sexta-feira, 1 de outubro de 2021

José de Souza Martins* - Paulo Freire, educador

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Seu sistema era libertador, ao criar condições de que o alfabetizado compreendesse o mundo em sua própria perspectiva, e não como objeto

Neste centenário do educador Paulo Freire, um marco de sua biografia é o acontecimento que ficou conhecido como “As 40 horas de Angicos”, no sertão do Rio Grande do Norte, em 1963. Ali começava uma revolução educacional que se expandiria pelo país, pelo continente e pela África: ensinar adultos iletrados a ler e a escrever em 40 horas. O ensino se baseava no método criado por ele, que alterava profundamente a concepção de alfabetização de adultos.

O modo tradicional de fazê-lo pressupunha que todo analfabeto, independentemente da idade, era infantil. Usava-se com ele ou cartilhas para crianças ou cartilhas infantilizadas, com frases de referência, sem sentido, do tipo “Eva viu a uva”.

Em se tratando de adultos, o método pressupunha que são eles donos de um saber provado na sua experiência de vida. Portanto, a questão era tratar esse saber como um bem social.

A alfabetização começava com a pesquisa da língua e da linguagem das pessoas dos lugares em que ela seria realizada. Em vez de o aluno falar a língua do educador, o educador é que aprendia a língua de quem seria alfabetizado. Na prática, o professor é aluno de seus alunos. Nesse diálogo ele aprende para ensinar, para ser um agente de mediação da universalidade contida no vocabulário, na linguagem e no pensamento de que as palavras são instrumentos.

Fernando Luiz Abrucio* - Não ter “virtù” é a marca de Bolsonaro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Mais do que os mil dias de governo, teríamos que estar discutindo as fontes do atraso que alimentam a visão bolsonarista  de mundo

Ao completar os mil dias de seu governo, Bolsonaro mais reclamou do que comemorou. Para o presidente, se não fosse a pandemia e seus efeitos sociais e econômicos, tudo teria dado certo. Com essa postura, em vez de listar seus feitos e prometer um futuro ainda melhor, seu discurso terminou com uma pérola do anticlímax ao comentar a inflação galopante: “Nada está tão ruim que não possa piorar”. Culpar os outros e o mundo, além de amedrontar o eleitorado com a possibilidade de alguém pior ganhar em 2022, é uma forma de esconder as responsabilidades da Presidência atual pelo buraco em que o país se meteu, o mais profundo desde o fim do regime militar.

O Brasil regrediu em todos os sentidos nos últimos três anos. Primeiro, com pioras econômicas marcantes agora em termos de inflação, desemprego e crescimento. Segundo, com aumento da desigualdade e da pobreza, com o retorno de uma fome que não se via desde antes do Plano Real, há 27 anos. Terceiro, pela destruição das principais políticas públicas brasileiras, como a educação, saúde e meio ambiente, algo que facilitou a morte de quase 600 mil pessoas por covid-19, levou à perda da oportunidade educacional para milhões de crianças e jovens pobres, além de ter ampliado gigantescamente o desmatamento e outros desastres ambientais. Quarto, por meio do fortalecimento de um segmento populacional abertamente autoritário e sectário em termos políticos e culturais, gerando uma verdadeira “Idade Média” no debate, polarizado entre fiéis e infiéis. Por fim, relegando o país a uma situação de pária internacional, que terá impactos geopolíticos e nos investimentos produtivos, processo que atrasa a recuperação do desenvolvimento nacional.

César Felício - Os sócios

Valor Econômico

Bolsonaro fraco dá ao Congresso liberdade para tudo

A fraqueza política do presidente Jair Bolsonaro conta com sócios fora da base do governo. Quem se beneficia ou recebe dividendos sabe que a reeleição no próximo ano parece improvável, o que é um estímulo a buscarem extrair agora tudo que é possível. Um novo presidente, em 2023, seja quem for, irá rediscutir em outras bases a relação do Executivo com o Congresso.

Nesta sociedade, não entram apenas Câmara e Senado, mas também Estados e municípios. Muito se fala das emendas de relator, as famosas RP-9, mas outro mecanismo que ilustra essa debilidade foi instituído em 2019. São as RP-6, as chamadas transferências especiais.

Com autoria da petista Gleisi Hoffmann e relatoria de Aécio Neves, o Congresso aprovou a PEC 105, permitindo que emendas parlamentares de caráter impositivo possam determinar a transferência de verba a Estados e municípios de maneira direta e praticamente sem amarras. Elas não são vinculadas a nenhum programa específico. O prefeito ou governador recebe o montante e está livre para gastar como quiser, desde que deste total 70% vá para investimento e 30% para custeio. Mas nem mesmo essa demonstração foi feita pelos beneficiários.

Claudia Safatle - Bolsa Família pode ser prorrogado

Valor Econômico

O governo ainda não desistiu da aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei nº 2.335, de 2021, que reforma o Imposto de Renda e tributa os juros e dividendos, e negocia com os senadores um pacote de emendas parlamentares. Para não comprometer novos recursos, a área econômica tenta fazer uma redistribuição das emendas do relator.

Como casa dos Estados, o Senado também espera obter alguma medida que atenue a oposição dos governadores ao projeto de lei que, segundo argumentam, continua produzindo prejuízo aos Estados.

A Medida Provisória nº 1.061 extingue o Bolsa Família no início de novembro, para dar lugar ao programa Auxílio Brasil, de maior valor e amplitude (a proposta aumenta de 14 milhões para 17 milhões o numero de famílias beneficiadas), que seria financiado pelo imposto sobre juros e dividendos. Caso o Senado não aprove a tempo o pacote do Imposto de Renda, deixando para o ano que vem sua votação, o governo deverá prorrogar a existência do Bolsa Família.

Bolsonaro tem reprovação de 55%, diz Ipespe

Cristiane Agostine - Valor Econômico

A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato

A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato e 55% consideram a gestão como ruim ou péssima, segundo pesquisa Ipespe, encomendada pela XP e divulgada ontem.

O governo Bolsonaro é visto como bom ou ótimo por 23% dos entrevistados e regular por 18%.

A desaprovação ao governo também bateu novo recorde, de 64%. Na pesquisa anterior, de agosto, era de 63%. A aprovação, que era de 29%, oscilou para 30% e 6% não responderam.

O levantamento do Ipespe mostra um quadro semelhante ao registrado pelo Datafolha entre os dias 13 e 15, com a reprovação recorde de Bolsonaro, de 53%.

Na pesquisa divulgada ontem, a maioria da população apoia o impeachment do presidente neste momento: 51% são a favor e 45% contra. Dos entrevistados, 4% não responderam.

A população tem uma confiança maior nas Forças Armadas (58%), na Igreja Católica (57%) e na imprensa (38%) do que no presidente da República (33%). A instituição com melhor avaliação é a ONU, com a confiança de 59%. Em último lugar na escala estão os partidos políticos, com apenas 9% da população declarando confiança.

Vinicius Torres Freire - Lula e Meirelles contra a Petrobras

Folha d S. Paulo

Ex-presidente e líder liberal culpam lucro de acionistas pela carestia dos combustíveis

Lula da Silva (PT) quer tirar dinheiro da Petrobras para dar a quem consome combustíveis. Henrique Meirelles também. Meirelles é secretário da Fazenda de João Doria (PSDB), foi ministro da Fazenda de Michel Temer e presidente do Banco Central de Lula. Jair Bolsonaro prometeu tirar dinheiro da Petrobras, mas levou uma tunda no mercado e não fez nada. Desde então, promete tirar dinheiro dos estados a fim de aliviar o preço de gás, diesel e gasolina, entre outras patranhas. Meirelles não gostou.

A base do argumento de Lula e Meirelles é a mesma.

Lula: “O que a Petrobras está fazendo é acúmulo de dinheiro para pagar os acionistas... Quem está ganhando com isso são os investidores nas ações...” (foi o que disse à rádio Capital FM, de Cuiabá, na quarta-feira).

Meirelles: “Se queremos controlar o preço da gasolina ou do óleo diesel, é muito simples. É preciso diminuir a margem de lucro da Petrobras. Já está com margem extraordinária e precisa diminuir um pouco a remuneração da Petrobras e dos acionistas”, disse a jornalistas, também na quarta.

Ruy Castro - Tempo de validade expirando

Folha de S. Paulo

Ameaçar, ofender e agredir em turma é fácil, e ainda mais com o chefe sentado no trono

Nesta segunda-feira (27), em Manaus, o ecologista americano Philip M. Fearnside, 74 anos, foi interpelado por um ativista bolsonarista ao denunciar, numa audiência pública, que o licenciamento ambiental para a pavimentação da rodovia Manaus-Porto Velho (BR-319) viabilizará a grilagem e o desmatamento de uma imensa área intocada da floresta. Segundo o repórter Fabiano Maisonnave, o ativista tumultuou a cena aos gritos de “Como é que pode vir um cara lá dos Estados Unidos dizer o que eu vou fazer na minha casa? Essa casa é nossa! Se a gente quiser derrubar todas as árvores, a gente derruba! É nossa!”.

Bruno Boghossian - Bolsonaro errou mais uma

Folha de S. Paulo

Presidente leva arsenal de mentiras a palanques para renovar suspeitas sobre imunizantes

Jair Bolsonaro errou mais uma. No início do ano, o presidente investia contra a vacinação e alegava que "menos da metade" da população estava disposta a se imunizar contra a Covid-19. "É esta a pesquisa que eu faço na praia, faço na rua, faço em tudo quanto é lugar", especulou.

Nesta semana, o país ultrapassou a marca de 50% de adultos e adolescentes vacinados com duas doses ou dose única. Cerca de 85% da população com 12 anos ou mais já recebeu pelo menos uma injeção. Derrotado, Bolsonaro decidiu procurar novas formas de sabotagem na reta final da imunização.

Reinaldo Azevedo - Moro é erro velho do 'Feitiço do Tempo'

Folha de S. Paulo

Na origem da postulação do ex-juiz, está a ideia já testada, com resultados desastrosos, do 'outsider' redentor

Como é? Sergio Moro, em passagem pelo Brasil, vindo dos EUA, onde mora, para decidir se vai se candidatar à Presidência ou ao Senado por São Paulo? Ele sabe onde ficam Dois Córregos ou Botucatu? E se percebe, quase sem exceções, uma imprensa lhana, mansa, condescendente com as suas pretensões. Alguns avançam no terreno do entusiasmo.

“Ah, lá vai o Reinaldo Azevedo pegar no pé de Moro de novo!!!” Conheço essa e outras tentativas de desqualificação desde que, já no fim de 2014, percebi que se preparava, ainda que não houvesse um núcleo organizado para isto, o berço do herói. Como jamais confundi juiz com justiceiro, penso ter feito o meu trabalho e realizado o desiderato de minha profissão. O papel de um juiz é aplicar a lei, não produzir bugigangas ideológicas.

É claro que já foi mais difícil criticar a atuação de Moro. Depois das revelações da Vaza Jato, no notável trabalho jornalístico do The Intercept Brasil, com dados adicionais da Operação Spoofing, as pessoas minimamente comprometidas com o Estado de Direto e com o devido processo legal se deram conta: não era possível coonestar aquelas práticas, a menos que o vale-tudo, em nome de noções solipsistas de justiça, tomasse o Judiciário, e as togas se convertessem em uniformes de milicianos judiciais.

Luiz Carlos Azedo - A desagregação do centro

Correio Braziliense

É cada vez mais difícil o surgimento da chamada terceira via, uma candidatura que unifique o centro político. A fragmentação é muito grande.

Todas as pesquisas confirmam o cenário de polarização para as eleições presidenciais de 2022, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), favorito na disputa, em torno de 40% de intenções de votos, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), cuja reeleição está cada vez mais difícil, com teto nos 30% dos votos. O governador de São Paulo, João Doria, não sai da faixa dos 3% de intenções de votos, como candidato do PSDB. Se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, fosse o candidato do PSDB, também não haveria grande modificação.

O candidato de oposição que aparece com melhor pontuação é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que se mantém em terceiro lugar, variando de 5% a 11%, dependendo da pesquisa. Entretanto, o pedetista não consegue ampliar suas alianças ao centro. A estagnação nas pesquisas eleitorais dificulta a vida de Doria, na medida em que o gaúcho Eduardo Leite corre na mesma faixa, o que aumenta o isolamento interno do governador paulista nas prévias do PSDB.

Eliane Cantanhêde - Corrida aos 51%

O Estado de S. Paulo

Lula une Paes e Molon e faz do Rio laboratório de sua estratégia para 2022

Acorrida eleitoral de 2022 dispara em outubro, com o presidente Jair Bolsonaro investindo no contato direto com a população, o ex-presidente Lula focando nas articulações políticas com governadores e cúpulas partidárias e as forças de centro ainda incapazes de dar cara e corpo ao tão desejado e tão distante candidato de centro.

Bolsonaro passa mais tempo em aviões e palanques do que governando em seu gabinete e pode ser mais visto, fotografado e filmado do extremo norte ao extremo sul do que em Brasília. Inaugura qualquer coisa, em qualquer lugar. O que importa é repetir 2018 e cair nos braços do “povo” – o seu “povo”, diga-se.

Já Lula usa a lábia, o carisma e a experiência para definir um leque de apoios muito além do PT e das esquerdas e que, na prática, não deixa franjas para uma terceira via. Para ele, não basta inviabilizar um nome ao centro; é preciso garantir que o centro e a centro-direita não pulem no colo de Bolsonaro.

Em sua última visita ao Rio, Lula brindou o PT e a esquerda com duas pérolas de pragmatismo. A primeira: “Se há uma coisa que aprendi na política é que você só ganha se tiver 51%, senão perde. Com o que temos aqui nesta sala, não temos 51% e não vamos ganhar”. Tradução: ou a esquerda faz alianças com centro e centro-direita, ou ninguém vai a lugar nenhum, especialmente na principal base eleitoral de Bolsonaro.

Fernando Gabeira - Mil dias rumo ao isolamento

O Estado de S. Paulo

Dias que restam devem confirmar marcha de Bolsonaro para sua real estatura política

No momento em que o governo comemora mil dias e nós lamentamos a morte de 600 mil pessoas na pandemia, creio que a expressão isolamento define a trajetória de Bolsonaro.

Pode parecer inadequado falar de solidão nestes mil dias, sobretudo quando se mobiliza tanta gente como ele. Mas, se consideramos o percurso de um presidente que se elegeu com 57 milhões de votos e hoje é rejeitado pela maioria, vemos como ele perdeu terreno, o que é pior, supondo que estava avançando.

Quando Bolsonaro se elegeu, havia uma visão crítica internacional baseada nas suas declarações sobre violência e suas posições machista e homofóbica. O tempo encarregou de transformar essa desconfiança numa certeza mundial. Em primeiro lugar, as posições negacionistas na pandemia e, logo em seguida, também com grande peso, uma política devastadora no meio ambiente.

Rogério F. Werneck - Affonso Pastore, em grande forma

O Globo / O Estado de S. Paulo

Título do novo livro do economista soa como oportuna conversa de forca em casa de enforcado

Num país infenso às lições da História, sempre pronto a voltar a se fascinar com os mesmos descaminhos desastrosos de sempre, o título do novo livro de Affonso Celso Pastore — publicado pela Portfolio-Penguin, da Editora Schwarcz — soa como indispensável e oportuna conversa de forca em casa de enforcado: “Erros do passado, soluções para o futuro: a herança das políticas econômicas do século XX.”

Com cinco décadas de presença destacada no debate econômico brasileiro, Pastore firmou-se como uma das vozes mais respeitadas do país. O livro cobre amplo e variado leque de questões a que o autor se dedicou com mais afinco, ao longo de sua extensa vida profissional.

Não há aqui espaço para fazer jus ao cuidado analítico revigorado com que Pastore revisita e reexplora cada um desses temas que lhe intrigaram no passado. Não posso mais do que me ater a um sobrevoo seletivo de algumas das questões tratadas, na esperança de que o leitor entreveja, com a nitidez possível, o escopo, a atualidade e a relevância do livro.

Tendo em conta a pujança e as dimensões atuais do agronegócio no Brasil, os mais jovens talvez não saibam que, há não mais que 50 anos, o debate econômico no país ainda estava dominado por grande desalento com as possibilidades de desenvolvimento do setor agropecuário.

Vera Magalhães - Chega de dar palco para maluco

O Globo

A CPI da Covid só foi necessária e se tornou relevante e urgente porque o presidente Jair Bolsonaro promoveu, desde o início da pandemia, uma gestão irresponsável que fez com que o Brasil visse explodir o número de casos e de mortes enquanto atrasava o início da vacinação da população e apostava em tratamentos sabidamente ineficazes.

O rol de revelações da comissão do Senado é estarrecedor, e o saldo de seu trabalho, que só foi possível graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é amplamente positivo.

Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin por meio de atravessadores e com sobrepreço e irregularidades de toda natureza provavelmente não teria vindo à tona.

Da mesma forma, a cronologia do oferecimento insistente de doses de vacinas ao Brasil pela farmacêutica Pfizer, já em meados de 2020, seguido da total falta de resposta e interesse por parte do governo Bolsonaro, foi revelada graças aos trabalhos da comissão do Senado, bem como as tentativas de boicotar a compra da CoronaVac, desenvolvida em parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan.

Flávia Oliveira - A mais degradante das crises

O Globo

Geisa Sfanini, 32 anos, moradora de Osasco (SP), teve 90% do corpo queimado porque, sem gás nem dinheiro, usou etanol para cozinhar. Ela morreu na última segunda-feira, deixou órfão um bebê de 8 meses. Duas vezes por semana, Denise da Silva, 51, viúva, cinco filhos, 12 netos, vai de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, até a Glória, na Zona Sul carioca, para garimpar num caminhão fragmentos de carne bovina em pedaços de ossos e pelanca, mostraram Rafael Nascimento de Souza e Gabriel Sabóia em reportagem no Extra. Os restos descartados por supermercados tinham como destino fábricas de ração e sabão, até a fome levar a população ao desespero e o país ao patamar de miséria do século passado. Dezenove milhões de brasileiros, a maioria negros, estão à míngua, enquanto autoridades dormem, e o presidente da República, impopular como nunca, gasta tempo em campanha antecipada à reeleição.

Ruth de Aquino - Quando os médicos são os monstros

O Globo

Que existem médicos sem ética e desumanos, sabíamos antes da pandemia. Com a Covid-19, ficou claro que alguns não respeitavam a ciência. Mas a CPI sacramentou uma suspeita. A de que médicos, por convicção, ambição, dinheiro ou medo, induziram ao contágio, falsificaram atestados de óbito. E mataram pacientes.

São acusações gravíssimas. Feitas por médicos. Que trabalharam na Prevent Senior, a operadora de saúde especializada em idosos e pacientes com comorbidades. O Brasil hoje sabe, graças ao depoimento corajoso de uma advogada, que a Prevent e Bolsonaro comungavam da mesma estratégia, a de minimizar as mortes na pandemia. 

“Só fracos, doentes e idosos devem se preocupar”, disse Bolsonaro em maio do ano passado. Pouco mais de 24 mil tinham morrido de Covid. “A chuva está aí, vamos nos molhar e alguns vão morrer afogados”. Os mais velhos eram problema da família. “Não pode deixar na conta do Estado. Tem que botar o vovô e a vovó no canto”. Os outros? Fingir normalidade. Sem máscara. Sem isolamento. E com o maldito kit de cloroquina e ivermectina. 

Cristovam Buarque* - Quem tem medo de Tabata Amaral

Blog Matheus Leitão / Veja

Causa repulsa a grosseria de um machista dizendo que se encontrar a Deputada Tabata Amaral na rua vai bater nela; causa indignação perceber militantes que se dizem feministas e democratas não discordarem desta posição, pelo fato de o autor ser do seu partido; é triste constatar a semelhança como funciona o gabinete do ódio da direita e o gabinete do ódio da esquerda: ameaçam e xingam manipulando informações com mentiras, para criar um clima de medo e ódio.

Mas a repulsa, a indignação e a tristeza são sentimentos individuais, sem consequências políticas. Causa preocupação social e política imaginar que os militantes de esquerda se comportam desta forma por discordarem de votos progressistas, democráticos e responsáveis da Deputada Tabata. As agressões à Deputada mostram comportamento antidemocrático e nostalgia de militantes que em vez de arautos do futuro passam a defender o status quo.

Criticam votos por reformas necessárias para desfazer prática populista, que as forças conservadoras de direita ou de esquerda sempre usaram no Brasil, impedindo o país de avançar e fazendo o povo pagar, com inflação e dívida pública, os privilégios de minorias e os investimentos em projetos quase sempre socialmente excludentes. Dizer que os votos da deputada Tabata são contra educação, repete o combate à  abolição da escravidão dizendo que a economia seria prejudicada, ou a luta contra a obrigatoriedade de vacina dizendo que é um instrumento comunista. Nada pior para a educação do que financiar com inflação os gastos públicos que beneficiarão sobretudo às classes privilegiadas, jogando desempregados na miséria e remunerando o empregado, inclusive professor, com o cheque sem fundo da moeda desvalorizada. Obrigando o professor a fazer greves para recuperar perdas de seus salários.

Álbum com inéditas de Aldir Blanc

Nomes como João Bosco, Chico Buarque, Maria Bethânia, Moacyr Luz e Leila Pinheiro estão entre os convidados

Danilo Casaletti / O Estado de S. Paulo

Quando o letrista e compositor Aldir Blanc morreu, em maio de 2020, aos 73 anos, vítima da covid, além da família, ele deixou órfãs figuras da sociedade brasileira que para muitos – jamais para ele – parecem ser invisíveis. Cronista de mão cheia, em suas letras Aldir rendia glórias a trabalhadores rurais, moradores do subúrbio, balconistas, passistas, quilombolas, público da antiga geral do Maracanã, seres divinais das encruzilhadas, mães de santo, camelôs, apontadores do jogo do bicho, mulheres que amam demais, torturados, entre outros. Por outro lado, denunciava torturadores, censores, sogras impertinentes e críticos mordazes.

Apesar da ausência física de Aldir, sua genialidade revive agora no álbum Aldir Blanc Inédito, que reúne 12 letras escritas por ele e jamais gravadas anteriormente. Com capa assinada pelo artista gráfico Elifas Andreato – que mostra a escrita precisa do compositor –, o lançamento está disponível nas plataformas digitais e, em breve, deve ganhar edição física pela gravadora Biscoito Fino.

A ideia do álbum nasceu quando a viúva de Aldir, Mary Lúcia de Sá Freire, procurou a editora Nossa Música, braço editorial da Biscoito Fino, para organizar os guardados do compositor. Por intermédio da cantora e exministra da Cultura Ana de Hollanda a ideia de um álbum chegou à gravadora.

A partir daí, começou o garimpo com parceiros de Aldir para formar o repertório. No estúdio, o pianista Cristóvão Bastos, companheiro do compositor em um de seus grandes sucessos populares, Resposta ao Tempo, canção gravada por Nana Caymmi em 1998, ficou responsável pelos arranjos. O baixista Jorge Hélder foi chamado para a direção musical.

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Vamos brincar de pique-estátua?

A decisão do BioParque da cidade do Rio de Janeiro, as vésperas do 7 de setembro de 2021, de retirar as estátuas de representação de africanos que se encontravam numa exposição no ambiente Savana Africana, é um sinal. Outros foram os incêndios em julho e agosto de 2021, respectivamente, das estátuas de Manuel de Borba Gato (1649-1718) na Avenida Santo Amaro, em São Paulo e de Pedro Álvares Cabral (1467 ou 1468-1520) na Glória, no Rio de Janeiro. Todos nós sabemos que os óculos da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), na Praia de Copacabana, já foram roubados várias vezes. Pior ainda: em fevereiro de 2020, a estátua inteira de dona Rosa Paulina da Fonseca (1802-1873), mãe do marechal Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1897), foi levada da Glória sem deixar vestígios.

As motivações desse conjunto de situações lamentáveis se encontram numa miríade de circunstâncias. Mas as que supostamente envolvem posicionamentos públicos de dita conotação política são as que mobilizam a história como um terreno de disputa hodierna tal como tem se manifestado nesse 2021 e não só. Aqui os passados têm mudado a cada dia. Os passados não têm sido passíveis de reconstituição e tão só sujeitados as narrativas políticas ou não ausentes de compromissos com a busca das verdades.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Sem paliativo

Folha de S. Paulo

No caso Prevent Senior, é preciso apurar responsabilidades e proteger clientes

Com mais de 500 mil clientes, dez hospitais e 3.000 médicos, a Prevent Senior cresceu vendendo planos de saúde de baixo custo a idosos e há poucos meses chegou a ser exibida como exemplo pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), num painel de boas práticas no enfrentamento da pandemia.

A crise atravessada pela empresa desde que se tornou alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investiga as ações do governo na crise sanitária ameaça interromper essa trajetória.

Há uma série de graves acusações a serem esclarecidas —e, se confirmadas, cumpre apurar em que escala se davam tais episódios.

Poesia |Graziela Melo - Becos da vida

Dobrei
os becos da vida
busquei
a infância perdida
no fundo do poço
na escuridão

Fugi do medo
das trevas
palmilhando
as tortuosas
trilhas
da emoção

Lavei
a alma na chuva
sequei
o pranto no vento
na branca
areia da praia
aqueci
o coração
caminhei
de encontro ao sol
espantando a solidão
pois
entre o céu
e a terra
existe um mar de paixão!