento”, argumentavam que a violência que se impõe à natureza acaba se voltando contra a própria natureza interna do ser humano.

Ambos queriam explicar, entre outras coisas, as atrocidades do nazismo.

Durante todo este período do governo Bolsonaro, matar e desmatar sempre estiveram no centro de nossa crítica. Animais queimados, árvores derrubadas e índios dizimados e amedrontados por garimpeiros e desmatadores foram apenas um lado da moeda.

Joaquim Ferreira dos Santos - Falta Lalau pra rir do falso moralismo

O Globo 

Valei-me, Stanislaw Ponte Preta! Há 55 anos, num julho como este, você lançava o primeiro Festival de Besteira que Assola o País, o Febeapá, uma espécie de balanço do golpe dos militares – e eis-me aqui a lamentar sua ausência para contar as histórias bizarras protagonizadas agora pelos súditos daqueles. Todo dia tem uma.

A mais recente é a da ministra (que Deus nos perdoe) da Família. Sempre tão proba, carola a ponto de negar aborto a uma adolescente estuprada, no fim de semana ela se viu denunciada em suposto pecado por ex-colega de igreja, um outro cidadão de bem que, por sua vez, é notório na fé de distribuir fake news.

Foi aí, divino mestre da fina flor dos Ponte Preta, todos moradores da então pacata Boca do Mato, foi aí que me lembrei de sua frase, e de como ela ainda é na medida para identificar o falso moralismo do Brasil de hoje: “O homem sensato, quando soube que todos seus vizinhos eram pessoas exemplares, mudou-se imediatamente para outro bairro”.

Esses “homens exemplares” retomaram o poder e ao estilo daqueles de 1964 – com Deus no coração e um revólver engatilhado embaixo do travesseiro. “E o homem honesto?”, você se perguntava. “É aquele que se vende caro?” Pois é, Lalau, o Centrão manda responder que sim.

Miguel de Almeida - Não matarás, não roubarás

O Globo

A opção pela burrice e atraso, no Brasil, é escolha ideológica. Não é acaso ou acidente. Como justificativa, esconde-se atrás de preconceitos religiosos (sempre o cristianismo de oportunidade), da invenção de inimigos imaginários (ah, os comunistas) e de um astucioso patriotismo (de resultados).

Num registro mais amedrontador, uma vaga ameaça à família dó-ré-mi também é usada como pretexto. Cazuza, o grande poeta brasileiro da minha geração, ainda nos anos 1980, alertava os suspeitos de sempre: suas ideias não correspondem aos fatos. Certamente, Bia Kicis está informada de quantas famílias o Bozo montou nas últimas décadas.

Atrás de um patriota de galocha e de um tiozão da moto, sempre se esconde um miliciano digital.

Desculpe, eu sei, é uma análise sofisticada para flagrar gente tosca. Mas, entre uma motociata e uma comunhão sem confissão, os bons cérebros escapam do Brasil, aos borbotões, em reação à dilapidação empreendida pelos bozofrênicos.

Além dos mais de 520 mil mortos, o Brasil enfrenta a tragédia de uma diáspora de pessoas bem preparadas e um massacre estruturado à educação. Se antes eram solteiros com ensino superior a deixar o país, agora são mestres, doutores, casais e até famílias inteiras. Em relação a 2013, apenas em 2019, mais que o dobro (alta de 125%) de pessoas resolveu pular fora definitivamente do barco brasileiro. O número é bem maior se pensarmos na quantidade daqueles que tentaram entrar ilegalmente somente nos Estados Unidos.

Marcus André Melo* - Fraudes e eleições

Folha de S. Paulo

Por que alguns perdedores contestam os resultados das eleições?

A contestação dos resultados das eleições adquiriu enorme visibilidade após a invasão do Capitólio na esteira da derrota de Trump, e das denúncias de Bolsonaro. Mas os casos de contestação em democracias já estavam sendo cada vez mais frequentes, como mostra Hernandez-Huerta, em artigo recente no Journal of Politics (2020).

Usando uma base de dados contendo 164 eleições presidenciais entre 1974 e 2012 em 31 países da América Latina, África e Ásia, o autor mostra que as contestações aumentaram, e representam quase 25% dos pleitos da amostra.

Há achados contraintuitivos no estudo: as contestações independem da qualidade das eleições e dos graus de autonomia política dos órgãos eleitorais. Elas não são deflagradas necessariamente por fraudes —este ponto é crucial— mas por incentivos estratégicos. Em geral são perdedores de eleições, minoritários no Congresso, que buscam extrair ganhos e concessões.

A experiência brasileira é parcialmente consistente com estes achados. Lula, às vésperas do pleito de 1994, reagindo às pesquisas que lhes eram desfavoráveis alertou, nesta Folha, que poderia haver fraude: “Desviar dois ou três milhões de votos neste país é mais fácil que tirar pirulito de criança”.

Celso Rocha de Barros - O ‘centro’ na briga do impeachment

Folha de S. Paulo

Objetivo deve ser alinhar o máximo de interesses contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro

Muita gente foi às ruas no último sábado protestar contra o latrocínio em massa cometido por Jair Bolsonaro. Foram as maiores demonstrações de qualquer lado desde o início da pandemia.

Ninguém queria estar lá: em um mundo em que Bolsonaro não tivesse trabalhado pela propagação da morte por sufocamento e acobertado roubo de dinheiro de vacina, todos poderiam esperar o fim da vacinação para começar a se manifestar. Não é esse o mundo em que vivemos.

Ninguém precisou ir de moto para dar a impressão de que encheu. Nas fotos, estão todos de máscara. E, se fossem esperar a vacinação acabar, pelo ritmo atual, os protestos seriam liderados pelo jovem Hugo, filho recém-nascido dos deputados Sâmia Bomfim e Glauber Braga (ambos do PSOL), que já seria presidente da UNE.

As bandeiras dos partidos e movimentos próximos da esquerda predominaram amplamente no sábado, mas houve uma novidade: pequenos grupos de liberais e centristas compareceram aos atos com mais visibilidade do que antes.

Alguns deles já estavam lá: membros do movimento de renovação política Acredito organizam protestos contra Bolsonaro há vários meses (e são os donos do bonecão inflável Capitão Cloroquino).

Mas dessa vez havia também pequenos contingentes do PSDB de São Paulo, do movimento liberal Livres e de outras camisas não vermelhas.

Ruy Castro - A cobrar de Bolsonaro um dia

Folha de S. Paulo

Presidente pode entrar para um rol de que talvez se orgulhe, o dos genocidas reconhecidos em tribunais internacionais

Se se provar que Jair Bolsonaro, por omissão ou cálculo, foi responsável por cerca de 400 mil das quase 530 mil mortes até agora pela Covid no Brasil, ele entrará para um rol de que talvez se orgulhe: o dos genocidas oficialmente reconhecidos pelos tribunais internacionais. Fará companhia nos livros de história a, entre outros, o ugandense Idi Amin Dada, o iraquiano Saddam Hussein e o sudanês Omar al-Bashir. Já é possível, aliás, que estes, somados, tenham matado menos que Bolsonaro.

Mas a contabilidade de um genocídio comporta outros números a apurar. Há que saber, por exemplo, quantos infartos, tumores e tromboses levaram pessoas a óbito porque elas não tinham condições de sair para exames que talvez os prevenissem ou foi impossível atendê-las nos hospitais superlotados. Quantos tratamentos não foram interrompidos com resultados fatais? Quantos infelizes não agonizaram em casa, sozinhos, e só foram encontrados pelos vizinhos dias depois?

Catarina Rochamonte - Implosão bolsonarista e engodo neolulista

Folha de S. Paulo

O bolsonarismo tem se destruído por dentro, já Lula e o PT ainda demonstram apoio a regimes fechados

Embora não lhe faltem adversários, o bolsonarismo vem se destruindo a partir de dentro, a começar pelo uso que o presidente e seus filhos fazem, em retórica autodemolidora, do poderoso arsenal de ignorância de que dispõem. Fica cada vez mais claro, porém, que não se trata, neste governo, apenas de ignorância, intolerância, boçalidade, incompetência e omissão.

Das “rachadinhas” de Flávio, passando pelo “tratoraço”, chega-se agora, por meio dos depoimentos do deputado Miranda e do PM lobista Dominguetti, a evidências de que o Ministério da Saúde na gestão Pazuello e, por consequência, o governo Bolsonaro, foi atravessado por enorme esquema de corrupção.

O edifício bolsonarista está implodindo, embora o desabamento seja adiado pelos engenheiros do centrão, que o escoram como podem, tentando arrancar vantagens de um presidente acuado, errático, desatinado e impotente. Em meio aos escombros do governo Bolsonaro, eis que ganha força o engodo neolulista, como se o esquecimento do mensalão e do petrolão pudesse ser algo além de retrocesso e entorpecimento coletivo.

Denis Lerrer Rosenfield* - O significado do não

O Estado de S. Paulo

Não deixa de ser algo indesejado que o não a Bolsonaro volte a ser um sim ao petismo

A sociedade brasileira tem oscilado de um não a outro, sem saber precisamente o que quer. Disse não ao petismo, sem saber exatamente em quem ou em que votava. Pesquisas de opinião mostram atualmente outro não, o não ao atual presidente e ao bolsonarismo, passando, na falta de opção, a uma escolha por Lula, farta do atual governo e dos seus descalabros mórbidos. Saímos do antipetismo, para o antibolsonarismo, sem que se desenhe, por enquanto, o sim a outros valores e princípios. A sociedade sabe o que não quer, mas não o que quer.

Caberia à classe política descortinar esse novo horizonte, apresentando novas ideias, fazendo com que o não se torne um sim que ultrapasse esses dois tipos de negação, que estão levando o Brasil a um impasse e a um futuro sombrio. Contudo o navegar nestes mares revoltos está exibindo, até agora, a ausência de um condutor, de um partido que consiga indicar um rumo, embora aqui e ali se consigam ouvir algumas vozes alternativas se desenhando. Mas o que impera é a polarização entre Bolsonaro e Lula numa rixa que parece não ter fim.

O antipetismo na eleição do presidente Bolsonaro teve a sua razão de ser. Os 13 anos do reinado petista terminaram no desalinhamento total do País, deixando-o com divisões profundas. A corrupção foi o sinal mais visível, dando força à emergência da Operação Lava Jato, prometendo uma limpeza das instituições.

Bruno Carazza* - Cartas na mesa

Valor Econômico

Blefes e apostas no baralho eleitoral de 2022

Desde que o Congresso aprovou a emenda da reeleição, em 1997, é praticamente impossível derrotar o presidente quando ele busca um novo mandato. Com milhares de cargos e bilhões em emendas orçamentárias a distribuir, além da exposição midiática que o comando do país oferece, os presidentes sempre deram as cartas e saíram-se vencedores em todas as partidas jogadas até agora: FHC em 1998, Lula em 2006 e Dilma em 2014.

Desde o início do atual governo, vários competidores têm se aproximado da mesa e observado os movimentos. Fazem as apostas mínimas, recebem as primeiras cartas, estudam as combinações possíveis, observam as feições dos adversários. Alguns aumentam as fichas, outros se recolhem e desistem de continuar. Como no pôquer, o vencedor só será definido ao fim de várias rodadas.

Com a chegada da pandemia, Bolsonaro parece ter sido afetado por uma maré de azar. Com reveses na saúde e na economia, o presidente resolveu blefar, recorrendo ao discurso da cloroquina e de críticas ao distanciamento social e ao uso de máscaras. Sentindo que estava diante de uma mão boa, o governador de São Paulo João Doria apostou todas as suas fichas na Coronavac, mas o retorno não foi o esperado.

Nenhum dos competidores contava, porém, que o Supremo Tribunal Federal (STF) exerceria seu poder de crupiê em março deste ano. Ao rever importantes decisões nos processos da Operação Lava-Jato, o STF reabilitou o ex-presidente Lula a sentar-se à mesa das eleições 2022 e reembaralhou as cartas.

Gustavo Loyola* - Rédea curta com a inflação

Valor Econômico

BC alertou para os riscos inflacionários associados aos reajustes nas tarifas de energia elétrica

Muito embora a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central no dia 28 último tenha mostrado alta das expectativas de inflação para 2021 pela décima segunda semana consecutiva, a mediana das projeções para 2022 se manteve estável em 3,78%, percentual ligeiramente acima da meta de inflação (3,5%) fixada para o ano que vem. Tais resultados indicam que o Banco Central está sendo até aqui bem-sucedido em manter sob controle as expectativas dos agentes econômicos, com as recentes altas da taxa Selic e a trajetória de juros projetada a partir da comunicação da autoridade monetária, por meio principalmente dos comunicados e atas do Copom.

De fato, a partir da última reunião do Copom, o Banco Central julgou necessário ajustar sua comunicação para deixar explícito que buscará elevar a taxa Selic para “patamar considerado neutro”, deixando de lado as referências anteriores à “normalização parcial” de sua política de juros. Além disso, o Banco Central, em um movimento que surpreendeu a maioria dos analistas, abriu espaço para acelerar o ritmo de alta da Selic de 75 bps para 100 bps na próxima reunião do Copom, embora tenha mantido os 75bps como ajuste mais provável.

Fábio Gallo* - Olha a inflação aí, gente!

O Estado de S. Paulo

Se tem um povo que sabe falar de inflação, é o nosso

Se tem um povo que sabe falar de inflação, é o nosso. Nós aprendemos a lidar com esse monstro há tempos, embora nesses últimos anos estivéssemos mais desligados do assunto. Mas, neste ano, voltamos a olhar para o aumento de preços com mais apreensão. A previsão é que o IPCA esteja perto de 6% no acumulado de 2021, portanto acima do teto da meta prevista para o Banco Central. 

O aumento da inflação assusta, mas não é para entrarmos em pânico. Devemos ter maior atenção com o orçamento familiar, que exige maior controle e também com os nossos investimentos. Alterações nas carteiras dos investidores ajudam a manter os efeitos inflacionários sob controle e podem levar a ganhos. Deve-se investir inteligentemente, o que significa reestruturar sua carteira estrategicamente, realocando ativos para minimizar o risco.

Mirtes Cordeiro* - Fora os fantasmas que nos atormentam

Falou & Disse

Mas a vida não segue em linha reta… é feita de altos e baixos, com caminhos longos e vielas estreitas, por onde devemos caminhar.

Atravessamos a vida convivendo com vários fantasmas. Uns que nos agradam, nos impulsionam a construir grandes projetos, enquanto outros nos atormentam, nos põem dúvidas, medos e nos levam a determinadas doenças e à falência nos negócios.

Desde cedo, enquanto crianças, as nossas mães nos apresentam a fantasminhas camaradas, numa atitude de nos querer ajudar a vencer os nossos medos. Desde o nascimento estamos submetidos a várias situações próprias do ser humano no caminhar da sua vida em busca da sobrevivência.

Ninguém se lembra do seu nascimento, mas eu tenho essa grande curiosidade quase inexplicável sobre como vivenciamos o ato de nascer. Naturalmente, fazendo o grande esforço para sair da barriga da mãe, a criança deve ser acometida de um intenso processo de estresse e insegurança, geradas pelo medo. E assim continuamos a vida, pautada pelos medos de toda ordem.

Federação de partidos, uma inovação democrática - Vários autores (nomes ao final do texto)

Modelo pode dar mais qualidade e celeridade à dinâmica do Legislativo

No dia 9 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para apreciar projeto de lei que institui a federação de partidos (PLS 477/2015, de autoria da Comissão de Reforma Política do Senado Federal). O expediente permite a reunião de duas ou mais legendas que, após registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atuem como uma sigla única. Pela proposta, a identidade e a autonomia dos partidos integrantes da federação ficarão asseguradas. Por ser um mecanismo novo, suscita naturais dúvidas.

Em períodos de crise, torna-se mais importante a ação conjunta de partidos na busca de alternativas para o país, tendo a democracia como alicerce. Pois as federações, ao agregarem legendas que assim queiram e que tenham afinidade política, por um período mínimo de um quadriênio, poderão contribuir na construção de saídas aos impasses que hoje desafiam a nação.

As federações de partidos, sempre sublinhando que se trata de um expediente optativo, vêm ao encontro da legítima exigência de que o Parlamento brasileiro tenha mais eficácia. Ao unir partidos que passam a atuar como se fosse uma legenda só, a federação compacta harmoniosamente um elenco de agremiações, dando mais qualidade e celeridade à dinâmica do Legislativo.

Com distritão, Câmara teria renovação menor

Pesquisa do GLOBO com ferramenta do RenovaBR que simula resultado da última eleição com novo sistema, em debate no Congresso, mostra que Legislativo teria menor diversidade

Bernardo Mello / O Globo

RIO - O distritão, sistema em debate na reforma política que tramita na Câmara, teria favorecido a eleição de deputados federais homens, brancos, de meia-idade e com mais recursos e bagagem política caso estivesse em vigor em 2018. A constatação foi feita pelo GLOBO a partir de levantamento com base em uma ferramenta, criada pelo movimento de renovação política RenovaBR, que simula os resultados da última disputa por cadeiras na Câmara e nas assembleias legislativas caso os mais votados em cada estado fossem eleitos, como prevê o distritão, sem levar em consideração quociente partidário e votos de legenda, como ocorre no sistema proporcional em vigor.

Segundo o levantamento do GLOBO, que considera o “perfil médio” dos deputados eleitos em 2018 de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o distritão subiria de 63 para 78, uma variação de 24%, o número de parlamentares do sexo masculino e que se declaram brancos, acima de 55 anos, que já estavam no exercício do mandato e gastaram mais de R$ 500 mil para se reelegerem. Para especialistas, esta simulação sugere que o distritão dificulta a renovação e o aumento da diversidade no Legislativo, por favorecer nomes mais conhecidos e máquinas partidárias mais robustas.

No sistema proporcional, a distribuição de vagas considera a fatia de cada partido dentro do quociente eleitoral, que é calculado pela relação entre o total de votos válidos e as cadeiras disponíveis. São considerados também a ordem de votação dos candidatos dentro das siglas e o percentual de eleitores que digitou o número da legenda na urna. Por conta disso, nem sempre os candidatos individualmente mais votados ocupam as cadeiras disponíveis. Defensores deste sistema dizem que ele valoriza os partidos e favorece a pluralidade dos eleitos, enquanto o distritão tornaria as campanhas mais caras e personalistas.

— É claro que uma simulação não capta todas as mudanças de estratégia que ocorreriam em um sistema distinto, mas é interessante como, no distritão, sempre que aparece viés é algo pró-establishment. Há um aumento de homens mais velhos e que já ocupam cargo, em detrimento de mulheres e negros. Isso gera mais concentração de poder, dá mais força a quem já tem — avaliou o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Inflação aperta orçamento das famílias mais pobres

Disparada no preço de itens essenciais, como alimentos e energia, derruba o poder de compra das classes D e E, que cresce na classe A

Eliane Oliveira, Cássia Almeida, Gabriel Shinohara e Alex Braga* / O Globo

BRASÍLIA E RIO - Com os preços nas alturas de itens essenciais, como alimentos, gás de cozinha e energia elétrica, a inflação que disparou em 2021 pesa mais sobre os mais pobres e tira recursos do consumo. Estudo da Tendências Consultoria estima que a renda disponível, o dinheiro que sobra após as despesas básicas, encolheu entre os que ganham menos. Nas classes D e E, a queda este ano será de 17,7%, contra uma alta de 3% na classe A. Isso significa menos dinheiro no bolso, às vésperas das eleições.

O levantamento da Tendências considera gastos essenciais as despesas com habitação, transporte, saúde e cuidados pessoais, comunicação, educação e alimentação.

— O impacto negativo no consumo é direto, já que a renda dos mais pobres vai toda para o consumo. Houve enxugamento das transferências sociais, e a retomada do mercado de trabalho está muito gradual — explica Lucas Assis, economista da consultoria.

Nas classes D e E, estão concentradas 54,7% das famílias, cuja renda é de até R$ 2.700.

Muitos itens básicos dispararam recentemente. No acumulado em 12 meses, há casos de aumentos dez vezes maiores do que a inflação oficial, que foi de 8,06% no período. O preço do óleo de soja subiu mais de 86%. Arroz, feijão-preto e açúcar cristal aumentaram 51,83%, 31,26% e 23,86%, respectivamente.

— Quanto menor o salário, maior o gasto com comida. Se sobe muito o preço, aquela família que tem renda muito baixa não com pra outra coisa que não comida — disse André Braz, coordenador das pesquisas de preço da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Passou da hora de sepultar a Lei de Segurança Nacional

O Globo

O que era para ser exceção virou regra num governo que flerta o tempo todo com o autoritarismo. Dados obtidos pelo GLOBO, com base na Lei de Acesso à Informação, revelam que, dos 188 inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) nesta década, mais da metade (107) aconteceu de 2019 para cá, no governo de Jair Bolsonaro. Apenas neste ano até 17 de junho, já são 23 casos, que representam 80% do total registrado em 2019. Não deveria surpreender, na medida em que esse entulho jurídico herdado da ditadura tem sido usado para intimidar, perseguir ou calar críticos ou adversários políticos.

Não faltam exemplos dessa prática condenável. Guilherme Boulos, ex-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, foi enquadrado por ter postado numa rede social a frase: “Um lembrete para Bolsonaro: a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina”. O jornalista Ricardo Noblat também foi confrontado por ter escrito: “Do jeito que vão as coisas, cuide-se Bolsonaro para que não apareça outro louco como o Adélio”. Ao deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE), bastou curtir uma mensagem dizendo que “uma facada verídica resolveria tudo”. O youtuber Felipe Neto foi denunciado por chamar o presidente de “genocida” na pandemia de Covid-19. No Tocantins, o sociólogo Tiago Rodrigues foi investigado por estampar em outdoors mensagem afirmando que o presidente valia menos que um “pequi roído”, expressão que significa algo de pouco valor.

Não serve de pretexto o argumento de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, usou a mesma LSN para fundamentar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por ameaças ao Supremo. Tratou-se de um caso extremo de abuso da liberdade de expressão.