sábado, 11 de setembro de 2021

Ascânio Seleme - Desculpas não inocentam

O Globo

Qualquer movimento que tente serenar as coisas tem que ser visto positivamente. Mas o correto a se fazer, a solução definitiva, será processar, julgar e afastar Bolsonaro das suas funções

A carta de desculpas de Jair Bolsonaro ressalta o enorme esforço feito pelos que querem tão somente que a vida política volte ao normal. O objetivo é claro e até digno. Ninguém suporta mais ouvir os berros idiotas do presidente. Sua retórica antidemocrática passou do limite. Por isso, qualquer movimento que tente serenar as coisas tem que ser visto positivamente. Mas o correto a se fazer, a solução definitiva, será processar, julgar e afastar Bolsonaro das suas funções, além de cassar por oito anos os seus direitos políticos. Pedido de desculpas não inocenta criminoso. E Bolsonaro cometeu mais de um crime no dia 7 de setembro.

Perdoá-lo seria como soltar o curandeiro João de Deus se ele pedisse desculpas às dezenas de mulheres que violentou. O pedido de perdão feito na carta pacifica os espíritos, mas não apaga os crimes de responsabilidade perpetrados pelo presidente. Eles são muitos, se multiplicam a cada fala de Bolsonaro e chegaram ao ponto sem retorno nos discursos que proferiu nas manifestações da Esplanada dos Ministérios e da Avenida Paulista. Desculpar a incitação que fez a milhares de pessoas contra o Supremo apenas dará a ele a chance de voltar logo adiante ao ataque.

É tolice imaginar que Bolsonaro parou, que não vai recrudescer. Na primeira live pediu “uns dois dias” aos fanáticos que o seguem e voltou a atacar a urna eletrônica. O presidente não sabe fazer outra coisa. Ele não resistirá. De outro modo, como vai continuar manipulando seus zé trovões? Como vai olhar nos olhos dos três zerinhos? Aliás, um dos objetivos da ira presidencial contra Alexandre de Moraes era exatamente por medo de ver preso um dos seus filhos. E como se explicará aos weintraubs, damares e olavos da sua entourage? Não, caro leitor, Bolsonaro não virou bonzinho. Não acredite nele, você vai quebrar a cara.

Pablo Ortellado - Bolsonaro teme ser preso

O Globo

No discurso no 7 de Setembro na Avenida Paulista, Bolsonaro repetiu que vê três alternativas para o futuro: ser preso, ser morto ou conseguir a vitória. Podemos pensar que se trata de mais um arroubo retórico do presidente, mas temos motivo para supor que ele realmente acredita que seu horizonte está limitado a esses três cenários. E, se realmente teme ser preso, Bolsonaro não passará pacificamente o poder ao vencedor das eleições de 2022.

Alguns otimistas acreditam que uma boa gestão das crises causadas pelo presidente poderá nos conduzir até janeiro de 2023 sem maiores traumas. De crise em crise, Bolsonaro seria contido, ora pelo Congresso, ora pelo STF, até ser obrigado a reconhecer uma derrota eleitoral, ainda que tacitamente, como fez o presidente americano Donald Trump. Este não aceitou o resultado das urnas e afirmou até o final que as eleições americanas foram fraudadas, mas fez as malas e saiu pacificamente da Casa Branca.

Há, porém, uma diferença importante entre a situação de Trump e a de Bolsonaro. Este teme — e com razão — ser preso ao sair do Palácio do Planalto.

Trump também tinha problemas com a Justiça, acusado de ter compactuado com a interferência russa nas eleições de 2016. Mas a gravidade das acusações e a força das evidências contra Bolsonaro não se comparam às que havia contra Trump.

Carlos Alberto Sardenberg - Falsa impressão

O Globo

À primeira vista, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, matou a charada. Conforme registramos aqui na semana passada, Paes acreditava que não aconteceria nada no 7 de Setembro. Muito barulho de um bando de irresponsáveis e ignorantes — e só.

É verdade que não foi propriamente só barulho. Os caminhoneiros bolsonaristas interromperam estradas, provocaram algum desabastecimento, acharam que o golpe estava em curso, mas recuaram, entre perplexos e atônitos, depois da carta à nação escrita por Temer e assinada por Bolsonaro.

De todo modo, voltaram para casa. E os bolsonaristas se dividiram entre os que dizem “confiem no capitão” e os que se decepcionaram. Afinal, na quinta-feira, o chefe deles arregou duas vezes. Primeiro, na reunião do Brics, elogiou a China por seus esforços na confecção da vacina. Depois, divulgou a carta em que chega perto de pedir desculpas ao STF e, em particular, ao ministro Alexandre de Moraes — chamado de canalha apenas 48 horas antes.

Carlos Góes - O custo Bolsonaro

O Globo

Um presidente que gerenciou uma tragédia econômico- sanitária e que gera incerteza ao abrir a boca é péssimo para a economia

Esta coluna é para você que se preocupa, antes de tudo, com os rumos da economia brasileira. Meu objetivo é convencê-lo de que, mesmo que você só se preocupe com isso, este governo faz mal à economia e ao ambiente de negócios brasileiros.

É o custo Bolsonaro: tudo o mais constante, há menos crescimento, menos produção e menos produtividade com Bolsonaro no poder. Comecemos pelo curto prazo. Em tempos extraordinários como os que vivemos, política sanitária é política econômica.

As perdas econômicas ocorridas ano passado são indissociáveis da crise sanitária: países com mais mortes per capita também tiveram mais perdas inesperadas de atividade econômica. O anverso desta mesma moeda é que, do ponto de vista puramente econômico, vacinas devem ser vistas como investimento.

O governo Bolsonaro falhou na gestão da crise sanitária e, por consequência, prejudicou também a economia.

No lugar de buscar alternativas para minimizar mortes e adaptar a atividade econômica a práticas seguras, com o uso de máscaras, o presidente decidiu brigar com governadores que estavam tentando fazê-lo. No lugar de priorizar a compra de vacinas, que poderiam acelerar a normalização da economia brasileira, o governo rejeitou pelo menos seis ofertas da Pfizer..

É importante notar que essas são perdas econômicas irrecuperáveis. Mesmo que os indicadores de atividade se recuperem, o PIB mede um fluxo produtivo. O valor que deixou de ser gerado por causa das trapalhadas sanitárias do governo já não será gerado. Está na conta do custo Bolsonaro.

Oscar Vilhena Vieira* – A intolerável independência do STF

Folha de S. Paulo

Assim como agressor de mulher, bolsonarismo vê na independência do STF uma postura intolerável

Tem se tornado cada vez mais corriqueiro culpar o Supremo e a conduta de alguns de seus membros pelos ataques que recebem de Bolsonaro e seus apoiadores. Da mesma forma que agressores de mulheres buscam justificar os seus atos violentos a partir da conduta pretensamente inapropriada das vítimas, o bolsonarismo vê na independência do Supremo uma postura intolerável que merece ser “enquadrada”.

Não há dúvida de que o tribunal comete erros, bem como as condutas de alguns de seus membros são passíveis de crítica e reprovação. Assim como o Congresso, os partidos, as Forças Armadas, a imprensa, as igrejas, as empresas ou as universidades, o Supremo também erra. E esses erros só poderão ser corrigidos se forem objeto de constante escrutínio da sociedade. Logo, criticá-los é fundamental para quem acredita na capacidade de uma sociedade aberta e democrática de aperfeiçoar suas instituições.

O fato, porém, é que os ataques de Bolsonaro e de seus aliados ao Supremo parecem decorrer mais de acertos do que de erros do tribunal. Mais de suas virtudes do que de seus vícios. Não falo aqui em virtudes no sentido de moral individual, mas da capacidade institucional do tribunal de cumprir o seu papel no sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição.

Hélio Schwartsman – Vinte anos de guerra ao terror

Folha de S. Paulo

Parece lícito concluir que a reação dos EUA ao 11 de Setembro foi exagerada

Vinte anos atrás, em 11/9, a rede Al Qaeda lançou uma série de ataques aos EUA, que responderam declarando guerra ao terror. Para vingar as 2.977 vítimas e prevenir novos atentados, os americanos invadiram o Afeganistão e, depois, o Iraque, dando lugar a duas longas ocupações que deixariam centenas de milhares de mortos. Os custos dessas duas intervenções se contam em trilhões de dólares e pode-se argumentar que os EUA saíram derrotados em ambas.

A guerra ao terror também introduziu novas medidas de segurança que complicaram a vida de milhões em todo o mundo, de passageiros de avião a imigrantes. Por estímulo ou exigência dos EUA, vários países ficaram mais perto de tornar-se Estados policiais, relativizando as garantias fundamentais e o direito à privacidade. A própria geopolítica dos EUA foi reorientada, o que, segundo alguns analistas, abriu caminho para Pequim converter-se na potência que hoje rivaliza com Washington.

Cristina Serra - Temer e a proteção a Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Bolsonaro vai continuar latindo aqui e ali, porque é o que sabe fazer

O país parou com medo de um golpe no 7 de Setembro. Sob o comando do líder ensandecido da seita e com patrocínio do agronegócio, caminhões e tratores reluzentes substituiriam tanques. Caminhoneiros estariam no lugar de "um soldado e um cabo". Eis que no fim do feriado um cheiro de impeachment exalou de redutos até então considerados seguros e o alarme tocou.

Foi a deixa para Michel Temer voltar aos holofotes com seus trejeitos de ilusionista e artifícios de golpista. Como já escrevi aqui, o golpe foi em 2016, contra Dilma Rousseff. Desdobrou-se em 2018 e agora assistimos a uma nova reacomodação de tensões entre as mesmas forças que disputam o butim desde a ruptura travestida de legalidade cinco anos atrás.

Alvaro Costa e Silva - Próximos capítulos da farsa

Folha de S. Paulo

Assinada por Bolsonaro, mas com digitais de Temer, carta de recuo é enganação

Depois dos atos antidemocráticos no Dia da Independência, caminhoneiros bolsonaristas, muitos dos quais a soldo de empresários do agronegócio, resolveram bloquear as estradas do país. Até quinta-feira (9), mais de cem caminhões continuavam a ocupar a Esplanada dos Ministérios, tentando a derrubada da proteção ao STF, maior alvo dos “protestos”. Para eles, o preço do litro de gasolina ou do tomate na feira não importa. Querem o que o presidente sempre quis: um país fora de controle e uma justificativa para o uso da força.

Em estilo delirante, dopados por mensagens de celular, os caminhoneiros curtiram sua frustração —o número de manifestantes no Sete de Setembro ficou aquém da expectativa— fazendo terrorismo e preparando o cenário para os próximos capítulos da farsa.

Demétrio Magnoli - Política como blefe

Folha de S. Paulo

Lira, Pacheco e Fux têm o dever de ativar a máquina do equilíbrio de Poderes

Jair Bolsonaro transformou o 7 de Setembro em Dia do Blefe. Diante de seus apoiadores, em Brasília, anunciou a convocação, para a manhã seguinte, do Conselho da República. Líderes corajosos falam claramente, para o bem ou para o mal. Líderes covardes que se julgam espertos falam por senhas.

A mensagem implícita do presidente era que ele preparava a decretação do estado de sítio. De fato, ele nem mesmo convocava o Conselho de República: um blefe embrulhado no celofane de uma farsa.

O Conselho de República compõe-se do presidente da República, de seu vice, do ministro da Justiça, dos presidentes da Câmara e do Senado, dos líderes da maioria e da minoria nas duas Casas e de seis cidadãos indicados pelo Executivo e pelo Congresso. Bolsonaro não havia convidado nenhum deles para a reunião que anunciou. A reunião não aconteceu. Era tudo mentirinha, uma farsa infantil.

Nos comícios de Brasília e São Paulo, o presidente farsesco proclamou que, na tal reunião, o presidente do STF, Luiz Fux, seria compelido a “enquadrar” seu colega Alexandre de Moraes. Ocorre que não há representante do STF no Conselho da República.

Entrevista | Antonio Lavareda: ‘Recuo não fará Poderes esquecerem o que passou’

 

Antonio Lavareda, sociólogo e cientista político 

‘Partidos e Judiciário vão aguardar para ver o quanto dura o Bolsonaro amante da Constituição’, afirma cientista político

Tulio Kruse /O Estado de S. Paulo

O ápice da narrativa antidemocrática do presidente Jair Bolsonaro durante as manifestações do 7 de Setembro produziu um efeito imediato que, na avaliação do sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, pode levar à unidade de seus adversários contra o governo. Segundo ele, políticos e partidos, da esquerda à centrodireita, podem deixar de lado rivalidades para se concentrar na discussão do impeachment.

Para Lavareda, mesmo com o recuo de Bolsonaro – anteontem o presidente divulgou um comunicado em tom conciliador e elogiou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes –, essa mobilização deve permanecer. “Levantada a bandeira branca, os espíritos relaxam em certa medida. Mas não se imagine que os Poderes e os políticos vão simplesmente esquecer o que passou”, disse.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

João Gabriel de Lima - Nossa voz no mundo e as bravatas no carro de som

O Estado de S. Paulo

Hoje o Brasil só ocupa o espaço nobre de canais internacionais com notícias ruins

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro subiu num carro de som para afrontar um ministro do Supremo Tribunal Federal (e depois se arrependeu), as manchetes nos canais internacionais de notícias foram um terremoto na Cidade do México, o incêndio num presídio na Indonésia e as eleições no Marrocos. Como já escrevi neste espaço, emissoras como BBC, Deutsche Welle, CNN, CGTN e Aljazira têm reduzido o Brasil às letrinhas miúdas do gerador de caracteres – onde desfilam os assuntos irrelevantes ou curiosos.

Existem dois Brasis, o das letrinhas e o das manchetes. O interesse internacional sobre nosso país se concentra em dois temas: economia e meio ambiente. Somos manchete positiva quando cuidamos de nossas contas públicas – o que traz recursos para investir na área social – e quando preservamos nossas florestas. Hoje só ocupamos o espaço nobre com notícias ruins: desmatamento na Amazônia e insegurança institucional que espanta investidores.

O Brasil que ocupou o espaço nobre nos noticiários da semana passada nada tinha a ver com brados golpistas na Avenida Paulista. As imagens em que populações tradicionais se manifestavam na Esplanada dos Ministérios, defendendo seu direito à terra, se espalharam pelas emissoras e sites internacionais.

Carlos Melo* - Presidente foi obrigado a dar marcha à ré

O Estado de S. Paulo

Assim como o sapo de Guimarães Rosa, o recuo do presidente Jair Bolsonaro não foi “por boniteza, mas por precisão”. Dito isso, o recuo merece mais atenção e ponderação a respeito. Não é um recuo como tantos outros. As circunstâncias do presidente e do País mudaram nas últimas semanas. Desta vez, Bolsonaro não depende apenas de si ou da condescendência conveniente dos líderes do Centrão. Depende também de seus maiores adversários: as instituições e as leis.

Antes, é preciso limpar essa área. A sempre repetida locução de que, “apesar de tudo, as instituições estão funcionando”, carece de lógica, razão e base conceitual. Asseverou o Nobel Douglass North que instituições garantem a segurança e a previsibilidade, são a base do desenvolvimento econômico e social e, para isso, se antecipam a problemas previsíveis. Tudo o que tem faltado. Funcionassem, a situação do País seria outra. Muitas instituições no Brasil – não todas – parecem divididas: em parte, ocupadas pelo bolsonarismo; em parte como trincheira de resistência aos avanços do primeiro.

Bolívar Lamounier* - O Brasil não é isso

O Estado de S. Paulo

O País que eu e os brasileiros de boa-fé conhecemos sempre entendera o imperativo da paz política

Meus caros leitores e leitoras, a realidade, infelizmente, é esta. Temos na chefia do Estado um indivíduo excluído das Forças Armadas por indisciplina, que se compraz em posar para fotografias fazendo gracinhas com armas de fogo de grosso calibre, e que, a fim de se reeleger em 2022 ou implantar um regime de exceção, não hesitará em convulsionar o País.

Isso não é o Brasil que cedo conheci e aprendi a amar e esse não é um modelo aceitável de presidente da República. O Brasil que conheci em tempos mais felizes não é este sob o qual estamos atualmente encangalhados. O Brasil de Jair Bolsonaro consegue ser pior que o retratado em grande parte de nossa historiografia, que, por sua vez, serve de farto alimento para novelas e comédias, na qual a formação do Estado brasileiro é representada como pura farsa. A própria Constituição de 1824 é geralmente pintada nessas cores, como se passar da tirania colonial para uma tirania caudilhesca pudesse ter sido uma solução superior à passagem ao Estado constitucional, rapidamente implantado, não obstante todas as precariedades da época.

O Brasil que conheci optou, desde os primórdios, por uma Constituição liberal, com os olhos fitos num futuro democrático-representativo, cujos dirigentes compreendessem a importância da separação e da harmonia entre os Poderes, valorizassem a liturgia a que os Estados constitucionais têm recorrido ao longo dos séculos como modelo de comportamento para as autoridades públicas e tivessem na alma a devoção a uma verdadeira polis, vale dizer, à sagrada missão de manter a vida em comum dentro de padrões ordeiros e civilizados.

Marcus Pestana* - Um Novo Rumo para o Brasil

A liberdade e a democracia são valores universais, inegociáveis e imprescindíveis. A liberdade é pilar essencial da natureza humana. É de certa forma surpreendente e inacreditável que num país que vivenciou uma pandemia com quase 600 mil mortes; esteja assistindo a inflação sair de controle, com a perda do poder de compra dos assalariados; tenha milhões de desempregados, desalentados, subempregados e miseráveis; enfrente uma monumental crise hídrica e energética; veja a tênue recuperação da economia ir pelo ralo; e ao mesmo tempo, testemunhe uma manifestação de cerca de dois milhões de brasileiros indo às ruas em torno de uma pauta exótica, descolada do mundo real, pedindo o impeachment do Ministro do STF, Alexandre de Moraes, e o reestabelecimento do voto impresso, questão já decidida pelo Congresso Nacional.

Nossa democracia experimenta o mais longo período de existência em toda a história do Brasil. São trinta e sete anos. A democracia brasileira contemporânea tem suas raízes na resistência democrática, na luta pela Anistia, na Campanha das Diretas, na vitória de Tancredo e na Constituição de 1988. Um dos mais belos discursos pronunciados no Congresso certamente foi o de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de outubro de 1988, na promulgação da nova Constituição, cheia de ensinamentos úteis para o grave momento que vivemos. As novas gerações deveriam resgata-lo e lerem com atenção cada linha.

Cristovam Buarque* - Espantos brasileiros

Correio Braziliense

Durante 350 anos, os estrangeiros se espantaram com a escravidão e com o fato de os brasileiros não se espantarem com o tratamento dado aos escravos. Se um visitante comentasse o assunto, o brasileiro branco diria: “São negros”. Passados 133 anos da Abolição, se algum estrangeiro comenta a má educação recebida por alunos das escolas públicas, ouve como resposta: “São pobres”.

Espanta os turistas como em nossas praias convivem banhistas ao lado de trabalhadores servindo sob o sol e sobre a areia, vendendo o que a moderna indústria oferece. Se o visitante estrangeiro disser “vocês ainda mantém privilégios do tempo da escravidão”, os brasileiros respondem: “Mas precisam desse trabalho para sobreviver”. Os escravos também. Ao voltar do século XIX ao século XXI, o visitante pensaria que a escravidão continua como se as algemas fossem invisíveis.

José Casado - O espetáculo do confronto terminou na rendição de Bolsonaro

Revista Veja

A guerra de Bolsonaro durou menos de 24 horas. Escolheu recuar, para salvar o mandato. Nada de novo: fez isso várias vezes, como militar e deputado federal

Jair Bolsonaro esgotou sua presidência no espetáculo do confronto. Tenta agora salvar os 14 meses de mandato que lhe restam.

A “Declaração à Nação” de ontem é uma confissão, um desmentido público para uso em processos judiciais no futuro.

É, também, um recuo, um pedido formal de trégua imediata, de alguém que percebeu as consequências de rasgar a Constituição no confronto com o Judiciário, recusando-se a cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal — como enunciou nas ruas de Brasília e de São Paulo, no dia da Independência. Crimes de responsabilidade são puníveis com a perda do mandato.

Prisioneiro do próprio tumulto, viu-se diante de um dilema: cumprir o que anunciara significava a sandice de cometer um crime e arriscar o mandato; recuar era aceitar o risco do descrédito, da desmoralização entre seus partidários.

A guerra de Bolsonaro durou menos de 24 horas. Ele escolheu recuar, surpreendendo os mais fiéis aliados, que entenderam como uma capitulação, ou rendição sem resistência no campo de batalha.

 “Nunca tive nenhuma intenção de agredir os Poderes”, diz na abertura da “declaração” de ontem. É variação de outra (“Não tenho qualquer intenção de fazer”) que escreveu numa noite de outubro de 34 anos atrás, ao renegar a autoria de um plano terrorista de explosão de bombas na Vila Militar, no Rio, a pretexto de pressionar o governo José Sarney por aumento na remuneração dos soldados.

Dora Kramer - A volta do cipó

Revista Veja

O STF está em estado de alerta máximo e mobilizado para reagir com algo mais que palavras duras à escalada de provocações do presidente da República

Mais que preocupado, o Supremo Tribunal Federal está em estado de alerta máximo e mobilizado para reagir com algo mais que palavras duras à escalada de provocações do presidente da República daqui até as eleições de 2022. Afrontas agravadas pelos discursos do 7 de Setembro.

No radar do tribunal, unido como nunca esteve por obra das agressões de Jair Bolsonaro, está a hipótese de tomar a iniciativa de enviar à Câmara, com todo o seu peso institucional e sem passar pela Procuradoria-Geral da República, um pedido de impeachment contra o presidente se ele concretizar as ameaças de não cumprir decisões judiciais.

Bolsonaro fez essa ameaça de duas formas: ao indicar em declarações públicas que pode atuar fora dos limites da Constituição “se for necessário” e por meio de recados que há algum tempo vem fazendo aos ministros. Daí a convicção da maioria do STF sobre a impossibilidade de ocorrer um recuo do Palácio do Planalto rumo à moderação. Ao contrário, a expectativa é de exacerbação crescente.

Com apoio do colegiado, o presidente do STF, Luiz Fux, já decidiu que não dará mais um passo na direção do diálogo. Se qualquer outra autoridade insistir na proposta de reabrir um canal de conversa, Fux não rejeitará liminarmente, mas vai impor duas condições.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Meia-volta retórica

Folha de S. Paulo

Após fracasso em superar a fraqueza com gritaria, Bolsonaro encena recuo cínico

Depois de uma jornada de exaltações no 7 de Setembro, em que proferiu ameaças golpistas ao Supremo Tribunal Federal, dirigiu ofensas ao ministro Alexandre de Moraes, pregou desobediência à Justiça e anunciou que só deixará morto a Presidência, Jair Bolsonaro divulgou nota na qual afirma que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.

Os excessos, tentou explicar, deveram-se ao “calor do momento”.

Em tom cínico, a meia-volta retórica teve o intuito de salvar do incêndio as pontes que ainda permitem algum tráfego entre a Presidência, os Poderes constituídos e a economia —depois que a tentativa de mostrar força nas ruas só deu em gritaria irracional.

Se Bolsonaro já se encontrava em avançado estágio de isolamento político, após o festival de afrontas que promoveu em Brasília e São Paulo o quadro se agravou.

Com mais ou menos veemência, mas sempre em tom de reprimenda, sucederam-se pronunciamentos contrários à atuação do presidente por parte de autoridades da República. Também vieram à luz palavras de apreensão por parte do setor empresarial.