sexta-feira, 9 de julho de 2021

Fernando Gabeira - Bolsonaro, a vida como desgraça

O Estado de S. Paulo

O futuro exclui um presidente que devastou vidas, matas e a imagem do País

Quando Bolsonaro fez aquele discurso dizendo que a vida dele era uma desgraça, possivelmente ainda não estava consciente do que o esperava. Suas queixas eram prosaicas, como não poder tomar um caldo de cana do outro lado da rua.

À medida que o tempo passa, sua situação fica cada vez mais difícil. Não diria que a vida de Bolsonaro seja uma desgraça porque a vida, por definição, é uma graça. Mas nunca ele foi acossado por uma constelação de problemas tão sérios. A fase de negacionismo, que pode ter provocado a morte de milhares de brasileiros, já está documentada satisfatoriamente pela CPI da pandemia.

Da mesma forma, a política de estimular a destruição dos principais biomas brasileiros tornou-se um fato reconhecido no mundo. E com a queda do então ministro Ricardo Salles, o que parecia apenas uma posição retrógrada se tornou suspeita também de ser corrupção. E exatamente nesse terceiro capítulo, o da corrupção, o governo agora se move num pântano de desculpas e evasivas que não convencem ninguém.

O contrato para a compra da vacina Covaxin, conforme o próprio Tribunal de Contas acentua, começou tratando de um preço de US$ 10 a dose e terminou em US$ 15. Além disso, o negócio foi acertado com uma empresa chamada Precisa, que em outra encarnação já deu calote no Ministério da Saúde. Empresa que manda uma nota fiscal de US$ 45 milhões para ser paga a uma offshore em Cingapura e, distraidamente, cobra US$ 1 milhão por frete que, pelo contrato, deveria ser pago por ela. E, finalmente, produz documentos com erros em número de doses que jamais entregaria ao País.

Vera Magalhães - Quem é você no golpe do Jair?

O Globo

Jair Bolsonaro já avisou que tentará dar um golpe no ano que vem caso não vença as eleições. Mais: afirmou que, por ele, não haverá sequer eleições caso elas não sejam da maneira como quer, com o tal voto impresso.

Portanto, neste assunto, ninguém pode se fazer de desentendido. “Ah, mas o presidente está blefando”, dirão aqueles sempre dispostos a contemporizar com o inadmissível. Não está. Assim como não blefou durante toda a sua vida pública a respeito dos absurdos que pregou, pelos quais trabalhou, que prometeu em campanha e que tenta, aos trancos e barrancos, implementar na Presidência.

Portanto, essa muleta de se dizer pego de surpresa quando Bolsonaro sair da retórica para a tentativa de ação ninguém poderá usar. Eleitores, empresários e, sobretudo, os agentes com responsabilidades públicas e institucionais.

Vamos, então, escalar o time dos que serão cobrados caso o país viva uma tentativa de ruptura democrática.

Bernardo Mello Franco - Intimidação fardada

O Globo

Quando o Brasil ultrapassou as 70 mil mortes pelo coronavírus, o ministro Gilmar Mendes criticou a militarização do Ministério da Saúde e avisou que o Exército estava se associando a um genocídio. Um ano e 460 mil mortes depois, as Forças Armadas também precisam explicar o envolvimento de oficiais em suspeitas de corrupção.

Ao menos seis militares entraram na mira da CPI da Covid, que apura negociatas na compra de vacinas. A tropa inclui um general, três coronéis, um tenente-coronel e um ex-sargento da Aeronáutica acusado de cobrar propina de um dólar por dose.

O senador Omar Aziz se referiu a esses fatos quando lamentou o envolvimento de “alguns” oficiais em falcatruas. Em vez de colaborar com as investigações, a cúpula militar resolveu ameaçar a CPI.

Eliane Cantanhêde – A quem interessa

O Estado de S. Paulo

O único beneficiário de uma crise artificial entre Senado e Forças Armadas é Bolsonaro

A quem interessa criar uma crise, neste momento já tão confuso, entre as Forças Armadas e o Congresso Nacional? O único beneficiário de uma crise assim é, ou seria, o presidente Jair Messias Bolsonaro, que atraiu chuvas, trovoadas, mortes e CPI contra ele e, como sempre, tenta usar os militares para demonstrar uma força que já não tem e compensar a queda de popularidade e de credibilidade.

É evidente que não é bom para a imagem das Forças Armadas ter uma dezena de oficiais citados em histórias muito mal contadas, tanto na CPI e na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde, quanto até nos áudios da ex-cunhada de Bolsonaro, Andrea Valle, que incluiu o “tio Hudson”, um coronel da reserva do Exército, no esquema de rachadinhas dos gabinetes parlamentares da agora família presidencial.

Em vez de defender a instituição, separar o joio do trigo e declarar que quem cometeu erros que assuma suas responsabilidades, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica tomaram a pior decisão: jogaram as suspeitas e os suspeitos para debaixo do tapete e atacaram o senador Omar Aziz, presidente da CPI que traz os nomes desses oficiais à tona.

Luiz Carlos Azedo - O golpismo de Bolsonaro

Correio Braziliense

O povo não é bobo, o que se reflete nas pesquisas de opinião. A nossa história mostra que a via mais segura para resolver as contradições políticas são as eleições

O presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer ameaças golpistas às eleições de 2022, ontem, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada: “Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”. Em queda livre nas pesquisas de opinião, se as eleições fossem hoje, Bolsonaro perderia para Lula, quiça no primeiro turno, e também para o ex-juiz Sergio Moro e para o ex- governador Ciro Gomes, no segundo. Por isso, recrudesce sua campanha contra a urna eletrônica, sem nenhuma prova de que houve fraude nas eleições passadas. Quer impugnar as eleições, se as perder, como tentou, mas fracassou, o ex-presidente norte-americano Donald Trump.

A nota do ministro da Defesa, Braga Netto, e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica contra a CPI do Senado, divulgada na quarta-feira, deve ser examinada no duplo contexto do suposto envolvimento de militares lotados no Ministério da Saúde em irregularidades na compra de vacinas e do horizonte eleitoral cada vez mais desfavorável à reeleição do presidente da República. Quem quiser que se iluda, o Brasil tem um governo militar, de característica bonapartista, no qual a presença de oficiais da reserva e da ativa na Esplanada dos Ministérios é muito maior do que nos governos dos generais Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.

Ricardo Noblat - Bolsonaro caga para o que não quer ouvir e aposta no golpe

Blog do Noblat / Metrópoles

O presidente subestima a força do exército desarmado

A última vez que a sombra de um golpe militar cobriu o país foi no segundo semestre de 1984. O general João Figueiredo era o presidente da República. A ditadura de 64 agonizava. E seu substituto seria escolhido pelo Congresso. Havia dois candidatos: pela situação, Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, e pela oposição, Tancredo Neves, ex-governador de Minas Gerais.

Tancredo temia que a linha dura do regime se insurgisse contra a possibilidade de ele ser eleito. E não faltavam sinais de que isso não era descartável dada à fragilidade da candidatura de Maluf. Em anos anteriores, militares e grupos paramilitares promoveram atentados terroristas, inclusive com mortos. E Tancredo era acusado de ter o apoio de comunistas. Mas não houve golpe.

De lá para cá, o país atravessou sete trocas de presidente a céu aberto sem que os militares ameaçassem intervir: José Sarney deu lugar a Fernando Collor, que deu lugar a Itamar Franco, que deu lugar a Fernando Henrique, que foi reeleito. Lula se elegeu e se reelegeu, assim como Dilma, que deu lugar a Michel Temer, que deu lugar a Jair Bolsonaro. Houve dois impeachments.

A sombra do golpe militar, porém, está de volta. Eleito com o apoio compacto dos seus ex-colegas de farda, o ex-capitão afastado do Exército por conduta antiética ameaça não deixar o cargo se perder a eleição do ano que vem. E se depender das Forças Armadas, ele não perderá. E se perder, continuará no cargo por cima de pau e pedra ou com a ajuda de pau, pedra e brucutu.

Somente nesta semana, meia dúzia de pesquisas de intenção de voto mostraram que o governo Bolsonaro balança, balança, e que se não se cuidar a tempo poderá cair antes da hora. A pesquisa Datafolha, divulgada ontem à noite, conferiu o tamanho do estrago produzido na imagem do presidente pela associação entre a pandemia, a corrupção e a CPI da Covid-19.

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Falência do Velho e a Luta pelo Novo

 

Para minha filha Gabriela Góes Magalhães Marinho Walker.

Vivemos em uma época de “teorias” da conspiração e #fake news. Elas parecem estar por toda parte. Mal ocorre algum evento importante, então os “teóricos” da conspiração começam a trabalhar. O recente mal súbito que acometeu o jogador de futebol da seleção dinamarquesa Christian Eriksen foi envolvido numa #fake news segundo a qual ele teria tomado vacina da Pfizer semanas antes do jogo do dia 12 de junho de 2021 do Campeonato Europeu de Futebol (Eurocopa), contra a Finlândia.

“Teorias” de conspiração como esta são muito difundidas e mais difundidas do que nunca. E uma coisa elas promovem, que é aprofundar a suspeita contra as vacinas e a vacinação. Para os “teóricos” da conspiração, as vacinas e as vacinações dadas aos nossos filhos para a proteção contra doenças perigosas causam autismo, esterilização, alteração de gênero (uma versão própria de uma ideologia que supostamente combateriam) e sexualidade (vista numa ótica de uma prisão biológica), um fato que eles alegam estar sendo encoberto e arquitetado entre os governos, as mídias e os cientistas.

O advento do sistema global das redes de computadores interligados (Internet), é amplamente argumentado, é a principal força por trás da disseminação de tais “teorias”, e elas estão minando a confiança nos sistemas políticos, até mesmo fazendo com que as pessoas questionem cada vez mais os fundamentos da democracia. No Brasil, por exemplo, a confiança no presidente eleito, Jair Bolsonaro, é minada pelo próprio ao disseminar a ideia de que o sistema eleitoral eletrônico, ofertado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conspira para encobrir o fato de que as urnas não dispõem da redundância da impressão do voto e, portanto, não são confiáveis.

Consequentemente o sistema eletrônico de votação é um disfarce para a criação de uma Nova Ordem Mundial, na qual a democracia estaria sendo substituída por uma modalidade de ditadura supostamente diferente daquela adorada e idolatrada pelo próprio Jair Bolsonaro, a de 1964. O Presidente do TSE faz parte da trama, conectado às forças sinistras por trás dele. O STF e todos os opositores, assim como as elites governantes do mundo são, na verdade, jacarés verdes carnívoros conspirando para dominar o planeta, ocultando sua verdadeira identidade e disfarçando-se de seres humanos.

César Felício - O que gritam nos mercados

Valor Econômico

Pesquisas para presidente estão em ritmo diário

Nos últimos cinco dias, cinco pesquisas de intenção de voto em 2022 foram divulgadas. Duas delas encomendadas por financeiras e uma por uma entidade empresarial, um indicativo do alto interesse em escutar o que anda nas cabeças, anda nas bocas, o que gritam nos mercados, para relembrar Chico Buarque. Já estamos vivendo na prática, portanto, uma temporada eleitoral.

Quem diz que o cenário só deve se definir em meados do próximo ano parece despistar. Talvez seja o caso do presidente Jair Bolsonaro, que muito fala em ruptura da institucionalidade, em não haver eleições, se não forem “eleições limpas”. Este, entretanto, não é o cenário com que a maioria dos analistas trabalham.

No momento em que esta coluna era escrita, foi divulgado também o Datafolha, ainda só com a avaliação de governo. Mostrava Bolsonaro com 51% de desaprovação. Que Bolsonaro tem potencial para recuperar popularidade até o segundo semestre do próximo ano é incontroverso. Os levantamentos de agora permitem medir de onde se parte e até onde se pode chegar.

Maria Cristina Fernandes - Nova crise militar acomoda-se sobre instituições trincadas

Valor Econômico

Senado tira Forças Armadas do foco e mira em Bolsonaro

Integrante titular da turma do deixa-disso em sucessivas crises militares, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, aposta que a do momento vai se acomodar. “Mas fica a trinca”, diz. Nas 24 horas que se passaram do embate entre a CPI da Covid e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e comandantes militares, o rescaldo desta crise tem que se definido no plural. São muitas as trincas.

A primeira vem do Senado, que, a despeito da nota dos militares, sem nenhuma nuance de apoio às investigações da CPI no Ministério da Saúde, não recuou. Na mesma manhã em que teve uma conversa com Braga Netto e, segundo informou por Twitter, “deu o assunto por encerrado”, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSDB-MG), autorizou requerimento do senador Jean Paul Prates (PT-RN) que estava parado desde março na mesa diretora. O documento cobra explicações da Defesa sobre a participação do deputado Eduardo Bolsonaro na parceria da estatal Imbel com a fábrica de armamentos americana Sig Sauer.

O ex-assessor do deputado, Paulo Guedes (homônimo do ministro), hoje assessor parlamentar da Embratur, apresenta-se no Instagram como “atirador esportivo e empreendedor”. Nesta rede social há pelo menos três postagens com fotos das armas da Sig Sauer em que Guedes aparece com roupa com logotipo da marca e mensagens como “Sig Sauer P365 já comprou a sua?” Guedes é filho do general Carlos Sarmento, chefe da assessoria parlamentar do Ministério da Defesa.

Dora Kramer - Espuma tóxica

Revista Veja

Bolsonaro adoraria comandar um Brasil institucionalmente tão frágil que lhe permitisse materializar devaneios autoritários. Mas não é assim que a banda toca

Reza o catastrofismo engajado que a democracia brasileira se encontra em via de extinção. Por essa cartilha, o golpe de Estado está em marcha e apenas os ingênuos não percebem. O mesmo manual ensina tratar-se de teoria vã a constatação de que as instituições funcionam.

Felizmente, a realidade desmente tal conjunto de ideias, cujos autores têm razão num ponto: o presidente Jair Bolsonaro adoraria estar no comando de um Brasil institucionalmente tão frágil que lhe permitisse materializar seus devaneios autoritários, mas não é assim que a banda vem tocando.

Se as tentativas presidenciais obtiveram êxitos pontuais — mas nem por isso menos importantes —, a maioria das investidas foi barrada ou rechaçada. E aqui falamos das instituições, considerando o conjunto, não atitudes individuais: Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional, Tribunal de Contas da União, Ministério Público, Polícia Federal, imprensa profissional e, mãe de todas, a opinião pública.

Há muita espuma no que se propõe o presidente. Não é fácil dissipar o fervo eivado de artificialismo devido ao seu caráter tóxico, mas não é impossível. O exemplo mais recente de espuma tóxica produzida pelo presidente e que vem sendo debelada a golpes de institucionalidade é a ameaça de arruaça pós-eleitoral travestida de preocupação com a confiabilidade do voto eletrônico.

Não há notícia de fraudes ocorridas desde a adoção dessa ferramenta de votação. Na história recente houve três de repercussão nacional: em 1982, 1990 e 1994. Todas da era da cédula de papel.

Impresso, “auditável”, confiável, seja lá o nome que se dê ao tipo de voto defendido por Bolsonaro e companhia, a ideia não é atuar em prol da confiança no resultado da votação. A intenção é disseminar a desconfiança no sistema a fim de fazer da suspeita de fraudes um antídoto para eventual derrota.

Ricardo Rangel - Quem defenderá as Forças Armadas?

Revista Veja

Jair Bolsonaro está arregimentando uma milícia pessoal

Responsáveis pela defesa da pátria, última instância da segurança interna, as Forças Armadas são um pilar do estado de direito. Elas estão sob ataque. O desmonte que Jair Bolsonaro faz do Estado e da democracia é generalizado, mas as Forças Armadas são seu alvo prioritário: sem elas, não é possível desfechar o golpe que prepara. O desmonte é operado com mestria, por dentro das FFAA, com o auxílio de muitos militares, cooptados de várias maneiras. Para os mais disciplinados, há a manipulação da obediência ao presidente, chefe das Forças; para os patriotas, uma impostura de amor à pátria; para os iludidos, o espantalho da (fictícia) ameaça comunista; para os vaidosos, a bajulação; para os fisiológicos, cargos e verbas; para os corruptos, a oportunidade de se corromper.

Bolsonaro mandou que o general Paulo Sérgio deixasse impune o general Eduardo Pazuello, que subiu num palanque; temeroso da quebra da hierarquia, o comandante do Exército obedeceu e abriu a porta para a anarquia militar. O presidente do Superior Tribunal Militar, general de quatro estrelas Luis Carlos Mattos, fez pior: deu entrevista revelando-se bolsonarista entusiasmado e ameaçando ruptura democrática. Paulo Sérgio deixou o colega de alto-comando impune sem que Bolsonaro precisasse sequer dar a ordem.

Pouco tempo atrás, um coronel do Ministério da Saúde contratou uma obra milionária, sem licitação, com empresa suspeita. Mais recentemente, quatro coronéis do ministério, antes subordinados ao então secretário-executivo, coronel Elcio Franco (a esta altura, suspeito), foram acusados de corrupção. E todos, incluindo Franco, foram nomeados por Pazuello (também suspeito). Um dos encontros para atravessar vacinas foi intermediado por um coronel da “Abin paralela” do presidente; outro, por um coronel presidente de uma ONG bolsonarista.

Murillo de Aragão - O fantasma do impeachment

Revista Veja

Ele é quase uma eleição ao contrário

Nas páginas da Constituição Federal habita um fantasma que está sempre presente nos acontecimentos políticos da nossa república desde a redemocratização. Ao menor sinal de aquecimento no braseiro da política, o fantasma desperta do aperto dos artigos, parágrafos, incisos e alíneas da nossa Carta Magna.

A obsessão desse fantasma é a constituição de uma maioria que venha a derrubar o presidente no exercício do poder para estabelecer uma nova ordem. Tal qual em O Fantasma da Ópera, romance de Gaston Leroux, nosso personagem vive paixão intensa que se alimenta dos conflitos políticos recorrentes no Brasil.

Sua existência é fruto de um arranjo político capenga que impede a constituição de maiorias organizadas no Congresso Nacional. O último presidente que contou com uma maioria parlamentar de seu partido, o então PMDB entre 1987 e 1991, foi José Sarney, que terminou abandonado por seus pares. Como em política, “o mundo gira e a Lusitana roda”, Sarney voltou à cena política em lugar vip.

Hélio Schwartsman - Um país mal desenhado

Folha de S. Paulo

Presidente não deveria poder indicar ministros do STF e, principalmente, o PGR

O derretimento da administração Jair Bolsonaro ocorre em várias frentes e nos permite observar falhas no desenho das instituições. Vamos a algumas delas.

A mais óbvia é o impeachment. Em regimes presidencialistas, o governante não pode ser destituído ao primeiro sinal de dificuldade política. O mandato, por outro lado, não pode converter-se num passaporte para a irresponsabilidade.

Nossas instituições até que resolvem bem o dilema, permitindo o afastamento antecipado, mas tornando-o difícil, com a exigência de um elemento jurídico (crime de responsabilidade) e um político (ultramaioria de 2/3 de deputados e senadores).

O ponto que não fecha é o pontapé inicial. A decisão sobre abrir ou não o processo de impeachment, que afeta os cálculos políticos, não pode ficar de modo irrecorrível nas mãos de um único indivíduo, o presidente da Câmara.

Bruno Boghossian - Suspeitas já arranham o governo

Folha de S. Paulo

Saída de ex-juiz e pandemia afastaram eleitor rico; suspeitas na vacina chegam aos mais pobres

Os números da popularidade de Jair Bolsonaro sugerem que as suspeitas na compra de vacinas podem resultar num abalo determinante na imagem do presidente. A nova pesquisa Datafolha mostra que o desgaste do governo chegou a segmentos da população que até aqui não o associavam à corrupção.

Bolsonaro pode ter sofrido um golpe semelhante ao que ocorreu com a demissão de Sergio Moro. Depois da saída do ex-juiz, 40% dos brasileiros diziam que o presidente era desonesto. O recorte da população por grau de instrução era revelador: 34% dos brasileiros com ensino fundamental completo tinham essa visão, enquanto o índice chegava a 49% no segmento com ensino superior.

Na ocasião, Bolsonaro começou a perder o apoio de eleitores mais ricos e escolarizados, reduto em que Moro era mais popular. A gestão desastrosa da pandemia agravou esse afastamento, e o presidente se agarrou a eleitores de baixa renda amparados pelo auxílio emergencial.

Reinaldo Azevedo - Só falta a greve de sexo para o golpe?

Folha de S. Paulo

Não há ataque nenhum às Forças Armadas na fala do presidente da CPI

O mais forte só precisa de pretextos, não de fatos. Ainda que o cordeiro, na correnteza, mate a sua sede alguns metros abaixo, o lobo o acusa de sujar a sua água. Desmentido pela física, evoca questões de honra: "Você falou mal de mim!". E o sanguinário reaça engole aquele que apostou na ciência e no argumento.

Dada a pusilanimidade da nota emitida na quarta, o ministro da Defesa e os três comandantes militares podem, sendo do seu gosto, entrar nesta fábula da fábula na pele do lobo, mas me parece que estão a ver cordeiros onde não os há. Esse filme já passou. Ameaçar com golpe é fácil. Dá-lo nem é tão difícil. A questão está em como mantê-lo. Seria o caminho mais curto para a cadeia. Melhor uma aposentadoria rechonchuda.

A resposta dada pelos fardados ao senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, foi, obviamente, truculenta, golpista e esquizofrênica. Leiam este trecho: "As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro". O que quer dizer? Que elas podem botar as tropas nas ruas contra o "golpista" Aziz, em nome da democracia?

Em 1968, o lobo queria comer todo o oviário. Um dos signatários do AI-5, Jarbas Passarinho, cravou a frase histórica: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". E justificou a "ditadura escancarada" liderada por Costa e Silva. Na ata, a expressão "às favas" foi substituída por "ignoro". As tiranias costumam ter pudor vocabular. Só não têm escrúpulos de consciência.

Ruy Castro - Velhacos, nossos e alheios

Folha de S. Paulo

Os militares não deveriam privar com certos paisanos -para não serem confundidos com eles

Todos os dias, políticos, governantes e empresários são flagrados em alguma sujeira e tachados de irresponsáveis, corruptos, venais ou coisa pior. Um ou outro, isoladamente, pode chamar seu acusador a se explicar, mas nenhuma dessas categorias tem audácia ou esprit de corps suficiente para reagir em bloco contra a imprecação. Quando, digamos, Jair Bolsonaro e seus filhos são chamados de assaltantes dos cofres públicos pela prática da rachadinha, os políticos não se juntam para emitir uma nota ameaçando a democracia. Aliás, nem os próprios aliados deles os defendem —não são suicidas.

Mas, se um general de escrivaninha é declarado suspeito de algum malfeito e isso é confirmado por uma série de testemunhas, o azedume corre os quartéis. Se essas suspeitas atingem também alguns coronéis e tenentes-coronéis de suas relações, os militares espumam, falam em desrespeito às instituições e insinuam que vão mandar lubrificar o canhão. E por que, ao contrário das outras categorias, fazem isso? Porque eles têm o lubrificante —e o canhão.

Luiz Paulo Costa* - A democracia e a escolha do candidato da terceira via

As ações e manifestações em curso levam-nos a propor aprofundar a própria democracia também na definição de uma estratégia para a construção da candidatura do “centro democrático”. Não bastarão, pelo visto, as iniciativas de 2018 e mesmo apenas repicar as em curso no presente.

É preciso avançar na democratização do próprio processo de escolha do candidato que possa encarnar a garantia de que, não só afastaremos a ameaça à democracia conquistada a partir da maior mobilização cívica da história brasileira com a Constituição de 1988 e o Estado Democrático de Direito em vigor, como ainda abrir passagem para a consolidação da democracia.

Neste sentido, é alvissareira a reunião do DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania, Podemos, Solidariedade contra o retrocesso do voto impresso. Assim como atrair os partidos Rede, PSB, PDT e PSD e outros para este bloco. É fundamental que os partidos consigam barrar propostas como do “distritão”, volta das coligações nas eleições proporcionais, financiamento por empresas, e outros retrocessos político-eleitorais que enfraquecem os próprios partidos como também distanciam o eleitor do eleito, fragilizando a própria democracia representativa que precisa ser revalorizada perante os eleitores brasileiros.

No curso desta iniciativa política deve-se construir um conjunto partidário do centro democrático por um candidato único a presidente da República para romper a polarização eleitoral que leva aos extremos da política. Ato contínuo, com esta concertação dos partidos políticos, ampliar a participação pelo candidato a Presidente da República da terceira via com a integração de instituições da sociedade civil.

Luiz Alexandre Souza da Costa* - Limites aos militares

O Globo

Ao contrário do que possa parecer, o objetivo da nota assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes das Forças Armadas não foi atingir o senador Omar Aziz. Ela serviu como mais um movimento orquestrado para marcar o posicionamento dos generais em relação à democracia brasileira.

Esse movimento vem desde 2008, quando da declaração do então comandante da Amazônia, Augusto Heleno, no Clube Militar, criticando a política indigenista do governo Lula. Cabe lembrar que o estatuto e regulamento do Exército são claros ao proibir críticas a autoridades civis. Heleno, deliberadamente, passou por cima das normas para medir força com o então presidente. A ação fez parte da clara busca dos generais pelo retorno ao cenário político.

Dois momentos foram cruciais para a consolidação dessa reconquista do poder político-militar nos últimos anos. O primeiro, em 2017, quando o atual vice-presidente da República, Hamilton Mourão, num clube maçônico, ostentando a farda de general, respondeu positivamente sobre a possibilidade de as Forças Armadas estarem se articulando para uma possível “intervenção militar”, caso o Poder Judiciário não resolvesse a situação política existente naquele momento. O segundo foi em 2018, com o tuíte do então comandante do Exército, general Villas Bôas, ameaçando veladamente o Supremo Tribunal Federal caso concedesse um habeas corpus ao ex-presidente Lula.

A partir dessas fendas, permitidas por uma apatia covarde das instituições democráticas nacionais, os militares se reposicionaram no cenário político e conseguiram catapultar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. O capitão, ao assumir, foi fiel e manteve sua relação de troca com a caserna. Enquanto nomeava militares para todos os escalões, beneficiando-os com aumentos salariais e na reforma da Previdência, os usava, em sua retórica golpista, como uma arma para ameaçar a democracia.

José de Souza Martins* - O Brasil órfão e desvalido

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Pais e mães que matam os filhos não são unicamente assassinos: são filhos do limbo e da escuridão porque lhes falta o essencial da condição humana

Nos últimos anos, um número crescentemente assustador de casos de violência contra crianças, no Brasil, chega ao conhecimento da mídia e do público unicamente porque são aqueles caracteristicamente extremos e socialmente mais anômalos do que em si mesma é a violência contra imaturos e indefesos. Chegam quando a sociedade reage com bestialidade equivalente e por meio dela ganham visibilidade.

Não são, propriamente, poucos os assassinatos em família, de crianças com menos de dez anos de idade, muitas vezes com menos de cinco. Pais e padrastos ou mães, identificados por vizinhos e parentes, como autores de homicídios, na sequência de tortura e de agressão física descabida.

Casos em que o agressor e os cúmplices, por ação ou omissão, que muitas vezes os há, dão claros indícios de que não têm a menor consciência da peculiar alteridade entre crianças e adultos. São agressões covardes porque nelas o agressor sabe que a vítima é física e afetivamente incapaz.

Essas agressões a crianças são uma traição à paternidade e à maternidade. Não só no desconhecimento à condição humana da vítima. É nos filhos que os pais se confirmam como gente, como seres humanos. Gente quer dizer o humano completo, inteiro, o que gera descendentes assim como foi gerado pelos ascendentes. Os que não estão sozinhos no mundo, senhores de si mesmos porque deles são senhores os outros que neles há.

Pais e mães que matam os filhos não são unicamente assassinos. São órfãos, filhos do limbo e da escuridão porque lhes falta o essencial da condição humana, o que vai muito além da procriação carnal. Falta-lhes a competência existencial para reconhecerem-se na inocência criativa dos filhos.

Flávia Oliveira - Fome de presente e futuro

O Globo

Da crise socioeconômica decorrente da pandemia da Covid-19 emergiu um Brasil de famintos. À sociedade historicamente desigual somaram-se a debilidade das políticas públicas do governo Jair Bolsonaro, o desemprego recorde, a informalidade excessiva, a carestia. Ainda ontem, o IBGE apresentou os resultados de junho da inflação oficial. Em 12 meses, os preços saltaram 8,35% —o IPCA não subia tanto desde setembro de 2016, quando acumulara 8,48%. Mais dramática é a escalada no custo dos alimentos, 15,3% de julho de 2020 até o mês passado. O arroz ficou 48% mais caro; o feijão-preto, 22%; as carnes, 38%; o leite, 11%; os ovos, 6%. O botijão de gás encareceu 24% em um ano e chega a custar R$ 115 em comunidades do Rio de Janeiro e R$ 125 em Mato Grosso. É quase o valor do recém-estendido auxílio emergencial para famílias unipessoais (R$ 150).

O país retirado do Mapa da Fome da ONU em 2013 chegou ao fim do ano passado com 19,1 milhões de habitantes em privação de acesso a alimentos, estimou inquérito da Rede Penssan. São dois Portugais de miseráveis, que organizações da sociedade civil, desde o início da pandemia, se apressaram a acudir por meio de arrecadação de recursos e distribuição de cestas básicas. Para ficar em três exemplos, o Brasil Sem Fome, da Ação da Cidadania, entregou mais de 19 mil toneladas de alimentos a 7,8 milhões de pessoas; o projeto Mães da Favela, da Cufa, 31.900 toneladas entre cestas físicas e digitais (vales de R$ 100) a quase 10 milhões; a campanha Tem Gente com Fome, da Coalizão Negra por Direitos e parceiros, encerrou no mês passado a segunda fase de doações a 222.895 famílias em situação de vulnerabilidade.

Rogério Furquim Werneck - Tumulto tributário

O Globo / O Estado de S. Paulo

Governo tenta salvar seu desconjuntado pacote com o suposto truque de economia política do lobby contra lobby

Tendo sabotado por dois anos e meio uma reforma abrangente da tributação indireta no País, o governo, agora, quer aprovar a toque de caixa no Congresso um desconjuntado pacote de mudanças radicais na tributação direta, que já vem tendo efeitos paralisantes sobre decisões de investimento, justo quando a economia parecia ter entrado em delicada retomada do nível de atividade.

O que agora se anuncia é um pacote com inspiração e timing claramente populista. Preocupado com as eleições de 2022, o Planalto quer viabilizar um programa de renda básica que possa chamar de seu e uma redução do IRPF pago por contribuintes enquadrados em faixas mais baixas de rendimento tributável.

O que se contempla é que tudo isso seja bancado, com folga, por elevação da tributação sobre lucros e aplicações financeiras.

Limitações de espaço impedem que aqui se analise o amplo leque de mudanças propostas, que afetam empresas sujeitas à tributação pelos regimes de lucro real e de lucro presumido, aplicações financeiras em geral, fundos de investimento e investimentos no exterior.

No que se segue, a análise estará restrita a efeitos que poderão decorrer da taxação de dividendos de empresas sujeitas à tributação pelo regime de lucro real.

A tributação de lucros comporta uma variedade de arranjos distintos. Um arranjo possível é o que se tem no país há cerca de 25 anos, em que todo o lucro, inclusive o que for distribuído aos acionistas ou sócios, seja taxado na empresa. Nesse arranjo, acionistas não pagam Imposto de Renda sobre dividendos porque, supostamente, o imposto devido sobre o lucro distribuído já foi retido e pago na empresa.

Simon Schwartzman* - Enem – avaliação ou seleção?

O Estado de S. Paulo

Com a diversificação do ensino médio, a prova única não pode continuar existindo

Em 2022 entra em vigor o novo ensino médio, com a possibilidade de os estudantes optarem por diversas áreas de formação e também por cursos técnico-profissionais, o que significa que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deverá também mudar. Em sua origem, o Enem tinha por objetivo ser uma avaliação, referência de qualidade para as escolas de ensino médio. Mas em 2009 ele se transformou num exame nacional de seleção para as universidades federais, o que fez com que todas as escolas se organizassem para preparar seus alunos para a prova. Atualmente, as redes escolares públicas e privadas estão se organizando para dar início ao novo ensino médio, e uma das dificuldades é não saber que tipo de avaliação os estudantes terão pela frente.

O Ministério e o Conselho Nacional de Educação estão trabalhando sobre o tema e é provável que cheguem a alguma conclusão nos próximos meses, o que influenciará o destino de milhões de jovens nos próximos anos. É a oportunidade para avaliar a experiência até aqui à luz das experiências de outros países e entender melhor para que serve esse exame e quais seriam as alternativas.

O que deve ser o Enem? Uma avaliação dos alunos que terminam o ensino médio, ou um grande exame vestibular para as universidades? Qual a diferença e qual a importância disso?

Muitos países, sobretudo na Europa, têm sistemas nacionais de avaliação dos alunos ao término do ensino médio, como os Baccalauréats franceses, o Abitur alemão, os A-Levels ingleses e os exames nacionais do ensino secundário em Portugal. Mas poucos têm um grande exame vestibular nacional, como a China, a Turquia, o Chile e o Brasil.

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EDITORIAIS

Forças Armadas devem deixar a CPI trabalhar

O Globo

É inegável que a CPI da Covid, que começou sufocada por fortes resistências do Planalto, assumiu em pouco tempo um protagonismo na cena política que aumentou a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro. Natural, portanto, que tudo o que ali se passa ganhe repercussão, às vezes até exagerada. Na sessão de quarta-feira, que culminou com a prisão de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), fez críticas ao envolvimento de militares em escândalos no Ministério da Saúde. Houve reação imediata das Forças Armadas.

Aziz saiu da linha ao fazer um comentário pouco cuidadoso sobre fatos ainda sob investigação. O senador disse que fazia muito tempo “que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatruas dentro do governo”. Até o momento, contudo, não há nenhuma denúncia comprovada contra quem quer que seja, civil ou militar. O próprio Aziz parece ter reconhecido que se excedera, ao dizer depois que as declarações eram “pontuais e não generalizadas”.

Na própria quarta-feira, o Ministério da Defesa divulgou nota afirmando que a declaração “atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e sobretudo irresponsável”. É sintomático que a nota tenha sido publicada primeiro pelo presidente Jair Bolsonaro numa rede social, antes de ser divulgada oficialmente. Seja como for, as Forças Armadas deveriam deixar a CPI fazer seu trabalho em paz, dentro das prerrogativas da Constituição. Imagina-se que estejam interessadas, como qualquer brasileiro, em esclarecer as suspeitas sobre negociações nebulosas no Ministério da Saúde, onde trabalharam, e ainda trabalham, muitos militares do Exército.