segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Fernando Gabeira - Um passo para a teocracia

O Globo

No momento em que o país afunda na recessão, e cresce a insegurança alimentar, começo com um tema secundário, desses que os analistas políticos acham que mereciam apenas uma nota de pé de página na história.

O tema são os gastos do cartão corporativo de Bolsonaro. Ele gasta a média de R$ 1,3 milhão por mês, e suas despesas estão sendo julgadas, em segredo, pelo Tribunal de Contas.

É muito dinheiro para quem tem casa, comida, conexão e transporte gratuitos. O relator do processo é o ministro Raimundo Carreiro, o mesmo que Bolsonaro designou embaixador do Brasil em Portugal. Um prêmio.

O deputado Elias Vaz (PSB- GO) pediu que o relator se declarasse impedido. Mas é duvidoso que aceite isso ou que seja levado a isso.

Carreiro foi um grande amigo de Sarney. Nasceu num distrito de Nova Iorque, no Maranhão, e aos 16 anos votou pela primeira vez na UDN. Dizem que se declarou dois anos mais velho para ser eleitor de Sarney.

Sempre foi protegido do cacique maranhense. No Senado, saiu da área de produção de atas e acabou sendo um assessor vital para os presidentes. Sua fidelidade o levou ao Tribunal de Contas, e agora parece cruzar o oceano com ele.

Miguel de Almeida - Como vingança, Bozo escreve sua biografia

O Globo

O Bozo é um tipo informado (pelo Carluxo), esperto (-5%+4%=9%) e ganancioso como um jogador de palitinho em barraca do calçadão. E tem ciúme de homem.

Tomou ódio de João Doria não por causa da CoronaVac. Foi antes. Ao vivo e em cores não conseguiu sequer pagar uma flexão de solo. Doria fez quinze, com toda a técnica (sem suar o botox).

Quanto ao Moro, a discórdia não ocorreu pelas rachadinhas ou por nomeações na Polícia Federal. A carpidura bozofrênica veio à tona com os elogios públicos às gravatas do ex-juiz.

Em duas semanas, as admoestações aumentaram no campo da vaidade. Bozo não é alguém capaz de cultivar veleidades — isso não é coisa de homem. Silas Malafaia pode tingir o cabelo, mas isso lá é um particular dele.

Mas com a idade (e a barriga) despontaram sentimentos como o despeito, a dor de cotovelo, enfim, tornou-se um tipo ínvido — brotou o tal do olho grande. Sim, passou a ser cobiçoso.

Os últimos dias foram brutais para azedar seu ressentimento. Lula ganhou uma biografia escrita por Fernando Morais. “Esse cara, depois de amar Quércia, xingar Gabeira, gamou no ex-operário”, Bozo ouviu de militares próximos.

Até aí, tudo bem. Faz parte do jogo. Mas agora Sergio Moro também escreveu um livro, uma autobiografia! Mesmo que a prosa seja em um estilo Maringá, tipo Norte do Paraná, ou gravata e camisa da mesma cor, isso doeu no capitão.

Irapuã Santana - Liberalismo popular

O Globo

Liberal não gosta de pobre? Pobre de direita não deveria existir?

Essas são algumas ideias que foram espalhadas por aí como verdadeiros mantras inquestionáveis em boa parte de nossa sociedade.

Entendo que os questionamentos precisam ser feitos e que necessitamos refletir melhor sobre o tema.

Primeiro, devemos observar quem são as pessoas que compõem as comunidades, o que elas querem e o que sentem. Nada melhor para chegar a esse tipo de conclusão do que efetivamente perguntar a elas. Afinal, elas têm o tal do “lugar de fala”. Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, essas respostas foram buscadas. O primeiro ponto interessante é que, pela rotina extremamente atribulada, as pessoas não ligam muito para rótulos de esquerda e direita — o que não é, de forma alguma, ruim. A pessoa que sai de casa às 6 horas da manhã e volta às 10 da noite tem como prioridade descansar para trabalhar no dia seguinte e manter a rotina, atrás do pão de cada dia.

Bruno Carazza* - O Senado e o povo

Valor Econômico

Disputas pelas 27 cadeiras em disputa serão cruciais

Senatus Populusque Romanus - o Senado e o Povo de Roma. A sigla SPQR está presente em documentos, moedas e monumentos da Roma Antiga. O seleto grupo de representantes das famílias mais poderosas assumiu diferentes funções ao longo da monarquia, da República e do Império Romano. No princípio tinha caráter consultivo, aconselhando o rei nos momentos de crise; com o passar do tempo, seus decretos legislativos e suas orientações jurisprudenciais passaram a orientar a evolução de uma das principais civilizações da história.

O Senado brasileiro replica o arranjo institucional criado pelos Estados Unidos em 1789. Enquanto o povo é representado na Câmara dos Deputados, os Estados que compõem a Federação têm o direito de eleger senadores para representar seus interesses nos desígnios da nação.

No projeto concebido por Oscar Niemeyer para o Congresso Nacional, as cúpulas destinadas à Câmara e ao Senado são diferentes em relação ao tamanho, à posição e à distância em relação às torres centrais - a semiesfera destinada a abrigar o plenário dos senadores é menor, voltada para baixo e mais próxima ao centro do que a da Câmara. O arquiteto buscou o equilíbrio não por meio da simetria entre as duas Casas, mas pelo confronto de formas e volumes - tal qual acontece no jogo do poder.

Em 2021 o Senado Federal assumiu o papel de conter o avanço da agenda concebida pelo casamento de Bolsonaro com o Centrão, celebrado com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara.

Alex Ribeiro - BC se exime de culpa pelo baixo crescimento

Valor Econômico

Economia definha com a crise fiscal e a falta de reformas

Os dados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre mostram que a economia está estagnada, e deverá continuar assim no ano que vem. Qual é a culpa do Banco Central, que está apertando a política monetária de forma acelerada para conter a alta inflação?

O diretor de política econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, acha que os principais responsáveis são outros: os ruídos da política fiscal e os velhos problemas estruturais, que limitam a velocidade de expansão da economia. Os juros, claro, também têm a sua parcela de responsabilidade, mas ainda não tiveram tempo de chegar à atividade econômica.

Neste ano, o Congresso Nacional incluiu no mandato do Banco Central, na lei que deu autonomia à instituição, o objetivo secundário de suavizar a flutuação da atividade econômica, que deve ser perseguido desde que não comprometa a meta principal de estabilidade monetária. Mas o BC não faz milagres.

Marcus André Melo - Corrupção e eleições presidenciais

Folha de S. Paulo

A corrupção como bandeira política não é um tema como outro qualquer

"O Chile não merece esta corrupção transversal", denunciou Gabriel Boric no primeiro turno da campanha presidencial no Chile. Ele se referia ao caso SQM —grande escândalo de corrupção que durante o governo Bachelet envolveu seus atuais adversários do Unidad Constituyente (centro-esquerda) e do Chile Vamos (centro-direita). E lamentou a falta de apoio deles para as medidas concretas que propôs para a punição dos envolvidos.

Para Kast, seu adversário, "a corrupção não é de esquerda ou de direita, é de todos os setores. Não é hora de pôr as mãos no fogo por ninguém, mas de auditar e investigar todos."

Não podia ser diferente: ambos são outsiders; a bandeira da corrupção é tema de quem está fora do governo. Sobretudo de quem nunca foi governo. Quem detém ou deteve recentemente a caneta para nomear, demitir, contratar e pagar é que pode ser denunciado por corrupção. Incumbentes nunca tratam da corrupção a não ser quando são recém-chegados ao poder.

"Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder". Esta máxima de Millôr é certeira e tem respaldo na literatura.

Catarina Rochamonte - Atos secretos, atores corruptos

Folha de S. Paulo

Câmara e Senado estabeleceram o poder de utilizarem verbas públicas sem dar satisfação ao público

Que um Parlamento destine a si mesmo verbas bilionárias para serem distribuídas entre deputados e senadores de forma secreta e discricionária por um colega relator é, além de imoral, inconstitucional.
A institucionalização da compra de votos por meio da esbórnia orçamentária possibilitada pelas emendas do relator (emendas RP-9) que direcionaram verbas do orçamento secreto fere os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que a administração pública deve obedecer.

Por isso mesmo a ministra Rosa Weber, do STF, suspendera tais emendas, exigindo transparência sobre a verba assim liberada nos últimos dois anos. Em resposta, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, assinaram e mandaram publicar um ato conjunto que, em frontal desrespeito à Suprema Corte, afirmava que o Congresso Nacional manteria em segredo os nomes dos parlamentares beneficiados. Chamados a convalidar o ato dos presidentes, os nobres parlamentares estabeleceram para si mesmos —por um placar de 268 a 31 na Câmara e 34 a 32 no Senado— o poder de se utilizarem de verbas públicas sem dar satisfação ao público.

Celso Rocha de Barros - A Biografia de Lula

Folha de S. Paulo

Fato de o biógrafo ser próximo ao biografado, em princípio, não desqualifica uma obra

As primeiras 160 páginas da biografia de Lula escrita por Fernando Morais (Lula: Biografia, Volume 1, Companhia das Letras, 2021) são dedicadas ao ano e meio entre a prisão do ex-presidente em 2018 e sua libertação no final de 2019.

O tom é diferente do resto do livro: Morais viu de perto o que narra e interpreta o que viu como alguém que estava no centro da briga, sem qualquer pretensão de distanciamento.

No fim do livro, explica que foi uma mudança com relação ao projeto original: Sentiu que não era possível, em 2021, publicar a biografia de Lula sem esse depoimento.

Mesmo nesse trecho há histórias inéditas de bastidores, inclusive uma –sobre a briga em torno de quem mandaria na mailing list de Lula no segundo turno de 2018– que sugere um erro grave da parte do PT.

Tanto quanto sei, esse é o primeiro livro a contar que Gleisi Hoffmann foi cogitada como candidata em 2018. Mas a função dessas 150 páginas é, sobretudo, de denúncia do processo de Lula e de testemunho da luta dos que ficaram ao seu lado durante a prisão.

Ana Cristina Rosa - O Brasil quer ser um país decente?

Folha de S. Paulo

Comissão de juristas negros nasceu da violação cotidiana de direitos da maioria da população

No mesmo dia em que uma comissão de juristas negros entregou à Câmara dos Deputados, em Brasília, relatório contendo propostas de alterações legislativas com vistas a um Brasil antirracista, um homem negro foi algemado a uma moto da PM de São Paulo e arrastado por uma avenida da maior capital da América Latina em explícita demonstração da violência policial racializada no país.

A imagem foi comparada pelo ouvidor da própria PM aos castigos outrora aplicados a escravizados e um inquérito foi aberto. Em outra esfera, houve autoridade que não viu ilegalidade no ato da prisão. Os fatos ilustram a urgência da implementação de mecanismos efetivos de promoção da equidade racial no maior território negro fora da África.

Denis Lerrer Rosenfield - Moro recoloca a ética no debate da política

O Estado de S. Paulo

A traição e a falta de lealdade residem em quem abandonou seus princípios e valores, apegando-se unicamente a suas posições de poder

O ingresso do presidente Jair Bolsonaro em seu novo partido é revelador do nível em que caiu a política brasileira. Após uma campanha eleitoral contra a “velha política”, contra o “sistema”, clamando por uma renovação com toques religiosos de salvação nacional, eis que o novo “militante” do PL se curva a tudo o que dizia abominar. Qualquer traço de coerência ou de verdade simplesmente se evapora ou, melhor, desaparece, como se nunca tivesse existido. Coroando o ato, seu filho, senador Flávio Bolsonaro, disse em poucas palavras tudo o que este triste evento encerra: discursou contra o ex-presidiário Lula sem atentar, talvez, a que sua fala ocorria no partido de um ex-presidiário, antigo companheiro dos petistas.

Em seu livro, o ex-juiz Sérgio Moro relata que o presidente Bolsonaro se regozijou com a “libertação” de Lula, expondo, para quem quiser ver, a afinidade que os une, apesar das aparências discordantes. Enfim, seu inimigo figadal estaria “livre” para enfrentá-lo eleitoralmente, numa polarização altamente benéfica para ambos os contendores. Numa encenação que lhe é própria, o atual presidente vociferou contra as “mentiras” de Moro, mostrando o quão incomodado está com um candidato que pode colocar o seu favoritismo em questão. Diria que, para o seu adversário, quanto mais golpes receber, melhor será, na medida em que atrairá para si a atenção de todos os que estão preocupados com a moralidade na política.

Mirtes Cordeiro* - Para onde vamos?

Sendo o Natal um tempo de esperança, que se elevem os espíritos e a capacidade de vigilância sobre o que acontece no país.

É chegado o Natal e, hoje, o dia escolhido pelo meu neto para a arrumação da árvore de Natal, da exposição do presépio, de colocar o Papai Noel na porta anunciando aos que chegam que festejamos o nascimento de Jesus, para os cristãos.

Para uma parte da população no mundo, essa data não é celebrada. Para os cristãos, a história que foi contada pelos apóstolos foi um marco na instituição do cristianismo, o que aconteceu num momento de grande disputa pelos territórios no mundo ocidental, com a expansão do domínio do Império Romano, há mais de dois mil anos.

O Natal celebra a data do nascimento de Jesus Cristo, que veio ao mundo para nos trazer a verdade e nos salvar dos nossos pecados. É o que diz a bíblia, um dia especial para o cristianismo, um momento de exaltação da união e do amor ao próximo.

Para muitos, Jesus, o salvador, é uma lenda. Para outros, um revolucionário que assumia, naquela época, as insatisfações de um povo explorado nas áreas da Cisjordânia e parte do Oriente Médio.

O certo é que a festa de Natal, antes religiosa, vem se tornando uma festa cultural e consumista em que os meios de produção e o comércio se programam para vender mais, atrair cada  vez mais os consumidores com vistas à obtenção de grandes lucros.

O que pensa a mídia - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O novo ministro

Folha de S. Paulo

Mendonça poderá interferir em pautas cruciais; STF deve fortalecer colegialidade

Tão logo vista a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, em posse marcada para 16 de dezembro, André Mendonça terá uma série de oportunidades para mostrar a quem servirá ao ocupar uma das 11 cadeiras da mais alta corte do país.

Após ser sabatinado por oito horas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça foi aprovado pelo plenário da Casa legislativa com o placar historicamente apertado de 47 votos a favor, 32 contra e 2 abstenções.

Parte considerável das dúvidas e temores em torno de sua indicação está relacionada à promessa, feita pelo presidente Jair Bolsonaro, de levar um ministro "terrivelmente evangélico" ao STF —Mendonça, o escolhido, é pastor.

Não há problema nenhum, obviamente, em um magistrado professar qualquer religião; errado será se suas crenças prevalecerem em decisões que devem estar baseadas na leitura da Constituição.

De maneira análoga, é perfeitamente legítimo que um juiz tenha posições conservadoras, desde que respeite a legislação em vigor —e, mais ainda, que não se paute pelos interesses imediatos do governo que o levou ao posto.

Poesia | Ferreira Gullar - Maio 1964

Na leiteria a tarde se reparte
em iogurtes, coalhadas, copos
de leite
e no meu espelho meu rosto. São
quatro horas da tarde, em maio.

Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo
a vida
que é cheia de crianças, de flores
e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo,
ter dois pés e mãos, uma cara
e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos
que nenhum ato
institucional ou constitucional
pode cassar ou legar.

Mas quantos amigos presos!
quantos em cárceres escuros
onde a tarde fede a urina e terror.