quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Merval Pereira - A habilidade de Moro

O Globo

Não há mais a menor dúvida de que o surgimento de Sergio Moro como pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos provocou, no mínimo, um toque de alerta nos até agora favoritos, o ex- presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Os dois se preparam para lutar entre si, cada um achando que o outro é o adversário mais fácil de ser derrotado.

Basta ver que tanto petistas quanto bolsonaristas escolheram Moro como alvo principal da campanha que finge não ter começado ainda, mas está a pleno vapor, comendo etapas num processo acelerado. O PT começou um movimento para garantir a eleição de Lula no primeiro turno, igualando Moro a Bolsonaro, e aí mora o perigo.

Moro virou herói de milhões de brasileiros ao lutar contra a corrupção institucionalizada, enfrentando os poderosos da época, leia-se Lula e o PT. Para esses, Moro como juiz construiu sua reputação e realizou sua grande obra, a Operação Lava-Jato. Com a publicação de seu livro e as várias entrevistas que tem dado, Moro já se mostrou disposto a encarar o grande desafio de enfrentar a campanha de desmoralização que foi armada contra ele, “com Supremo, com tudo”, como pregava o ex-líder de todos os governos Romero Jucá.

Malu Gaspar - Moro é um candidato com pés de barro

O Globo

A intensa movimentação no cenário político nas últimas semanas sugere que a entrada de Sergio Moro (Podemos) na corrida presidencial tem potencial para alterar a correlação de forças na eleição. Mas o crescente interesse pela candidatura também o colocou bem cedo diante da pergunta que o acompanhará enquanto tiver alguma chance no pleito: de que forma Moro lidará com o Congresso, caso seja eleito? Que tipo de negociação o ex-juiz da Lava-Jato pretende fazer com as lideranças de partidos que foram alvo da operação conduzida por ele?

Como pretende convencer os eleitores de que, se eleito, terá mais sucesso do que quando era ministro da Justiça na aprovação de seus projetos? Qual a garantia de que a relação conflituosa entre o ex-juiz e a classe política não paralisará um eventual governo seu (e o país) por mais quatro anos?

Míriam Leitão - O irreconhecível ministro novo

O Globo

André Mendonça estava irreconhecível na sabatina e não apenas pelo novo penteado. Escolhido por ser evangélico e tendo prometido ao presidente orar no início das sessões, defendeu, com argumento até religioso, o Estado laico. Autor de ações contra jornalistas, com base na Lei de Segurança Nacional, garantiu não ter perseguido a imprensa. Tendo chamado de “profeta” um adorador de ditaduras, fez profissão de fé na democracia, como primeira de todas as conquistas. Assim, dissimulando, apresentou-se o candidato a ministro, que, aprovado no fim do dia, ficará por 27 anos no Supremo Tribunal Federal.

Luiz Carlos Azedo - Mendonça julgará os réus com um olho na lei e o outro no Criador

Correio Braziliense

Quando seu nome chegou à mesa de Alcolumbre, era “terrivelmente” evangélico; ontem, na CCJ, pautou-se pela moderação

Ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União, o pastor da Igreja Presbiteriana Esperança André Mendonça teve o seu nome aprovado, ontem, para uma vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), que estava aberta desde a aposentadoria do ex-ministro Marco Aurélio Mello. Em votação secreta, obteve apoio de 47 senadores, seis a mais do que o necessário, contra 32, que votaram contra sua indicação. Mendonça fora sabatinado durante oito horas na Comissão de Constituição e Justiça, que o considerou tecnicamente apto ao cargo por 18 votos a 9.

Relatora da indicação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), evangélica como Mendonça, mas figura de destaque na oposição, teve papel decisivo para aprovação. Ela foi escolhida relatora pelo presidente da CCJ, o senador Davi Alcolumbre, que havia engavetado a indicação por quatro meses, em razão de uma insatisfação com o presidente Jair Bolsonaro. O ex-ministro da Justiça cavou a indicação por Bolsonaro à moda Pazuello (“ele manda, eu obedeço”).

William Waack - Os caciques e o efeito Moro

O Estado de S. Paulo

Candidatura antecipou a corrida e as dúvidas sobre o presidencialismo brasileiro

Os fatos se adiantaram aos cálculos dos operadores políticos e eles tiveram de correr devido ao “efeito Moro”. Previam a largada para as eleições do ano que vem apenas em abril. O “grid” estará completo, porém, ainda antes do Natal – quase meio ano de antecipação, uma enormidade de tempo na política.

O “efeito Moro” se define pela velocidade e abrangência com que um dos competidores alcançou projeção especialmente nos grupos de formadores de opinião. O alarme entre os concorrentes soou devido a um fato do qual já se fala há tempos, mas que esse “efeito” tornou ainda mais evidente.

É a existência ou não de uma mistura (a proporção de combustível e ar no mundo dos motores) pronta para ser incendiada. Trata-se do potencial de voto em busca de quem não seja Lula ou Bolsonaro. A presença dessa larga camada é sabida há meses, e o mérito do “efeito Moro” até aqui foi demonstrar que, aparentemente, essa mistura está mais próxima de reagir à faísca do que se pensava.

Eugênio Bucci* - Inteligência, baratas e poder

O Estado de S. Paulo

O instinto adestrado de sobrevivência do governo que aí está – e está até hoje – assombra o ceticismo científico mais rigoroso

 “Quem quer que já tenha tentado matar uma barata sabe que ela é inteligente.” Assim falou a professora Lucia Santaella. Titular da Cátedra Oscar Sala, no Instituto de Estudos Avançados da USP, a pensadora sabe o que diz. Baratas podem, sim, ser consideradas inteligentes. A seu modo, elas raciocinam, arquitetam táticas de fuga e, no mais das vezes, conseguem escapulir.

Em seu elogio ao tirocínio do esperto inseto que, além de tudo, “avoa”, Lucia Santaella não nos lança uma reles anedota com fins didáticos. Apoiada na semiótica do filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), ela nos traz mais do que uma boutade. Peirce escreveu que “o pensamento não está necessariamente conectado a um cérebro”. Para ele, haveria “pensamento”, igualmente, no “trabalho das abelhas e nos cristais”, isso para ficarmos apenas em poucos exemplos.

Celso Ming - Pandemia e antipolítica

O Estado de S. Paulo

Não foram apenas os mercados que tiveram reações irracionais diante das notícias do aparecimento da variante Ômicron da covid-19. Os governos também operaram mal e continuam operando mal o ataque ao problema – e aí nem estamos falando do brutal negacionismo do presidente Jair Bolsonaro.

A maior irracionalidade continua sendo a falta de cuidado dos governos dos países avançados para com a população dos países mais pobres, que não contam com recursos para garantir a vacinação. E não basta doar vacinas, como alguns governos começaram a fazer. É preciso garantir infraestrutura e logística para administrá-las. Os maiorais do mundo continuam se reunindo no G-7 ou no G-20, mas até agora não foram capazes de definir uma política comum de ataque ao vírus, em quaisquer de suas ondas.

Adriana Fernandes – Depois da PEC

O Estado de S. Paulo

Para chegar a 2023, o governo Bolsonaro vai precisar que a economia reaja

Depois de o governo virar a página para a aprovação da PEC dos Precatórios, grande parte do mundo político de Brasília avalia que não terá nenhum grande projeto da agenda econômica para passar no Congresso, além da votação do Orçamento de 2022, que ficará para o ano que vem.

Qual a grande batalha que sobrará para o governo defender a sua agenda? Fazer pequenas coisas na tentativa de gerar o máximo de credibilidade em curto tempo depois do desgaste das negociações da PEC, que abriu uma crise fiscal com custos para o Brasil.

Qualquer que seja o desfecho final na votação na Câmara, a proposta provocou uma quebra na credibilidade fiscal, que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem chamado de “um preço muito caro para um desvio pequeno” das contas públicas.

Cristiano Romero - Nem “black friday” nem “black fraude”

Valor Econômico

No Brasil, não existe diferença entre preço à vista e a prazo

Tudo pela metade do dobro. Foi assim que batizamos a versão nacional da “black friday”. Na Ilha de Vera Cruz, a solução é rir de nossa compulsão ao fracasso, da consciência de que está tudo errado, porquanto, é assim mesmo. Mas, afinal, por que nos Estados Unidos os descontos de preços são reais e aqui, não?

A “black friday” foi idealizada por lojistas americanos para desovar estoques antes do início de dezembro, mês de compras do Natal. O evento está diretamente associado ao Dia de Ação de Graças (“thanksgiving”, no inglês falado nos EUA e no Canadá), feriado que o Congresso americano fixou na quarta quinta-feira de novembro. A “black friday” é no dia seguinte.

No Brasil, o evento existe desde 2010. Em tese, o objetivo é o mesmo - uma oportunidade para o comércio oferecer descontos e, assim, vender tudo o que houver nas prateleiras e nos estoques com vistas às vendas do Natal, quando tradicionalmente se dá o ápice de consumo nos países onde a população “acredita” em Papai Noel.

Maria Cristina Fernandes - Terrivelmente derrotados

Valor Econômico

Alcolumbre e Bolsonaro são, nesta ordem, os maiores perdedores da aprovação de André Mendonça

Com a tramitação mais longa da história das indicações para o Supremo Tribunal Federal, em relação à qual o presidente da República lavou as mãos, André Mendonça assumirá uma cadeira na Corte com uma dívida já bem amortizada com Jair Bolsonaro. O presidente, por óbvio, vai tentar faturar a aprovação junto a seu eleitorado evangélico, mas pouco fez para obtê-la e ninguém mais do que o novo ministro sabe disso.

Na lista de derrotados com a aprovação de Mendonça, o presidente só perde para o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que só o recebeu horas antes da sabatina. Na segunda-feira, o presidente da CCJ do Senado ligou para um senador do MDB, que se recuperava de uma intervenção cirúrgica, sondando se sua saúde permitiria deslocamento.

Em seguida, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) repetiu o gesto. A preocupação dos senadores com o esforço que o colega faria para estar presente chegou aos ouvidos do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, que, em seguida, ligou para o filho do presidente cobrando-lhe o gesto. Ao avistar o senador emedebista na CCJ no início da sabatina Mendonça não deixou passar a oportunidade de saudar sua presença.

A saudação inopinada, que só foi entendida por meia dúzia naquela sala, além da tímida defesa pública que lhe fez Flávio Bolsonaro revelaram o grau de tensão que precedeu a sessão. O filho do presidente chegou a dizer que o apoio do ex-procurador Deltan Dallagnol deu a Mendonça teria selado sua derrota.

Maria Hermínia Tavares - Lula entre dois mundos

Folha de S. Paulo

O antiamericanismo explica a indesculpável conivência com ditaduras de esquerda

Aplaudido pelas principais lideranças da social-democracia europeia e recebido em Paris como chefe de Estado pelo presidente centrista Emmanuel Macron, Lula definiu em sua recente turnê uma agenda internacional para o país léguas à frente de seu próprio partido e de quaisquer que venham a ser seus adversários em 2022.

No Parlamento Europeu, foi irretocável ao associar o imperativo do combate à crise do clima à redução da pobreza e das desigualdades no mundo. Entrelaçando esses temas —que requerem renovada cooperação multilateral e compromisso com a justiça ambiental—, esboçou o que seria a contribuição específica do Brasil pós-Bolsonaro ao debate dos desafios globais. Ao fazê-lo, mostrou fina sintonia com as vozes do mundo, escandalosamente ausente da retórica governista.

Bruno Boghossian - Mendonça versus Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Qual personagem do ministro vai aparecer para trabalhar no tribunal nos próximos 26 anos?

No governo, André Mendonça fez de tudo para conquistar Jair Bolsonaro. Tentou intimidar críticos do presidente, defendeu comemorações oficiais do golpe de 1964 e sustentou que "os verdadeiros cristãos estão dispostos a morrer" para manter templos religiosos abertos na pandemia. Tamanha sintonia garantiu a ele uma indicação ao STF.

Outro André Mendonça apareceu na sabatina do Senado. Ele disse que só acionou a Polícia Federal contra opositores do governo porque o presidente se sentiu ofendido, afirmou que não há espaço para retrocessos democráticos e se comprometeu com o Estado laico. Com a pirueta, conseguiu um apoio extra para garantir uma cadeira no tribunal.

Thiago Amparo - Bolsonaro vai bem, obrigado

Folha de S. Paulo

Ele avança sua boiada com a porteira aberta deixada pelo Legislativo e STF

Análise política não é pensamento positivo; o analista coloca o ouvido perto do chão para escutar o som da boiada que está a caminho, mesmo que distante, e, veja, nem distante a boiada está. Análise política é como o canário que mineradores levam consigo para dentro da mina: a fragilidade do pulmão do canário é sua fortaleza; esperneia alertando sobre os perigos vindouros.

Bolsonaro vai bem, obrigado. Autocratas precisam se reeleger para matar de vez a democracia, nos ensinam Ortega e Orbán. A queda da popularidade de Bolsonaro é o maior triunfo na mão dos democratas de oposição, os quais, por outro lado, pouco parecem se unir para enfrentá-lo, o que fortalece Bolsonaro. Chapa Lula-Alckmin ajudaria para sinalizar que se trata de uma eleição sobre Bolsonaro, não sobre os demais e suas picuinhas históricas.

Ruy Castro - Um governo de aldrabões

Folha de S. Paulo

Aldrabões, em Portugal, são farsantes, descarados

É raro, mas quando acontece é para celebrar —ganhar um irmão numa palavra. É o que se dá quando descobrimos alguém que usou um termo que um dia aprendemos, adotamos e, como em nosso meio ninguém mais o fazia, passamos a achar de nossa propriedade. Até que a lemos em outrem. Pois é como me sinto agora em relação a Gregorio Duvivier: irmão em aldrabão.

Em sua coluna desta quarta (1°/12), ele se referiu às 100 mil palavras que os portugueses nos trouxeram da Corte, mas reservaram algumas para uso próprio no seu lado do Atlântico. Uma dessas, aldrabão —que, em oito letras, três das quais o a, e um humilde til, define em Portugal o farsante, mentiroso, trapaceiro, impostor, descarado, aquele que comete fraudes, patranhas, aldrabices.

Vinicius Torres Freire –Brasil de portas abertas para o vírus

Folha de S. Paulo

Anvisa, TCU e cientistas pedem a medida; Europa discute obrigatoriedade

As notícias da nova variante do coronavírus causaram agitação ligeira por poucos dias. Interessam menos do que os cancelamentos de Carnaval. O que se fez a respeito?

A importação de vírus velhos ou novos continua quase livre no Brasil. Anvisa e TCU recomendaram a exigência do passaporte da vacina. Países europeus adotam a vacinação compulsória de seus cidadãos ou começaram a discutir a hipótese.

Aeroportos e portos estão abertos às nações amigas que cobram certificados de vacina de gente que chega do Brasil (e de quem não nos cobra também). A gente não liga muito, talvez nem mesmo se sobrevier nova onda de desgraça. Com a epidemia matando solta, em abril, não se tocou no assunto. Estamos "de boas" com o vírus, afora os parentes e amigos dos mortos e das vítimas de sequelas —de saúde, psicológicas, sociais, assunto para o qual pouco ligamos também.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro rasga a fantasia

O Estado de S. Paulo

Presidente agora está no PL, mas consistência partidária nunca foi seu forte

O presidente Jair Bolsonaro oficializou sua filiação ao PL, legenda que compõe o Centrão e é presidida pelo notório ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado pelo Supremo a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito do escândalo do mensalão. Em discurso após o ato que selou seu ingresso no partido comandado por um corrupto condenado, Bolsonaro afirmou estar “em casa”. De fato, havia muitas razões para o presidente se sentir bem acolhido (ver editorial Bolsonaro em casa, publicado em 12/11/2021).

Com a filiação ao PL, Bolsonaro traiu de papel passado a confiança dos eleitores que acreditaram naquela espécie de cruzada “antipolítica”, “antissistema” ou outro engodo qualquer, que foi a tônica de sua campanha eleitoral em 2018. Foi justamente essa falácia moralizadora o que mais arrebanhou votos para Bolsonaro. Suas propostas de governo seguramente não foram, pois nunca existiram.

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto das metamorfoses

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.