segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Carlos Pereira* - O barco e o timoneiro

O Estado de S. Paulo

No barco do presidencialismo multipartidário, partidos pivô sempre irão existir. O que muda é o timoneiro

Em regimes presidencialistas é o presidente que é percebido como o responsável pelo desempenho de políticas universais. Isso é consequência direta da distribuição de seus eleitores em todo o território nacional. Portanto, não é crível que o presidente transfira responsabilidade para outros atores políticos se, por exemplo, a inflação sair do controle, se a população não for vacinada, ou se o desemprego aumentar. Da mesma forma, se políticas nacionais apresentam um bom desempenho, é o presidente que tem condições de auferir crédito e benefícios políticos desses acertos.

Por outro lado, os legisladores, por terem uma base eleitoral geograficamente mais restrita e delimitada (no caso brasileiro, os Estados), obtêm maiores créditos e retornos eleitorais principalmente a partir de políticas locais e/ou setoriais que venham a gerar benefícios às suas redes locais de interesse na esfera municipal.

Muitos acreditam que o Centrão desembarcará do governo Bolsonaro por uma questão de sobrevivência eleitoral. Mas, será que a sobrevivência eleitoral desse amontoado de partidos ideologicamente amorfos estaria ameaçada com a queda vertiginosa de popularidade do presidente e o aumento de sua rejeição? Será que apoiar o governo Bolsonaro representaria um “abraço de afogados” para o Centrão?

Marcus André Melo* - Bolsonaro Contrafactual

Folha de S. Paulo

E se não tivesse havido a pandemia nem o legado do clã presidencial com a justiça?

O que teria acontecido com Bolsonaro na ausência da pandemia e dos problemas judiciais do clã presidencial? Os efeitos são distintos, mas estão interligados. A crise sanitária representou, sim, um choque exógeno no sistema político, enquanto o legado de problemas da justiça estava escrito em pedra, embora marcado por incerteza e baixa visibilidade nacional.

A pandemia criou uma janela de atenção sobre o comportamento do presidente, revelando à nação, atônita, um presidente sem qualquer empatia ou liderança em uma calamidade social inédita. No curto prazo, Bolsonaro nem sequer usufruiu da onda de solidariedade aos governantes que a pandemia deflagrou na vasta maioria dos países.

Celso Rocha de Barros – As vias de zero a três

Folha de S. Paulo

Terceira via é difícil enquanto jantar de Temer se satisfizer com Bolsonaro

O debate sobre “terceira via” tem um problema de contagem de vias.

A segunda via é o PT, que conseguiu vencer em 2002 após longo período na oposição.

A via número zero é Bolsonaro, que não quer ganhar eleições. Quer dar golpe de Estado para que a turma que tem dinheiro e armas volte a não precisar fazer concessões para quem não tem nenhum dos dois. Como era antes da democracia.

A maior parte dos candidatos da “terceira via” não está tentando construir uma nova via. Está é tentando reconstruir a primeira, a direita que jogava o jogo da democracia e governou o Brasil nas primeiras décadas da Nova República.

O que impede essa reconstrução é que boa parte da base social da direita —os empresários, os pastores, a classe média tradicional— ainda não desistiu completamente da via, digamos, 0,5.

A turma acha o golpismo de Bolsonarismo meio desnecessário. Mas todo mundo ali gostou da ideia de que dá para ganhar voto de pobre só com igreja, sem essas coisas de Bolsa Família, negros na universidade etc.

Ana Cristina Rosa - Uma mesma nação, muitos Brasis

Folha de S. Paulo

Há a nação dos povos originários, dos trabalhadores, dos pretos e pardos e dos que desfrutam de privilégios e se julgam no direito de tudo

Entre outras coisas, uma nação é definida por suas tradições, costumes e características sociais, políticas e culturais que compõem a identidade do povo. No caso brasileiro, nunca esteve tão claro que somos uma mesma nação na qual coexistem muitos Brasis.

Há o Brasil dos povos originários, que há mais de 500 anos lutam para defender o próprio direito à vida e seus territórios constantemente invadidos, ocupados e explorados ilegalmente.

Há a pátria dos trabalhadores que por mais que se esforcem não conseguem garantir uma vida digna aos seus frente a uma inflação galopante e prestes a alcançar a casa dos dois dígitos ano.

Mirtes Cordeiro* - O amigo Paulo Freire

Falou e Disse

 “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. (Paulo Freire in Pedagogia do Oprimido)

Iniciei a minha vida profissional e política muito cedo, e por isso tive a imensa satisfação de conviver e trabalhar, ao chegar em Pernambuco, com algumas pessoas que muito labutaram na construção da nossa ainda frágil democracia, a exemplo de Paulo Cavalcanti, Miguel Arraes, Paulo Freire e outros, com os quais aprendi que a democracia é um bem inalienável.

Com Paulo Cavalcanti estabeleci uma grande amizade através da vida partidária e da continuidade das conversas nos finais das tardes de domingo em sua casa, lá no bairro de Cajueiro, Recife, onde minha filha ainda pequena se divertia com a presença dos gatos no gramado dos jardins.

Com Miguel Arraes trabalhei durante três anos, após a sua chegada do exílio, em 1979, ele cheio de vontade de fazer deste Brasil uma grande nação, e eu saindo de um mestrado em sociologia, cheia de ideias sobre como transformar a sociedade num ambiente pleno de direitos. Trabalhamos muito para isso, mas essa história ainda vou contar.

Encontrei Paulo Freire pessoalmente quando eu assumia a função de secretária de Educação do município do Cabo de Santo Agostinho (PE). Era o ano de 1986 e o prefeito, um jovem democrata, Elias Gomes.

No entanto o meu contato primeiro com o escritor Paulo Freire foi ainda no Ceará, meu Estado, através do seu livro Extensão ou Comunicação, da editora Paz e Terra. O livro foi escrito no Chile, em 1968, e publicado em 1969. À época eu trabalhava como extensionista rural, num programa desenvolvido com famílias que produziam alimentos através da agricultura familiar, patrocinado pelo governo da ditadura militar.

Bruno Carazza* - As interferências no 5G brasileiro

Valor Econômico

Influência política sobre regulação afeta leilão do 5G

Na contracapa do quarto álbum lançado pelos Beatles, o assessor de imprensa da banda, Derek Taylor, apresentou o disco da seguinte maneira: “Quando, daqui a 20 anos ou mais, uma criança, entendida em música, estiver num piquenique em Saturno, e lhe perguntar quem eram os Beatles (...), não tente explicar tudo sobre os cabeludos e sua turbulência! Basta à criança tocar algumas faixas deste LP e ela logo entenderá tudo”.

Beatles for Sale foi lançado em dezembro de 1964 e se por um lado o jornalista estava correto em antever que a magia dos quatro garotos de Liverpool não sofreria limites de tempo ou espaço, sua previsão quanto ao prazo para a massificação das viagens interplanetárias mostrou-se um imenso fracasso.

Quase sessenta anos depois, a perspectiva de chegada do 5G renova as esperanças de que, num futuro breve, conviveremos com carros autônomos circulando pelas ruas, eletrodomésticos que se comunicam com sites de e-commerce, drones fazendo entregas e robôs assumindo boa parte do trabalho humano na nova indústria 4.0.

Sergio Lamucci - O consumo das famílias e a eleição de 2022

Valor Econômico

Com juros em alta, inflação persistente e nível elevado de endividamento das famílias, o panorama para o consumo privado é pouco animador

As estimativas para o crescimento em 2022 continuaram a recuar na semana passada, com vários analistas passando a projetar uma expansão inferior a 1% para a economia brasileira no ano que vem - para este ano, as apostas estão na casa de 5%. As novas previsões embutem um avanço modesto do consumo das famílias, que responde por mais de 60% do PIB pelo lado da demanda.

A MB Associados, por exemplo, estima um crescimento de apenas 0,4% para o PIB em 2022, projetando uma alta de 0,5% para a demanda das famílias. O Credit Suisse, que tem uma estimativa um pouco menos pessimista para a expansão da economia no ano que vem, de 1,1%, vê o consumo privado avançando 1,5%. Ainda que mais alta que a previsão da MB, esse 1,5% é um número fraco, que evidencia as dificuldades para Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022. Com juros em alta, inflação persistente e nível elevado de endividamento das famílias, o panorama para o consumo privado no ano que vem é pouco animador.

Em 2006, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, a demanda das famílias cresceu 5,3%, acima dos 4% da variação do PIB; em 2014, ano em que Dilma Rousseff ganhou o segundo mandato, o consumo privado avançou 2,3%, uma taxa moderada, mas bem superior ao 0,5% registrado pelo PIB. O ano de 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi reeleito, é uma exceção. O consumo das famílias recuou 0,7%, enquanto o PIB cresceu 0,3%. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), porém, teve alta de apenas 1,65% naquele ano e havia a memória recente do tombo da inflação, devido ao Plano Real.

Fernando Gabeira - Uma pausa para a emergência

O Globo

Neste momento em que a confusão política é menos intensa, observo que, nos grupos que sigo nas redes sociais, há um sério debate sobre o futuro do país. Sinto não participar ativamente por falta de tempo e, às vezes, boa conexão.

Não tem mais validade aquele verso de Drummond: “Ao telefone perdeste muito tempo de semear”. As pessoas estão semeando ideias, e espero que um dia sejam levadas à prática, embora a mediação do mundo político real tenda a neutralizá-las.

De minha parte, se pudesse contribuir agora, tentaria levar mais diretamente ao mundo político a ideia de uma emergência ambiental. Não há trégua nesse campo. Bolsonaro pode, apesar da relutância, aceitar a vacinação, atenuar suas frases no cercadinho, esquecer, momentaneamente, o voto impresso. Mas seu projeto de devastação dos recursos naturais é diuturno, não para nos feriados, nem com bloqueio de caminhoneiros.

Na sua cabeça, não é uma política destrutiva. Pensa na riqueza material, num conceito de progresso. Possivelmente, assim pensava a elite capixaba quando arrasou a Mata Atlântica, processo magistralmente descrito por Warren Dean no livro “A ferro e fogo — A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira”.

Eduardo Affonso - Duas, quatro ou oito linhas

O Globo

Bolsonaro não para de dizer que pretende jogar “dentro das quatro linhas”. Repete isso como quem precisa do apoio de um mantra (no caso, um clichê futebolístico) para disfarçar as vozes da sua cabeça, que o incitam diuturnamente a partir para um rompimento institucional.

Deveria jogar não nas quatro, mas na metade disso — nas duas linhas da Constituição proposta por Capistrano de Abreu, no início do século passado:

“Artigo 1º —Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara.

Artigo 2º —Revogam-se as disposições em contrário.”

Desde que assumiu o cargo para o qual foi eleito por quase 58 milhões de brasileiros, o presidente não fez outra coisa senão descumprir o Artigo 1º dessa (infelizmente) nunca promulgada Constituição.

Ignorou as promessas de campanha (é estelionato eleitoral que chama?). Interferiu na política de preços da Petrobras, não levou adiante a agenda de privatizações, não fez as reformas tributária e administrativa, transformou o combate à corrupção numa batalha sem trégua para livrar a si e à sua família de uma enxurrada de escândalos e, claro, abortou a ideia de acabar com a reeleição.

Antônio Gois - Freire merecia tempos melhores em seu centenário

O Globo

Era uma vez um país em que o ensino público era de qualidade. Crianças iam para a escola para aprender e saíam de lá plenamente alfabetizadas. Havia disciplina, rigor e respeito à autoridade do professor. Mas daí vieram Paulo Freire e seus seguidores e arruinaram tudo, levando à situação em que hoje nos encontramos.

O parágrafo acima é obviamente uma caricatura, mas é triste constatar que não difere muito do típico pensamento da extrema-direita que chegou ao poder no Brasil. Basta lembrar de algumas declarações recentes de Bolsonaro, como a de que “o PT, via método Paulo Freire, nos colocou em último lugar do Pisa” ou que os resultados do Brasil no exame da OCDE são um “sinal de que a política do Paulo Freire não deu certo”.

Antes de falar de Freire, é importante desmentir a falsa tese do passado glorioso da educação brasileira. Na década de 30, como demonstrado pelos trabalhos de Teixeira de Freitas a partir das estatísticas de época, mais da metade das crianças que se matriculavam no primeiro ano do antigo ensino primário (hoje ensino fundamental) eram reprovadas e não avançavam à série seguinte.

É a partir da década de 60 que Freire começaria a se tornar conhecido no Brasil. Mas, antes de suas ideias terem alguma influência nos corações e mentes de professores, o quadro geral do ensino continuava trágico. Otaíza de Oliveira Romanelli, no livro História da Educação no Brasil, mostra que de cada 1.000 alunos que frequentavam o primeiro ano do primário em 1961, apenas 446 sobreviviam ao segundo ano, e somente 64 chegariam em 1972 ao equivalente na época ao atual ensino médio.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mais uma gambiarra

Folha de S. Paulo

Perdido em improvisos, governo eleva e avilta tributo para criar programa social

Não bastassem a inflação em alta e o risco de racionamento de energia, o caos decisório que emana do Planalto se mostra o principal fator de insegurança a minar as chances de retomada econômica.

Com foco nas eleições e tendo abandonado uma agenda econômica consistente, o governo Jair Bolsonaro recorre a sucessivos improvisos, que vão se tornando cada vez mais deletérios e custosos.

O exemplo mais recente é a majoração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de modo a arrecadar R$ 2,1 bilhões até o fim do ano para custear a criação do Auxílio Brasil, o novo programa assistencial que pretende substituir o Bolsa Família, politicamente associado à gestão petista.

Como a lei proíbe o lançamento da iniciativa durante o ano eleitoral e ao mesmo tempo exige que sejam identificadas fontes de receita, a opção do governo foi iniciá-lo a partir de outubro, com o encerramento do auxílio emergencial. A fonte de custeio veio de uma medida tributária que não depende de aprovação do Congresso.

Toda a decisão é errada, a começar pelo desvio de finalidade do IOF, um imposto de natureza regulatória na área monetária e creditícia.

O aumento do custo do crédito para pessoas físicas (de 1,5% para 2,04%) e empresas (de 3% para 4,08%), além disso, vem em péssimo momento, num quadro de endividamento elevado, juros já em alta e economia em desaceleração.