quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - A quarta de cinzas de Bolsonaro

As manifestações pro-Bolsonaro no 7 de setembro foram mais amplas do que este observador esperava. O fato de não ter havido violência física contra pessoas, vias ou prédios deve aliviar. Havia justificados temores disso, face ao tom virulento com que essas manifestações foram convocadas, pelo presidente e seu entorno, durante um mês inteiro.

Se Bolsonaro fosse um político com mínima afinidade com a democracia, faria desse inegável apoio demonstrado na rua um recurso para tentar, até com alguma chance, reverter o isolamento político e o desgaste crescente da sua imagem. Se politicamente tratadas pelo seu beneficiário, as manifestações de ontem poderiam fazer retornar o apoio de parte dos seus eleitores de 2018 hoje desencantados. Tal façanha poderia ser facilitada pelo caráter pacífico dos atos (reduzindo o constrangimento de conservadores civilizados) e pela demonstração de força que poderia incutir, em eleitores antipetistas extremados, a sensação de que Bolsonaro continuaria sendo a possibilidade de evitar a volta de Lula.

Mas Bolsonaro fez o oposto. Mirando alvos que ele, sua família e círculo miliciano elegeram como inimigos, procurou insuflar um público que lhe dava o benefício da dúvida a se jogar contra o resto da sociedade. Ele confunde a multidão que foi à rua com os seus milicianos e seguidores fanáticos, como se todos formassem uma massa só. Está cego para a diversidade de motivos que formou aquela multidão. Na sua marcha batida ao "confronto final" tende a frustrar expectativas da maioria do seu próprio público, a qual não se move por ideologia, mas pela esperança de que ele, com apoio da rua, governe, afinal, o país e cumpra suas promessas de campanha.

É um público que sente atração por autocratas porque acha que eles podem "resolver” aquilo que consideram ser os maiores problemas seus e do Brasil. E que problemas seriam esses? Certamente não são os que preocupam outros públicos, cujos interesses se combinam com mais igualdade social. A pauta dos manifestantes pro-Bolsonaro começa (paradoxalmente, aliás) pelo combate à corrupção, derivando em rejeição da política; segue na defesa, ideológica e pragmática, da autossuficiência do mercado, implicando em redução de direitos sociais; estende-se à reivindicação de segurança na base da tolerância zero e inclui ainda pautas conservadoras no campo dos costumes.

Carlos Melo* - Ao mostrar sua força, bolsonarismo revelou sua maior fragilidade

O Estado de S. Paulo

Como se esperava, o 7 de Setembro é a maior expressão do bolsonarismo nas ruas. Especular números e fotos aéreas é, porém, aceitar a cilada com o que o presidente pretenderá manipular a opinião pública. Mais expressivo é explicitar métodos e estilos: a mobilização patrocinada por recursos obscuros, a disposição de botar tudo abaixo, a antipolítica e a opção preferencial pelo caos são marcas de sua política.

A estética é bruta, a trilha sonora é a fúria; os alvos: o STF e os fantasmas forjados pela ultradireita internacional. A truculência como gramática foi o meio e a mensagem dos manifestantes e do presidente. E, com isso, a insegurança e a impressão de um possível cheiro de pólvora no ar cobrem o País de temores. Despertar o medo é a estratégia para acuar os adversários.

Porém, foi mostrando sua força que o bolsonarismo revelou sua fragilidade. Ao lado do presidente há uma massa disforme, sem organicidade, agenda, visão de longo prazo. Personagens revoltosos que expressam todo o tipo de intolerância: negacionismo, fundamentalismo religioso, medievalismo, o tradicional farisaísmo nacional. A triste expressão da “nova política” num momento em que nos horizontes do Planalto Central não há futuro.

Rosângela Bittar – Caricatura do ditador

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro seguirá neste rumo até a imprevisível cena final. Que não será pacífica

Formou-se uma multidão surpreendente para dois comícios de atração única. Eventos irregulares da campanha eleitoral permanente de um presidente decidido a manter-se no poder a qualquer custo. Bandeiras e faixas produzidas na mesma fábrica de fantasias e ilegalidades. Encontros sem espontaneidade, que passaram por uma linha de montagem cara, industrial, e de cobertura nacional.

Deu tudo certo. Com seus 58 milhões de votos de 2018 hoje reduzidos, pela rejeição, a menos de 32 milhões, ele não pode se queixar do resultado. Não há certeza, porém, que tenha sido uma renovação de confiança ou voto na reeleição.

Bolsonaro não faria essa mobilização à toa e não se deve, portanto, descartar nenhuma intenção mais ambiciosa a partir de agora.

O presidente atribuiu um protagonismo inédito ao ministro Alexandre de Moraes (STF), tentando jogar contra ele até os que, em meio às multidões, não sabiam de quem se tratava. Foi pensando em Moraes que Bolsonaro disse a frase-chave do seu discurso ao garantir que não será preso. O ministro é o condutor dos inquéritos das notícias falsas e dos atos antidemocráticos, crimes em que estão investigados seus filhos e presos amigos, cúmplices e membros do famigerado gabinete do ódio, além de empresários financiadores do esquema. O mesmo Moraes será presidente do Tribunal Superior Eleitoral quando estiver em votação a inelegibilidade. Uma das duas alternativas de desfecho legal do seu drama. A outra é o impeachment.

Eliane Cantanhêde – A lei da física e da política: toda ação gera uma reação

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro é bom de gogó, mas não é mágico para mudar a realidade de 580 mil mortos, desemprego, inflação

O presidente Jair Bolsonaro é capaz de tudo, até de transformar uma vitória em derrota. Ele deu uma demonstração de força e conquistou poderosas fotos de multidões em Brasília, Rio e São Paulo neste 7 de Setembro, mas jogou tudo fora ao irritar as instituições com seu discurso golpista e blefar com a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para que fim.

Em desvantagem no Conselho da República, que reúne também os presidentes e líderes da maioria e da minoria na Câmara e no Senado, ele teve de ajustar a proposta no fim do dia. Em vez de Conselho da República, tratava-se do Conselho do Governo, restrito aos seus ministros, que são aliados, amigos e submissos. E para quê? Para nada.

A esquerda cometeu dois erros. O primeiro foi tentar enfrentar as manifestações pró Bolsonaro com protestos contra ele, provocando comparações constrangedoras, já que os atos bolsonaristas foram muito mais concorridos, como esperado. O segundo erro foi tentar reduzir o peso das multidões que foram às ruas, enroladas na bandeira nacional e no nosso verde e amarelo, para endeusar o mito e atacar o Supremo e a democracia.

Luiz Carlos Azedo - As máscaras do fracasso

Correio Braziliense

No Dia da Independência, cujas comemorações sequestrou, Bolsonaro não apresentou um projeto para o país, nem falou dos nossos verdadeiros problemas

O presidente Jair Bolsonaro, ontem, nos atos políticos realizados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo, cruzou “as quatro linhas da Constituição de 1988”. Mostrou seu verdadeiro tamanho, mas ele não é maior do que um quarto do campo do eleitorado, conforme as pesquisas de opinião que avaliam o seu desempenho e o do governo. Por isso mesmo, a opção de governar apenas para seus partidários, em vez de fazê-lo para todos os brasileiros, e desafiar a ordem democrática e os demais Poderes da República, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF), pode lhe custar muito mais caro do que imagina.

Além de escolher o caminho da derrota eleitoral em 2022, Bolsonaro pede para ser considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e para que seja aberto o seu processo de impeachment pelo presidente da Câmara, com apoio até dos partidos do Centrão. No Dia da Independência, cujas comemorações sequestrou, Bolsonaro não apresentou um projeto para o país, nem falou dos nossos verdadeiros problemas: crise sanitária, recessão, desemprego, inflação, crise fiscal, isolamento internacional. Para mascarar seu fracasso, agravou ainda mais crise com o Supremo, que pode se tornar disruptiva.

De uma só vez, nas manifestações, cometeu vários crimes eleitorais, daqueles que já custaram o mandato e/ou a reeleição de muitos prefeitos e alguns governadores. Fez campanha eleitoral antecipada; usou recursos públicos em benefício próprio; o dinheiro de caixa dois financiou viagens de fanáticos apoiadores. Bolsonaro elevou o patamar de seus desatinos autoritários. Para o mundo político e jurídico, pirou de vez. Fez ataques e ameaças frontais aos demais poderes, pregou a desobediência civil. Anunciou que pretende reunir o Conselho da República ainda hoje, para enquadrar os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O primeiro é responsável pelo inquérito das fake news e será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições, cargo hoje ocupado pelo segundo. Bolsonaro disse com todas as letras que não haverá eleição com urna eletrônica.

“Amanhã, estarei no Conselho da República. Juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir”, disse em Brasília. “Não aceitaremos que qualquer autoridade usando a força do Poder passe por cima da Constituição. Não mais aceitaremos qualquer medida, qualquer ação, qualquer sentença que venha de fora das quatro linhas da Constituição. Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos três Poderes continue barbarizando nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil”, completou.

Ricardo Noblat - Os dois senhores de Arthur Lira – Bolsonaro e Lula

Blog do Noblat / Metrópoles

O presidente da Câmara dos Deputados mantém cada pé num barco. Ele, de fato, é quem parece irremovível

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, ficou o 7 de Setembro em Brasília e não perdeu a chance de reforçar sua eventual candidatura à sucessão de Bolsonaro, deitando mais falação a favor da democracia, desta vez por meio das redes sociais.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, ao que consta, teria se refugiado no seu Estado e recolheu-se ao silêncio. Ele sabe que passará por mais uma temporada de pressões para que abra um processo de impeachment contra Bolsonaro.

Fernando Exman - Mitos e verdades de um ato bolsonarista

Valor Econômico

Teoria do “mito político” indica edição de novos atos e Bolsonaro tende a manter o ritmo de mobilizações Brasil afora. Não irá parar

Sem máscara, o apoiador do presidente Jair Bolsonaro estacionou o carro em uma rua paralela à Esplanada dos Ministérios depois de enfrentar um trânsito leve, mas incomum em Brasília para um domingo de manhã. Apesar do calor e da baixíssima umidade do ar, havia muita gente no centro da capital federal para prestigiar o ato convocado pelo chefe do Executivo.

Enquanto caminhava até o que acreditava ser uma barreira policial, o apoiador esquecia, pelo menos por alguns instantes, dos problemas do dia a dia que teimam em crescer. E falava para quem quisesse ouvir que esta é a hora de redobrar o suporte ao “mito” que haviam conduzido ao Palácio do Planalto no pleito de 2018. Afinal, Bolsonaro estava sendo impedido de governar por forças internas e, portanto, era responsabilidade de todos evitar que a esquerda voltasse ao poder em 2022.

Em meio à interação, uma expressão de alívio: ninguém teria o corpo revistado; bolsas e sacolas tampouco seriam reviradas. Elogios à Polícia Militar. Os PMs acenavam de volta.

Horas antes, esta mesma corporação já havia dado sinais de complacência quando não resistira à invasão de caminhões e caminhonetes que insistiriam em ocupar áreas próximas ao Congresso, a despeito da certeza de que serviriam de plataforma para novos ataques aos demais Poderes. No entanto, àquela altura, não havia mesmo perspectiva de confusão.

Até deu tempo de pesquisar os preços de novos adereços. A bandeira do Brasil com a estampa do presidente era vendida a R$ 35, mas saía por R$ 30 sem muito esforço de negociação. O mesmo valia para quem quisesse colar um adesivo em todo vidro traseiro do carro. O autocolante mais simples podia ser adquirido por R$ 5, mesmo valor de uma máscara estampada com o busto de Bolsonaro.

Como era de se esperar, pouquíssima demanda: a máscara era um fiasco de vendas, mesmo sendo equipamento indispensável para o combate à pandemia. A camisa promovendo a candidatura à reeleição de Bolsonaro, contudo, era artigo raro. Estoques esgotados.

Nilson Teixeira - Basta!

Valor Econômico

Se a crise piorar, os parlamentares não poderão mais se esquivar de frear ações antidemocráticas

Eu nunca imaginaria que em plena vigência da pandemia - tragédia que resultará na morte de mais de 600 mil brasileiros até o fim deste ano - o Brasil vivenciaria uma crise institucional gerada pelo seu presidente. É triste ouvir repetidas manifestações veladas com viés antagônico ao estado de direito por parte do presidente Jair Bolsonaro e de membros do seu governo.

Há décadas que o Brasil não se sujeitava a tamanha insegurança institucional. Em um momento com tantos problemas sanitários, educacionais e econômicos, choca observar o presidente inserir um grau tão elevado de risco à estabilidade política. O país não vivenciou embates iguais aos de Bolsonaro contra os outros poderes nem mesmo nos dois últimos processos de impeachment.

Desde o início do seu governo, o presidente tem fomentado atritos com os principais órgãos de imprensa e vários jornalistas. A reclamação de haver um viés contrário ao governo tem sido um discurso recorrente de vários presidentes, mas Bolsonaro tem levado esse embate ao extremo, com comentários inconcebíveis para o ocupante do principal cargo do Executivo que, por definição, tem de buscar o entendimento.

Vinicius Torres Freire - Espuma nas ruas, elite conivente

Folha de S. Paulo

Não houve putsch das falanges bolsonaristas, mas mais um dia de progresso do golpe

No 7 de Setembro, Jair Bolsonaro cometeu mais alguns crimes de responsabilidade, motivo de processo de impeachment, entre outros que podem se tornar objeto de inquérito e condenação no STF. Na noite desta terça-feira (7) lúgubre, uns senadores haviam decido ir ao Supremo pedir a investigação por meio de uma “notícia-crime”. Os ministros, por sua vez, por ora ainda discutiam a elaboração de uma “mensagem dura” (hum...), apesar de Bolsonaro ter chamado alguns deles de “canalhas” e de dizer, aliás outra vez, que pode ou não obedecer a decisões do tribunal maior.

Vai ter consequência? Uns governadores, uns gatos pingados do PSDB e um ou outro partido centróide passaram a sussurrar a palavra “impeachment”. Um tucano manco, aliás meio bolsonarista, umas andorinhas depenadas e um monte de galinhas gordas de emendas não fazem um verão neste tenebroso inverno de Bolsonaro. As elites precisam tomar vergonha na cara (...), pois o tirano não vai parar a não ser que seja confrontado objetivamente. Se não o fazem, estão a dizer, na prática, que essa alternativa ou qualquer outra são piores do que Bolsonaro. Em geral, o mundo político se ocupa apenas e mal e mal de eleição, sem que ao menos exista oposição organizada, menos ainda da “terceira via”.

Que mais aconteceu em mais um dia de golpeamento da República e do projeto dos Bolsonaro de fugir da polícia? A espuma das ruas.

Hélio Schwartsman - E agora?

Folha de S. Paulo

Num país mais decente, Bolsonaro já teria sofrido impeachment há tempos

O tão temido 7 de Setembro de Bolsonaro não produziu mais do que discursos delirantes e incidentes isolados, como era mais ou menos esperado. O problema é que a coisa não acabou. O capitão reformado segue à frente do Executivo e continuará a investir contra os outros Poderes. Nesse contexto, o Dia da Pátria foi uma escalada, precipitada pelo desespero de quem vê suas chances de reeleição minguarem, mas ainda assim uma escalada. Devemos esperar mais ataques à democracia.

Num país mais decente, Bolsonaro já teria sofrido impeachment há tempos. Ao nem sequer abrir um processo para avaliar se o presidente comete crimes de responsabilidade, a Câmara dos Deputados normaliza suas atitudes antidemocráticas. Felizmente, a resistência ao golpismo presidencial não está limitada ao Parlamento. A cúpula do Judiciário, alvo dos principais ataques de Bolsonaro, sentiu na pele a pressão e resolveu reagir.

Bruno Boghossian – Autoritarismo nas ruas

Folha de S. Paulo

Ao indicar atropelo a decisões do tribunal, presidente prepara terreno para golpe final em 2022

Jair Bolsonaro conseguiu o que queria. Com a articulação de empresários do agronegócio, líderes religiosos e políticos aliados, o presidente levou uma quantidade razoável de gente para as ruas de Brasília, São Paulo e outras cidades. Não houve tanque na praça dos Três Poderes para fechar o STF, mas o capitão já lançou uma manobra autoritária.

Bolsonaro nunca demonstrou interesse em permanecer no campo da democracia, e o movimento feito pelo presidente no 7 de setembro expôs de maneira aberta o projeto para expandir seus poderes. Nos discursos para os manifestantes, ele disse que ministros do Supremo deveriam mudar de comportamento, "ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos".

Marilíz Pereira Jorge - País de cornos

Folha de S. Paulo

O corno bolsonarista não recebe nada em troca por sua fidelidade bovina

O Brasil é um país de cornos. E não me refiro ao histórico conjugal do presidente. Refiro-me ao corno de político, e esse merece toda traição. O pior tipo de chifrudo. Aquele que é usado, enganado, descobre a traição, vê as provas, uma, duas, três vezes e bota a culpa no mensageiro.

Escrevi isso em 2017, mas não poderia ser mais atual. O corno bolsonarista, no entanto, consegue se submeter aos piores tipos de humilhação sem receber nada em troca por sua fidelidade bovina. Milhares de pessoas foram às ruas defender o quê? Um governo incompetente e um presidente golpista, responsáveis por inflação alta, gasolina cara, luz elétrica com bandeira vermelha, desemprego, fome, crise sanitária e política.

O corno bolsonarista levou semanas se preparando para que seu grande líder desse o tal grito de independência no 7 de setembro —seja lá o que isso signifique— e só ouviu seu presidente falando sobre ele mesmo: não serei preso. Nenhuma palavra sobre o país, sobre as questões que são de interesse do povo. É tudo sobre ele. Sobre Jair. Sobre ser perseguido, sobre ser o escolhido, sobre ser a salvação do corno. O corno aplaude.

Merval Pereira – Pede para sair

O Globo

Bolsonaro faz exatamente o que acusa o STF de fazer: vai contra a Constituição e os outros Poderes

O cineasta Woody Allen reproduziu em seu filme “Bananas” um episódio inusitado que aconteceu durante o congresso estudantil clandestino realizado em Ibiúna, no interior de São Paulo, em outubro de 1968, em plena ditadura militar. Eram mais de mil estudantes, que precisavam comer. A compra de centenas de pães na cidadezinha mais próxima acabou revelando o local da reunião da UNE, e todos foram presos.

Na versão de Woody Allen, guerrilheiros que se escondiam na selva foram denunciados porque compraram centenas de sanduíches, sendo um sem picles. O golpe de Estado com data marcada, uma esquisitice de Bolsonaro, poderia fazer parte de um enredo cômico do mesmo quilate. As faixas em inglês com a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) foram o toque surreal da manifestação da Avenida Paulista, para que o mundo se convença de que o povo brasileiro, além de falar inglês, apoia o golpe.

Mesmo tendo tido menos gente nas ruas do que o governo previu — Bolsonaro chegou a falar em dois milhões de pessoas —, as manifestações em todo o país, principalmente em São Paulo e Brasília, tiveram muita gente, mas nada que surpreendesse, já que as pesquisas de opinião mostram que, dos pouco mais de 55% que o elegeram em 2018, Bolsonaro ainda mantém hoje cerca de 25%. O caráter claramente golpista foi reforçado pelo próprio presidente da República, que, em seu discurso, deu um ultimato ao presidente do STF, Luiz Fux, para enquadrar os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso, ou pedir para sair.

Vera Magalhães - Falta vacina para conter Bolsonaro

- O Globo

Os remédios da Constituição de 1988 podem ser eficazes para evitar que Jair Bolsonaro dê um golpe de qualquer dimensão ou natureza, mas não são suficientes para removê-lo do posto diante de suas diárias e cada vez mais diretas ameaças à própria existência da democracia. O que nos leva à possibilidade real de termos de conviver por um ano e três meses com esse caos provocado única e exclusivamente pelo presidente da República, caso alguns atores não sejam instados a mudar sua conduta.

Falta ao nosso ordenamento jurídico uma vacina, o tipo de rito que permita conter de forma mais clara e rápida esse tipo de golpismo do século XXI, de que o presidente brasileiro é um expoente cada vez mais peculiar, porque tanto bebe das fontes internacionais quanto passa a ser visto como case a inspirar outros aprendizes de ditadores, pelas dimensões e pela importância estratégica do Brasil.

O impeachment, tratamento clássico para crimes de responsabilidade e para momentos em que governos se mostram disfuncionais, não é uma opção concreta no momento, mesmo diante da exorbitação de todos os limites cometida por Bolsonaro em seus dois discursos neste 7 de Setembro de conformação antidemocrática.

Arthur Lira é cúmplice dos sucessivos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro não só contra os demais Poderes, mas também no enfrentamento da pandemia. Só deixará de ser conivente se houver uma pressão tremenda de todos os partidos do Centrão, grupo que coordena à base de dinheiro público na veia. Como ainda não cessou a fonte de recursos, inútil contar com isso.

Elio Gaspari - Há três setes na mesa dele

O Globo / Folha de S. Paulo

Bolsonaro está sem rumo

Se Donald Trump tinha um plano para a insurreição de 6 de janeiro, durou cerca de seis horas. Se Bolsonaro tinha o seu plano para o 7 de Setembro, durou menos de quatro horas. Às 11h43, ele anunciou a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para que, e lá pelas 15h o Palácio do Planalto informou que a reunião estava esquecida.

No seu discurso matutino, Bolsonaro mostrou-se desorientado. Referindo-se ao ministro Luiz Fux, ele disse: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. A frase não faz sentido. O presidente do Supremo não tem poder para “enquadrar” a Corte. (A menos que Bolsonaro esteja fazendo fé na faixa preta de jiu-jítsu de Fux.) Também não tem sentido o “sofrer aquilo que não queremos”. Primeiro, porque falta dizer o que “queremos”, depois porque falta explicitar o que significa “sofrer”. À tarde, Bolsonaro fulanizou sua carga contra o ministro Alexandre de Moraes: “Ou ele se enquadra ou pede para sair”. Não disse como, nem por quê. Também não explicou o mecanismo legal que poderá livrá-lo de Moraes.

Hoje, ao chegar ao Planalto, Bolsonaro não terá na agenda a tal reunião com o Conselho da República, mas lá estarão os três setes que assombram o Brasil no seu 199º ano de existência:

O litro da gasolina a R$ 7, com a inflação e os juros arriscando chegar a 7%.

Isso para não falar nos 14 milhões de desempregados num país que rala em pandemia que já matou mais de 580 mil pessoas. Todos esses problemas exigem que o governo trabalhe. É serviço para formigas, não para cigarras.

Se qualquer dos problemas que estão sobre a mesa de Bolsonaro pudesse ser resolvido tirando Moraes ou qualquer outro ministro do Supremo, eles certamente mandariam as togas para o Planalto. Contudo, no seu discurso vespertino, Bolsonaro pronunciou a palavra mágica de suas ansiedades: “inelegibilidade”.

Bernardo Mello Franco - O dia nacional do golpismo

O Globo

Depois de se apropriar dos símbolos nacionais, Jair Bolsonaro conseguiu sequestrar o Dia da Independência. O capitão transformou o 7 de Setembro numa data nacional do golpismo. Coloriu as ruas de verde e amarelo para incitar a desordem e ameaçar a democracia.

Apesar do isolamento político, o presidente mostrou que ainda é capaz de mobilizar uma minoria barulhenta. Gente disposta a se embrulhar na bandeira do Brasil para defender medidas de exceção, como a prisão de opositores e o fechamento do Supremo.

Na mira de quatro inquéritos, Bolsonaro voltou a cometer crimes de responsabilidade em praça pública. Em Brasília, afirmou que o tribunal tem duas alternativas: “entrar nos eixos” ou “sofrer aquilo que nós não queremos”. Em São Paulo, chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e disse que não cumprirá suas decisões.

Em outra cena de golpismo explícito, ele repetiu que não aceitará o resultado das urnas sem o voto impresso. “Eu não posso participar de uma farsa, como essa patrocinada ainda pelo presidente do TSE”, afirmou, em novo ataque ao ministro Luís Roberto Barroso.

Malu Gaspar - O xadrez que pode levar ao impeachment de Bolsonaro

O Globo

O silêncio no zap das autoridades em Brasília depois do discurso de Jair Bolsonaro indicava que o que tinha acabado de acontecer havia mexido com os cálculos políticos de todos eles. Indicava, também, que vai começar uma nova etapa na longa crise vivida pelos poderes. Mas, para saber se ela será capaz de levar ao impeachment, vai ser preciso ver como os líderes do Judiciário e do Congresso, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vão se entender nos bastidores.

Os magistrados interpretaram o discurso da Paulista como um ataque não a alguns ministros, mas ao próprio Judiciário. "Ou tiramos ele, ou ele implanta a ditadura", me disse um interlocutor dos togados.

Todos sabem, porém, que a saída não se dará por canetada de juiz e sim pela política. Para isso precisam de Lira, que nunca teve interesse em afastar Bolsonaro. Pelo contrário. Cada pedido de impeachment só amplia seu poder. Sua cota bilionária do orçamento secreto é a expressão mais concreta disso.

É verdade que desde 2020, quando Bolsonaro anunciou no QG do Exército que "acabou a patifaria, agora é o povo no poder", sua situação se deteriorou bastante. Naquela época, o empresariado ainda o apoiava, a inflação não era um problema e a pandemia não havia matado mais de 580 mil pessoas.

Míriam Leitão - No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado

O Globo

A alguns interlocutores de sua confiança, o presidente Bolsonaro havia prometido usar dois tons nos discursos. Seria mais forte em Brasília e menos em São Paulo. Fez o oposto. Foi beligerante nos dois, mas muito mais em São Paulo. O radicalismo assustou até aqueles políticos que pensavam ser possível montar uma ponte entre o presidente e os outros poderes. Por isso o MDB falou em impeachment, o PSDB tenta superar suas divisões para defender o impedimento, o PSB, desde a véspera, já não descartava essa hipótese. Nos bastidores da política, PP, PL e Republicanos estão se queixando muito das atitudes do presidente. “E essas queixas são o primeiro passo” — afirmou uma fonte política. Uma fonte militar me disse: “O tom foi muito além do necessário, não se faz uma Nação avançar na anarquia.” No fim do dia, Bolsonaro estava mais isolado.

Uma autoridade definiu os eventos com uma expressão forte, que preciso compartilhar com os leitores. “Ele deu uma despirocada.” Se por um lado houve quem concluísse que “uma pessoa que coloca tanta gente na rua não pode ser menosprezada”, por outro, foi constante a crítica à histeria do presidente, como na parte em que disse que não cumprirá ordem do ministro Alexandre de Moraes. “Isso beira um perigo muito maior.” O delirante anúncio da reunião do Conselho da República provocou deboche. “Foi a reunião Porcina”, ironizou um membro do Conselho.

A área econômica esperava que a manifestação fosse grande, pacífica e permitisse o plano do dia 8: encontrar canais de diálogo para a pauta da economia. Agora tudo ficou emperrado. E na Faria Lima a elite econômica se afastou mais um pouco do presidente.

Zeina Latif - Dois erros não fazem um acerto

O Globo

No pós-pandemia, o Brasil terá desemprego estrutural. E a solução não virá de um presidente que estimula a cizânia e ataca a democracia

A pandemia da Covid-19 não gerou apenas o aumento do desemprego no mundo, mas, provavelmente, também a elevação do desemprego estrutural — aquele que persiste mesmo quando a economia funciona bem ou está em seu equilíbrio. Esse conceito está, em parte, associado à qualidade da mão de obra: um país com baixo capital humano em relação às exigências tecnológicas tende a ter desemprego estrutural mais elevado.

O isolamento social estimulou o uso de tecnologias digitais e de automação. Muitas delas não aumentam a produtividade do trabalho, mas sim substituem a mão de obra, principalmente a de baixa qualificação. A consequência é que, passada a pandemia, a taxa de desemprego não voltará ao patamar pré-crise.

A perspectiva de que o setor de serviços será um grande propulsor do emprego, com o fim do isolamento social, tende a se mostrar otimista, mesmo que sua volta seja rápida — o que tem sido fonte de questionamento, aqui e no mundo, pois as mudanças de hábito tendem a encolher as atividades que dependem de aglomeração.

A situação é mais desfavorável em países emergentes, com menor capital humano. Os impactos sociais também são maiores, pois atividades de menor qualificação são oportunidade e porta de entrada para muitos no mercado de trabalho.

Opinião do dia – Antonio Gramsci

“Referências ao senso comum e a solidez de suas crenças encontram-se frequentemente em Marx. Contudo, trata-se de referências não à validez do conteúdo de tais crenças, mas sim à sua solidez formal e, consequentemente, à sua imperatividade quando produzem normas de conduta. Aliás, em tais referências, está implícita a afirmação da necessidade de novas crenças populares, isto e, de um novo senso comum e, portanto, de uma nova cultura e de uma nova filosofia, que se enraízem na consciência popular com a mesma solidez e imperatividade das crenças tradicionais.”

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, 4ª edição, v.1, p. 118, Civilização Brasileira, 2006

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O dia seguinte

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro exibiu ontem exatamente o que tem mostrado desde o início do mandato: sua irresponsabilidade e seu isolamento político

O presidente Jair Bolsonaro exibiu ontem exatamente o que tem mostrado desde o início do mandato: sua irresponsabilidade e seu isolamento político. Tratadas nas últimas semanas como prioridade nacional pelo Palácio do Planalto, as manifestações bolsonaristas do 7 de Setembro serão interpretadas pelo presidente como a prova de que o “povo” o apoia, mas um presidente realmente forte não precisa convocar protestos a seu favor nem intimidar os demais Poderes para demonstrar poder; apenas o exerce. Assim, Bolsonaro reiterou sua fraqueza, já atestada por várias pesquisas que indicam o derretimento de sua popularidade.

Os atos – que configuraram evidente campanha eleitoral antecipada, bancada parcialmente com recursos públicos – revelaram também que, depois de tantas ameaças proferidas, Jair Bolsonaro já não tem muito mais o que falar de novo a seus seguidores. Ontem, chegou a dizer que convocaria o Conselho da República, órgão previsto na Constituição para consulta sobre “intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio”, além de “questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas” (art. 90).

“Amanhã, estarei no Conselho da República, juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir”, disse Jair Bolsonaro, em seu dialeto trôpego. Os três presidentes citados, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, disseram desconhecer a tal reunião. Como é de seu feitio, Bolsonaro trata assunto sério de forma leviana.

Poesia | Graziela Melo – Os sons da alma

Pardos dias

que se vão

ao longo

do meu viver,

 

o entra

e sai

da agonia,